Dimensão Missionária da Ordem Hospitaleira de S. João De Deus
Profetas no mundo da Saúde
ORDEM
HOSPITALEIRA DE S. JOÃO DE DEUS
DIMENSÃO MISSIONÁRIA
DA
ORDEM hospitaleira de s. JOÃO de deus
Profetas no mundo da
Saúde
ROMA, 1997
ÍNDICE GERAL
Pág.
Siglas e abreviaturas principais 7
Apresentação 9
Introdução 11
I PARTE. A
NOSSA MISSÃO NA IGREJA: ANUNCIAR E TORNAR PRESENTE
O EVANGELHO DA MISERICÓRDIA 13
Capítulo I. Dimensão evangelizadora da
Igreja 15
1. Jesus de Nazaré. Sentido da vida do
homem 15
2. Experiência de fé e anúncio da
mensagem de salvação 16
3. Compromisso da Igreja na
evangelização 17
4. A força evangelizadora e pastoral do
Concílio Vaticano II 18
5. Exigências evangelizadoras
apresentadas pelo Magistério:
A
Evangelii nuntiandi e a Redemptoris missio 20
6. Respostas missionárias da Igreja. A
nova evangelização 22
7. A Vida Consagrada no mistério e na
missão da Igreja 24
Capítulo II. João de Deus: Irmão-Servo
para a salvação de todos 27
1. Seduzido pela misericórdia de Deus 27
2. Testemunha da Hospitalidade de Deus 28
3. Tornou contagioso o amor ao próximo 30
4. Os primeiros companheiros 31
5. Sinais proféticos e evangelizadores
da sua vida 32
II PARTE. ELEITOS PARA EVANGELIZAR OS POBRES E OS DOENTES.
PANORÂMICA HISTÓRICA 39
Capítulo III. A Ordem Hospitaleira até
meados do séc. XIX 41
1. Desde a morte de João de Deus até à
divisão da Ordem em duas Congregações 41
2. Divisão da Ordem em duas
Congregações 43
2.1. A Congregação Espanhola 43
2.2. A Congregação Italiana 45
3. A Ordem na América durante este
período 46
4. Presença dos Irmãos na Ásia, África
e Oceânia 48
5. Valores da Hospitalidade e factores
que influíram na difusão da Ordem 50
6. Fiéis à Hospitalidade até ao
martírio 50
Capítulo IV. Resposta apostólica e missionária da Ordem
desde meados do séc. XIX 53
1. Extinção da Congregação Espanhola 53
2. Decadência e restauração da
Congregação Italiana 55
3. Decadência e desaparecimento da
Ordem nas Províncias Ultramarinas 56
III PARTE. COMPROMETIDOS NA HOSPITALIDADE 59
Capítulo V. Literatura da Ordem sobre a
evangelização 61
1. Íter histórico das Constituições 61
2. Princípios sobre a evangelização 62
3. A dimensão apostólica e missionária
nos escritos dos nossos Irmãos 67
4. A acção missionária segundo o
pensamento dos nossos missionários 72
Capítulo VI. Organismos da Ordem ao
serviço da evangelização 79
1. Organismos da Cúria Geral ao serviço
das missões 79
2. Organismos Interprovinciais ou
Provinciais 85
IV PARTE. A HOSPITALIDADE NOS DIAS DE
HOJE 87
Capítulo VII. Nova difusão da
Hospitalidade 89
1. Europa: força dinamizadora da
presença da Ordem 89
2. Actualidade da Ordem na América 95
3. África: seiva nova na árvore da
Hospitalidade 98
4. Ásia: presença da Ordem numa cultura
de contrastes 103
5. Oceânia: novos horizontes da
Hospitalidade 107
Capítulo VIII. Exigências missionárias
actuais para a vida da Ordem 111
1. A vocação do Irmão de S. João de
Deus vivida com espírito missionário 111
2. A animação missionária, um desafio
para as nossas comunidades 113
3. A Carta da Animação Missionária 1114
4. Princípios basilares do nosso
trabalho 1115
5. Nova Hospitalidade: nova
evangelização em chave joandeína 120
Documentação e bibliografia 123
Siglas e principais abreviaturas
AG AD GENTES. Concílio Ecuménico Vaticano II:
Decreto
sobre a actividade missionária da Igreja
AGFR Arquivo
da Cúria Geral dos Irmãos de S. João de Deus [Fatebenefratelli]
em Roma
AIP Arquivo
Interprovincial Pisas, de Granada
CELAM IV IV
Conferência Geral do Episcopado Latino-americano:
Santo
Domingo (12-28 de Outubro de 1992)
Const. Constituições
da Ordem Hospitaleira de S. João de Deus
DS Carta
de João de Deus à Duquesa de Sesa
DV DEI VERBUM. Concílio Ecuménico Vaticano II:
Constituição
Dogmática sobre a Revelação Divina
EA ECCLESIA
IN AFRICA. Exortação Apostólica de João Paulo II
sobre
a Igreja em África e a sua missão evangelizadora rumo ao ano 2000
EE.GG. Estatutos
Gerais da Ordem Hospitaleira de S. João de Deus
EN EVANGELII
NUNTIANDI. Exortação Apostólica de Paulo VI
sobre
a evangelização no mundo actual
GL Carta
de João de Deus a Guterres Lasso
GS GAUDIUM ET
SPES. Concílio Ecuménico Vaticano II:
Constituição
Pastoral sobre a Igreja no mundo actual
LB Carta
de João de Deus a Luís Baptista
LG LUMEN GENTIUM. Concílio Ecuménico Vaticano II:
Constituição
Dogmática sobre a Igreja
NA NOSTRA AETATE. Concílio Ecuménico Vaticano II:
Declaração
sobre as relações da Igreja com as religiões não-cristãs
PC PERFECTAE CARITATIS. Concílio Ecuménico Vaticano
II:
Decreto
sobre a renovação e adaptação da vida religiosa
POE Presença
da Ordem em Espanha. Madrid, 1986
RMi REDEMPTORIS
MISSIO. Carta encíclica de João Paulo II
sobre
a validade permanente do mandato missionário
CIAL.OH Secretariado
Interprovincial da Ordem Hospitaleira para a América Latina
SC SACROSANCTUM
CONCILIUM. Concilio Ecuménico Vaticano II
Constituição
sobre a Sagrada Liturgia
SD SALVIFICI
DOLORIS. Carta apostólica de João Paulo II
sobre
o sofrimento humano
SELARE Secretariado
Latino-Americano da Renovação
VC VITA
CONSECRATA. Exortação Apostólica de João Paulo II
sobre
a vida consagrada.
Nota do Tradutor: As citações das Cartas de S. João de
Deus foram extraídas da edição de 1985 das Constituições (Telhal),
edição que inclui a Regra de Santo Agostinho e as Cartas.
Para as citações dos documentos
pontifícios foram utilizadas as edições oficiais em português dos respectivos
documentos, publicados pela Libreria Editrice Vaticana. Para as citações
dos documentos conciliares foi utilizada a 10ª edição do “Concílio Ecuménico
Vaticano II”, Editorial A.O., – Braga 1987.
APRESENTAÇÃO
A Dimensão missionária da Ordem
Hospitaleira, documento que agora chega às vossas mãos, é uma reflexão que
vem preencher uma lacuna na Bibliografia da Ordem.
Este trabalho é o resultado de um longo
processo de elaboração, que passo a sintetizar:
· Na reunião da Comissão Geral de Animação, efectuada de 11
a 13 de Março de 1992, constatou-se a necessidade de realizar um estudo sobre a
“Dimensão Missionária da Ordem”. Sem chegar a definir o título, ficou
determinado que o documento devia referir- -se ao passado e ao presente da
acção apostólica da Ordem em terras de missão, devendo simultaneamente traçar
as linhas futuras neste campo.
· Na reunião seguinte, realizada de 16 a 18 de Outubro do
mesmo ano, insistiu-se novamente no tema e sugeriu-se que a celebração do V
Centenário do Nascimento de S. João de Deus seria uma boa oportunidade para
oferecer à Ordem um documento que reavivasse o sentido apostólico nos Irmãos e
Colaboradores.
· A Comissão Geral de Animação, na reunião de 26 e 27 de
Maio de 1993, recebeu um esquema dos pontos do documento considerados
fundamentais para serem estudados e, se se considerasse oportuno, aprovados.
Com algumas alterações, o esquema foi aprovado pela Comissão Geral de Animação.
· Foi nomeada uma Comissão, integrada pelos Irmãos Pascual
Piles, na altura primeiro Conselheiro Geral, Jesus A. Labarta, Mestre de
Noviços de África, Jesus Etayo e Ubaldo Feito, que distribuíram entre si o
trabalho a realizar, contando com a colaboração de outros Irmãos da Ordem.
· A Comissão Geral de Animação, na reunião de 18-20 de Maio
de 1994, insistiu na oportunidade de publicar o documento durante o V
Centenário do Nascimento de S. João de Deus.
· Apesar dos esforços realizados pela Comissão para levar a
cabo o serviço de que havia sido incumbida, no Capítulo Geral de 1994
constatou-se a impossibilidade de concluir o documento no prazo previsto.
· O Programa de Governo para o sexénio 1994-2000 previa o
acabamento e a publicação do documento em 1996/97, contando para esse fim com
os mesmos Irmãos que integravam a Comissão antes do Capítulo, incluindo o
Superior Geral.
· A Comissão Geral de Animação, reunida nos dias 26 e 27 de
Junho de 1996, pensou que a Assembleia Geral a realizar em Outubro de 1997
seria um momento adequado para a apresentação do documento.
· Após o trabalho de elaboração e redacção realizado pelos
diversos membros da Comissão e de uma ulterior revisão para evitar inúteis
repetições, na reunião de 5-6 de Junho de 1997, foi finalmente apresentado à
Comissão Geral de Animação o documento que agora se entrega às Províncias da
Ordem.
Julgamos ter realizado o serviço que a
Ordem requeria. No documento, além de se ter em conta a essência da missão da
Igreja, a evangelização e as características que a vida consagrada lhe conferem,
detivemo-nos especialmente na análise histórica da acção apostólica e
missionária da Ordem na obra evangelizadora que os nossos Irmãos realizam
actualmente, e de modo especial nos países em vias de desenvolvimento,
valorizando e agradecendo o seu testemunho. Tendo em conta a sugestão da
Comissão Geral de Animação na reunião de Março de 1992, foram também
consideradas as perspectivas futuras da dimensão apostólica e missionária da
Ordem.
Sinto-me feliz por poder oferecer à
Ordem esta reflexão, certo de que ela há-de contribuir para o crescimento
espiritual e apostólico dos Irmãos e dos Colaboradores.
Ir. Pascual Piles, OH
Superior Geral
Roma, 12 de Outubro de 1997.
INTRODUÇÃO
A dimensão
Missionária constituiu uma das características fundamentais da nossa Ordem
no exercício do seu apostolado ao longo da história. Esse espírito missionário
continua vivo como mais um sinal de que a misericórdia de Deus quer chegar a
todos os homens por meio da caridade cristã, segundo o estilo de S. João de Deus
e de outros muitos santos, homens e mulheres, de ontem, de hoje e de amanhã
que, sentindo o amor de Deus em si mesmos, decidiram transmiti-lo aos outros.
O documento
divide-se em quatro partes. A primeira, formada por dois capítulos, tem por
título: “A nossa missão na Igreja: anunciar e tornar presente o Evangelho da
misericórdia”. O primeiro capítulo refere-se à dimensão evangelizadora da
Igreja a partir do novo sentido da vida do homem, inaugurado em Jesus de Nazaré
que, antes de subir ao céu, deixou aos seus discípulos o mandato de continuar
no mundo a obra da salvação. Deles, a comunidade eclesial formada no dia de
Pentecostes recebeu a missão de testemunhar e anunciar o Evangelho, sendo esta
a tarefa mais importante a realizar no mundo. Recordamos especialmente a
dimensão missionária da Igreja a partir do Vaticano II e a dimensão
evangelizadora como essência e sentido da Vida Consagrada.
O segundo
capítulo centra-se na figura do nosso Fundador que, transformado e atraído pelo
amor misericordioso de Deus, sente a urgente necessidade de o comunicar aos
doentes e necessitados com gestos que se convertem em sinais proféticos e
evangelizadores. Em João de Deus tem origem a nossa Família religiosa; com ele
e nele, participamos na missão universal da Igreja.
A segunda parte,
intitulada: “Eleitos para evangelizar os pobres e os doentes”, apresenta
a trajectória histórica da Ordem, desde as suas origens até finais do séc. XIX.
À luz dos dois capítulos que integram esta parte, no capítulo terceiro, pode-se
constatar o impulso apostólico e missionário que animou e deu alento aos nossos
Irmãos na difusão da Ordem, por vezes mediante o sacrifício cruento da própria
vida; no quarto, fala-se de como eles souberam reorientar-se depois de superada
a crise vivida pela Igreja e, como consequência, também pela Ordem, durante a
segunda metade do chamado Século das Luzes.
Os dois capítulos
da terceira parte, intitulada: “Comprometidos na Hospitalidade”,
oferecem uma visão de conjunto sobre os meios de que a Ordem dispõe e oferece
para manter vivo o espírito apostólico dos Irmãos e para apoiar a sua missão no
mundo da Saúde, sob os pontos de vista estrutural e económico. No capítulo V,
faz-se referência à doutrina de documentos oficiais da Ordem, às Constituições
e a Cartas circulares de alguns Superiores Gerais, e dá-se importância especial
ao testemunho escrito de Irmãos que se distinguiram pela sua vida, nomeadamente
S. Ricardo Pampuri, ou pelo serviço que prestaram à Hospitalidade na missão “ad
gentes”; no capítulo VI são brevemente apresentados os organismos da Ordem que
estão ao serviço da evangelização.
A quarta parte,
intitulada: “A Hospitalidade nos dias de hoje”, oferece uma visão de
como a força do carisma da Ordem vivido pelos nossos Irmãos foi capaz de
realizar uma segunda difusão da Hospitalidade neste século, graças à qual a
Ordem torna hoje presente o Evangelho da misericórdia nos cinco continentes,
superando as graves dificuldades sociais e políticas que caracterizaram a
sociedade.
O último capítulo
fala das exigências missionárias actuais para a Ordem e refere-se à maneira
como a vocação do Irmão de S. João de Deus deve ser vivida com espírito
apostólico e missionário nas nossas comunidades para realizar e transmitir a
nova Hospitalidade, que é a expressão joandeína da nova evangelização.
Este documento destina-se a todos aqueles que hoje trabalham na Ordem para tornar realidade a nova Hospitalidade em união com os nossos Colaboradores, e também às futuras gerações de Hospitaleiros, aos quais oferecemos toda a riqueza espiritual que a Ordem foi acumulando com a sua dimensão apostólica e missionária, na fidelidade ao Espírito, à Igreja, a S. João de Deus e ao homem que sofre, para que também eles se sintam encorajados a continuar o anúncio e a difusão da mensagem de Cristo pelo mundo.
Com esta
reflexão, recordamos todos os Irmãos que nos precederam na evangelização, de
modo especial aqueles que se entregaram e continuam a dedicar as suas energias
à missão “ad gentes”. Trata-se de um pequeno reconhecimento que esperamos poder
completar. Se cada Província realizar o esforço de aprofundar o conhecimento da
própria história, para nela haurir o testemunho de vida dos Irmãos que tornaram
possível a actual realidade, as gerações futuras, além de admirar o entusiasmo
e o sacrifício que os animou na sua acção apostólica, encontrarão motivações
que as estimulem a viver e manifestar com renovado vigor o carisma que herdámos
de João de Deus.
I PARTE
A NOSSA MISSÃO NA
IGREJA:
ANUNCIAR E TORNAR PRESENTE
O EVANGELHO DA MISERICÓRDIA
Capítulo I
DIMENSÃO EVANGELIZADORA DA IGREJA
1. Jesus de
Nazaré. Sentido da vida do homem
A dimensão
evangelizadora da Igreja consiste em transmitir a salvação de Jesus, que veio
para nos tornar participantes nos desígnios de amor de Deus Pai sobre os homens
desde a criação.
O Pai criou-nos
por amor e bondade, para partilhar connosco a sua natureza divina: “No
princípio, Deus criou os céus e a terra” (Gn 1,1); “Deus criou o homem à
Sua imagem, criou-o à imagem de Deus” (Gn 1, 27). Criou todas as coisas
pelo Verbo Eterno, o seu Filho amado: “N’Ele foram criadas todas as coisas,
nos céus e na terra...; tudo foi criado por Ele e para Ele” (Col 1,16).
Deus desejou
desde sempre tornar-nos “filhos adoptivos, por meio de Jesus Cristo, por Sua
livre vontade, para fazer resplandecer a Sua maravilhosa graça” (Ef 1,5-6);
“procurando ao mesmo tempo a sua glória e a nossa felicidade” (AG 2).
Por Jesus,
sabemos que o Pai se manifesta no Filho e os dois no Espírito Santo. Neste amor
trinitário tem origem a criação do homem como “única criatura terrestre que
Deus amou por si mesma” (GS 24), pois só o homem é chamado a participar na
vida de Deus. Para este fim, fomos criados e é esta a razão fundamental da
nossa existência.
A humanidade,
devido às suas limitações, começou a mover-se num mundo ambíguo de sentimentos
para com Deus. Recordemos a história de Israel, modelo das contradições vividas
pelo homem. O povo eleito viveu o amor e a fé alternando-os com momentos de
infidelidade e idolatria.
Nesta ambiguidade
têm sempre caminhado os homens, questionando-se sobre os enigmas da vida, aos
quais todas as correntes de pensamento têm procurado responder, sem êxito. As
grandes questões sobre o sentido da vida, sobre o sofrimento e a morte, podem
levar a duvidar do amor misericordioso do Pai, manifestado na criação.
Deus, por meio da
Aliança, manteve a relação com as suas criaturas e foi progressivamente
manifestando o seu amor e a sua bondade até que, finalmente, se nos revelou no
seu Filho, Jesus Cristo: “Tendo Deus falado outrora aos nossos pais, muitas
vezes e de muitas maneiras, pelos Profetas, agora falou-nos nestes últimos
tempos pelo Filho, a quem constituiu herdeiro de tudo” (Hb 1, 1-2).
Jesus, enviado
pelo Pai com a força do Espírito, converte-se para nós em caminho de libertação
e salvação, dando sentido pleno e definitivo à humanidade, porque “Deus quer
que todos os homens se salvem” (1 Tim 2, 4), pois veio para cumprir o plano
de salvação anunciado pelos Profetas.
Toda a vida e
actuação de Jesus se baseia nesta missão, como se lê no Evangelho segundo S.
João: “O Pai, que Me enviou, foi Quem determinou o que devo dizer e
anunciar” (Jo 12, 49; RMi 5).
Jesus é o único
caminho que nos conduz a Deus. A sua missão concretiza-se em organizar tudo
segundo os desígnios da criação. Ele é a revelação máxima do amor do Pai: “Eu
sou o Caminho, a Verdade e a Vida. Ninguém vem ao Pai senão por Mim. Se vós Me
conhecêsseis, também conheceríeis Meu pai” (Jo 14, 6-9). Jesus proclama a
boa nova de Deus que nos convida a reconhecê-lo como Pai e a orientar a nossa
vida para Ele, cumprindo a sua vontade.
A Constituição
conciliar sobre a Revelação Divina recorda-nos que “Jesus Cristo, com toda a
sua presença e manifestação da sua pessoa, com palavras e obras, sinais e
milagres, e sobretudo com a sua morte e gloriosa ressurreição, e por fim, com o
envio do Espírito de verdade, completa totalmente e confirma com o testemunho
divino a revelação, a saber, que Deus está connosco para nos libertar das
trevas do pecado e da morte e para nos ressuscitar para a vida eterna” (DV
4).
Entrar em
comunhão com Deus por Jesus e sob a acção do Espírito significa ir construindo
uma nova sociedade, fraterna e solidária, favorecendo especialmente os fracos e
marginalizados, segundo o estilo de Jesus, como antecipação do Reino de Deus;
proclamar que Deus é Pai de todos e, portanto, que todos os homens são irmãos,
chamados a caminhar juntos para o mesmo destino e a construir um mundo que terá
a sua realização quando Deus for todo em todas as coisas, representa uma
mudança profunda nas relações humanas.
2. Experiência
de fé e anúncio da mensagem de salvação
Jesus, depois de
se apresentar como enviado do Pai, rodeou-se de discípulos, à maneira dos
antigos mestres que reuniam os seus seguidores para partilharem com eles a sua
palavra e a sua vida.
Mais tarde,
escolheu apóstolos e discípulos (cf. Lc 5, 10-11; 10, 1; Mc 3, 14). Assim se
foi constituindo ao redor de Jesus a primitiva comunidade cristã que dará
origem à Igreja de Cristo. Além dos mencionados nos evangelhos, muitos outros
escutaram a sua Palavra e começaram a viver uma fé que os foi transformando
radicalmente.
A Igreja surge a
partir da experiência pascal. Uma realidade nova, formada por Jesus e pelos
seus discípulos, expressão dos desígnios de Deus sobre o mundo. Depois da
Ressurreição, o Senhor envia os Apóstolos a comunicar a experiência por eles
vivida: “Ide pelo mundo inteiro e anunciai o Evangelho a toda criatura”
(Mc 16,15; cf Mt 28, 19; Jo 20,21).
No dia de
Pentecostes receberam o Espírito Santo e começaram a anunciar Aquele que tinha
enchido a sua vida de esperança e alegria. Com a força do Espírito Santo, a
comunidade primitiva começou a proclamar e a difundir a mensagem de salvação
por todo o mundo: “Cristo prometeu enviar o Espírito Santo, para levar a
cabo sempre e em toda a parte a obra da salvação” (AG 4).
A Igreja
encontrou sempre neste primeiro grupo de discípulos de Jesus, o modelo de
referência para a comunidade cristã e para a sua missão no mundo: “Eram assíduos
ao ensino dos Apóstolos, à união fraterna, à fracção do pão e às orações” (Act
2, 42), porque “tinham um só coração e uma só alma” (Act 4, 32).
Mais tarde
apareceram comunidades na Samaria, em Cesareia, na Síria, na Ásia Menor e na
Europa. É fácil supor que não teriam conseguido subsistir sem uma forte
vivência comunitária, e não teriam podido expandir-se sem um convicto sentido
missionário.
É de destacar a
fundação da Igreja de Antioquia (cf. Act 11, 19-30), modelo de actividade
missionária. Os seus fundadores tinham ido da comunidade de Jerusalém. Chegados
a Antioquia, movidos pelo Espírito, decidiram dedicar-se à evangelização,
tornando a missão num estilo de vida enraizada na fé. Começou assim o trabalho
missionário da Igreja até aos nossos dias.
3. Compromisso da Igreja na
evangelização
A evangelização é
para a Igreja a expressão da comunhão com Cristo: “... a actividade
missionária dimana intimamente da própria natureza da Igreja, cuja fé salvífica
propaga, cuja unidade colegial dilatando aperfeiçoa, em cuja apostolicidade se
apoia, cujo afecto promove” (AG 6).
Ao longo da sua
história, a Igreja manifestou a sua identidade na tarefa evangelizadora: ““Nós
queremos confirmar, uma vez mais ainda, que a tarefa de evangelizar todos os
homens constitui a missão essencial da Igreja”; tarefa e missão que as amplas e
profundas mudanças da sociedade actual tornam ainda mais urgentes. Evangelizar
constitui, de facto, a graça e a vocação própria da Igreja, a sua mais profunda
identidade. Ela existe para evangelizar” (EN 14).
A mensagem
evangélica chegou a inumeráveis lugares do mundo, mas verifica-se que o número
dos evangelizados representa apenas uma terça parte da humanidade: “À medida
que se aproxima o fim do segundo Milénio da Redenção, é cada vez mais evidente
que os povos que não receberam o primeiro anúncio de Cristo constituem a
maioria da humanidade” (RMi 40).
