Solenidade de São João de Deus
Carta Circular do Superior Geral
Soube o que Deus lhe pedia
A todos os Irmãos e membros da Família Hospitaleira de S. João de Deus
Por ocasião
da Solenidade de São João de Deus, nosso Fundador, envio a toda a Família
Hospitaleira de São João de Deus as minhas felicitações e os meus melhores
votos para que todos celebremos com alegria a Festa do nosso Padroeiro.
Nesta
ocasião, gostaria de recordar o episódio do incêndio no Hospital Real de
Granada e a atuação de São João de Deus nessa situação urgente. A sua atitude
deixou, primeiro, paralisadas e, depois, atónitas as pessoas de Granada ao
verem a forma como o nosso santo Fundador interveio. Castro refere-se-lhe no
capítulo XIV da sua Biografia de S. João de Deus.
Podemos
imaginar a cena. Certamente por alguma razão importante – tinha sido organizada
uma festa no Hospital Real e as cozinhas precisavam de trabalhar com mais
pressão, ou tratou-se simplesmente de um acidente – o facto é que as chamas começaram
a devorar os espaços, feitos em grande parte de madeira, o que alimentou o
incêndio. No interior, muitas pessoas fugiram rapidamente quando viram que as labaredas
estavam a ficar cada vez maiores e não as conseguiam apagar com baldes de água.
Mas era um Hospital, com uma grande secção de doentes mentais, que estavam
assustados e imobilizados. O que seria deles? Quem cuidaria deles? Quem se
apressaria a salvá-los das chamas?
Muitas
pessoas de todas as classes sociais de Granada acorreram ao local e todos
sabiam que, infelizmente, ainda havia dentro do Hospital muitas pessoas doentes
que era preciso salvar, caso contrário morreriam vítimas das chamas. Estavam
preocupadas, mas imóveis, paralisadas. Como ir lá dentro, em tais condições? Entrar
significava pôr em perigo a própria vida.
Quando João
de Deus soube da notícia, pensou apenas nos doentes que lá se encontravam e correu
para o local. Quando lá chegou, e apesar de ver as dimensões do incêndio, compreendeu
logo o que Deus lhe pedia. Não havia tempo a perder. Estavam lá muitos doentes,
alguns até tinham sido seus companheiros, que precisavam de ajuda, de alguém
para lhes acudisse para os ajudar a sair daquele inferno de fogo. Assim, seguindo
a um impulso vindo do Senhor, atirou-se para dentro do hospital em chamas, sem
olhar ou avaliar os perigos para a sua vida e, pouco a pouco, foi tirando de lá
todos os doentes. Castro acrescenta que até salvou das chamas todas as camas e
roupas que havia no hospital. Eram de tais proporções o fogo e o fumo que
ninguém dava nada pela sua vida, mas ele acabaria por sair de lá ileso, apenas com
as "sobrancelhas chamuscadas", para espanto e alegria de todos os
presentes, os quais eram muitos.
Assim, João de Deus foi atraindo cada vez mais a admiração daqueles que o
conheciam. De facto, Castro diz no final do seu relato deste acontecimento: "De
atos semelhantes, que se deram na sua vida, muitos mais se poderiam referir;
omitem-se, porém, por brevidade". Perante as necessidades daqueles que
sofriam, João sabia o que Deus lhe pedia: esquecer-se de si mesmo e dar tudo
pelo seu irmão, mesmo pondo a sua vida em risco, como aconteceu no incêndio do
Hospital Real, mas também em outros momentos da sua vida, como bem sabemos. Era
o Espírito do Senhor que o impelia a fazê-lo, e tal foi a sua força carismática
que, como o Bom Samaritano, seguindo Jesus Cristo, colocou as necessidades dos
outros antes da sua própria vida, doando-se completamente a si próprio. Ele não
tinha medo, porque era Deus quem o impulsionava e guiava, quem cuidava dele e o
acompanhava, quem o apoiava e nunca o abandonava.
Para todos
nós, o seu testemunho desafia-nos e encoraja-nos a renovar constantemente a
nossa vocação e a nossa missão hospitaleira. As necessidades continuam a ser muitas,
por vezes não atingem as proporções do incêndio no Hospital Real, mas, às vezes,
sim, e são sempre urgentes para as pessoas que sofrem no mundo de hoje e nos
lugares onde cada um de nós vive. Por vezes, corremos o risco de ficarmos
paralisados, às vezes, preocupados, mas imóveis, fazendo pouco ou nada. Frequentemente,
colocamo-nos neste grupo dos preocupados não ativos. Talvez estejamos a
perder a sensibilidade que inflamou os nossos corações quando decidimos seguir
o caminho de João de Deus, talvez nem sempre nos perguntemos o que é que Deus
nos pede face às situações de sofrimento que encontramos.
Como todos
sabem, começámos a preparação para o próximo Capítulo Geral, que prevemos
celebrar em Częstochowa (Polónia), no mês de outubro do próximo ano. O
testemunho que nos foi dado pelo nosso Fundador deve ser a melhor disposição de
todos os membros da Família de São João de Deus para se prepararem para este
Capítulo e enfrentarem o futuro da Ordem. Tal como João de Deus, todos nós
devemos saber o que Deus pede a cada um de nós: dar tudo pelos doentes, pelas
pessoas pobres e carenciadas, mesmo pondo em risco as nossas próprias vidas,
sempre que houver uma situação de sofrimento e necessidade. É este o rosto mais
radical da hospitalidade, que devemos estar sempre prontos a mostrar, como
fez São João de Deus no caso do incêndio no Hospital Real de Granada, e em
muitos outros casos. A Igreja, o mundo e a Ordem precisam de testemunhas genuínas
e radicais de hospitalidade, testemunhas que não olham para si próprias, mas
colocam a sua vida ao serviço dos outros. João de Deus soube o que Deus lhe
pedia e fê-lo. Também nós sabemos: vamos dar tudo, mesmo as nossas vidas, para
responder ao Senhor. Foi assim que João de Deus começou a sua obra, que
continua até aos dias de hoje. Assim, a Ordem terá um futuro, porque é isso
que Deus nos pede.
Gostaria agora de vos informar sobre o resultado da campanha de 2022 para o
projeto "Construir a esperança em Cuba", destinada à
construção de uma Unidade de Cuidados Paliativos no Lar San Rafael para Idosos,
em La Havana, e à reestruturação da Unidade Santa Ana, do Sanatório San Juan de
Dios, sempre em La Havana, para doentes mentais. O montante recebido foi de 422.984,75 euros,
resultado da solidariedade de todos, pelo que gostaria de vos manifestar mais
uma vez a minha mais sincera gratidão.
Ao mesmo tempo,
comunico-vos que a campanha para o ano corrente de 2023 será destinada ao
projeto "Timor-Leste (Província de Portugal)". Trata-se
de criar um centro de assistência para pessoas sem abrigo e marginalizadas.
Agradeço desde já a vossa generosidade e peço-vos que apoiemos esta causa, ao
serviço das pessoas pobres e marginalizadas de Timor-Leste. Sobre esta campanha
ser-vos-ão brevemente enviadas mais informações.
Desejo a
todos uma feliz festa de São João de Deus! Que o seu exemplo nos ensine a
discernir o que Deus nos pede nas situações vividas por cada um de nós, de
modo a respondermos com ternura e hospitalidade perante os incêndios, em
sentido metafórico, que todos diariamente encontramos.
Unidos no
Senhor e em São João de Deus, recebam um abraço fraterno,
Ir. Jesús Etayo
Superior Geral