Um aspecto
significativo são os movimentos de expansão e retrocesso que se alternam na
acção evangelizadora (cf AG 6). As épocas de expansão da Igreja coincidiram com
os tempos dos Descobrimentos e conquistas, originando a chamada “era da
cristandade”, que começou com a queda do Império romano e as posteriores
conversões dos povos da Europa. A “descoberta” da América e as missões na Ásia
e na África coincidiram com momentos importantes na história da evangelização.
A Igreja teve de
superar numerosos obstáculos no exercício da sua missão, nomeadamente:
resistências de muitas culturas em aceitar a fé, oposição de sistemas
políticos, efeitos derivados de uma deficiente inculturação, difícil
convivência com outras religiões, perseguições anti-religiosas, etc. Estes
obstáculos foram superados com a convicção e a fortaleza que o Espírito Santo
confere à Igreja. Alguns deles produziram momentos de profunda revitalização e
testemunho, através do martírio.
Nos últimos
tempos surgiram outras dificuldades que estão a influenciar os nossos dias e
que foram caracterizando uma cultura que desvaloriza os desígnios de Deus sobre
o mundo.
Toda a sociedade
passou por uma transformação muito profunda e a Igreja, em virtude da sua
própria missão, teve de reformular a sua posição perante as novas situações.
Neste contexto, surge o Concílio Vaticano II para orientar a obra da
evangelização.
O Concílio
ilumina a eclesiologia da missão a partir de um sentido cristocêntrico de
“encarnação”, como ponto de referência fundamental, ao qual devemos sempre
recorrer: “A missão da Igreja realiza-se, pois, mediante a actividade pela
qual, obedecendo ao mandamento de Cristo e movida pela graça e pela caridade do
Espírito Santo, ela se torna actual e plenamente presente a todos os homens ou
povos para os conduzir à fé, à liberdade e paz de Cristo, não só pelo exemplo
de vida e pela pregação, mas também pelos sacramentos e pelos restantes meios
da graça, de tal forma que lhes fique bem aberto caminho livre e seguro para
participarem plenamente no mistério de Cristo” (AG 5).
A Igreja não nega
os elementos de verdade que existem no mundo e noutras crenças (cf. NA 2), mas
afirma que “é necessária para a salvação. Com efeito, só Cristo é mediador e
caminho de salvação” (LG 14). Tudo isto deve ser aplicado em sentido amplo
e a partir do plano salvífico de Deus na criação.
Terminado o
Concílio e quando a teologia da missão parecia mais apropriada para responder
às necessidades apresentadas pelo mundo, surgiram dentro da Igreja algumas
tendências que afectaram até mesmo os conteúdos dos ensinamentos conciliares.
Os fenómenos relacionados com a libertação, a teologia política, a salvação dos
não-cristãos, a promoção da justiça e da paz, e as diferentes formas de
testemunho e cooperação missionária, foram vividos sob diferentes perspectivas
na interpretação pós-conciliar.
As diversas
linhas de pensamento quanto à interpretação destes temas fizeram progredir os
diferentes aspectos pastorais da missão, por vezes com estilos e passando por
variadas experiências, tendo em vista alcançar os seus objectivos.
A exortação
apostólica Evangelii nuntiandi e a encíclica Redemptoris missio
vieram harmonizar os diferentes aspectos da missão, de forma a superar as
interpretações manifestadas no período pós-conciliar.
4. A força
evangelizadora e pastoral do Concílio Vaticano II
O Concílio
Vaticano II não foi unicamente uma iniciativa original de João XXIII; pode-se,
antes, considerar como o resultado de uma situação que se estava a viver desde
havia cem anos. A Igreja queria defender a sua posição perante as mudanças
profundas e rápidas que se estavam a verificar no mundo, como resultado da
filosofia moderna, mas não podia enfrentar esses novos desafios baseando a sua
missão em categorias do passado.
Era necessário
procurar novas soluções, porque a Igreja precisava de anunciar com clareza a
essência do seu próprio ser e agir no mundo como sacramento e missão, para
testemunhar o amor de Deus relevado em Jesus Cristo. Esta concepção seria,
posteriormente, o contributo mais relevante do Vaticano II, de onde brotaria
toda a sua força evangelizadora e pastoral.
Foram muitas as
novidades que o Concílio trouxe consigo. Mencionamos as que tiveram maior
repercussão:
a) A relação
da Igreja com o mundo
O Concílio propõe
uma nova forma de relação entre a Igreja e o mundo, baseada numa oferta de fé e
não no domínio do religioso sobre o âmbito secular. Este novo estilo vivido com
base na liberdade e na convicção pessoal, torna mais fácil a presença dos
crentes no mundo, tendo em vista a construção progressiva do Povo de Deus a
partir da fé e da caridade. Reconhece todos os aspectos positivos que a época
moderna confere à dignidade humana e, por isso, às relações com Deus,
promovendo os valores de uma sociedade justa e solidária, à luz da Revelação.
Do mesmo modo, o
Concílio supera a perspectiva individualista de pertença ao Povo de Deus, ao
declarar a Igreja como sacramento de Cristo e comunhão na fé, o que origina uma
concepção da mesma como sacramento de comunhão, que transparece em todos os
documentos conciliares, especialmente na Lumen gentium e na Gaudium
et spes.
b) Igreja,
comunhão e missão
O Concílio relaciona
paralelamente o mistério da Igreja-comunhão com o mistério da Igreja-missão. A
missão manifesta e realiza a comunhão e, por sua vez, é esta a origem e o
horizonte da missão.
Esta missão tem a
sua origem no mistério da comunhão com Deus e, segundo o estilo de Jesus,
consiste em anunciar e construir o Reino através de obras e palavras, o que
constitui o objectivo da evangelização.
A definição da
Igreja como sacramento de salvação representa uma nova categoria, para a qual
convergem a comunhão eclesial e a missão para com o mundo.
c) A reforma
litúrgica
Foi uma das
inovações do Concílio com mais repercussões no plano pastoral. Pressupõe que os
crentes superem atitudes religiosas de carácter individualista porque, como
membros do Povo de Deus, celebram a fé de maneira comunitária.
O uso das línguas
vernáculas facilita a compreensão dos sinais e a sua projecção no compromisso
da realidade quotidiana. A liturgia, partilhada no seio da comunidade, deve
revitalizar e interpretar esses sinais à luz da vida.
d) Outros
aspectos que influíram no dinamismo pastoral e evangelizador do Concílio:
os aspectos
relacionados com o sacerdócio comum dos fiéis; o reconhecimento da importância
dos leigos e dos seus carismas na consagração do mundo; a relação com os
não-cristãos e os não-crentes; a colegialidade episcopal; a restauração do
diaconado permanente; o conceito de Igreja que caminha para a plenitude da
verdade e a declaração sobre a liberdade religiosa. Sobre Nossa Senhora
desenvolve-se toda uma doutrina que a coloca na própria essência da Igreja e
reconhece medianeira na obra redentora de Cristo.
e) Sobre a
actividade missionária, o Concílio exprime a sua doutrina no decreto Ad
gentes, apresentando as linhas de acção da tarefa evangelizadora com base
nos seguintes conteúdos das Constituições conciliares:
· A Igreja como “sacramento de salvação”
e motivos para a evangelização universal (cf. LG 48).
· A Igreja que guarda e transmite a
Revelação de Deus a toda a humanidade (cf. DV 1).
· A reforma litúrgica como impulso
eficaz para a evangelização (cf. SC 2).
· A solidariedade da Igreja com o género
humano e a sua história, de modo que se torna urgente a missão universal (cf.
GS 1).
O decreto Ad
gentes provocou a manifestação de várias posições e contributos que nos
ajudaram a aprofundar a evangelização até aos nossos dias.
5. Exigências
evangelizadoras apresentadas pelo Magistério:
a
“Evangelii nuntiandi” e a “Redemptoris missio”
A) A Evangelii
nuntiandi
A exortação
apostólica Evangelii nuntiandi, de Paulo VI, foi publicada a 8 de
Dezembro de 1975, no X aniversário do encerramento do Concílio Vaticano II.
O seu objectivo
fundamental, enunciado já no título, é a “evangelização do mundo actual”, para “tornar
a Igreja do século XX mais apta ainda para anunciar o Evangelho à humanidade do
mesmo século XX” (EN 2), continuando na direcção do Decreto sobre a
actividade missionária da Igreja (Ad gentes) e aproveitando o conteúdo
sobre a evangelização deixado pelo Sínodo dos Bispos de 1974.
O maior
contributo da Evangelii nuntiandi consiste em ter alargado a abrangência
do termo “evangelização”, claramente expressa nos seguintes termos: “por
todo o mundo! A toda a criatura! Até às extremidades da terra! (...), como um
apelo para não se deter o anúncio evangélico, delimitando-o a um sector da
humanidade, ou a uma classe de homens, ou, ainda, a um só tipo de cultura”
(EN 50).
A evangelização
dirige-se ao mundo moderno na sua totalidade. Aparecem aspectos referidos à
justiça, ao desenvolvimento, à promoção humana, à libertação e à paz, que devem
ser iluminados e promovidos pela Igreja: “As condições da sociedade
obrigam-nos a todos a rever os métodos, a procurar, por todos os meios ao
alcance, e a estudar o modo de fazer chegar ao homem moderno a mensagem cristã,
na qual somente ele poderá encontrar a resposta às suas interrogações e a força
para a sua aplicação de solidariedade humana” (EN 3). Neste sentido,
acrescenta novos elementos aos enunciados no decreto Ad gentes, tornando
universal o campo de evangelização.
Entre outros
aspectos significativos, destacamos os seguintes:
· A Igreja precisa constantemente de se
evangelizar a si mesma mediante a conversão e a renovação que a ajudem a
conservar o seu impulso e a força para anunciar o Evangelho.
· A evangelização apresenta-se como uma
realidade rica, complexa e dinâmica, que engloba todos os elementos indicados
nas Constituições conciliares e no decreto Ad gentes, e que devem ser
abordados globalmente.
· O meio mais eficaz para a
evangelização é o testemunho coerente de uma vida autenticamente cristã.
· Entre os destinatários da missão
encontram-se os que ainda não conhecem a Cristo, os baptizados que vivem como
se não fossem cristãos, e os que professam outras religiões, ainda que estas
possuam elementos de salvação.
· O acto de evangelizar assume um
carácter profundamente eclesial, porque se faz em união com a missão da Igreja
e no seu nome.
· Todos os agentes da evangelização são
membros da Igreja.
· A Vida Consagrada assume uma função
primordial na evangelização porque, com a entrega total a Deus e ao serviço do
Reino, interpela o mundo e a própria Igreja.
Apresenta-se uma
nova visão da espiritualidade missionária, baseada no testemunho da unidade, na
busca da verdade e no fervor dos grandes evangelizadores.
A Evangelii
nuntiandi foi sem dúvida um dos documentos de maior impacte do Magistério
pós-conciliar. Deu um grande impulso à evangelização, à Igreja em geral e à
nossa Ordem. Os seus ensinamentos ajudaram-nos a orientar a nossa resposta
evangelizadora em todo o momento.
B) A Redemptoris
missio
A Carta encíclica
Redemptoris missio, de João Paulo II, foi publicada a 7 de Dezembro de
1990, vinte e cinco anos após o Decreto sobre a actividade missionária da
Igreja (Ad gentes).
É a primeira
encíclica especificamente missionária depois do Concílio, aprofundando e
concretizando a doutrina sobre a evangelização recolhida na Evangelii
nuntiandi.
Recorda-nos a
“missão do Redentor” e a “permanente validade do mandato missionário”, como
apelo urgente à evangelização universal, com renovado impulso e um novo
dinamismo. Apresenta a sua visão dinâmica dos valores do Concílio e das
posições da Igreja no mundo actual: “Mas o que me anima mais a proclamar a
urgência da evangelização missionária é que ela constitui o primeiro serviço
que a Igreja pode prestar ao homem e à humanidade inteira, no mundo de hoje,
que, apesar de conhecer realizações maravilhosas, parece ter perdido o sentido
último das coisas e da sua própria existência” (RMi 2).
Entre outros
aspectos significativos, destacamos os seguintes:
· Reúne a teologia trinitária do
Vaticano II e a reflexão pós-conciliar sobre a missão, encorajando-nos a
aprofundar o estudo dos diversos aspectos da missão.
· Insiste no compromisso a favor da
promoção humana, no respeito pela liberdade, no diálogo interreligioso e na
inculturação eclesial.
· Recorda o carácter missionário da
Igreja em todas as suas manifestações, valorizando o que se realizou desde o
Concílio Vaticano II.
· Distingue três situações na actividade
missionária da Igreja: dimensão ad gentes, atenção pastoral a prestar
aos crentes, e evangelização do mundo descristianizado.
· Define os diferentes âmbitos da missão
ad gentes: territoriais, fenómenos sociais novos, e áreas culturais, ou
areópagos modernos.
· Inter-relação e complementaridade das
diferentes actividades missionárias, porque os horizontes da missão são
ilimitados.
· Compromisso missionário das Igrejas
jovens para alcançar a sua maturidade e a plena comunhão com a Igreja
universal.
· Insiste na necessidade de cultivar e
promover as vocações missionárias “ad vitam”.
· Aprofunda a espiritualidade
missionária como exigência que associa a missão à vocação para a santidade.
A encíclica Redemptoris
missio estabeleceu as bases para a evangelização do terceiro Milénio.
Vincula a reflexão teológica à pastoral concreta, com uma nítida projecção para
o futuro.
6. Respostas
missionárias da Igreja. A nova evangelização
As respostas
missionárias da Igreja são as formas com que a evangelização ilumina as
necessidades dos homens, para lhes fazer chegar a mensagem de Deus revelado em
Cristo; foram condicionadas pela maneira de entender a evangelização e o seu
desenvolvimento perante os desafios do mundo. Recordamos brevemente esta
evolução:
O decreto Ad
gentes interpreta a actividade missionária e a evangelização,
preferencialmente, como anúncio do Evangelho e implantação da Igreja, e
distingue-a da habitual acção pastoral com os fiéis: “O fim próprio desta
actividade missionária é a evangelização e a implantação da Igreja nos Povos ou
grupos em que ainda não está radicada... É bem de ver também que a actividade
missionária entre os gentios difere tanto da actividade pastoral que se exerce
com os fiéis, como das iniciativas pela reunificação dos cristãos” (AG 6).
A Evangelii
nuntiandi considera a evangelização a partir de uma perspectiva muito
ampla, como já antes se recordou. Desenvolve aspectos que se apontavam no
decreto Ad gentes, e afirma que é uma actividade muito complexa, que
envolve múltiplos factores que transcendem o simples anúncio do Evangelho, que
devem ser integrados na totalidade: “A evangelização é uma diligência
complexa, em que há variados elementos: renovação da humanidade, testemunho,
anúncio explícito, adesão do coração, entrada na comunidade, aceitação dos
sinais e iniciativas de apostolado...” (EN 24).
No momento
actual, João Paulo II centra toda a acção missionária da Igreja na chamada
“Nova Evangelização”, uma expressão utilizada pela primeira vez na Conferência
do Episcopado Latino-americano, em Haiti, no dia 9 de Março de 1983: “A
comemoração do meio milénio de evangelização terá o seu significado pleno se
for um vosso compromisso, como Bispos, juntamente com o presbitério e os fiéis;
não um compromisso de evangelização, mas antes uma nova evangelização. Nova no
seu ardor, nos seus métodos e na sua expressão”.
O documento da IV
Conferência Geral do Episcopado Latino-americano (CELAM IV. Santo Domingo, 1992)
recolhe as ideias fundamentais sobre a “nova evangelização”:
· define-a (CELAM IV 24; cf. VC 81),
· indica quem é o destinatário (ibidem,
25; cf. VC 79.80), a finalidade (Ibidem, 26; RMi 33) e o conteúdo (ibidem,
27).
Esta
evangelização terá força renovadora na fidelidade à Palavra de Deus, terá o seu
lugar de acolhimento na comunidade eclesial, a sua força criadora no Espírito
Santo, que cria na unidade e na diversidade, alimenta a riqueza carismática e
ministerial, e se projecta no mundo mediante o compromisso missionário” (CELAM IV 27).
A “nova
evangelização” converteu-se no lema preferido de João Paulo II. Depois de ter sido
proclamado pela primeira vez na América Latina, aplicou-se à Europa e aos
países cristianizados, mergulhados em processos de secularização.
Em várias
ocasiões, o próprio Papa encorajou a Igreja a fazer uma reflexão contínua sobre
os aspectos que este novo desafio pastoral encerra, para esclarecer os seus
conteúdos e procurar fórmulas mais adequadas para o levar a efeito, insistindo
em que ela deve ser “nova no seu ardor, nos seus métodos e na sua
expressão”.
Indicamos os
conteúdos basilares da Nova Evangelização:
· Expressão clara da mensagem evangélica
que anuncia o plano salvífico de Deus, manifestado em Jesus, como salvação
integral do homem.
· Um estilo nitidamente de testemunho
baseado no radicalismo evangélico, como fruto de conversão pessoal e de um
processo de auto-evangelização.
· Opção pelos pobres e os que sofrem,
como prioridade em qualquer postura da nossa vida.
· Compromisso no desenvolvimento humano,
na justiça e na solidariedade, de forma a promover a dignidade do homem
desejada por Deus.
· Responsabilidade de todos os membros
da Igreja como agentes evangelizadores nos diferentes sectores e âmbitos em que
se encontram.
· Promoção do encontro e diálogo entre
cultura e fé, para responder às profundas expectativas do homem.
À margem da
evolução na reflexão teológica, a Igreja sempre esteve presente em todas as
necessidades dos homens, para as iluminar a partir do Evangelho. Está presente
na educação, no mundo da saúde, na acção social, na família, no mundo da
infância e da juventude, da terceira idade, no mundo dos marginalizados, dos
imigrantes, nos meios de comunicação, no voluntariado, nos países em vias de
desenvolvimento, procurando satisfazer necessidades primárias, trabalhando em
campos de refugiados, na promoção das Organizações Não- Governamentais, etc.
Todos os âmbitos humanos são adequados para levar a cabo a “nova
Evangelização”.
7. A Vida Consagrada no mistério e
na missão da Igreja
“A vida consagrada está colocada mesmo no coração da
Igreja como elemento decisivo para a sua missão, visto que “exprime a
íntima natureza da vocação cristã”” (VC 3; cf. AG 18).
O nosso estilo de
vida e a actividade apostólica ao serviço do homem foram as duas contribuições
primordiais dadas à evangelização: “Também eles deixaram tudo, como os
Apóstolos, para estar com Cristo e colocar-se, como Ele, ao serviço de Deus e
dos irmãos. Contribuíram assim para manifestar o mistério e a missão da Igreja,
graças aos múltiplos carismas de vida espiritual e apostólica que o Espírito
Santo lhes distribuía, e deste modo concorreram também para renovar a
sociedade” (VC 1).
Recordamos
algumas características que relacionam a Vida Consagrada com a missão universal
da Igreja.
· A Vida Consagrada é um dom de Deus
concedido à sua Igreja (cf. LG 43; VC
3).
· É inspirada pelo Espírito Santo (cf.
PC 1; VC 5, 19).
· Encontra-se inserida no âmago da
Igreja e exprime a missão salvífica da mesma (cf. LG 43. 44; VC 3.5.29).
· Com manifestações diversas, torna
possível o trabalho apostólico universal (cf. PC 1; VC 25, 72).
A pessoa consagrada
é uma testemunha que anuncia o Reino de Deus, em doação permanente,
gratuitidade e esperança. A partir da conversão contínua, da vivência dos
conselhos evangélicos e do serviço à Igreja, estabelece uma nova relação entre
Deus e o homem, para realizar o projecto de uma humanidade salva e reconciliada
em Cristo:
“Na
manifestação da santidade da Igreja, há que reconhecer uma objectiva primazia à
vida consagrada, que reflecte o próprio modo de viver de Cristo. Por isso
mesmo, nela se encontra uma manifestação particularmente rica dos valores
evangélicos e uma actuação mais completa do objectivo da Igreja que é a
santificação da humanidade” (VC 32).
O anúncio do
Evangelho é uma prioridade da vida consagrada e nela encontramos muitos dos
seus agentes mais representativos e carismáticos. Contribuiu para a
evangelização com as respostas que as famílias religiosas foram dando aos
diferentes desafios históricos. Na vida e obra dos fundadores, e na sua
capacidade de interpretar os sinais dos tempos, encontramos o seu contributo
mais significativo, segundo os diferentes carismas.
Nos nossos dias,
devemos destacar o testemunho de vida de religiosos e religiosas a favor da
promoção da dignidade humana, da justiça e da paz em países como El Salvador,
Argélia, Rwanda, Libéria, Serra Leoa, Zaire... Por vezes, tratou-se de um
testemunho selado com o martírio, presente em todas as épocas, que é uma das
formas mais evidentes da evangelização.
A nossa Ordem
Hospitaleira nasce do Evangelho da misericórdia, vivido em plenitude por João
de Deus, seu Fundador. “O nosso carisma na Igreja, um dom do Espírito que
nos leva a configurar-nos com o Cristo compassivo e misericordioso do
Evangelho” (Const. 1984, 2a), insere-nos na missão de Jesus: somos enviados
ao mundo e “proclamamos a grandeza do amor de Deus e mostramos aos homens
que Ele continua a interessar-se pela sua vida e pelas suas necessidades”
(Const. 1984, 8).
Nós, os Irmãos de
S. João de Deus, assumimos a tarefa evangelizadora como experiência e anúncio
da fé em Jesus: “O mandato de anunciar o Evangelho a todas as gentes, que a
Igreja recebeu do seu Senhor, também nos diz respeito a nós como Irmãos de S.
João de Deus. Conscientes da nossa responsabilidade na difusão da Boa Nova,
mantemos sempre vivo o espírito missionário” (Const. 1984, 48ab).
A história da
nossa Ordem está cheia de testemunhos de Irmãos que tornaram presente a
mensagem libertadora de Cristo aos pobres e marginalizados, mediante o
exercício de um apostolado plenamente evangélico, para proclamar a misericórdia
de Deus para com o doente e o necessitado.
Capítulo II
JOÃO DE DEUS
IRMÃO-SERVO PARA A SALVAÇÃO DE TODOS
1. Seduzido
pela misericórdia de Deus
João de Deus
identificou-se intimamente com Jesus de Nazaré nas suas atitudes e gestos de
misericórdia e solidariedade com os pobres: despojou-se progressivamente de
tudo quanto significa egoísmo e tendência para viver um cristianismo cómodo,
fez uma leitura da situação dos pobres e dos doentes de Granada, numa
perspectiva de misericórdia e, animado pela experiência de Deus como Pai
misericordioso, imitou Jesus Cristo na entrega radical ao serviço dos
necessitados da sua época, para lhes manifestar o amor de Deus, torná-los
participantes na sua mesma experiência e anunciar-lhes a salvação (cf. Const. 1984,
1).
Embora o momento
fundamental do seu encontro com Deus tenha sido na ermida dos Mártires, em
Granada, ao escutar o sermão do Mestre de Ávila, na Festa de S. Sebastião, uma
luz decisiva que iluminou o caminho pelo qual o Espírito o levava a seguir Cristo
pobre em pobreza radical encheu a sua vida durante a sua permanência no
Hospital Real de Granada. Ao ver como eram tratados os seus companheiros, não
pôde deixar de exclamar:
“Oh! Traidores, inimigos da virtude!
Porque tratais tão mal e com tanta crueldade a estes pobres miseráveis e meus
irmãos, que estão nesta casa de Deus na minha companhia? Não seria melhor que
vos compadecêsseis deles e dos seus sofrimentos, e os limpásseis e lhes désseis
de comer com mais caridade e amor do que fazeis, já que os Reis Católicos
deixaram para isso rendas suficientes?” [1].
O Hospital Real
foi como que o noviciado em que o Espírito o ajudou a suportar a humilhação e o
sofrimento como experiência de comunhão com o Cristo humilhado e ultrajado. A
contemplação do mistério da encarnação do Verbo, que se lhe apresentava
transfigurado no rosto dos pobres doentes, seus companheiros, ajudou-o a
discernir a forma de corresponder ao seu amor infinito:
“E vendo castigar
os doentes que estavam loucos a viver com ele, dizia: “Jesus Cristo me conceda
tempo e me dê a graça de eu ter um hospital, onde possa recolher os pobres
desamparados e faltos de juízo, e servi-los como desejo”” [2].
Assim conseguiu
João distinguir o conteúdo da inquietação que não lhe permitiu continuar a vida
de pastor em Oropesa, nem aceitar o convite do seu tio para que ficasse em
Montemor-o-Novo quando, ao regressar de Viena, foi à sua terra visitar os
familiares:
“Senhor
tio, já que Deus foi servido de levar os meus pais, a minha vontade é de não
permanecer nesta terra, mas de ir aonde sirva a Nosso Senhor, fora daqui, como
fez meu pai, e disto me deixou tão bom exemplo. E, já que tenho sido tão mau e
pecador, e, contudo, Deus me conserva a vida, é justo que empregue o que dela
me resta a fazer penitência e a servi-LO. Confio no meu Senhor Jesus Cristo que
me há-de dar a graça de pôr deveras em prática este meu desejo” [3].
No Hospital Real, João Ciudad recolheu o fruto da
entrega generosa à família Almeida, durante a sua estadia em Ceuta; ali teve a
resposta à sua confissão geral e à sua incessante súplica ao Senhor em
Gibraltar:
“tenhais
por bem ensinar-me o caminho por onde tenho de seguir, a fim de Vos servir e
ser para sempre vosso escravo. Concedei desde já a paz e a tranquilidade a esta
alma, para que encontre o que tanto e com tanta razão, deseja” [4].
Deus mostrou-lhe o caminho e João predispôs-se a
percorrê-lo com todo o amor que o mesmo Deus depositou no seu coração: nunca
mais abandonaria esse caminho. E conseguiu a paz e a tranquilidade por que
ansiava, pois descobriu o “tesouro” em nome do qual podia consumar a sua vida:
tornar-se escravo, cativo, só por amor a Jesus Cristo, dedicando-se a amar e
servir os seus irmãos e o próximo (cf. 2 GL 7.8).
Francisco de Castro, seu primeiro
biógrafo, apresenta-o embriagado pelo vinho da caridade:
“Era
tanta e tão grande a caridade de que Nosso Senhor tinha dotado o seu servo, e
tão peregrinas as obras que dela procediam, que alguns, com juízos vãos,
tinham-no como pródigo e dissipador, não atendendo como o Senhor o tinha metido
na adega do vinho e ali estabelecido nela a sua caridade; e que de tal maneira
o tinha embriagado do seu amor, que nenhuma coisa negava que por Ele se lhe
pedisse” [5].
2. Testemunha da Hospitalidade de
Deus
A maneira de
viver de João, a partir da sua entrega definitiva ao Senhor, consistiu em
deixar-se invadir pela Hospitalidade de
Deus. A Hospitalidade, com letra maiúscula, significou para ele sentir-se
invadido pelo acolhimento misericordioso de Deus, pela sua benevolência e pelo
perdão. Sentiu-se acolhido “hospitaleiramente” por Deus Pai, sentiu-se
alegremente filho de Deus, e todo o seu esforço consistiu em manifestar a
filiação vivendo como Jesus: em plena docilidade à vontade do Pai e em total
dedicação a criar espaços e relações de fraternidade.
Começou a sua
missão de serviço aos pobres e doentes em Granada, com a ajuda de Deus, sem um
tostão no bolso, e a entrega incondicional da sua existência, sem poupar
esforços nem regatear horas do dia e da noite. A gente de Granada, no início,
julgou tratar-se de uma forma estranha de “loucura”, mas, a pouco e pouco,
descobriu que se tratava realmente de uma autêntica “loucura”: a loucura que
tinha revolucionado o seu interior e movido o seu coração, contagiado pela
“loucura do Amor”, manifestada por Deus no seu Filho Jesus, que se fez pobre
para nos comunicar a sua riqueza, se fez servo para nos dar a liberdade, e
colocou a sua vida ao serviço de todos para que, n’Ele, tivéssemos a vida.
João de Deus foi
um pobre desconcertante, numa época em que a mendicidade era uma
“profissão” bastante socorrida. Desconcertou os habitantes de Granada quando,
depois de ter decidido seguir a Cristo pobre, abandonando a sua loja de
livreiro e entregando o pouco que tinha aos pobres, se propôs organizar um
lugar no qual acolher, nutrir e assistir os pobres doentes de Granada.
Despertou curiosidade quando num dia, ao fim da tarde, começou a gritar:
“Quem faz bem a si mesmo? Fazei bem por amor de Deus, irmãos em Jesus Cristo,
dando esmola aos pobres!”. E davam-lhe esmolas, muitas. Com elas conseguiu,
primeiro, organizar um pequeno albergue, logo depois um pequeno hospital e,
mais tarde, pôde adquirir um antigo convento para aí organizar o que foi
considerado o primeiro Hospital de João de Deus, na Rua “de los Gomeles”. Ele
mesmo nos informa que aí recebiam assistência e ajuda mais de 140 pessoas,
contando doentes, pobres e peregrinos.
No seu hospital
eram acolhidos e servidos como irmãos os pobres e doentes, as prostitutas
decididas a mudar de vida, os benfeitores que o ajudavam a realizar o bem, os
companheiros que desejavam viver como ele. Sem pretender fazer “escola”, o
testemunho da vida de João contagiou quantos o rodeavam, de forma que o seu
hospital se transformou num lugar onde se vivia, se transmitia e se
experimentava a hospitalidade.
Embora reservasse
ao hospital os melhores e maiores esforços da sua entrega de caridade, nenhuma
miséria deixava indiferente o coração de João. No rosto dos pobres, contemplava
o rosto do seu Senhor e o coração não lhe permitia passar distante sem procurar
remediar as suas necessidades. Ele, tão pobre como os mais pobres, sabia
convencer aqueles que podiam colaborar no seu apostolado. Escreveu à Duquesa de
Sesa:
“...
outro dia, quando estive em Córdova, encontrei uma casa na maior necessidade.
Ali viviam duas donzelas que tinham o pai e a mãe doentes na cama, tolhidos
havia dez anos. Tão pobres e maltratados os vi que me despedaçaram o coração...
Escreveram-me uma carta que me dilacerou o coração pelo que me mandaram dizer.
Estou aqui em tão grande necessidade que, no dia em que tenho de pagar aos que
trabalham, ficam alguns pobres sem comer... Boa Duquesa, eu gostava que se Deus
fosse servido, ganhásseis vós esta esmola...” (1 DS 15-17).
E a Guterres Lasso:
“...ao
ver padecer tantos pobres meus irmãos e próximos, com tantas necessidades,
tanto do corpo como da alma, fico muito triste por não os poder socorrer...
(...) Meu irmão em Jesus Cristo, sinto muito alívio ao escrever-vos pois é como
se estivesse a falar convosco, e dar-vos conta dos meus trabalhos, pois sei que
os sentis... Nosso Senhor Jesus Cristo vos pague no Céu a boa obra que por
Jesus Cristo fizestes, pelos pobres e por mim” (2 GL 8.13).
3. Tornou
contagioso o amor ao próximo
João de Deus denominava-se a si mesmo “o irmão de
todos”. É esta, provavelmente, uma das melhores definições que se lhe podem
aplicar, pois viveu e manifestou a fraternidade em relação a pobres e os
doentes, ricos que perderam a riqueza, soldados que se sentiam em dificuldades,
prostitutas, e ainda relativamente aos “senhores” da Andaluzia e Castela que,
com as suas esmolas, o ajudavam a realizar o seu apostolado de caridade
Nos habitantes de Granada foi-se verificando uma mudança
radical quanto à ideia que faziam da figura de João de Deus. Eis como a
descreve Francisco de Castro:
“...pois
o povo, ao vê-lo actuar, julgava geralmente que era em consequência da loucura,
até que, depois, viram bem como aquele grão enterrado e apodrecido veio a dar
bons e abundantes frutos” [6].
Como se pode ler
no texto, a opinião do povo a seu respeito mudou pouco a pouco, perante a
coerência da sua vida, a sua entrega desinteressada, a sua constância, o seu
espírito de sacrifício, a sua forma de pedir, e perante a universalidade do seu
amor. Pode-se afirmar que Granada inteira passou da dúvida acerca da sua
pessoa, à identificação total com João de Deus, mediante um processo que se
poderia sintetizar nas seguintes etapas:
· Admiração. O primeiro sentimento positivo acerca
da sua pessoa foi de surpresa. “É este aquele mesmo que vimos louco? Mas
como ele mudou!” Efectivamente, a sua vida demonstrava a grande mudança que
se havia operado nele; mais que mudança, manifestou-se verdadeiramente quem era
João de Deus.
· Reconhecimento. À admiração seguiu-se o
reconhecimento: João de Deus começou a ser querido por todos. Fazia aquilo que
ninguém mais fazia e na sua casa acolhia todo o género de pessoas: doentes,
pobres, peregrinos, etc. Não era louco, mas sensato. Amavam-no e abençoavam-no
os pobres, os poderosos, as autoridades civis e eclesiásticas...
· Colaboração. Após o reconhecimento veio a
colaboração; a obra de João e Deus passou a ser a obra de Granada inteira, que
chegou a considerá-la como própria. O povo colaborava com bens materiais,
dinheiro, com a dedicação pessoal, promovendo ajudas entre companheiros e
amigos. Todos, a pouco e pouco, se sentiram protagonistas do hospital do
bendito João de Deus. Mais do que colaboração, tratou-se de uma identificação
com a obra de João.
· Veneração. João não podia absolutamente morrer. O
seu amor mantém-se vivo em cada rua e canto da cidade do rio Darro. O seu
funeral transformou-se numa grande manifestação de carinho e veneração. Diz
Castro:
“O
seu enterro foi de mais sumptuosidade e honra que jamais se fez a um príncipe,
imperador ou monarca do mundo” [7].
O espírito de
João de Deus continuou vivo nos seus Irmãos, que o perpetuaram em Granada e
estenderam a sua obra pelos cinco continentes, de forma que João de Deus não é
apenas uma personagem histórica, mas continua vivo entre nós.
4. Os
primeiros companheiros
João de Deus
fascinou quantos o conheceram. Graças a Francisco de Castro, sabemos que
durante algum tempo apenas ele se ocupava de tudo o que tinha a ver com a sua
obra, mas em breve se juntaram a ele voluntários, enfermeiros remunerados e
amigos que, como João de Ávila, a quem o Santo chama afectuosamente Angulo, o
ajudaram e acompanharam nos seus trabalhos e viagens. Todos eles se sentiram
contagiados pela integridade da sua vida e pela capacidade que tinha de
transmitir a exigência cristã de viver a caridade e o serviço a favor dos
pobres.
Os primeiros
Irmãos de João de Deus são também fruto da sua grande caridade. Através de uma
das suas cartas, sabemos que o Santo sabia muito bem que o seu modo de viver
exigia atitudes pessoais que se deviam manifestar na entrega total às coisas de
Deus, no desvelo ao cuidar dos pobres e na integridade de vida, baseada na
graça de Deus, na prática da oração e na frequência dos sacramentos (cf. LB passim).
Na hora de os escolher, não se deixa levar por preconceitos nem deslumbrar por
aspectos exteriores, pois tem a experiência de que a misericórdia de Deus é
capaz de transformar o coração do homem que se deixa seduzir pela sua
misericórdia.
Os primeiros
companheiros de João de Deus, em geral, são pessoas afastadas de Deus, com uma
vida mais ou menos desorientada: a entrega, a palavra, o testemunho de S. João
de Deus, levou-os a mudar de vida e, sobretudo, fê-los decidir partilhar com
ele a missão, dando origem a uma nova família religiosa.
A história de
Antón Martín e Pedro Velasco é bem conhecida por todos. Foi exposta por
testemunhas no processo de beatificação. Eram inimigos, já que Pedro tinha
assassinado o irmão de Antón, crime do qual este se queria vingar. A caridade e
o zelo apostólico de João de Deus transforma-os, primeiro em verdadeiros
irmãos, depois em colaboradores da sua obra e, por fim, nos seus primeiros
companheiros.
Simón de Ávila é
apresentado pela história como um difamador de João de Deus: caluniava-o e
espiava o Santo nas suas visitas às viúvas pobres e às donzelas necessitadas. A
constância com que seguia João, com a intenção de desmascarar aquilo que ele
suspeitava ser falsa caridade, levou-o a conhecer de tal forma a sua vida que,
de difamador, se transformou em seu admirador. Movido pela graça de Deus,
sentiu-se atraído pelo seu estilo de vida e integrou o grupo dos seus primeiros
companheiros.
Dominico Piola
foi um comerciante que tinha adquirido grandes riquezas. O contacto com o Santo
foi também progressivamente transformando a sua vida: foi-se identificando com
ele e pensou em abandonar as coisas do mundo para se unir a ele, imitando as
suas acções. João de Deus pediu-lhe que, antes de entrar, deixasse em ordem os
seus negócios. Viveu depois uma vida edificante para todos os que o conheciam.
Da vida de João
García sabemos pouco, antes de ele se tornar companheiro do nosso Santo.
Animado pelo testemunho de João de Deus, uniu-se a ele para trabalhar no seu
hospital. A sua grande caridade e inclinação para servir os doentes, levou-o a
permanecer praticamente sempre junto deles no hospital.
5. Sinais
proféticos e evangelizadores da sua vida
É difícil
sintetizar as características do espirito profético e evangelizador de João de
Deus. Resumidamente, mas não de forma exaustiva, sublinhamos os seguintes
traços:
5.1. Relação
íntima com Deus
Como resultado da experiência de
sentir-se amado misericordiosamente pelo Pai, João desenvolveu progressivamente
a comunhão com Deus, manifestada numa relação pessoal com Ele, que o fez viver
o amor como adesão filial à sua vontade, cuja aceitação demonstra que descobriu
Jesus, com Ele aprendeu que, para se manter o amor do Pai, é preciso cumprir a
Sua vontade (cf. Jo 15, 9‑10; 14, 31).
A partir da sua conversão, João
desenvolveu as atitudes de fé, caridade e esperança de tal forma que a sua
vontade se identificou com a vontade de Deus.
5.2. A fé
A fé levou-o a aceitar na sua vida a
presença salvífica de Deus com tal profundidade que era Deus quem a conduzia.
Até o apelido, “de Deus”, revela este facto. João deixou de pertencer a si
mesmo para pertencer a Deus. Já não vive para si, mas para Deus e o Seu Reino.
A partir desta experiência de fé,
entendida como aceitação voluntária da presença e da salvação de Deus na
própria existência, João fez suas as atitudes que viria depois a recomendar nas
suas cartas:
“Deus
antes e acima de todas as coisas do mundo” (Começo das Cartas).
“...tudo
isto o deveis sofrer por Deus (...), tereis de passar tudo isto por amor de
Deus, e por tudo lhe haveis de dar muitas graças...” (LB 9).
“...pois
o bem que os homens fazem não é deles mas de Deus: a Deus a honra, a glória e o
louvor, pois tudo é seu, de Deus” (1 GL, 11).
5.3. A
caridade
João de Deus é o
Santo da Caridade. O amor a Deus e ao próximo é a razão de ser e a meta da sua
vida. Para ele, a caridade é:
· a manifestação da comunhão com Deus: “Tende
sempre caridade, porque onde não há caridade não há Deus, embora Ele esteja em
todo o lugar” (LB 15).
· “a mãe de todas as virtudes” (1 DS 16).
· a prova do amor a Jesus Cristo: “...
sei que quereis muito a Jesus Cristo e vos compadeceis de seus filhos, os
pobres...” (2 GL 10).
· a garantia do perdão dos pecados: “...como
a água apaga o fogo, assim a caridade redime o pecado” (1 DS 13).
· é a “alma” da compaixão e da entrega
aos outros: “...ao ver padecer tantos pobres meus irmãos e próximos, com
tantas necessidades, tanto do corpo como da alma, fico muito triste” (2 GL
8). “... me empenhei em três ducados, em favor de alguns pobres muito
necessitados” (1 DS 3).
O amor aos outros
chega a ser a “alma” que anima a sua vida: vive o cristianismo imitando
Jesus Cristo, amando sempre os outros mesmo que o seu amor não seja
correspondido. Chega a viver o amor cristão na sua exigência mais
desconcertante, o amor aos inimigos, o fazer o bem a “bons e maus”. Francisco
de Castro refere um facto concreto a este respeito. Pessoas bem intencionadas,
sem dúvida, informaram o Arcebispo Guerreiro de que João de Deus recebia gente
de má fama no seu hospital que, segundo elas, desacreditavam João de Deus. O
Arcebispo chamou-o e convidou-o a não receber aqueles que não fossem “dignos”:
“João
Deus esteve muito atento a tudo quanto o seu prelado lhe dissera; e com muita
humildade e mansidão, respondeu: “Meu pai e bom prelado, só eu é que sou o mau,
o incorrigível, o desaproveitado, o que mereço ser expulso da casa de Deus. Mas
os pobres que estão no hospital, esses são bons, e não conheço neles vício
algum. E já que Deus tolera maus e bons, e diariamente faz nascer sobre todos o
seu sol, não haverá razão para despedir os desamparados e aflitos, da sua
própria casa”” [8].
Por amor de Deus,
suporta grandes afrontas com paciência e aceita-as como uma forma de sofrer por
amor a Jesus Cristo e identifica-se com Aquele que “retribuía com o bem ao
mal que Lhe faziam” (cf. LB 10). Sabe que onde não há caridade não há Deus
(cf. LB 15) e manifesta-o nas suas cartas.
Profundamente
sensível ao sofrimento dos outros, fica com o coração dilacerado quando
encontra pessoas necessitadas. Acolhe todos na sua casa, sendo por isso acusado
de ser demasiado generoso. Mas, consciente de que o seu destino é tornar
presente a misericórdia de Deus, ama sem limites. Com uma atitude evangélica e
com autêntico sentido profético.
5.4. Esperança
Manifesta-a e vive-a deste modo:
“Esperança,
só em Jesus Cristo, o qual, em troca dos trabalhos e sofrimentos que por seu
amor passarmos nesta vida miserável, nos dará a glória eterna, pelos méritos da
sua sagrada Paixão e por sua misericórdia” (3 DS 9).
Expressa-a muito bem quando diz:
“...meu
irmão muito amado e querido em Jesus Cristo, ... muitas vezes nem saio de casa
pelas dívidas que tenho. No entanto, confio só em Jesus Cristo, que me há-de
desempenhar, pois ele conhece o meu coração” (2 GL 8; cf. 1 DS 6b; 2 DS
7.20).
“...estou muito aflito e em muita
necessidade. Graças a Nosso Senhor Jesus Cristo por tudo isso! ...são tantos os
pobres que aqui se acolhem que eu próprio fico muitas vezes alarmado como se
hão-de poder sustentar. Mas Jesus Cristo a tudo provê e lhes dá de comer” ( 2 GL 3).
“...E
como é Jesus Cristo que a tudo provê, graças sejam dadas a Ele para sempre.
Amém Jesus” (2 GL 9).
“...depois
do trabalho, devemos dar graças a Nosso Senhor Jesus Cristo por usar para connosco
de tanta misericórdia” (2 DS 18).
5.5. Solidariedade com os pobres e
os enfermos
João de Deus entregou-se de forma
radical ao serviço dos doentes e necessitados, a partir de um compromisso
pessoal que exigiu a sua identificação com eles: “esvazia-se de si mesmo”, para
se situar ao nível dos seus “irmãos e próximos”, e poder assim entrar em
diálogo com eles; um diálogo que se explicita no serviço e na entrega da sua
vida para remediar as suas dificuldades.
De poucas outras coisas nos
apercebemos com mais força na sua vida: não só serve os pobres, mas torna
própria a vida deles e o seu destino. Manifesta-o com muita clareza, escrevendo
a Guterres Lasso:
“Serve a presente para vos fazer saber
como estou muito aflito e em muita necessidade. ...vejo-me aqui cheio de
dívidas, empenhado e preso só por Jesus Cristo, pois devo mais de duzentos
ducados...; ...vendo-me tão empenhado que muitas vezes nem saio de casa pelas
dívidas que tenho...; ...quis dar-vos conta dos meus trabalhos porque sei que
vos compadeceis deles como eu faria pelos vossos. Como sei que quereis muito a
Jesus Cristo e vos compadeceis de seus filhos, os pobres, dou-vos conta das
suas necessidades e minhas” (2 GL 3.7.8.10).
A partir desta identificação profunda,
que o faz sentir pobre e necessitado; a partir deste “esvaziamento” pessoal,
João de Deus pode oferecer o seu serviço e remediar as necessidades dos pobres
sem ferir a sua “dignidade”, nem cair em atitudes “paternalistas”. Deste modo
pode compreender perfeitamente a situação de cada pessoa. Como Cristo, ele
experimenta a atitude de compaixão que brota do amor: sofre com quem sofre,
espera com quem não tem.
5.6. A oração
João de Deus,
exteriormente, aparece como um homem eminentemente activo. No entanto, a
Igreja, na Bula de Canonização, propõe-no como modelo de caridade e de profunda
oração. Na sua biografia, aparece claramente este traço da sua personalidade
cristã: soube conjugar perfeitamente o verbo amar na sua dúplice orientação –
Deus e o próximo –, conseguindo a harmonia de existência que comunica o amor. A
sua entrega de caridade renova-se e consegue a sua força no contacto com Deus,
que se realiza não só nos momentos de oração, certamente muitos, mas na entrega
de caridade aos outros, pois conseguiu fazer uma leitura da vida, do sofrimento
da pobreza, de tudo, através da fé.
O seu estilo de
oração é muito simples, semelhante ao de qualquer crente do seu tempo: reza as
orações que são propostas pela Santa Madre Igreja, medita sobre a Paixão de
Cristo, especialmente nas sextas-feiras, gosta de rezar o terço, participa na
celebração da Eucaristia, confessa-se amiúde, encontra-se frequentemente com o
director espiritual, recomenda as coisas do Senhor, disposto a cumprir sempre a
sua vontade, confia totalmente em Jesus Cristo, dá-Lhe constantemente graças
pela sua grande misericórdia e pelo seu amor e bondade, faz o bem e exerce a
caridade para com os pobres e os doentes (cf. 2 DS 18.19).
Pode-se afirmar,
sem a menor sombra de dúvida, que João de Deus é um orante, um profeta que
capta a presença de Deus na realidade e está sempre em relação com Ele, apesar
de absorvido em actividades materiais.
5.7. A ascese
A partir da sua
conversão, João de Deus levou uma vida dura, que Castro sintetiza na sua
biografia:
“Bastava
o trabalho que tinha João de Deus em procurar as esmolas e em tratar os seus
pobres, para fazer com isso grande penitência e mortificação da carne. Sem
contar com as contínuas buscas e importunações de todos, só isso já era carga
mais que suficiente para outro que fosse de corpo são e robusto... Todavia, o
irmão João de Deus não se contentava com tudo isto, senão que, com obras de
grande penitência, mortificava a própria carne e a fazia servir o espírito, não
lhe concedendo sequer o estritamente necessário” [9].
Mais à frente, escreve ainda Francisco
de Castro:
“Eram
tantos os trabalhos em que João de Deus se ocupava, para remediar os
sofrimentos de todos os outros; tantas as caminhadas que fazia através das
inclemências do tempo; e tantos os serviços ordinários que tinha na cidade, que
se arruinou” [10].
Tendo isto em conta, pode-se dizer que a sua ascética
consistiu principalmente em três aspectos:
·
Em primeiro
lugar, o pouco cuidado que dedicava ao seu corpo; não o quer satisfazer; vive
para os pobres e identifica-se com eles. Faz por diversas vezes alusão à comida
e ao vestuário (cf. 2 DS 13), e por elas se conclui que precisava de bem pouco
para viver. O trabalho, o pouco tempo de sono, a austeridade, reflectem o seu
ascetismo.
·
O segundo aspecto
tem a ver com a sua entrega aos outros, que o leva a estar atento aos doentes,
a acompanhar o seu sofrimento, visitá-los quando chega cansado a casa, sair à
rua a mendigar, preocupar-se com a reabilitação das mulheres de má vida, dar
explicações às pessoas a quem deve dinheiro. A sua ascese ajuda-o a conseguir a
proeza de dar graças a Deus pelo bem e pelo mal.
·
Em terceiro
lugar, para conseguir isto, João de Deus, a partir da sua conversão, realiza um
processo de despojamento de si mesmo para poder encher-se do amor de Deus, e
para Deus. Depois de ouvir o sermão do Mestre de Ávila, um dos seus desejos é o
de ser tido em pouca consideração: despe-se, deita-se na lama, deixa que os
outros façam pouco dele e o considerem como louco. Diz constantemente que é um
grande pecador, e isso mesmo afirma perante o Arcebispo Guerreiro, quando se
encontra no leito de morte; às sextas-feiras, quando convida as prostitutas a
mudarem de vida, confessa os seus próprios pecados; só ele, na sua opinião, é
que é indigno de estar no seu hospital... Quem havia atingido cumes tão
elevados de amor e santidade, sentia-se um nada. Este é um dos seus traços
proféticos.
5.8. A
colaboração com os leigos
A sua obra esteve
sempre aberta não só aos doentes e aos pobres, mas a todas as pessoas que
quiseram colaborar com ele.
Começa com as
esmolas dos habitantes de Granada; sente-se apoiado pelo trabalho realizado
pelos mesmos pobres, peregrinos ou prostitutas, aos quais pede um apoio
especial; tem enfermeiros que fazem o trabalho do hospital quando vai pedir; nas
suas saídas, é acompanhado por João de Ávila; os benfeitores chegam a ser, com
os seus apoios constantes, os protagonistas do hospital. A cidade de Granada
sente a sua ausência quando ele se desloca a Valhadolid e permanece fora
durante nove meses, até ao ponto de organizar uma grande recepção quando ele
regressa.
Tudo isto são
expressões da convicção que tinha de realizar uma obra partilhada por todos, do
valor de cada pessoa, da sua abertura e universalidade. A sua obra, desde o
início, foi também uma obra dos colaboradores, de crentes e não-crentes, que se
identificaram com o seu espírito humanitário e aos quais queria manifestar a
força da salvação.
5.9. A
sensatez
João de Deus foi
um homem sábio, enriquecido pela sabedoria bíblica que brota da simplicidade,
da humildade, de ir crescendo em correspondência com a chamada de Deus,
harmonizando e centrando o seu ser no que considera fundamental para a vida.
As suas respostas
são cada vez mais sensatas e as pessoas vão progressivamente aceitando-o como
um homem de bom senso.
5.10. A harmonia e serenidade
As jornadas de João de Deus estavam
cheias; não pode “perder” tempo, pois as necessidade do hospital e a
assistência aos pobres, nalgumas ocasiões, não lhe deixam livre nem sequer “o
espaço dum Credo” (1 GL 4). Mesmo assim, tem a preocupação de visitar, um a
um, os doentes, interessa-se em saber como estão e como passaram durante a sua
ausência. Quando se encontra com quem sofre, não tem pressa; colhe, escuta com
calma e, na medida do possível, remedeia as suas necessidades.
Castro escreve:
“Era
tanta a concorrência de gente, que com ele vinha tratar, que, muitas vezes, mal
cabiam de pé. Ele, sentado no meio de todos, escutava com grande paciência as
necessidades de cada um, sem nunca despedir ninguém desconsolado, dando esmola
ou boas respostas” [11].
5.11. O
espírito evangelizador
João de Deus é um apóstolo com uma
perspectiva universal e ecuménica da vida que deriva do seu encontro com Deus,
no qual ele experimentou que Deus é Pai de todos e ama a todos de forma
gratuita. Esta experiência é o fundamento do seu espírito apostólico.
Transmite-a através dos seus gestos de amor universal, e anuncia-a por palavras
e por escrito, convidando as pessoas a agirem segundo Deus:
“Se
considerássemos como é grande a misericórdia de Deus, nunca deixaríamos de
fazer o bem enquanto pudéssemos” (1 DS 13).
Daí o seu grande
desejo de que as pessoas vivam centradas em Deus, que experimentem a salvação e
apreciem o valor fundamental da pessoa humana. Com a linguagem do seu tempo,
diz que “vale mais uma alma do que todos os tesouros do mundo” (1 DS
17).
Daí o seu interesse em aproveitar
todas as ocasiões para apresentar a Boa Nova. O anúncio da salvação é algo que
traz no seu coração. A sua caridade não se limita a solucionar problemas e
necessidades sociais; o seu compromisso pelo homem não tem como fim principal,
e ainda menos exclusivo, a promoção social dos marginalizados e o conforto dos
doentes. Vive e realiza o serviço aos pobres e aos doentes como uma forma pessoal
de imitar a Jesus Cristo, de anunciar o Evangelho e tornar presente o amor de
Deus pelo homem, especialmente pelos mais fracos.
Ele mesmo se encarrega de dizer,
depois de enumerar uma série de necessidades e problemas que tem de enfrentar:
“...vejo-me
aqui cheio de dívidas e preso só por Jesus Cristo (2 GL 7).
E, no final das suas cartas:
“João
de Deus, o qual deseja a salvação de todos como a sua própria. Amém Jesus”.
É claro, além disso, que não se ocupa
unicamente das atenções corporais e de resolver problemas sociais e económicos:
·
Todas as
sextas-feiras vai à casa pública para evangelizar as prostitutas;
·
Ensina o
catecismo às crianças e aos acolhidos no seu hospital;
·
Preocupa-se com a
assistência religiosa e a administração dos sacramentos aos doentes;
·
Orienta
espiritualmente as pessoas com quem se relaciona:
* Luís Baptista, quanto ao
discernimento vocacional;
* Guterres Lasso, sobre assuntos de
família e o futuro dos seus filhos;
* As cartas à Duquesa de Sesa,
especialmente a terceira, estão cheias de orientações de carácter espiritual.
João de Deus
realiza um serviço integral à pessoa e exprime-o muito bem quando afirma:
“...ao ver padecer tantos pobres....
com tantas necessidades, tanto do corpo como da alma” (2 GL 8).
E muito menos se dedica exclusivamente às pessoas
acolhidas no hospital; o seu amor estava aberto a
“pobres e necessitados de toda a
espécie (que) acudiam a ele para que os socorresse: viúvas e órfãos honestos,
em segredo; pleiteantes; soldados perdidos e pobres lavradores... A todos
socorria, conforme as suas necessidades, não despedindo ninguém desconsolado”[12]. ”...sem contar os estudantes que
mantinha e os envergonhados nas próprias casas” [13].
Hoje falamos de
nova evangelização, de nova hospitalidade, de pastoral da saúde. João de Deus
anuncia e torna presente o conteúdo imutável da mensagem da Boa Nova, com um
ardor e atitudes que, por vezes, nos faltam hoje. Nisto consiste outra
manifestação do seu calibre profético.
II PARTE
ELEITOS PARA EVANGELIZAR
OS POBRES E OS DOENTES
Panorâmica histórica
Capítulo III
A ORDEM HOSPITALEIRA ATÉ MEADOS DO
SÉC. XIX
1. Desde a
morte de João de Deus até à divisão da Ordem em duas Congregações
Os começos da
Ordem são, na verdade, humildes e simples, mas providenciais, e caracterizam-se
pelo espírito deixado por João de Deus. Só à luz da Providência divina se
explica a continuidade e o desenvolvimento da obra iniciada pelo pai dos
pobres. O apoio material e moral, os primeiros Hospitaleiros encontram-no
nas pessoas do Arcebispo de Granada, Pedro Guerreiro, em S. João de Ávila e
noutros benfeitores. O suporte canónico-institucional era inexistente:
tratava-se de uma obra sem estruturas nem organização jurídica, sem um
Regulamento, e só 37 anos mais tarde (1587) é que viria a ter lugar o primeiro
Capítulo para nomear um Superior Geral e elaborar as Constituições.
Tudo começou em
Granada. A João de Deus sucede na direcção do Hospital Antón Martín. Durante o
período compreendido entre 1552 e 1565, os destinos dos Irmãos na Espanha são
regidos pelo Ir. João García, que admitiu na Congregação dos Irmãos de João de
Deus, Rodrigo de Sigüenza, Sebastião Árias, Pedro Soriano, Melchor de los Reyes
e Frutos de S. Pedro.
a) Primeiras
fundações fora de Granada
Entre as actividades de maior
importância desse tempo contam-se, como marcos do futuro desenvolvimento da
Ordem, a transferência do hospital da Cuesta de los Gomérez para os
terrenos dos Jerónimos, a viagem de Antón Martín a Madrid, com a nova fundação
e, um pouco mais tarde, a “Guerra de las Alpujarras”[14].
O desejo de organizar quanto antes e o melhor possível o
novo hospital de Granada levou Antón Martín
a Madrid (1552) em busca de ajudas económicas, que foram generosas, contando-se
entre elas a do Príncipe Filipe e da Infanta D. Joana que, além disso, lhe
pediram a fundação de um hospital com as mesmas características do de Granada.
O Ir. Antón Martín regressou a Granada para deixar as coisas em ordem e voltou
para Madrid, onde fundou um hospital chamado “do Amor de Deus”. Adoeceu
gravemente durante a construção e ampliamento do hospital e veio a falecer na
noite de 24 de Dezembro de 1553, depois de ter designado no seu testamento os
Irmãos Maiores (Superiores) para os hospitais de Madrid e de Granada.
A obra dos Irmãos de João de Deus
ia-se desenvolvendo, graças à fé e à confiança na Providência e na fiel
abertura aos planos de Deus, que se manifestavam nas petições para alargar a
nova hospitalidade. As vocações iam florescendo e multiplicavam-se sem cessar
em Espanha, o que encorajava os nossos primeiros Irmãos a difundiram cada vez
mais a Hospitalidade em benefício dos pobres e dos doentes. Assim, à fundação
de Madrid (1552), seguiram-se as de Lucena (1565), Utrera (1567), Jerez de la
Frontera (1568), Córdova e Sevilha (1570).
A participação dos Irmãos na Guerra de
las Alpujarras e na Batalha de Lépanto abre novos horizontes à Ordem e confere
maior amplidão ao carisma. A missão não se limita ao serviço no hospital; no
futuro, estende-se e abre-se aos exércitos em terra, às expedições navais, os
Irmãos tornam-se presentes nos lugares onde surgem epidemias e vão para
qualquer parte do mundo onde haja necessidade de assistência médica.
Aos Irmãos de João de Deus uniram-se,
na década de setenta do séc. XVI, o Ven. Pedro Pecador (fundador do hospital de
Nossa Senhora da Paz, em Sevilha, e dos de Málaga, Antequera e Ronda), e S.
João Grande (fundador do hospital da Candelária, em Jerez de la Frontera, ao
qual se juntariam os hospitais de Medinasidonia, Sanlúcar de Barrameda, Arcos de
la Frontera, Puerto de Santa Maria e Villamartín): a S. João Grande uniram-se
os seus discípulos e os hospitais que ele havia fundado. Entre os seus
seguidores encontra-se Pedro Egipcíaco, que foi o primeiro Geral da Congregação
Espanhola.
b) Aprovação da Congregação de
Irmãos de João de Deus: S. Pio V
Os Irmãos Sebastião Árias e Pedro
Soriano, empreenderam em 1570 uma viagem Roma para solicitar a aprovação da
Ordem e obtiveram de S. Pio V o Breve Salvatoris nostri (8 de Agosto de
1571) e a Bula Licet ex debito (datada de 1 de Janeiro de 1572), pela
qual se erigia em Congregação Religiosa e Hospitaleira o grupo de Irmãos de
João de Deus, sob a Regra de Santo Agostinho e obediência aos Ordinários do
lugar, e se lhes concedia hábito próprio.
Obtida a aprovação, o Ir. Pedro
Soriano permaneceu em Itália e fundou, em finais do mesmo ano de 1572, o
Hospital de Nossa Senhora da Vitória, em Nápoles; em 1581 começa a actividade
em Roma, na Praça de Pedra, transferindo-se para a Ilha Tiberina em 1584, ano
em que assina a escritura de compra do Hospital S. João Calibita.
c) Aprovação da Ordem: Sisto
V
O Instituto difunde-se rapidamente e,
o que é mais importante, os Irmãos vivem com verdadeiro zelo o espírito de
caridade de João de Deus. Sentem que chegou o momento de constituir uma Ordem,
com Regras e Superiores próprios. Sisto V, que conhecia muito bem a obra dos
Irmãos, elevou a Congregação a Ordem regular, com a Bula Etsi pro debito,
de 1 de Outubro de 1586, concedendo aos Irmãos o direito de celebrar o Capítulo
Geral e nele aprovar Constituições e eleger o Superior Geral.
O Capítulo celebrou-se no Hospital S.
João Calibita, de 20 a 24 de Junho de 1587. No dia 23, Pedro Soriano foi eleito
Geral da Ordem Hospitaleira e foram aprovadas as primeiras Constituições para
toda a Ordem.
2. Divisão da Ordem em duas
Congregações
No dia 13 de Fevereiro de 1592, com a
promulgação do Breve Ex omnibus, por Clemente VIII, os Irmãos voltam à
situação que precedeu a aprovação do Instituto por Pio V, pois não se lhes
permite a emissão de outros votos senão o de prestar serviço nos hospitais,
sob a obediência dos Ordinários.
Embora o Papa não tivesse a intenção de
separar juridicamente os Irmãos de Itália dos de Espanha, a separação
verifica-se pelos seguintes motivos:
·
Parcial
reintegração da Ordem em Itália: Breve Romani Pontificis (9.IX.1596), de
Clemente VIII;
·
Parcial
reintegração em Espanha: Breve Piorum virorum (12.04.1608) de Paulo V;
·
Reintegração
total em Espanha: a 7 de Julho de 1611, o Papa Paulo V, com o Breve Romanus
Pontifex, eleva a Congregação de Espanha à categoria de verdadeira Ordem
regular. Começa aqui, juridicamente, a separação das duas Congregações,
pois o Papa concede o direito de celebrar o Capítulo Geral, eleger o Superior
Geral para Espanha e redigir Constituições;
·
Reintegração
total em Itália: concedeu-a o mesmo Paulo V, mediante o Breve Romanus
Pontifex (13.02.1617), com as mesmas prerrogativas que tinha concedido à
Congregação Espanhola. Desde este momento, a Ordem tem dois Superiores Gerais.
Deste modo, juridicamente, a Ordem é
formada por duas Congregações desde 1611 até 1867, ano em que a Ordem é
restaurada em Espanha pelo Beato Bento Menni, sendo então Geral da Congregação
Italiana o P. João Maria Alfieri, o que significa que cada Congregação terá
Constituições e Superior Geral próprios.
No entanto, já desde o ano de 1587 se
notava uma certa separação dos Irmãos de Espanha dos de Roma, mantida por
alguns Irmãos do Hospital de Granada e outros de Espanha, que resistiram a
aceitar a residência do Geral da Ordem em Roma e, por conseguinte, a renovar a
profissão sob a sua autoridade. Esta atitude manifesta-se mais claramente
quando, devido à prematura morte do P. Pedro Soriano, em Agosto de 1588,
enquanto realizava a visita canónica ao Hospital de Perúsia, os Irmãos de
Espanha não se apresentam ao Capítulo Geral, celebrado em Roma no mês de Março
de 1589.
2.1. A Congregação Espanhola
a) A Ordem em Espanha
A 20 de Outubro de 1608, Pedro
Egipcíaco é eleito primeiro Superior Geral da Congregação Espanhola. Neste
Capítulo redigem-se novas Constituições, levadas para Roma pelo mesmo Ir.
Egipcíaco. Paulo V aprova-as e confirma o Instituto, a 11 de Junho de 1611.
Depois de renovar a profissão nas mãos do Papa, regressa a Espanha. No dia 2 de
Novembro de 1614 é reeleito Superior Geral e o Papa Paulo V, com o Motu
Proprio de 16 de Março de 1616, exime os Irmãos da obediência aos
Ordinários. Também Paulo V, pelo Breve de 7 de Dezembro de 1619, divide a
Congregação Espanhola em duas Províncias: a de Nossa Senhora da Paz (Andaluzia)
e S. João de Deus (Castela).
Nos começos do séc. XVII, a nossa
Ordem tem uns vinte hospitais na Península Ibérica, começa a desenvolver-se na
América, após as duas primeiras fundações em Cartagena de Índias (1596) e em La
Habana (1603); estende-se inclusivamente até às Filipinas, onde os Irmãos
chegam em 1617.
Em 1715, os dois ramos (espanhol e
italiano) da Ordem Hospitaleira compreendiam 16 Províncias com 256 hospitais e
2.399 Hospitaleiros. O ramo espanhol era formado pelas Províncias de Nossa
Senhora da Paz (Andaluzia), com 26 hospitais; S. João de Deus (Castela), com 22
hospitais; Espírito Santo (Nova Espanha), que compreendia também as Filipinas,
com 28 hospitais; S. Bernardo, (Terra Firme), com 11 hospitais; e do Arcanjo S.
Rafael (Peru e Chile), com 20 hospitais.
A 9 de Fevereiro de 1738 é eleito
Geral da Congregação Espanhola o Ir. Alonso de Jesus y Ortega, “o Magno”.
Com ele, o ramo espanhol da Ordem viria a alcançar o seu máximo esplendor. Da
grandeza da obra dos Hospitaleiros nestes anos dá uma ideia o facto de, entre
Janeiro de 1735 e Dezembro de 1757 se terem recebido 726.637 doentes.
A expansão da Ordem em Espanha seguiu
uma linha ascendente até ao fim do mandato de Superior Geral do Ir. Alonso de
Jesus y Ortega († 1771). Nesta altura,
a Congregação Espanhola tinha 1261 religiosos e sete Províncias: três em
Espanha, três na América (numa delas estavam incluídos cinco hospitais das
Filipinas) e uma em Portugal, que abrangia vários centros em África e na Ásia.
A partir desse momento, começa a decadência da Congregação Espanhola, até à sua
extinção formal em 1850.
b)
Chegada dos Irmãos e consolidação da Ordem em Portugal
Já no princípio da vida da Ordem, os
Irmãos manifestaram o desejo de adquirir como propriedade a casa onde nasceu o
nosso Fundador. Apesar de muitos esforços, por diversas razões, esse desejo não
pôde concretizar-se até ao ano de 1606, quando dois Irmãos do hospital de Antón
Martín, de Madrid, se transferiram para Portugal. Sobre a casa onde nasceu João
de Deus, em Montemor-o-Novo, edificaram- -se edificada uma Igreja e um
hospital.
A expansão da Ordem em Portugal seguiu
a mesma trajectória e os mesmos critérios que na Espanha. De facto, foi uma
Província da Congregação Espanhola até 1790, quando a Santa Sé aprovou a sua
separação definitiva, nomeando um Vigário Geral com o seu próprio Definitório.
Em prática, há já muito tempo, desde aproximadamente 1702, que vivia separada
das Províncias Espanholas.
Em 1745 eram onze os hospitais da
Ordem em Portugal; nove militares, servidos pelos Irmãos, e cinco repartidos
pela África e Ásia, sendo então os Irmãos portugueses mais de 130.
2.2. A Congregação Italiana
a)
Os Irmãos Hospitaleiros em Itália
A obra dos Irmãos de João de Deus
viveu em Itália anos de expansão e florescimento, graças ao testemunho de
caridade, à disponibilidade para atender quaisquer necessidades que surgissem,
e a uma assistência esmerada e qualificada. Tudo isso fez com que eles
ganhassem simpatia e os favores das autoridades civis e eclesiásticas, bem como
de muitos benfeitores. Assim conseguiram os Irmãos uma rápida expansão, com um
grande número de fundações em Itália e em grande parte de Europa: Áustria,
Alemanha, Polónia, França.
Também na Itália os Irmãos prestavam
assistência aos soldados nos campos de batalha e às vítimas das pestes e
epidemias, constituindo um grande testemunho de caridade e hospitalidade.
Podemos ficar com uma ideia da pujança
e desenvolvimento da Ordem em Itália atendendo a que, decorridos apenas 80 anos
após a primeira fundação (Nápoles 1576), os Hospitaleiros contavam com seis
Províncias em pleno desenvolvimento: Roma, Nápoles, Lombardia, Bari, Sicília e
Sardenha, com 66 hospitais, 1032 camas, assistindo 27.469 doentes, todos
pobres, e 595 Irmãos, entre eles alguns muito ilustres que se distinguiram pela
sua preparação e competência na Medicina, cirurgia e enfermagem, nomeadamente
os Irmãos Pascual de l’Homme e Gabriel Ferrara.
b) Fundações transalpinas
Os países a que seguidamente nos
referiremos e que compõem o mapa da Ordem na Europa com os três de que já
falámos, viram nascer a família joandeína a partir de Hospitaleiros chegados de
Itália ou de Províncias pertencentes à Congregação italiana. A expansão deve-se
à vida exemplar dos irmãos e à missão apostólica que eles desempenharam.
b.1) França
O Ordem teve uma rápida propagação na
França a partir do ano de 1602, data em que o Ir. Bonelli e os seus
companheiros chegados de Itália fundaram o Hospital da Caridade, o mais
importante da nação naquela época e berço da Província francesa. Com a ajuda
das autoridades civis e eclesiásticas, a Ordem estendeu-se rapidamente pela
França.
Embora estivessem unidos à Congregação
italiana, os Irmãos franceses beneficiavam de um regime autónomo. O Provincial
era simultaneamente Vigário Geral e governava com independência de Itália. Em
1789, a Província tinha 40 hospitais em França e 5 nas suas colónias. Os Irmãos
eram 350.
b.2) Países austro-germânicos
No ano de 1605, os Irmãos Gabriel
Ferrara, ilustre médico e cirurgião, João Baptista Cassinetti e outros religiosos, chegaram a Feldsberg, a pedido
do príncipe Carlos de Liechtenstein, para se encarregarem do hospital de Santa
Bárbara, o primeiro dos 22 hospitais que a Ordem fundou até à morte do Ir.
Ferrara, em 1627.
Em breve, nasceu a próspera Província
do Arcanjo S. Miguel, da qual tiveram origem todas as Províncias da Europa
Central. Em meados do século XVIII, a denominada Província di Germania S.
Michele Arcangelo incluía 31 hospitais, abrangendo no seu enorme âmbito
geográfico os actuais países da Áustria, Itália, Alemanha, Roménia e Hungria.
Tal como noutros lugares, os Irmãos
ocupavam-se dos doentes nos seus hospitais e acompanharam igualmente as tropas
do imperador nas suas campanhas bélicas, assistindo os feridos e os doentes. E
nem sequer faltou o serviço abnegado e caritativo às vítimas de pestes e
epidemias.
b.3) Polónia
O Ir. Gabriel Ferrara chegou à Polónia
em 1609, recebendo o hospital de Cracóvia. Em pouco tempo surgiram novas
fundações na Polónia e na Lituânia. Em 1642 constituiu-se em Província
independente, sob a protecção de Nossa Senhora da Assunção. Apesar de ser uma
Província próspera (13 hospitais e 156 religiosos em finais do século XVIII),
desapareceu com a repartição dos seus territórios entre a Rússia e a Prússia.
3. A Ordem na América durante este
período
Na Bula de Gregório XIII “In
Supereminenti” (28 de Abril de 1576), são mencionadas as fundações que os
Irmãos de João de Deus tinham feito “nas diversas Províncias das Índias do
mar Oceano”, sem especificar nem o número nem o lugar em que se
encontravam.
Tanto na primeira biografia de S. João
de Deus (1585) como nas Constituições feitas no primeiro Capítulo Geral (Junho
de 1587), assinala-se a existência de três hospitais na América: no México, na
cidade do Nome de Deus (Panamá) e na Cidade de los Reyes, no Peru (cf. Const.
1587, fl. 43 v.).
Alguns destes hospitais deverão ter
sido aqueles que os primeiros colonizadores edificavam para dar assistência
tanto aos espanhóis que viajavam para o Novo Mundo como aos indígenas. Outros
hospitais, como acontecia naquela época em Espanha, foram edificados por
pessoas piedosas, por associações ou confrarias que, inteiradas da Congregação
fundada em Granada por João de Deus, ofereciam estes hospitais aos seus Irmãos.
Só assim se explica a existência de hospitais em nome da Congregação de João de
Deus antes de os primeiros Hospitaleiros terem saído da Espanha para se
estabelecer na América.
Num manuscrito conservado no Arquivo
das Índias, consta que os Irmãos de João de Deus, de Granada, se declararam
dispostos, em 1584, a partir para terras americanas. Esta disponibilidade foi
inicialmente ignorada (18 de abril de 1584); consta também que, numa das
frotas espanholas que partiram para Cuba e a Nova Espanha embarcaram oito
religiosos hospitaleiros para assistirem os doentes e feridos, sendo superior
desse grupo o Ir. Francisco Hernández. Este Hospitaleiro viu o vasto campo de
acção que aquelas terras ofereciam para a missão médica e hospitaleira e,
quando regressou à Espanha, apresentou a Filipe II de Espanha um memorial onde
expunha os serviços prestados e falava da necessidade de os estenderem às
Índias: ao terminar o seu relatório, pedia autorização ao rei para voltar para
aquelas regiões com outros cinco Irmãos, com o fim de ali exercer o seu
trabalho missionário e hospitaleiro.
O monarca acedeu à petição e expediu
uma Real Cédula, datada de Madrid, em 2 de Dezembro de 1595, e dirigida ao
presidente e aos ministros da Casa de Contratação de Sevilha, ordenando-lhes
que deixassem embarcar para as Índias o Ir. Francisco Hernández com os seus
cinco companheiros, a fim de se encarregarem dos hospitais de Cartagena, Nome
de Deus e Panamá. Ao fim da longa viagem, chegaram ao porto de Cartagena das
Índias, em Abril de 1596, e tomaram posse do hospital desta cidade, colocado
sob a protecção de S. Sebastião.
A partir do seu estabelecimento
permanente, nas primeiras três décadas do séc. XVII, a acção dos Hospitaleiros
estendeu-se rapidamente pelo continente americano. Tendo em vista regulamentar
a nova situação, chegaram algumas disposições do Conselho Real das Índias,
emanadas para os Irmãos e os hospitais da América, e que foram inseridas nas
Constituições de 1640.
Por volta de 1780, as estatísticas das
três Províncias americanas, sem considerar as Filipinas, apresentam os
seguintes dados: Província de S. Bernardo, 11 hospitais e 70 Irmãos; Província do Arcanjo S. Rafael, 20 hospitais
e 245 Irmãos; Província do Espírito Santo, 26 hospitais e 255 Irmãos.
As causas que favoreceram a presença e
expansão da Ordem na América foram, em primeiro lugar, a caridade e dedicação dos
Irmãos, a disponibilidade para atender quaisquer necessidades que surgissem, e
a universalidade no acolhimento, a sua preparação humana e científica, que
garantia uma maior qualidade assistencial, a que devemos acrescentar ainda o
apoio das autoridades civis e eclesiásticas.
A boa fama dos Hospitaleiros perante
as autoridades e o povo fez com que, em muitos casos, os Irmãos fossem chamados
a tomar conta dos hospitais e facilitou a aceitação dos pedidos que eles mesmos
dirigiam às autoridades no sentido de se encarregarem da direcção de outros
hospitais já existentes.
A simpatia do povo e das autoridades
manifestava-se sobretudo na generosidade em colaborar economicamente na obra
dos Irmãos, pois a maioria dos hospitais não podia funcionar com as rendas
atribuídas e eram necessárias esmolas para a sua sustentação. Existiam também
muitas Irmandades e Confrarias nos hospitais que lhes garantiam um verdadeiro
apoio espiritual, assistencial e económico.
3.1. Contribuições para a
evangelização
Sinteticamente, referimos as seguintes
contribuições para a evangelização naquele continente:
·
A chegada dos
espanhóis à América implicou também a entrada da fé cristã: sacerdotes e
religiosos acompanhavam os colonizadores, com o fim de assistir espiritualmente
as tropas e difundir o Evangelho.
·
A evangelização,
mediante o serviço aos doentes e necessitados, foi e continua a ser a grande
contribuição da Ordem para aquele continente: a assistência corporal e
espiritual – hoje diríamos “integral” – foi, como se disse, de qualidade e
muito apreciada. Tivemos bons e ilustres médicos, cirurgiões, enfermeiros e
sacerdotes.
·
Embora a
evangelização através da pregação não seja o fim da missão da nossa Ordem, na
América, os Irmãos realizaram uma grande obra nas igrejas e nos centros,
nalgumas paróquias e também através da dedicação de Irmãos à catequese e à
formação, num continente tão precisado dela.
·
A acção de
caridade e abnegação dos Hospitaleiros com os doentes e a dedicação de muitos
deles à esmola, foram ocasiões para a evangelização mediante palavras simples,
apoiadas na coerência de vida. Destacou-se nesta louvável acção o Ven.
Francisco Camacho, em Lima.
·
É também para
destacar a inserção real dos nossos Irmãos na América. Viveram próximos da
realidade das pessoas do Novo Continente e trabalharam incansavelmente em favor
dos mais desfavorecidos. Na altura em que se iniciaram os processos de
independência, houve o compromisso de alguns, reconhecido pelo povo, na luta,
apoio e serviço ao lado dos que procuravam conseguir a independência. O seu
testemunho foi quase sempre dado a partir da hospitalidade. Vários Irmãos foram
por isso desterrados e presos. Poderíamos dizer que, juntamente com outros
religiosos, sacerdotes e leigos, foram autênticos pioneiros e antecessores das
testemunhas de hoje da teologia da libertação. Alguns exemplos são-nos
fornecidos pelas vidas dos Irmãos Agostinho de la Torre, José Rosauro Acuña y
Pedro Domínguez, no Peru, pelo Ir. Santiago Monteagudo, no Chile, e pelo Ir.
José Olallo Valdés, em Cuba.
4. Presença dos Irmãos na Ásia,
África e Oceânia
Os primórdios da presença da Ordem na
Ásia, África e Oceânia estão relacionados com a expansão das Coroas portuguesa
e espanhola nos séculos XVI e seguintes.
A colonização de novas terras e/ou a
defesa de outras, precisavam do envio constante de frotas da Armada, em cujos
barcos cedo embarcaram Hospitaleiros para prestar serviço aos feridos de guerra
e às populações dos lugares onde chegavam; isso fez com que em breve chegassem
Irmãos aos novos continentes. No entanto, o estabelecimento permanente só
alguns anos mais tarde é que viria a ser efectuado, assumindo a
responsabilidade de hospitais fundados pelos Reinos de Portugal e Espanha, umas
vezes a pedido da Ordem, outras chamados pelas autoridades locais.
Ao lado de religiosos de outros
Institutos, encontramos a nossa Ordem a exercer a caridade e a praticar a
hospitalidade segundo o carisma de S. João de Deus.
Até ao século XIX, quando os Irmãos
deixaram de estar presentes em muitos lugares pelas mesmas razões por que
deixaram de poder trabalhar na Europa e na América, as características e as
contribuições para a evangelização são muito parecidas com o que aconteceu na
América.
a) Ásia
Embora não tenha havido fundações
permanentes no continente asiático, até vários anos mais tarde, no contínuo ir
e vir das armadas portuguesa e espanhola, os Irmãos estabeleceram postos de
assistência nas costas da China, seja em casos de epidemias e contágios, seja
pelo grande número de feridos que viajavam nos barcos após algumas batalhas.
O primeiro hospital onde os Irmãos se
estabeleceram na Ásia foi Cavite (Filipinas), no ano de 1620. Os Irmãos
procedentes da Espanha chegaram pela primeira vez às Filipinas em 1617, com
autorizações do rei Filipe III para realizarem fundações. Posteriormente
(1621), a partir do México, chegaram o Ir. João de Gamboa e outros religiosos para fundar o hospital de Bagumbaya
(Manila). Novas fundações foram realizadas posteriormente. As vicissitudes
políticas e sociais da Espanha no século XIX marcaram a vida da Ordem nas
Filipinas que, em finais desse século, acabou por desaparecer, permanecendo
esse arquipélago sem a presença dos Hospitaleiros até à chegada dos Irmãos
italianos, em 1988.
Os Irmãos portugueses fundaram vários
hospitais nas costas da Índia: Goa em 1685, Baçaím em 1686, Diu em 1687, e
Damão em 1693. Estes hospitais tiveram a mesma sorte da Província portuguesa
quanto ao seu desenvolvimento e desaparecimento.
b) África
Desde 1573 até 1834, mais de uma
centena de Irmãos acompanharam as campanhas dos soldados espanhóis na conquista
e defesa de praças africanas pertencentes à Coroa Espanhola. Na qualidade de
médicos, cirurgiões e enfermeiros, missionários e catequistas, mereceram os
mais altos elogios das autoridades, e até mesmo do rei Filipe III de Espanha
(que dirigiu uma carta neste sentido ao Padre Egipcíaco). Entre outros, podemos
destacar a presença do Padre Pedro Soriano na conquista de Tunes e Biserta, sob
a chefia de D. João de Áustria, em 1573, assim como os vinte Hospitaleiros que,
em 1843, se deslocaram a Ceuta para combater o “contágio maligno”; nesse
apostolado, morreram treze Irmãos.
A primeira fundação estável em terras
africanas foi levada a cabo pelos Irmãos de Portugal em Moçambique (1681), mas
um decreto de Maio de 1834 suprimiu a presença da Ordem naquelas terras.
c) Oceânia
Em Maio de 1606 chegou às costas da
Austrália a primeira expedição que tinha partido do porto de Callao (Peru),
meio ano antes. Na expedição iam quatro Hospitaleiros com o fim de cuidar dos
doentes e feridos da expedição e com autorização para fundar e administrar
hospitais. No entanto, não dispomos de notícias de que ali tenham permanecido
ou fundado hospitais, provavelmente porque os espanhóis não chegaram a
estabelecer-se.
5. Valores da Hospitalidade e
factores que influíram na difusão da Ordem
São essencialmente três, as razões que
originaram a expansão e o esplendor da Ordem nesta época:
·
Vivência alegre e
entusiasta do carisma e do espírito do fundador e disponibilidade e entrega
incondicional para cuidar dos doentes e dos pobres mais necessitados, tanto
dentro como fora dos hospitais. Os Irmãos foram verdadeiras testemunhas de
hospitalidade na atenção aos doentes de pestes, contágios e epidemias, muito
frequentes naquela época, tanto nos seus próprios hospitais, como deslocando-se
aos lugares onde se verificavam as catástrofes, assistindo e servindo com amor
e competência os afectados. Além disso, é preciso sublinhar a acção dos nossos
Irmãos em muitas guerras e campos de batalha, tanto em terra como no mar.
·
Preocupação e
esmero em fornecer um serviço qualificado na assistência aos pobres e doentes,
bem como o acolhimento e a atenção prestada a quem quer que batesse à porta dos
seus hospitais. Destacamos aqui o interesse na formação, tanto espiritual como
profissional dos Irmãos, entre os quais se contaram médicos, cirurgiões e
enfermeiros ilustres que, juntamente com o tratamento excelente e cheio de
caridade, atingiram um alto grau de qualidade, difícil de encontrar naquela
época.
·
Tudo isto fez com
que a Ordem adquirisse a simpatia das autoridades eclesiásticas e civis,
incluindo a dos reis, merecendo assim atenções e favores sob forma de
concessões e autorizações para novas fundações na Espanha, na América e também
nas Filipinas. E assim também se implantou a Ordem no Centro da Europa.
6. Fiéis à Hospitalidade até ao
martírio
Em tantos anos de história que a Ordem
tem, e na sua ampla expansão em todos os continentes do mundo, é fácil supor a
existência de uma longa lista de testemunhas de Cristo misericordioso e
verdadeiros mártires da hospitalidade. A preocupação de difundir o Evangelho
mediante o exercício da caridade e do serviço aos doentes e necessitados,
comportou para muitos Hospitaleiros a perseguição e o sacrifício da própria
vida, até ao derramamento do próprio sangue. Trata-se de uma característica
constante na história da Ordem, que novamente desejamos sublinhar:
·
Brasil,
1636: no porto de S.
Salvador, pela mão de piratas holandeses, sofreram o martírio os Irmãos Jesus
Arana e Acosta, português, e os espanhóis Francisco Esforcia e Sebastião.
·
Colômbia,
1637: os Irmãos Diego
de S. João, espanhol, e António de Almazán, colombiano, morreram pela mão dos
índios xocós. Em 1646, o Ir. Miguel Romero e um religioso franciscano foram
martirizados pelos mesmos índios xocós.
·
Chile,
1656: os índios aucas
martirizaram o Ir. Gregório Mejía, em Valdívia. Em 1795, foi a vez de o Ir.
Bernardo Lugones encontrar a morte, morto pelos índios araucanos.
·
Polónia,
1656: no hospital de
Lublin foi martirizado o Ir. Eustáquio Biescekierski, dado por morto, mas que
posteriormente se curou. Em Varsóvia, foram assassinados o Ir. Nicolás
Orkieska, sacerdote, e o Ir. Melchor Moreti. Outros Irmãos, como Hipólito
Ciarnowski, foram maltratados e feridos, podendo embora salvar a própria vida.
Em Lowiez, encontraram a morte os Irmãos Norberto Gotkoswiez e Hilário. A causa
fundamental destas mortes foi a invasão da Polónia por povos vizinhos que
perseguiam os cristãos.
·
Filipinas
1725: pela mão de um
grupo de indígenas instigados por bonzos procedentes da China, morreu o Ir.
Lorenzo Gómez. Em S. João de Buenavista, em 1715, foi morto pelos indígenas o
Ir. António de Santiago, que se distinguiu pelo seu espírito missionário e pelo
zelo na difusão da mensagem de Cristo. Em 1731, e no mesmo lugar, sofreu o
martírio o Ir. António Guemez.
·
França: com a chegada da Revolução e a
supressão da Ordem, os Irmãos foram perseguidos e presos, e alguns deles
sofreram o martírio: o Ir. Vomerange, em Bordéus, o Ir. Felicien Citet, em
Paris, os Irmãos Marcet Clémont e Modesto Bernard, nos pontões de Rochefort;
este último foi desterrado posteriormente para a Guiana Francesa e morreu na
miséria.
·
Espanha: durante a Guerra da Independência
(1808 e seguintes), após a invasão das tropas de Napoleão, muitos Irmãos foram
perseguidos e expulsos dos hospitais, à força. Alguns encontraram a morte
servindo como enfermeiros, médicos e cirurgiões nas tropas espanholas: entre
eles, contam-se os Irmãos Pedro Pérez e António Pérez, Manuel Groizar e Nicolás
de Ayala.
Em todos os casos, o serviço
hospitaleiro e a pregação da mensagem evangélica foram as causas do martírio.
Capítulo IV
RESPOSTA APOSTÓLICA E MISSIONÁRIA DA
ORDEM
DESDE MEADOS DO SÉC. XIX ATÉ AOS
NOSSOS DIAS
A partir da Renascença, as autoridades
civis começam a considerar a assistência aos doentes e aos pobres como um dever
baseado no imperativo da justiça. Após um longo processo, que culmina no século
XVIII, os hospitais vão-se secularizando e passam a depender a jurisdição
civil.
A segunda metade do século XVIII marca
uma nova época na vida europeia, que se caracteriza pelo racionalismo e pela luta
contra as formas estabelecidas, concretamente contra a monarquia e a Igreja.
1. Extinção da Congregação
Espanhola
a) Decadência e restauração da
Ordem em Espanha
No mês de Setembro de 1807, as tropas
francesas penetram no solo espanhol. A estes antecedentes junta-se o período
conhecido como Triénio Constitucional (1820-1823). Uma das primeiras
medidas dos liberais (Setembro de 1820), foi a aprovação pelas Cortes de um
projecto de lei que suprimia os conventos de ordens monásticas e reformava as
Ordens mendicantes. Com essa lei, permitia-se a secularização dos religiosos,
proibia-se a admissão de novos noviços e a profissão de novos candidatos, e
suprimia-se a maior parte dos conventos, enquanto se ordenava o encerramento
daqueles cujas comunidades não atingisse o número de 24 professos. Esta última
medida comportou a supressão de quase todos os conventos hospitalares da Ordem
Hospitaleira existentes em Espanha.
A 9 de Março de 1836 foi emanado o
Real Decreto de supressão total das ordens religiosas e mosteiros. Como
consequência, permaneceram abertos na Espanha apenas os de Sevilha e Madrid. Em
Madrid, no convento do hospital de Antón Martín, ficou uma comunidade formada
por 14 Irmãos, cujo prior era o Ir. António Albors.
Em Maio de 1830 realizou-se aquele que
seria o último Capítulo Geral da Congregação Espanhola, sendo eleito como seu
último Superior Geral o Ir. José Bueno y Villagrán: vendo tudo perdido e sem
possibilidade de outra solução, antes que todo o edifício hospitalar fosse
derrubado, tomou as medidas convenientes para pôr a salvo o que restava de
maior valor entre as suas ruínas. Assim, enviou parte da documentação do
Arquivo Geral para o hospital de Sevilha (o único que sobrevivia quando chegou
o Beato Bento Menni). Por carta, recomendou ao Geral da Congregação italiana,
Ir. Bento Vernò, as causas de beatificação do Ven. Francisco Camacho e de S.
João Grande “a fim de que não se extraviem”, e concluía a sua carta nestes
termos: “A Você, como único Responsável Superior actual da Ordem, cumpre
cuidar de quanto 51
à Congregação pertencia; em virtude
disso, tomará as medidas que julgar prudentes para o conservar”. Morreu a 11 de Março de 1850, em
Madrid; com ele, extinguia-se formalmente a Congregação Espanhola da Ordem
Hospitaleira de S. João de Deus.
Às causas extrínsecas que motivaram a
extinção formal da Congregação Espanhola (invasão francesa e a guerra
sucessiva, o triénio liberal, a política de exclaustração e secularização das
ordens religiosas) haveria que acrescentar as intrínsecas da própria
Congregação, sendo muitas delas consequência das primeiras. Também se pode
falar de impreparação por parte da Congregação Espanhola para enfrentar as
novas circunstâncias políticas, sociais e económicas.
b) Restauração da Ordem em Espanha
O P. João Maria Alfieri envidou
todos os esforços para restaurar a Ordem em Espanha. Procurou restaurá-la a
partir dos poucos Irmãos que sobreviviam quando faleceu o Ir. José Bueno, mas
tal não foi possível, de modo que ele mesmo se deslocou à Espanha, conseguindo
da Rainha Isabel II autorização para estabelecer comunidades Hospitaleiras.
·
Depois de várias
tentativas sem resultado, enviou para tão difícil tarefa o Ven. Bento Menni, há
pouco ordenado sacerdote, que chegou a Barcelona na Semana Santa de 1867 e , em
Dezembro do mesmo ano, fundou o Asilo S. João de Deus para crianças fisicamente
deficientes. Foi o início da restauração da Ordem em Espanha, que passou por
dificuldades de todo o género, superadas graças ao amor a Deus, aos pobres
doentes e à Ordem.
·
A 21 de Junho de
1884 era aprovada a erecção canónica da Província S. João de Deus em Espanha,
com 120 Irmãos e cinco casas. Os hospitais fundados pelo Beato Menni, na sua
maioria, foram destinados à assistência de doentes mentais e crianças
paralíticas e escrofulosas, que eram os mais abandonados.
·
As
características que marcaram a obra de restauração levada a cabo pelo Beato
Menni foram a prática da vida espiritual, a disponibilidade para responder a
todas as necessidades urgentes (pestes, guerras) e, principalmente, o fervor da
caridade dos Irmãos, cujo testemunho atraiu numerosas vocações.
c) Extinção e restauração da Ordem
em Portugal
Portugal também não se viu livre das
perturbações socio-políticas e culturais que afectaram a Europa a partir do
século XVIII. Em Maio de 1834, pelo Decreto de Exclaustração do ministro
Aguiar, foram supressas em Portugal e nas suas colónias todas as Ordens e
Congregações religiosas sem excepção, ficando assim totalmente extinta a nossa
Ordem em Portugal.
A restauração foi igualmente obra do
Beato Bento Menni, o qual, também a pedido do P. João Maria Alfieri, uma vez
consolidada a Ordem em Espanha, enviou vários Irmãos com o encargo de restaurar
a casa onde tinha nascido João de Deus. Em Agosto de 1893 ficou estabelecida a
comunidade da Casa de Saúde de Telhal para doentes mentais.
Os primeiros anos não foram fáceis,
quer devido às dificuldades económicas, quer às de carácter socio-políticas.
Como religiosos, estavam fora da lei e não gozavam da protecção das autoridades
civis, o que causou muitos problemas até se poderem resolver estas
dificuldades.
2. Decadência e restauração da
Congregação Italiana
As dificuldades socio-políticas e
culturais vividas pela Europa tiveram repercussões também na Congregação
Italiana. A Revolução Francesa suprimiu a Ordem em França; o josefismo teve
como consequência a separação da jurisdição da Cúria Geral de Roma das
Províncias de Áustria, Polónia, Lombardia, Nápoles, Sicília e Toscana.
a) Itália
Em 1810 era decretada a supressão das
Ordens religiosas em Itália. Embora com dificuldades, os Irmãos conseguiram
permanecer nos hospitais até que, em 1814, cessou a perseguição contra a Igreja
e foi possível a reintegração da Ordem.
Realizada a unificação italiana (7 de
Julho de 1866), foram declaradas extintas as Congregações religiosas e os seus
bens nacionalizados pelo Governo. Os Irmãos puderam permanecer nos seus
Hospitais, sob a designação de “Associações Hospitaleiras laicas”, como
enfermeiros e/ou administradores. Nesta altura, a Ordem contava 50 hospitais e
352 religiosos.
O P. João Maria Alfieri, nomeado
Superior Geral em 1862, foi sem dúvida o grande artífice da restauração da
Ordem em Itália. Bateu-se de forma extraordinária para manter os Irmãos nos
centros que tinham pertencido à Ordem e, a pouco e pouco, foi preparando com
habilidade a recuperação dos hospitais. Também se esforçou por manter vivo o
espírito religioso e moral dos Irmãos. O seu sucessor, o P. Cassiano Maria
Gasser, consolidaria a restauração nas suas dimensões religiosa, espiritual e
apostólica.
b) Decadência e restauração na
França
Quando se deu a Revolução Francesa,
foi publicado o Decreto do Directório (15.II.1790), pelo qual eram supressos
todos os institutos religiosos da nação. Pela Lei de 18.X.1792, decretava-se a
venda dos bens dos hospitais, desaparecendo assim a Ordem.
A restauração, difícil e laboriosa,
foi iniciada por Paul de Magallón, figura profética cheia do Espírito de Deus,
que transbordava de hospitalidade e amor à Igreja e à Ordem, juntamente com um
grupo de companheiros. Querendo ficar sob a tutela do Superior Geral, em 1823
foram para Roma, para fazer o noviciado e emitir a profissão religiosa.
Regressaram à França e, em 1825, fundaram o Hospital Psiquiátrico de Lyon.
Não sem dificuldades – em 1880 foi
emanado um novo Decreto de supressão – manteve-se o crescimento em França,
graças à firmeza e ao espírito joandeíno dos Irmãos, que efectuaram fundações
também na Irlanda (Tipperory 1877), Inglaterra (Scorton 1880) e Bélgica (Leuze
1906).
c) Província Germânica de S. Rafael
Arcanjo
Durante o governo do imperador José II
(1765-1790) foram emanadas leis em virtude das quais os Hospitaleiros ficavam
separados da jurisdição de Roma e outras normas que tornavam difícil o bom
funcionamento da Província, pois as casas que estavam fora do território
austríaco separaram-se dela. Os Irmãos dessas casas erigiram em 1781 outra
Província, denominada Provincia per Imperium, dedicada a S. Carlos
Borromeu, com sede em Munique.
Não menos deletérias foram as leis
ditadas por Napoleão, cujo resultado foi o desaparecimento da Ordem, com
excepção dos hospitais de Breslávia e Neustadt.
A partir de 1831, durante o reinado de
Luís I da Baviera, foi tornando a calma: restaurou-se a união com Roma e a
erecção de novas Províncias: Baviera, em 1851; Silésia, em 1853; Hungria , em
1856.
d) Polónia
O desaparecimento da Província da
Anunciação começou com a repartição do Reino da Polónia, nos anos
1772-93-95, entre a Rússia, a Prússia e a Áustria, e consumou-se durante a
ocupação napoleónica em 1806, mantendo-se apenas o hospital de Cracóvia,
que passou a depender juridicamente de Viena.
Visto que, a partir da Segunda Guerra
Mundial, pertencia à Polónia, recordamos aqui a evolução da Ordem na Silésia.
Em 1710 foi fundado o hospital de Breslávia que, juntamente com o de Neustadt,
fundado em 1764, foram os únicos que superaram os tristes acontecimentos
políticos e militares da época. Realizadas algumas outras fundações, as casas
da Silésia foram constituídas em Província regular, a 14 de Janeiro de 1883.
A Província Polaca não foi
restaurada até 1922.
3. Decadência e desaparecimento da
Ordem nas Províncias Ultramarinas
a)
Decadência e desaparecimento da Ordem na América
O século XIX caracteriza-se pelo
desejo de emancipação política da América Latina, que afectou também os
religiosos. As medidas de exclaustração e desamortização dirigidas contra os
religiosos na Europa tiveram repercussões nas colónias dos países europeus. As
ideias iluministas, os movimentos de independência e a distância relativamente
às metrópoles, foram preparando o clima favorável. Alguns Irmãos, influenciados
pelo clima então dominante, promoveram a separação dos conventos-hospitais
americanos da Congregação Espanhola. Para conseguir o seu objectivo, recorreram
às autoridades civis e eclesiásticas; para obter o apoio dos Ordinários não
viram inconveniente em renunciar aos privilégios da isenção, submetendo-se
novamente à jurisdição dos Bispos e, com a ajuda das autoridades civis,
conseguiram que o rei pedisse ao papa Pio VII o Breve de emancipação da
obediência ao Superior Geral espanhol, em virtude do qual passavam a
sujeitar-se aos presidentes das Câmaras e aos mordomos nomeados pelo rei para
regerem os hospitais. Em 1810 pediram também a supressão dos comissariados,
sendo a Província do Espírito Santo da Nova Espanha a que mais se distinguiu
para conseguir o Breve e, à sua frente, o Ir. João Nepomuceno Abreu.
As Províncias do Espírito Santo e de
S. Bernardo, logo que receberam o Breve, realizaram um Capítulo, presidido
pelos delegados dos Ordinários, no qual elegeram Provinciais, Conselheiros,
Priores e preencheram os outros cargos. A Província de S. Rafael manteve-se até
1816, obedecendo ao Geral e, nesse ano, realizou também um Capítulo. No México,
foi nomeado Provincial o Ir. João Nepomuceno Abreu: com ele viria a
extinguir-se a Província do Espírito Santo da Nova Espanha. Sobreviveriam
apenas os Irmãos de Cuba, postos em contacto com o Geral, em 1824. É como se a
Providência divina tivesse querido premiar esta fidelidade ao espírito de
universalidade da nossa Ordem no Servo de Deus Ir. José Olallo Valdés,
religioso cubano que, até à sua morte (1889) permaneceria fiel aos votos no
hospital de Puerto Príncipe (Cuba): foi o último Hospitaleiro da Congregação
Espanhola em terras americanas.
Embora a assistência na América tenha
sido predominantemente realizada pelos Hospitaleiros espanhóis, é necessário
mencionar aqui também a presença de Irmãos portugueses e franceses naquelas
terras.
Os Irmãos portugueses tinham estado no
Brasil, acompanhando expedições das Armadas portuguesa e espanhola, e fundaram
diversos hospitais a partir de 1724, ano em que abriram o hospital de
Pernambuco. A sua presença viria a terminar em meados do século XIX.
Os Irmãos franceses fundaram hospitais
nas colónias do seu país, concretamente nas Antilhas (Guadalupe 1685) e no
Canadá (1716). A presença no Canadá foi muito breve, e nas outras partes
extinguiu-se após a Revolução francesa.
b) Restauração da Ordem na América
Latina
A restauração da Ordem na América
Latina foi obra do Beato Bento Menni. A ausência dos Hospitaleiros no
Continente latino-americano foi breve. Efectivamente, em 1892, o P. Cassiano
Maria Gasser, Geral da Ordem, e o Beato Menni, Provincial de Espanha,
deslocaram-se à Argentina para estudar a possibilidade de uma fundação. As
diligências não obtiveram êxito e foi necessário aguardar até 1901, quando a
Ordem se restabeleceu na América com a fundação do hospital de S. Martín, em
Guadalajara de Jalisco (México).
Deste modo, a árvore da Hospitalidade
tornou a brotar das profundas raízes que o amor misericordioso de tantos Irmãos
tinha implantado no Continente que chamamos da Esperança. Voltaremos a falar da
presença actual da Ordem na América noutro capítulo.
III PARTE
COMPROMETIDOS NA HOSPITALIDADE
Capítulo V
DOUTRINA DA ORDEM SOBRE A
EVANGELIZAÇÃO
Ao longo dos mais de 450 anos de vida
da Ordem, a literatura sobre o trabalho missionário por ela realizado é
abundante, apesar de ser uma Instituição que se dedica mais à prática da
caridade, e portanto à acção, do que à escritura. Não obstante isso, a lista
das obras escritas é muito ampla: na bibliografia em anexo passamos em revista
algumas das mais importantes.
1. Íter
histórico das Constituições da Ordem
Ao longo da história, diferentes
textos recolhem o espírito e a missão evangelizadora da Ordem fundamentada no
carisma da Hospitalidade. Nas nossas Constituições podemos distinguir dois
grandes períodos: desde as origens até ao mandato de Superior Geral do P.
Alfieri, e desde o P. Alfieri até aos nossos dias.
a) Desde as origens até ao mandato
de Superior Geral do P. Alfieri
É preciso notar, em primeiro lugar,
que durante 35 anos (1550-1585), os Irmãos viveram sem normas escritas
reconhecidas pela Igreja.
Nos 31 anos seguintes (1585-1616)
foram promulgadas as seguintes Constituições:
·
Tentativa de
formular Constituições, em 1583, promovida pelo Ir. Baltasar de Herrera.
Tratou-se, porém, de um esforço não autorizado em si mesmo, pois o Papa S. Pio
V tinha colocado os Irmãos sob a obediência dos Ordinários, não podendo eles,
por isso, elaborar constituições para todos os hospitais existentes.
·
Constituições
para o Hospital de Granada, outorgadas pelo Arcebispo de Granada, D. Juan Méndez
de Salvaterra, em 1585. Embora se destinassem expressamente ao Hospital de
Granada, foram acolhidas e seguidas pelos Irmãos dos outros hospitais.
·
Constituições
para toda a Ordem,
fruto do primeiro Capítulo Geral, celebrado em 1587, depois de a Ordem ter sido
aprovada por Sisto V, com o Breve “Etsi pro debito” (1.X.1586).
·
Constituições
do segundo Capítulo Geral (1589). Neste Capítulo não participaram os Irmãos de
Espanha. Embora no prólogo se diga tratar-se de uma tradução para italiano das
Constituições de 1587, são nelas introduzidas algumas alterações
significativas.
·
Primeiras
Constituições da Congregação Italiana (1596), depois da parcial reintegração da Ordem em
Itália.
·
Constituições
para a Congregação Espanhola (1611), depois da total reintegração da Ordem em
Espanha. Começa aqui juridicamente a separação das duas Congregações, que
durará até 1867, com a restauração da Ordem em Espanha pelo Beato Bento Menni.
Com algumas novas edições e variantes em 1640 e 1741, viriam a ser as
Constituições definitivas até à extinção da Ordem em Espanha.
·
Novas
Constituições da Congregação italiana (1616). Na realidade, são as Constituições definitivas
até à reunificação da Ordem, embora tenha havido algumas correcções da tradução
do latim, em 1718.
b) Desde o mandato de Superior
Geral do Padre Alfieri até aos nossos dias
·
Constituições
para toda a Ordem, em 1885. Foram elaboradas adaptando as anteriores.
·
Constituições
novas, em 1926.
São muito diferentes, estruturadas e normativas, fruto da adaptação ao novo
Código de Direito Canónico de 1917. Foram reimpressas em 1950.
·
Constituições
“ad experimentum”, em 1971, segundo o espírito do Concílio Vaticano II e procurando
recolher as novas orientações sobre a Vida Consagrada que dele derivaram. Pela
primeira vez, os aspectos normativos são recolhidos e publicados separadamente,
nos Estatutos Gerais.
·
Constituições
de 1984. Recolhem a nova
teologia da Vida Consagrada e recuperam o sentido original da hospitalidade,
com grande enriquecimento doutrinal e pastoral. A maior parte das normas são
publicadas nos Estatutos Gerais.
2. Princípios sobre a evangelização
As Constituições, com diversos estilos
conforme as épocas, recolhem os princípios fundamentais que inspiram em cada
momento a missão evangelizadora de nossa Ordem. Deter-nos-emos agora a analisar
os mais importantes:
a) A
hospitalidade: missão apostólica da Ordem
A hospitalidade é o núcleo central da
vida da nossa Ordem, o carisma que S. João de Deus recebeu e de cuja
experiência basilar participa desde então toda a Família Hospitaleira; é também
o núcleo essencial da nossa espiritualidade, como muito bem afirmam as
Constituições e os escritos da Igreja e da Ordem; por fim, é o núcleo central
da nossa missão apostólica:
“Tanto
importa a vossas consciências e ao aumento deste hospital e santa casa, a cura
e o alívio dos pobres, que é o fim do vosso Instituto e o que vós mais
pretendeis” (Const. 1585, Intr.).
“Encorajados
pelo dom que recebemos, consagramo-nos a Deus e dedicamo-nos ao serviço da
Igreja na assistência aos doentes e aos necessitados, com preferência pelos
mais pobres (Const. 1984, 5a).
b) Consagrados
em hospitalidade,
exercemos
na Igreja o ministério da misericórdia
Embora seja verdade que os primeiros
seguidores de S. João de Deus viveram unidos pelo espírito do Fundador, sem
necessidade de normas canónicas para desempenhar a sua missão, em breve viriam
a ser reconhecidos pela Igreja para exercer a missão hospitaleira, consagrados
na hospitalidade.
“Em
virtude deste dom (hospitalidade) somos consagrados pela acção do Espírito
Santo, que nos torna participantes, de maneira singular, do amor misericordioso
do Pai... Este amor de Deus, “difundido nos nossos corações”, (...) leva-nos a
consagrar ao Pai (...) toda a nossa pessoa” (Const. 1984, 2b;10a).
As citações poderiam ser infinitas,
pois seria necessário recolher os diferentes aspectos que a este respeito
contêm as diferentes edições das Constituições. No entanto, o conteúdo
fundamental é o mesmo.
c)
Missão de curar que a Igreja exerce mediante o apostolado da Ordem
Seguindo Jesus Cristo, que passou por
este mundo fazendo o bem a todos e curando toda a espécie de doenças e
enfermidades (Act 10, 38; cf. Const. 1984, 2a), a Ordem, desde o tempo do seu
Fundador, colocou o homem que sofre e se encontra em estado de necessidade no
centro da sua missão. Para ele dirigiu todos os cuidados, prolongando desta
forma a acção do Senhor que cura ao longo do tempo.
Com palavras, com gestos e com a
entrega da própria vida, nós os Irmãos de S. João de Deus procuramos atender
integralmente as pessoas necessitadas. A dimensão espiritual mereceu sempre uma
atenção especial e esmerada porque, juntamente com os cuidados físicos,
psíquicos e sociais, sabemos que a fé, vivida com maturidade, é fonte de vida e
de saúde no meio da enfermidade:
“Como
Irmãos de S. João de Deus fomos chamados para realizar na Igreja a missão de
anunciar o Evangelho aos doentes e aos pobres; atendendo aos seus sofrimentos e
assistindo-os integralmente” (Const. 1984, 45a).
d) Acolhimento
universal
Inspirados em Jesus Cristo e a exemplo
de S. João de Deus, nós os Irmãos nunca praticámos qualquer tipo de
discriminação no exercício da nossa missão apostólica. Assim o prescrevem as
Constituições e confirma a prática ao longo da história:
“Neste
Hospital de João de Deus curam-se todas as enfermidades, tanto de homens como
de mulheres que a ele se dirigem” (Const. 1585, 10,1).
“Em
cada homem vemos um irmão nosso: acolhemos e servimos, sem qualquer
discriminação, quem se encontra em necessidade” (Const. 1984, 45b).
e)
Dimensão profética da missão hospitaleira
A acção de curar própria da Igreja
compreende a promoção, o cuidado e a defesa da vida. A Ordem sempre apostou na
vida e proclamou a sua firme decisão de a defender e lutar por ela, muitas
vezes através do testemunho humilde e exemplar do serviço diário prestado aos
doentes; outras, mediante gestos de denúncia e, por vezes, com o testemunho do
martírio de muitos Irmãos. Tudo isso, nas diferentes circunstâncias, tal como
fez S. João de Deus, constitui a trajectória profética seguida pela Ordem e
recolhida, por vezes nas entrelinhas, nas Constituições:
“Recordem-se
os nossos Irmãos que na assistência corporal dos enfermos estão obrigados a
fazer tudo o que a saúde dos mesmos exige... mesmo pondo em perigo a própria
vida” (Const. 1926,
225).
“A
hospitalidade que professamos compromete-nos a estar atentos e a defender os
direitos que a pessoa tem a nascer, a viver decorosamente, a ser assistida na
doença e a morrer com dignidade (Const. 1984, 23a).
f)
Assistência técnico-profissional e humanização
É certo que nos últimos anos a
medicina registou progressos como nunca tinha acontecido, até chegar a níveis
inimagináveis há apenas algumas décadas atrás. A Ordem de S. João de Deus, desde
o próprio Fundador, foi pioneira neste campo, não só pela sua entrega
caritativa e hospitaleira, mas também pelo nível técnico e profissional que
oferecia nos seus hospitais. A preparação na Medicina, Cirurgia, Enfermagem,
Farmácia e outras especialidades, foi uma preocupação constante, de tal forma
que em muitos hospitais da Ordem se fundaram escolas de Medicina, Cirurgia e
Enfermagem, onde se formaram muitos Irmãos: em Madrid, Paris, La Rochelle,
Roma, Veneza, Nápoles, Milão, Viena, Feldsberg, Straubing, Praga, etc. Outros
formaram-se em universidades de prestígio. Nas áreas mencionadas, os Irmãos
distinguiram-se não só nos hospitais da Ordem, mas também junto dos exércitos
dos diversos países e em hospitais civis: por exemplo, os Irmãos Chaparro, Ferrara,
Bueno, etc.
A organização hospitaleira e os
cuidados assistenciais foram outros aspectos em que os Irmãos revelaram grande
intuição e criatividade, tornando-se pioneiros nestas áreas. Actualmente, a
Ordem conta com obras de diferentes géneros, entre as quais grandes hospitais
dotados dos mais modernos equipamentos técnicos, onde se aplicam as técnicas
mais avançadas da Medicina.
Ao longo da sua história, juntamente
com a preocupação por uma assistência de qualidade profissional e técnica, a
Ordem quis manter um estilo cheio de caridade e carinho, muito humano, na
assistência aos pobres e aos doentes. Amor e ciência, humanização e técnica,
são o binómio que sempre procurou manter, fiel ao estilo de S. João de Deus e
traduzindo em prática a missão da Igreja de exercer a caridade e curar os
doentes:
“A
caridade, apesar disso, não deve estar separada do progresso, mas deve estar na
vanguarda, isto é, deve ser antiga na caridade e moderna nos meios. Caridade
antiga, meios modernos” [15].
“Os
enfermeiros dormirão nas salas dos referidos enfermos para acudir rapidamente
às suas necessidades” (Const. 1585, 9,8).
“O
médico e o cirurgião devem ser tais em ciência e caridade como se requer para
curar tantas enfermidades de tantos enfermos como no dito hospital se curam” (Const. 1585, 11,1).
“Com
a nossa missão hospitaleira realizamos e desenvolvemos o melhor de nós
mesmos... Isto pressupõe... a preparação humana, teológica e profissional, como
requisitos indispensáveis, para proporcionar aos doentes e a qualquer pessoa
necessitada o serviço eficiente que merecem e que, com razão esperam de nós”.
“No ambiente dominado pela técnica e pelo consumismo da sociedade moderna...
nós somos chamados a realizar a nossa missão com atitudes e modos humanizantes” (Const. 1984, 43 e 44a).
g)
Colaboração com a Igreja e outras Instituições
A Ordem esteve sempre aberta à
colaboração com outras Instituições no exercício da sua missão evangelizadora.
Trata-se de uma atitude constante que continua hoje a manter-se e demonstra o
espírito de solidariedade e de serviço da Ordem.
“Fim
segundo da Ordem o cuidado ou assistência corporal e espiritual dos enfermos...
nas casas próprias da Ordem ou noutras a ela confiadas” (Const. 1926, I.3).
“As
atitudes de serviço e de abertura próprias da nossa missão levam-nos a cooperar
com outros organismos da Igreja ou da sociedade no campo do nosso apostolado
específico” (Const. 1984,
45e; cf. 47).
h)
Missão “Ad gentes”
A Ordem nasceu quase simultaneamente
com a “descoberta” do continente americano e muito cedo se juntou à missão
evangelizadora no exercício da hospitalidade.
Aquele início marcou a vocação
missionária da Ordem que, dentro das suas possibilidades, ao longo da sua
história se tornou presente nos cinco continentes, levando a mensagem do amor
misericordioso do Pai aos pobres, doentes e necessitados:
“Conscientes
da nossa responsabilidade na difusão da Boa Nova, mantemos sempre vivo o
espírito missionário. Exercemos o apostolado hospitaleiro incrementando
constantemente a nossa presença em terras de missão, particularmente nos países
menos favorecidos...” (Const. 1984, 48).
Seguindo esta orientação, que é também
a da Igreja (cf. Vaticano II “Ad gentes”), a Ordem realizou um grande esforço
para se tornar presente na África, na América Latina e na Ásia.
i)
O apostolado da esmola
A esmola tornou-se uma prática
apostólica ao longo da história da Ordem. “Irmãos, fazei o bem a vós
mesmos”: era o apelo lançado por S. João de Deus ao pedir esmolas para o
seu hospital. Até há poucos anos, e ainda hoje nalguns lugares, os hospitais
viviam das esmolas dos benfeitores da Ordem. Actualmente, embora com meios mais
modernos e na maioria dos casos, como apoio à obra social que a Ordem realiza,
continua a fazer parte da sua missão evangelizadora. Conforme a entendeu S.
João de Deus, trata-se de uma verdadeira forma e apostolado em favor das
pessoas que, com os seus bens, colaboram na acção caritativa da Ordem:
“Fiéis
ao nosso espírito, promovemos o exercício da esmola como forma de apostolado.
Consideramo-la não apenas como obra de misericórdia que nos possibilita dispor
de meios para ajudar os necessitados, mas ainda como um bem que faz a si mesmo
aquele que a pratica; além disso, como anúncio da justiça e da caridade,
contribui para desfazer as barreiras existentes entre as classes sociais” (Const. 1984, 49b).
j)
Unidos aos Colaboradores
A presença de Colaboradores na missão
foi uma característica permanente na Ordem. É verdade que, até há poucos anos
atrás, eram os Irmãos que realizavam a maior parte das tarefas hospitaleiras.
No entanto, e desde o tempo do próprio Fundador, a Ordem contou sempre com
Colaboradores nos centros: médicos, cirurgiões, sacerdotes, auxiliares,
benfeitores e numerosas confrarias e irmandades.
Nos nossos dias, dada a modernização
da Medicina e da assistência, nas nossas obras foi-se integrando um grande
número de profissionais com os quais partilhamos a missão. Além disso, a Ordem
conta com muitas pessoas que, integradas em formas de Voluntariado associado,
oferecem o seu tempo e a sua existência ao serviço dos doentes e necessitados.
“Conscientes
das nossas limitações, procuramos e aceitamos a colaboração de outras pessoas,
profissionais ou não, voluntários ou colaboradores, aos quais nos esforçamos
por comunicar o nosso espírito na realização da nossa missão” (Const. 1984, 46b; cf. 51a).
k)
Sacerdócio ministerial a título de hospitalidade
João de Deus chamava a todos irmãos, e
considerava-se ele mesmo como o irmão mais pequeno. Os seus seguidores
constituíram uma Irmandade dedicada ao serviço dos pobres e dos doentes e,
quando a Ordem foi aprovada pela Igreja, foi-o como Ordem de Irmãos, conforme
escreve João Paulo II na Exortação apostólica Vita consecrata (cf. VC
60). Não obstante isso, desde a sua aprovação, a Ordem teve alguns Irmãos
sacerdotes para a assistência espiritual e pastoral dos hospitais e das
comunidades joandeínas:
“Que
cada um dos Hospitais existentes então, ou que venham a ser fundados no futuro,
possa ter um Irmão sacerdote, cuja função será dizer missa, celebrar os outros
ofícios divinos, administrar os sacramentos tanto aos Irmãos como aos pobres de
Cristo...” (Bula Licet ex debito, San Pio V, 1572).
“A
nossa Ordem é um Instituto laical; contudo, desde a sua aprovação, foi
concedido que alguns Irmãos pudessem ser ordenados sacerdotes, para exercer o
sagrado ministério entre os doentes e nas nossas comunidades e obras
hospitaleiras” (Const. 1984, 1e).
3.
A dimensão apostólica e missionária da Ordem
nos
escritos dos nossos Irmãos
A dimensão missionária constitui um
valor essencial na vida dos Hospitaleiros. A nossa história e tradição estão
cheias de testemunhos que a documentam. Faremos seguidamente referência a
alguns dos testemunhos escritos mais significativos, que revelam a preocupação,
o encorajamento e a dedicação quanto à promoção da acção missionária na nossa
Ordem. Por razões de brevidade, tomaremos em consideração apenas os escritos
dos Irmãos a partir do P. João Maria Alfieri.
a) P. João Maria Alfieri
Nomeado Superior Geral em 19 de Maio
de 1862, manifestou esta responsabilidade até à morte, em 1888. Figura notável
na vida da Ordem, a sua profunda vocação hospitaleira, o amor pelos pobres e os
doentes, pela Igreja e à sua Ordem, juntamente com as qualidades de inteligência
e espírito empreendedor, fizeram dele a pessoa de que havia necessidade
naqueles anos difíceis da segunda metade do séc. XIX.
Deu impulso à restauração da Ordem em
Espanha, Portugal e na América; encorajou os Irmãos na Itália a manter-se fiéis
e firmes na missão da caridade com os doentes, sobretudo quando sobreveio a
supressão das Ordem religiosas neste país (7.VII.1866). Fez o mesmo em relação
aos Irmãos das outras Províncias.
Escreveu muitas cartas (entre as quais
26 circulares), para reavivar o espírito de caridade e para inculcar a rigorosa
observância e formação dos jovens religiosos. Transcrevemos, a título de
exemplificação, algumas passagens dos seus escritos:
“Exorto
e mando que todos, e em todos os lugares onde se encontram os vossos hospitais,
prestem ao povo toda a ajuda que seja possível, também na prevenção de
calamidades e por meio dos vossos superiores, ofereçam às autoridades
competentes, eclesiástica e civil, a vossa obra e também os vossos locais,
conservando sempre vós a direcção e a assistência” [16].
“Este
nosso muito querido filho (Bento Menni) em Cristo, enviamos agora à França e à
Espanha, onde ele permanecerá pelo tempo que dispusermos para que promova o
incremento e o bem da nossa Ordem, de acordo com as nossas Constituições e as
Instruções Nossas e da Santa Sé. Por isso, muito encarecidamente recomendamos
no Senhor aos Veneráveis Bispos e Superiores Eclesiásticos e Regulares e com
grande empenho lhes rogamos que lhe prestem em tudo eficaz protecção” [17].
b) Beato Bento Menni
Nasceu em Milão, em 1841, foi o
restaurador da Ordem em Espanha, Portugal e na América Latina, fundador da
Congregação das Irmãs Hospitaleiras do Sagrado Coração de Jesus, e Superior
Geral da Ordem Hospitaleira. Faleceu em Dinán, em 1914.
Podemos dizer que a sua acção
hospitaleira foi sobretudo missionária. Aos 26 anos de idade saiu de Itália
para desempenhar a sua missão que iria marcar a sua vida: restaurar a Ordem em
Espanha, Portugal e na América. Demonstrava da seguinte forma a sua
disponibilidade:
“Escrevia
ao reverendíssimo P. Alfieri, então Superior Geral da nossa Ordem, dizendo-lhe
que de tal modo me sentia encorajado pelo desejo de trabalhar para o bem do
nosso Instituto hospitaleiro que me oferecia à sua paternidade reverendíssima
para que me mandasse para onde julgasse mais oportuno, a fim de praticar a
santa hospitalidade” [18].
As cartas escritas pelo Beato Menni
foram numerosas: 463 aos Irmãos, 870 às Irmãs Hospitaleiras e muitas outras,
sobretudo nos primeiros anos que passou em Espanha. Recolhemos apenas alguns
fragmentos que testemunham a sua vocação e entrega missionárias:
“Dentro de poucos dias eu mesmo
acompanho o primeiro grupo de religiosos nossos que hão-de ir para a América...
Empresa árdua e difícil, superior às nossas forças, que porém, confiando nos
auxílios de Deus, esperamos levar a bom termo” [19].
Além disso, tentou expandir a Ordem
até ao Rio Muni e às Filipinas:
“Recebi
a sua carta do dia 30 e também o mapa do Rio Muni, pelo qual vejo que este país
foi adquirido para a Espanha. Talvez não houvesse inconveniente em enviar
alguns Irmãos; mas seria preciso que o Governo considerasse os indivíduos da
nossa Ordem como Missionários, ou seja, que os declarasse isentos do serviço
militar. Assim, espero que a sua bondade me informe se Você poderia influir
para o conseguir” [20].
“Graças
à vontade do Senhor, será um facto a chegada dos Irmãos da nossa Ordem
Hospitaleira a essas Ilhas Filipinas, porém não irão encarregar-se de
hospitais..., mas fundar nesse arquipélago um asilo para dementes...” [21].
Seguindo a tradição da Ordem, mostrou
o seu espírito hospitaleiro e missionário na permanente disponibilidade em
cuidar dos doentes e necessitados, onde quer que se encontrassem, especialmente
no caso de epidemias e catástrofes naturais:
“Ex.mo
Sr. As gravíssimas notícias publicadas pelos periódicos sobre o estado
sanitário do Manicómio de S. Baudilio de Llobregat induzem o abaixo assinado...
a oferecer a V. Ex.cia, em nome da dita Corporação de Irmãos Hospitaleiros de
S. João de Deus e das Irmãs Hospitaleiras de N. S. do Sagrado Coração de Jesus,
o pessoal necessário para a assistência dos coléricos no referido Manicómio de
San Baudilio” [22].
Nos seus numerosos escritos
encontramos recomendações e orientações dadas aos Irmãos sobre o serviço e a
hospitalidade para com os doentes e os pobres:
“Por
isso, em virtude do voto de Hospitalidade, cada um dos indivíduos professos da
nossa Ordem está obrigado a prestar aos enfermos, sejam eles pobres ou ricos,
dos quais a obediência, em conformidade com os fins do nosso Instituto os
encarreguem, aqueles serviços corporais e espirituais de que necessitem, e
segundo as suas atitudes e faculdades lhes possam prestar”[23].
c) S.
Ricardo Pampuri
Nasceu a 2 de Agosto de 1897, em
Trivolzio (Pavia). Após um infância e juventude exemplares, em Junho de 1921
doutorou-se em Medicina e Cirurgia e, a partir de 1922 até à sua entrada na
Ordem, exerceu a profissão de médico em Morimondo. Entrou para a Ordem como
postulante, em 22 de Junho de 1927, e emitiu os votos temporários a 24 de
Outubro de 1928. Morreu em Milão, no dia 1 de Maio de 1930.
Distinguiu-se pela sua bondade,
simplicidade, candura e profunda vida espiritual. Das suas obras (146 cartas) e
em relação ao tema em análise, evidenciamos a sua grande sensibilidade
religiosa e missionária.
No seu zelo pelas missões, teve grande
influência a sua irmã, Ir. Longina. Pertenceu à Congregação das Franciscanas
Missionárias do Coração Imaculado de Maria e permaneceu no Egipto durante mais
de 60 anos. A relação epistolar que manteve com ela foi extensa, 66 cartas
cheias de ternura e profundidade espiritual. S. Ricardo manifestava-lhe os seus
anseios de amar e servir a Deus e de encontrar a melhor forma de responder à
sua vocação:
“Terás
compreendido como, na minha busca do caminho pelo qual o Senhor quer que O
sirva, não poucas vezes se me deparou esse tão glorioso do missionário; porém,
demasiadas vezes a pequenez física, e ainda mais a moral, me dissuadiram disso.
E, no entanto, com quanta veemência gostaria de abraçar esse estado, se a
providência divina mo indicasse como o mais conveniente para mim!” [24].
“No
dia 3 tive oportunidade de falar com o Rev. P. Provincial da Ordem de S. João
de Deus, para a qual tinha sido aconselhado a entrar há uns anos; ele disse-me
que aceitaria com prazer (se tivesse essa ocasião), apesar da minha pouca saúde
e da dúvida de pleurisia. Conforme já sabes, desde há muito que sentia a
necessidade de uma Regra para poder perseverar na vida digna sem perigo de
graves caídas. Por isso, aceitei tão fraterna oferta e no dia 6 apresentei o
pedido de admissão, confiando unicamente na bondade e misericórdia de Deus” [25].
S. Ricardo desempenhou a sua acção
apostólica e missionária na assistência aos doentes e necessitados. A sua
diligência e o seu profissionalismo não conhecia limites, apesar da sua saúde
frágil:
“Reza
também pelos meus doentes, para que, com a ajuda de Deus, eu lhes possa
proporcionar um verdadeiro alívio” [26].
A Ordem acolheria o médico Santo,
chamado por Deus a viver a consagração hospitaleira. Viveu nela apenas três
anos, mas foram três anos cheios de amor, humildade, doação e testemunho de
hospitalidade. Serviu como formador de jovens religiosos que se preparavam para
serem enfermeiros e como médico em Brescia. Foi amado por todos, doentes e
religiosos, devido à sua vida exemplar:
“Rezo
tanto pelos nossos queridos doentes, para que possam encontrar nos nossos
hospitais a saúde espiritual e também abundantemente a material, desde que seja
para a maior glória de Deus e a salvação dos mesmos” [27].
d) P.
Efrén Blandeau
Nomeado Superior Geral por Decreto da
Sagrada Congregação para os Religiosos, no dia 15 de Janeiro de 1939, o seu
serviço de governo e animação durou até 26 de abril de 1953. Foi uma pessoa
simples, dotada de grande bondade e inteligência, o que fez com que todos o
amassem.
Teve que realizar este serviço durante
a Segunda Guerra Mundial, distinguindo-se pela sua preocupação em acompanhar os
diversos acontecimentos que marcaram a vida das Províncias e dos centros afectados
pela Guerra. Em duas das suas cartas dá a conhecer à Ordem a situação em que se
encontravam os Centros e o número de religiosos mortos, desaparecidos e presos.
Numa das suas cartas dirigida a toda a
Ordem, valorizava da seguinte forma o nosso apostolado:
“Sejamos
apóstolos pelo nosso testemunho pessoal, no cumprimento dos deveres
quotidianos, por muito humildes e modestos que possam ser. Agindo assim,
responderemos aos sentimentos do Santo Padre que, falando à Acção Católica,
declarou que os Hospitaleiros são, pela sua vocação de caridade, os pioneiros
da acção católica” [28].
e) P. Moisés Bonardi
Foi eleito Superior Geral da Ordem em
26 de Abril de 1953, desempenhando esse cargo até 1959. Mostrou uma especial
sensibilidade e preocupação pelas obras missionárias e pela formação dos
religiosos a elas destinados. Sublinhamos alguns parágrafos dos seus escritos:
“S.
João de Deus sonhou com a vida de missionário no meio dos desertos da África;
nós, os seus filhos, neste Ano Mariano, como homenagem à Virgem Santíssima,
traduzimos em prática o desejo do Santo Fundador e levamos a sua obra de
evangelização, confiada à caridade, até às populações que ainda estão longe da
fé e da civilização” [29].
“O
ideal missionário vai-se difundindo e toma consistência e força nas fileiras da
nossa Ordem. Nós acolheremos de bom grado todas as iniciativas que surjam do
fervor missionário e, unificando-as, apresentá-las-emos a todas as províncias
para que tomem parte e nos dêem o contributo da sua colaboração. Nesta carreira
de fé e de generosidade, todas as Províncias, mesmo as mais pequenas e pobres
em pessoas e recursos económicos, poderiam encontrar o seu lugar de honra e de
trabalho”. “Por isso, é indispensável que os religiosos que se destinam às
terras de missão, sejam antes preparados convenientemente” [30].
f) P.
Higínio Aparício
Foi nomeado Superior Geral da Ordem no
dia 26 de Abril de 1959, mantendo esta responsabilidade até 1971. Em
continuidade com o P. Moisés Bonardi, promoveu a extensão da Ordem por terras de
missão e mostrou um interesse especial na formação e na inserção adequada dos
Irmãos nos países de missão e nas sua culturas. Pomos em destaque os seguintes
textos das suas cartas circulares:
“Temos
que agradecer ao Senhor o momento e a expansão que actualmente a Ordem conhece
através das Províncias espanholas, tanto na Península como, mais recentemente,
em terras de América e África” [31].
“Aproveito
a oportunidade para vos informar que a Ordem tem já um hospital missionário na
Índia..., no estado do Kerala e diocese de Chanagacherry, de rito malabar. Esta
nova fundação foi realizada pela Vice-Província Renana” [32].
“O
religioso que reside numa terra estrangeira deve considerar, como um dos seus
deveres primordiais, o de se esforçar para se adaptar ao ambiente cultural do
país onde reside. Por parte dos religiosos, procure-se a adaptação aos costumes
do país, ao seu género de alimentação, às formas sociais e até às formas
típicas da linguagem que lá são específicas... Nos Centros de formação...,
deve-se ir predispondo o espírito dos jovens para viver o dia de amanhã em
qualquer lugar onde a obediência os possa colocar..., criando neles uma
mentalidade de universalidade cristã para que saibam amar, respeitar e
comprometer-se com a nação para onde forem destinados” [33].
4. A
acção missionária
segundo
o pensamento dos nossos missionários
Nesta secção recolhemos o pensamento e
o testemunho de vários Irmãos que actualmente exercem o seu apostolado em
diferentes lugares do mundo. As suas palavras acrescentam realismo e vida a
esta reflexão.
a) Ir. António Leahy, Pápua
Nova-Guiné [34]
O
chamamento a trabalhar nas obras missionárias da Ordem é uma dádiva e uma
herança que todos nós, os Irmãos, recebemos de Jesus e do nosso Pai S. João de
Deus. A nossa missão consiste em levar a Boa Nova de Jesus, segundo o estilo de
S. João de Deus, àqueles com quem nos encontramos todos os dias.
Nós,
os Irmãos, estamos na Pápua Nova-Guiné desde 1971. O nosso desejo é continuar a
obra de S. João de Deus, respondendo às necessidades específicas do país,
dedicando-nos especialmente ao cuidado dos deficientes físicos e psíquicos.
A
pequena semente converteu-se num pequeno, mas saudável bosque. O húmus que
ajudou o crescimento foi a aceitação de candidatos autóctones como postulantes
e, depois, como Irmãos. Hoje, a missão na Pápua Nova-Guiné abrange dois campos:
1.-
Atendimento dos necessitados, especialmente dos doentes e dos pobres;
2.-
Ajuda no discernimento das vocações indígenas.
Agora,
a esperança e o sonho da Ordem é que o povo da Pápua Nova-Guiné possa conhecer
o amor de Deus através do conhecimento e da obra de João de Deus, para que eles
mesmos se tornem missionários no meio das pessoas com as quais trabalham e
vivem.
b) Ir. Fortunatus Thanhauser [35],
os Irmãos de S. João de Deus na Índia
Depois das fundações dos Irmãos de
Portugal em Goa, há muitos séculos, a missão voltou novamente à Índia após o
Concílio Vaticano II, na sequência da visita que um Bispo indiano realizou à
Alemanha, em 1964. Este prelado tinha estado outras vezes no hospital da Ilha
Tiberina, em Roma, e ficou impressionado com a dedicação dos Irmãos aos pobres
doentes. Isso fê-lo pensar: “Quem me dera ter estes Irmãos na minha diocese, na
Índia!”. Finalmente, os Irmãos dispuseram-se a ir para a Índia.
Vencendo
toda a espécie de dificuldades, três Irmãos conseguiram o visto de entrada na
Índia. Os primeiros a chegar, provindo da Alemanha, foram o Ir. Fortunatus e o
Ir. Prakash. Chegaram a Kattappana a 19 de Novembro de 1969 e abriram um
pequeno dispensário, com a ajuda de um médico indiano e de algumas religiosas.
Este dispensário, com 20 camas, foi-se desenvolvendo ao longo de 25 anos, até
se converter num hospital com 275 camas e 18 médicos, incluindo os
especialistas.
Tendo
em conta as necessidades, e com o conselho dos médicos, foi construído o Long-Time-Hospital,
com uma capacidade de 150 camas para doentes crónicos, idosos, e uma secção
para crianças deficientes.
No
hospital quase não se registam conversões, enquanto que no Long-Time-Hospital
(a Casa dos Pobres) elas acontecem frequentemente, embora ninguém seja
orientado nem forçado. O mesmo acontece com as crianças da escola, onde estudam
56 crianças externas. No hospital de Kattappana fizemos várias tentativas para
realizar uma pastoral da saúde mais organizada, dado que ela é entendida,
principal ou unicamente, como administração dos últimos sacramentos.
Dado
que Kattappana se encontra num lugar isolado, era difícil dispor de sacerdotes
e mestres para o Noviciado, de forma que ele foi criado em Madras-Poonamallee,
perto do Seminário dos Padres Salesianos. Junto à casa do Noviciado, desde
1981, há uma pequena Casa do Pobre (Poor Home) e um dispensário.
Chamados
pelo Bispo de Kandwa, no Estado de Madhya Pradesh, em 1986 deu-se início a uma
nova obra, em Deshgaon, perto de Kandwa, com a abertura de um centro de saúde e
um dispensário. Nesse Estado, as conversões estão proibidas pelo Governo.
c) Ir. Sávio Tran Ngoc Tuyen [36],
Bién-Hóa (Vietname)
Os Irmãos do Canadá chegaram ao Vietname em
Janeiro de 1952, aí permanecendo até ao mês de Setembro de 1975. Durante a
guerra, tiveram de superar muitas provações para poder transmitir o espírito de
S. João de Deus aos Irmãos vietnamitas. Através da sua acção hospitaleira,
deram um grande testemunho de evangelização.
Graças
à perseverança e ao sacrifício de que deram provas, conseguiram formar os
Irmãos vietnamitas, sendo esta a razão pela qual a nossa Ordem existe até aos
nossos dias, não obstante, desde há vinte anos, não tenham chegado outros
Irmãos missionários.
Desde
1975 até aos nossos dias, os Irmãos vietnamitas esforçam-se por se adaptarem às
circunstâncias do regime socialista para continuar a viver segundo o espírito
de S. João de Deus e a espiritualidade da nossa Ordem, apesar das tantas
dificuldades existentes. Pode-se dizer que “S. João de Deus continua vivo no
nosso tempo”.
A acção missionária no Vietname:
·
Objectivo: as pessoas pobres das povoações
isoladas e afastadas.
·
Acção: formar as pessoas na prevenção e
higiene, curar as doenças no início das mesmas e efectuar curas a domicílio.
·
Meios: os económicos e financeiros
necessários. Irmãos, de dois a quatro em cada povoação.
·
Utilidade: para a Ordem seria fácil abrir uma
casa na qual se poderiam fazer muitas coisas. Seria um sinal tangível, um
testemunho; para as populações, isso tornaria possível servir muito mais
pessoas, que passariam a conhecer a nossa Ordem; os custos seriam baixos e a
assistência mais cuidada.
d) Ir. Manuel Nogueira [37],
Nampula (Moçambique)
A
nossa oportunidade missionária: sabemos bem que toda a Igreja é missionária, e que
missionários são todas as entidades e os organismos que compõem a Esposa amada,
continuando assim o ministério do mesmo Cristo. Também é certo que todos estes
organismos devem assumir a tarefa missionária de acordo com a sua própria
natureza e carisma, servindo-se dos meios apropriados. Por isso, a nós cumpre
sermos missionários da caridade hospitaleira, pois é este o nosso carisma, e
nisto consiste a nossa tarefa: manifestar o amor do Pai para com os
necessitados de todas as espécies.
Torna-se
portanto evidente como é oportuno e apropriado o nosso modo de colaborar para a
construção do Reino de Deus nas actuais circunstâncias. Com efeito, quanto mais
diferenciadas forem as vozes e os apelos do mundo em que vivemos, mais evidente
se tornará a urgência do testemunho através das obras, como entrega ao serviço
das misérias humanas.
Mas
se são grandes as nossas possibilidades, é igualmente enorme a nossa
responsabilidade. Não serve uma preparação qualquer das nossas obras e dos
nossos Irmãos para conseguirmos uma acção missionária eficaz.
Algumas condições para o sucesso da
acção missionária: obras adaptadas às condições – sabemos que, actualmente,
a actividade hospitaleira, como qualquer outra, pode converter-se numa
actividade apostólica baseada em interesses, e até mesmo exploradora. Isto deve
significar para nós uma advertência no momento de decidir que tipo de obras
devemos organizar, ou devemos abandonar, conforme as circunstâncias. É óbvio
que as nossas obras devem estar particularmente abertas aos mais necessitados,
que são rejeitados por outros organismos e que só podem contar connosco. Daqui
se depreende que a rigorosa selecção dos doentes que acolhemos nas nossas obras
pode ser sinal de um trabalho bem organizado, mas poderá não corresponder a um
sentido de caridade desenvolvido. O verdadeiro homem de caridade, como o nosso
Fundador, tem um coração sensível para com todos os necessitados e não apenas a
uma parte deles. Por isso, se uma obra se deve especializar num determinado
sector ou aspecto da assistência médica, seria também muito conveniente que
nela funcionasse uma unidade de atenção aos casos urgentes ou que necessitam de
ajuda urgente. Um pobre nunca deve ficar excluído. Deve haver uma porta aberta
e um raio de esperança também para os menos afortunados.
Abertura e colaboração com todos e em
relação a cada um:
uma outra preocupação deverá consistir na abertura e na colaboração com todos
os organismos, especialmente se trabalham no nosso mesmo campo da saúde.
Quando, vindos de longe, se chega a um determinado lugar, e se teve uma
formação distante da vida real, corre-se o perigo de se considerar a si próprio
como modelo e senhor, interpretando mal aqueles que pensam ou agem de forma
diversa da nossa. Devemos vencer esta tentação e cultivar o espírito de
abertura e de colaboração com todos e em relação a cada um.
O apostolado da esmola: o apostolado da esmola, tão querido ao
nosso Santo Fundador e aos seus primeiros seguidores, não estará porventura em
crise entre nós, como consequência da tendência a abrirmo-nos preferencialmente
àqueles que podem pagar ou têm quem pague por eles? E numa época em que todos
os dias os ricos se tornam mais ricos e os pobres ficam mais pobres, que
poderemos fazer melhor (do que a esmola), no âmbito do nosso carisma, para nos
aproximarmos tanto de uns como dos outros, e até mesmo para prevenirmos as
revoltas sociais, na medida das nossas possibilidades?
A nossa identidade eclesial e de
pessoas consagradas: finalmente, uma referência à conveniência de mostrarmos
na nossa acção de caridade o que somos, isto é, membros da Igreja e pessoas
consagradas. Tanto num ambiente cristão como muçulmano, oriental ou animista,
somos sempre eleitos por Cristo, consagrados e enviados pela sua Igreja para a
difusão do seu Reino de amor compassivo e misericordioso. As pessoas devem
saber e aperceber-se disto. Devem poder constatar que o nosso estilo de vida e
o amor com que as tratamos provêm de Deus e se baseiam na doutrina e no exemplo
de Senhor Jesus.
Em síntese, que as nossas obras e as
nossas relações com todos, especialmente com os mais desfavorecidos, sejam testemunho da nossa adesão a Cristo.
Assim, seremos para todos um raio da Caridade de Deus, preenchendo a falta de
amor de que tanto carece a sociedade.
e) Ir. Ricardo Botifoll [38],
Lunsar (Serra Leoa)
Obviamente,
o objectivo imediato da actividade da Ordem nos países em vias de
desenvolvimento tem de ser de natureza médico-sanitária: tanto ao nível de hospitais,
como de dispensários ou de centros de cuidados primários da saúde. É necessário
cada vez mais ter em conta que a actividade médica não pode ser confiada à
livre iniciativa de cada instituição, funcionando desligada da rede de saúde
pública, mas que necessita de uma coordenação, para não dizer de uma integração
com os organismos estatais ou internacionais (OMS, sociedades de luta contra a
tuberculose, a lepra, etc.). Os resultados impressionantes conseguidos mediante
a imunização de crianças (contra o sarampo, o tétano, a poliomielite), e os que
já se vislumbram com a vacina contra o paludismo, apontam nesta direcção.
Um
perigo contra o qual é preciso precaver-se consiste em pretender fazer as
coisas demasiado bem feitas, isto é, pretender que os nossos centros
hospitalares nestes países tenham um nível técnico e de qualidade comparáveis
ao dos hospitais europeus. Dessa forma, esses centros seriam frequentados
maioritariamente por pessoas ricas e ficariam fora do alcance da maioria
absoluta das pessoas pobres, às quais, teoricamente, temos vindo a assistir.
Trata-se de um perigo real.
Muitos
outros comentários seriam possíveis, mas não entram no breve espaço deste
trabalho. Apenas mais uma reflexão, que vivo quase como uma obsessão: a nossa
acção missionária deve ter também como objectivo melhorar o mundo europeu de
onde provimos. Trabalhamos na África, persuadidos de que, a partir daqui,
ajudamos também o velho continente europeu.“Irmãos, fazei bem a vós mesmos
dando aos pobres...”: este pregão joandeíno, tão simples como incisivo,
continuamos a proclamá-lo a partir dos nossos simples hospitais da selva,
voltados para o Norte, saciado mas insatisfeito. O trabalho das nossas mãos
propõe-se ser uma oração para que a Europa acredite, verdadeiramente, no sermão
da Montanha, em obras e em verdade. É esta a nossa esperança e mais uma razão
na qual baseamos o nosso compromisso missionário.
f) Ir. Rafael Teh [39],
Monróvia
A
África é um continente de povos marginalizados, em crise devido ao tribalismo
ou a rivalidades étnicas. Violência, golpes de estado, problemas com os
refugiados das guerras civis, violações dos direitos humanos, exploração por
parte dos poderosos, fome, pobreza, doenças, desespero e morte. A ausência de
paz e de justiça foram a causa principal deste conjunto de problemas na África.
A injustiça está profundamente radicada em muitas estruturas de pecado do
continente. É esta a realidade. Por um lado, um punhado de ricos que têm em seu
poder vastas propriedades; por outro, o exército de deserdados sem terra, a
viver em extrema pobreza. O poder de uns poucos e a impotência e escravidão da
maioria.
Os
desafios da África relativamente à saúde são a subnutrição crónica, doenças
diarreicas associadas às más condições domésticas da água e sanitárias, malária
e outras doenças contagiosas. A SIDA e o financiamento da saúde. O elevado
índice de mortalidade infantil é causado pela subnutrição crónica e pela falta
de higiene, males que podem ser prevenidos a partir dos cuidados primários.
A
crise económica e a diminuição das verbas orçamentais estão a contribuir para
uma situação mais pobre na assistência médica. O custo proibitivo dos
medicamentos e do internamento hospitalar tornam impossível o acesso de muita
gente aos cuidados de saúde, especialmente no mundo rural. A doença e a pobreza
formam um círculo vicioso: as pessoas adoecem porque são pobres e tornam-se
mais pobres por estarem doentes.
A
situação que acabo de referir é aquela em que se desenvolve diariamente a nossa
missão hospitaleira. É o que se vê: o nosso centro hospitalar é como que um
oásis no meio do deserto. Disso posso dar testemunho, especialmente aqui em
Monróvia, onde o nosso hospital permaneceu activo no meio do fragor e da
violência da guerra, como uma “casa de Deus”, na qual se recebem todas as
pessoas. É muito gratificante ver as manifestações de alívio e o sorriso dos
doentes e necessitados que podem chegar a este oásis, ainda que seja apenas
para apagar a sede ou para passar o derradeiro dia nesta vida a caminho da eternidade.
Vêm contentes, graças ao tratamento humano que recebem, porque têm uma cama e
lençóis limpos para dormir, mesmo que seja apenas durante alguns minutos. Como
gostaria que este oásis hospitaleiro se pudesse estender através de todo este
deserto, especialmente na periferia!
Algumas
vezes tenho vontade de gritar, devido à frustração e impotência que sinto por
não ser capaz de mudar as estruturas de pecado da sociedade. Todos os dias
descobrimos o rosto do Servo Sofredor, ao ver tanta gente oprimida na pobreza,
explorada e sem instrução, vivendo em situações verdadeiramente infra-humanas.
Por outro lado, tenho a alegria de constatar que a acção realizada pelo
missionário hospitaleiro é Missio Dei, realidade de Deus e mistério
eterno. Quando atingimos os nossos limites humanos, Ele conduz-nos através das
fronteiras criadas pela voracidade humana. O espírito hospitaleiro de
generosidade e magnanimidade é que nos motiva a permanecer abertos para
explorar novos caminhos que nos aproximem mais do serviço das pessoas
marginalizadas e torne mais eficaz a nossa missão. A nova hospitalidade
convida-nos a passar do centro para a periferia, a procurar novos métodos para
a transformação do mundo do pobre e do ambiente que o envolve, ou das
perniciosas estruturas sociais que provocam estas condições humilhantes.
g) Ir. Juan Bautista Carbó [40],
Lomé (Togo)
Numa
perspectiva africana, posso afirmar que a acção missionária desempenhada pela
Ordem através da sua história, e de modo especial nos últimos cinquenta anos,
foi fecunda e mais vasta do que pode parecer à primeira vista.
A
missão hospitaleira esteve desde o princípio em consonância com o que a Redemptoris
Missio nos propõe no n. 42: “O homem contemporâneo acredita mais nas
testemunhas do que nos mestres, mais na experiência do que na doutrina, mais na
vida e nos factos do que nas teorias. O testemunho da vida cristã é a primeira
e insubstituível forma de missão”.
Quando
hoje em dia vemos os lugares em que a Ordem está presente, constatamos na
maioria dos casos que ao redor do centro hospitaleiro se desenvolveram centros
habitados, tendo a presença joandeína contribuído para o desenvolvimento
social, económico e religioso (nalguns lugares, os Irmãos precederam a chegada
dos “missionários” oficiais).
Isto
não significa que não houve lacunas, devidas porém mais ao ímpeto do querer
fazer e satisfazer tantas necessidades do que à falta de vontade ou desejo.
O
futuro do carisma hospitaleiro tem em África uma grande base de implantação e
desenvolvimento, fundamentalmente para os Irmãos africanos, mas, ao mesmo
tempo, representa também um desafio para toda a Ordem. O futuro é de esperança,
mas é necessária a colaboração de todos para apoiar este crescimento, que é
bastante rápido e pode transcender-nos.
A
Ordem tem de especificar a maneira de estar presente nestas terras, pois as
suas necessidades são muitas e, no futuro, a Igreja africana terá um grande
peso na Igreja universal.
Além
disso, temos uma grande responsabilidade, por sermos um dos poucos Institutos
masculinos dedicados inteiramente ao serviço dos pobres e dos doentes, devendo
por isso abrir novos sulcos e ajudar a implantar o carisma da misericórdia
nestas novas igrejas, tão ricas em conteúdo, vida, mulheres e homens abertos ao
além.
Capítulo VI
ORGANISMOS DA ORDEM AO SERVIÇO DA
EVANGELIZAÇÃO
Toda a estrutura jurídica e
organizativa da Ordem está orientada para animar, apoiar e incrementar o
sentido apostólico dos Irmãos e a acção evangelizadora, mediante o serviço aos
enfermos e necessitados que, juntamente com os Colaboradores, realizam na
Igreja.
No presente capítulo, limitamo-nos a
enumerar os meios que a Ordem destinou expressamente ao apoio da acção da Ordem
nos países em vias de desenvolvimento, distinguindo os que têm uma dimensão
universal, por terem sido ou serem promovidos pela Cúria Geral, dos que foram
ou são promovidos e mantidos por apenas uma ou várias Províncias da Ordem.
1. Organismos da Cúria Geral ao
serviço das missões
a) Secretariado das Missões
Enquanto foi Superior Geral o P.
Moisés Bonardi, várias Províncias da Ordem destinaram Irmãos e recursos à acção
evangelizadora em África e procuraram também estender à Índia essa mesma acção.
Esse período coincidiu com o ressurgir das vocações em várias partes que, como
é natural, suscitava e encorajava o compromisso missionário dos Irmãos.
Com o fim de “estimular,
incrementar, desenvolver e regulamentar o promissor movimento orientado para
fazer resplandecer a chama da caridade hospitaleira do nosso Pai S. João de
Deus também junto das ovelhas que ainda não pertencem ao redil de Cristo, para
que possam escutar a Sua voz e, deste modo, “haverá um só rebanho e um só
pastor”” (Jo 10, 16)[41], na sessão de 19 de Outubro de 1957,
o Definitório Geral aprovou os Estatutos para as Missões da Ordem.
A partir de então, a Cúria Geral
procurou realizar o objectivo indicado, promovendo não só a ajuda económica,
mas especialmente dando orientações e organizando meios que ajudassem os Irmãos
a preparar-se devidamente antes de serem destinados aos países em vias de
desenvolvimento, a manter vivo o espírito missionário em todos os Irmãos e,
mais recentemente, a aplicar os critérios formativos da Ordem na África,
América Latina, Ásia e Oceânia.
O Curso para Irmãos missionários,
realizado em Roma de 5 a 13 de Fevereiro de 1980, foi um momento importante de
reflexão e comunhão para os nossos Irmãos missionários que, além da
oportunidade de se actualizarem do ponto de vista teológico, carismático e
pastoral, serviu para que cada um dos participantes pudesse verificar, no
diálogo com os outros Irmãos, a universalidade do compromisso missionário da
Ordem. Era então Superior Geral o Ir. Pierluigi Marchesi.
A Carta da Animação Missionária, de
que se fala no capítulo VIII deste
documento, também é fruto da reflexão e animação realizada durante o primeiro
mandato de Superior Geral do P. Marchesi. Os esforços deste momento
orientavam-se especialmente no sentido de coordenar a formação na África e
criar uma cultura universal dos Irmãos missionários, cujos resultados seriam
colhidos mais tarde.
b) Fundo para as Missões
Durante a Reunião de Superiores da
Ordem, realizada em Roma, no mês de Outubro de 1989, foi aprovada a criação de
um Fundo Comum para as Missões da Ordem, “destinado a assegurar a continuidade do
apoio económico às actividades assistenciais que se realizam nos centros
missionários da Ordem”, prevendo-se então que começasse a funcionar a partir de
1 de Janeiro de 1992.
A partir do momento da sua aprovação e
entrada em funcionamento, previa-se:
·
enviar aos Irmãos
Provinciais o projecto de constituição do Fundo Comum, solicitando opiniões,
sugestões e a indicação das verbas que poderiam destinar a esse Fundo durante
os dois primeiros anos;
·
constituir junto
da Cúria Geral um grupo de trabalho para dirigir a fase preparatória;
·
aprofundar na
medida do possível a coordenação das Organizações Não-Governamentais (ONG)
promovidas pela Ordem e procurar relacioná-las entre si.
O Regulamento do Fundo para as Missões
foi publicado em Fevereiro de 1992. Entre os seus objectivos, assinala:
·
A Ordem constitui
um Fundo comum para as Missões, para sustentar e reforçar esta forma de
apostolado;
·
Constitui-se
fazendo valer o princípio da universalidade, propondo-se, a longo prazo,
financiar todas as obras missionárias da Ordem.
A partir da sua entrada em
funcionamento, em Janeiro de 1992, “terá uma primeira fase, cuja
responsabilidade recairá fundamentalmente nas Delegações Gerais de África e do
Vietname”[42].
c) Escola de Missionologia de Roma
A formação dos Irmãos foi uma das
principais preocupações e tarefas do P. Moisés Bonardi, que sentia muito
especialmente as carências existentes no campo missionário:
“Não
podemos ignorar que a nossa Ordem empreendeu esta actividade – missionária –
sem se preocupar muito com a preparação específica das pessoas”[43].
A Escola de Espiritualidade, com o
Departamento anexo de Missionologia, foi fundada em Roma em 1955, sendo os seus
Estatutos aprovados em 17 de Novembro do mesmo ano pelo Definitório Geral e
confirmada plenamente no Capítulo Geral de 1959. Inaugurou a sua actividade em
14 de Outubro de 1956.
Os objectivos e os fins da Escola de
Missionologia encontram-se definidos no art. 31 dos seus Estatutos:
“Considerada
a actividade missionária que algumas Províncias da Ordem desempenham e as
exigências especiais deste apostolado, em desenvolvimento crescente, à Escola
Internacional de Espiritualidade acrescenta-se uma SECÇÃO MISSIONÁRIA especial,
cujo fim é o de preparar espiritual, moral e culturalmente os religiosos
destinados às missões”.
O Padre Bonardi expunha os fins da
Escola da seguinte forma:
“A
Escola que será aberta em Roma no ano lectivo de 1956-57, destina-se a dar aos
missionários todos aqueles conhecimentos de carácter jurídico, canónico,
linguístico, médico e profiláctico que lhes permitam assumir os seus deveres de
apostolado e profissionais, com a segurança e serenidade garantidos por uma
adequada preparação” [44].
Relativamente aos destinatários, o
art. 33 dos Estatutos estabelecia os requisitos para frequentar a Escola de
Missionologia:
“As
Províncias que desejem o prevejam desempenhar no futuro actividades
missionárias, devem enviar para esta Secção missionária aqueles religiosos
professos de votos solenes que desejem destinar às missões. Os religiosos devem
possuir os requisitos físicos, intelectuais e morais necessários para o
apostolado hospitaleiro nas terras de missão”.
Os critérios fundamentais do programa
de estudo para a Secção de Missionologia estavam definidos nos artigos 34 e 35
dos Estatutos:
“Os
alunos missionários participarão durante um ou dois anos nos cursos do
Instituto Pontifício Missionário científico, situado no Pontifício Ateneu de
Propaganda Fide, e num curso anual de Medicina Missionária, para conseguir o
diploma de enfermeiro internacional” (art. 34).
“Num
regulamento especial para eles, indicam-se outros cursos especiais, com o fim
de conseguir melhor a sua idoneidade na futura actividade missionária a que se
hão-de dedicar, segundo o espírito da Ordem” (art. 35).
A Escola de Espiritualidade e
Missionologia, estabeleceu-se inicialmente no hospital de S. João Calibita, em
Roma, até ser inaugurado, em 1963, o Centro Internacional de Formação, na Via
della Nocetta.
Quanto aos resultados, a Escola de
Espiritualidade e Missionologia, ao longo dos anos e nas várias etapas da sua
existência, tornou possível a formação de um grande número de Irmãos de toda a
Ordem que frequentaram os diversos Cursos de Teologia, Espiritualidade,
Hospitalidade e Missionologia, facilitando e elevando o nível de preparação
espiritual, religiosa e apostólica da Ordem nos anos que precederam e seguiram
o grande acontecimento eclesial do Concílio Vaticano II.
Pelo que diz respeito à Secção de
Missionologia, permitiu duas realidades muito positivas:
·
A formação e
preparação adequada de numerosos Irmãos que desempenharam o seu apostolado em
terras de missão, e contribuíram para a expansão da Ordem, mediante novas
fundações missionárias na África, na América e na Ásia.
·
A Escola, através
dos irmãos nela formados – alguns foram para as missões, outros não –, e do
empenhamento dos Superiores, foi criando uma sensibilidade especial pelas
missões, impulsionando muitas Províncias a fundar e sustentar novas obras nos
países em vias de desenvolvimento. Trata-se, sem dúvida, de frutos que se
mantêm nos nossos dias, dado que muitos dos Irmãos nela formados ainda
continuam a trabalhar em obras missionárias.
Desde há alguns anos, a Escola de
Espiritualidade e Missionologia deixou de funcionar enquanto tal,
essencialmente porque as circunstâncias e as necessidades são hoje diferentes e
é mais fácil a formação directamente nas Províncias. Não obstante isso, o
Centro continua aberto aos Irmãos que realizam a sua formação em Roma.
c) Secretariado Geral de Pastoral
Foi fundado durante o mandato de
Superior Geral do P. Pierluigi Marchesi, com o objectivo de impulsionar e
promover a evangelização e a pastoral.
Embora o seu objectivo principal não
fosse o campo das missões, as suas iniciativas imprimiram um impulso à acção
evangelizadora da Ordem. Entre os documentos publicados por este Secretariado,
destacamos os seguintes:
·
“O que é a
Pastoral Sanitária?” (1980): o seu conteúdo faz uma aplicação da
Evangelii nuntiandi à realidade da Ordem.
· “Dimensão apostólica da Ordem Hospitaleira de S. João de Deus” (1982), que recolhe as raízes e a projecção evangelizadora da Ordem.
2. Organismos Interprovinciais ou
Provinciais
As Províncias que já tiveram e as que ainda têm comunidades
em países de missão contam com uma organização própria para a animação da vida
de toda a Província, mas sempre se esforçaram por apoiar especialmente as
comunidades, os Irmãos e as obras apostólicas dos países em vias de
desenvolvimento. Todavia, como se disse, a Cúria Geral procurou abrir
horizontes de universalidade que se traduzissem em projectos e actividades nos
quais a comunhão e a colaboração entre as Províncias fosse efectivo. Desta
forma, foram surgindo Secretariados Interprovinciais que, actualmente, abrangem
todas as realidades da Ordem. Devido à sua relação directa com o tema deste
documento, referir-nos-emos seguidamente ao CIAL (Secretariado Interprovincial
da América Latina) e ao CIPPA (Comissão Interprovincial Ásia-Pacífico).
a) CIAL OH: Comissão Interprovincial de Animação
Latino-americana
A actual Comissão Interprovincial de Animação
Latino-americana surgiu com a finalidade de coordenar neste continente a
resposta ao apelo lançado pelo Concílio Vaticano II à renovação da Vida
Consagrada que, durante o ano de 1979, foi para todas as Províncias da Ordem um
ano especial de graça: o ano da Renovação.
Na América Latina, após uma minuciosa campanha de
sensibilização, motivação e preparação a todos os níveis, deu-se início e
concluiu-se felizmente o conjunto de programas que visavam dar a conhecer e motivar
todos os Irmãos da América Latina sobre o que era necessário viver depois como
motivação religiosa na hospitalidade joandeína.
À medida que se avançava em cada um dos programas dos
quatro cursos realizados em Bogotá (Colômbia), em todas as avaliações
efectuadas ia-se sentindo a necessidade de um organismo que desse continuidade
à animação.
A ideia de prosseguir com um organismo de animação para
todas as comunidades da América Latina foi então promovida pelo Superior Geral,
Ir. Pierluigi Marchesi, promotor da renovação, pelos Irmãos Provinciais da
Colômbia e da Espanha e pelos seus Delegados Provinciais.
Foi assim que, a 17 de Outubro de 1979, se constituiu o
Secretariado Latino-americano da Renovação (SELARE), surgido como serviço de
animação da Ordem Hospitaleira na América Latina, com um projecto de Estatutos
que viriam a ser posteriormente aprovados.
SELARE define-se como um organismo sem fins de lucro, ao
serviço da existência e da missão da Ordem e dos Agentes da pastoral na Saúde
da América latina. O seu objectivo consiste em “coordenar e animar o processo
de Renovação, nos diferentes campos, para uma presença mais viva da Ordem
Hospitaleira na América Latina”.
Das actividades desenvolvidas pelo SELARE , podemos
destacar as seguintes:
No âmbito da Ordem:
·
Levou a efeito a
animação mediante visitas programadas às comunidades das diferentes nações,
tendo em vista a apresentação dos documentos da Igreja e da Cúria Geral.
·
Organizou Cursos
para Animadores e Formadores das Comunidades, Cursos de preparação para a
Profissão Solene, de Pastoral da Saúde e para Irmãos Maiores.
·
Em Dezembro de
1979 foi publicado o primeiro número do Boletim SELARE, com o fim de
informar e animar as comunidades, bem como para apresentar documentos e
trabalhos de interesse para a Vida Consagrada, a Formação Permanente e a
Pastoral da Saúde.
·
Quase ao mesmo
tempo começaram as publicações da Colecção SELARE que, até agora editou
mais de meia centena de títulos sobre temas indicados no ponto anterior.
·
Elaborou e
promoveu um Plano de Formação em Pastoral da Saúde por correspondência, em
colaboração com a Universidade de S. Boaventura, de Bogotá.
Para fora da Ordem:
Todos os subsídios indicados são promovidos por SELARE
para facilitar a vida espiritual, comunitária e a missão evangelizadora a
partir da Pastoral da Saúde. Muitos deles estão à disposição das Igrejas locais
das diferentes nações, que os apreciam e utilizam, constituindo praticamente os
únicos meios existentes ao seu alcance no campo da Pastoral da Saúde.
SELARE também promove, organiza e participa em toda a espécie
de eventos relacionados com a ética sobre a vida humana, a Pastoral da Saúde, a
Teologia e a espiritualidade da doença e do sofrimento.
A 30 de Outubro de 1989 foram aprovados na Cúria Geral
os Estatutos, mediante os quais se constituía, tal como acontecia noutras áreas
geográficas da Ordem, o Secretariado Interprovincial da América Latina da Ordem
Hospitaleira (SALOH). A partir de então, SELARE passava a constituir um
departamento do mencionado Secretariado Interprovincial. Na reunião realizada
em Cochabamba (13 de Setembro de 1996), era criado o CIAL-OH (Comissão
Interprovincial de Animação Latino-americana), que assumia as linhas de acção
do LXIII Capítulo Geral, celebrado em Bogotá, e continua a desenvolver todas as
actividades mencionadas através do SELARE, sempre aberto à criatividade
e à possibilidade de novas iniciativas em favor da Ordem e da Igreja na América
Latina.
b) Comissão Interprovincial da Ásia-Pacífico
Em 1979 as comunidades e as obras da Ordem na Ásia foram
reconhecidas como entidades próprias, quando os Irmãos da região escolheram
representantes para participar no Capítulo Geral Extraordinário, realizado
naquele ano. Do mesmo modo, a região esteve representada no Capítulo Geral de
1982.
A 25 de Fevereiro de 1991, o Governo Geral da Ordem,
depois de consultar os Superiores responsáveis pelas comunidades e pelas obras
da Ordem na Ásia, erigiram o Secretariado Interprovincial Asiático (SIPA). A 15
de Fevereiro de 1996, o Governo Geral aprovou uma alteração aos Estatutos
Gerais, apresentada na reunião que a Comissão efectuara em Manila (Outubro de
1995), depois de a Província Australiana se ter unido à Região Asiática. A
decisão de se unir à Comissão Asiática foi tomada pela Província Australiana
com o fim de reflectir melhor as realidades culturais que existem actualmente
naquela parte do mundo. A partir desse momento, a Comissão passou a
denominar-se Comissão Inter-Provincial Ásia-Pacífico (CIPPA).
O objectivo da Comissão CIPPA é coordenar as
actividades das diferentes comunidades e obras da Ordem na Região da
Ásia-Pacífico, em zonas de interesse mútuo. A Comissão conta com um Comité
Executivo, integrado pelo Presidente, Secretário/Ecónomo e outro membro eleito,
que actua em nome dos membros da Comissão, tomando determinadas decisões
relativamente às questões de que seja incumbido pela Comissão.
Os fins da Comissão são:
· Cooperar nos seguintes campos:
pastoral, missão, estilo de vida, formação, leigos, centros e administração.
· Estimular uma maior tomada de
consciência relativamente a quanto é pedido à Ordem na área da Ásia e do
Pacífico, de forma a poder garantir uma presença mais eficaz, que consistiria
em implantar a Ordem na Ásia e no Pacífico através de expressões de
Hospitalidade novas e inovadoras.
· Promover e coordenar pedidos de ajuda
às organizações internacionais.
· Desenvolver programas apropriados de
formação e estilo de vida.
· Facilitar o intercâmbio de
experiências e pessoal entre as comunidades e as obras da Ordem na Ásia e no
Pacífico.
A Comissão CIPPA, na sua reunião de Manila (Outubro de
1995), decidiu criar um Instituto Asiático de Formação Hospitaleira, com o fim
de promover a formação espiritual, cultural e profissional das pessoas
envolvidas na assistência médica e nos serviços sociais na Ásia. A orientação
especial do Instituto consiste na preparação para a liderança que todos os
Irmãos e um grande número de Colaboradores leigos deverão assumir no desempenho
da missão de Hospitalidade. A Comissão Inter-Provincial Ásia-Pacífico publica
um Boletim trimestral.
c) Fundação “Juan Ciudad” (ONG)
As Províncias espanholas, com o fim de promover e canalizar
as ajudas destinadas aos centros da África que dependiam delas, integraram na
estrutura do Secretariado Interprovincial de Espanha um organismo de
carácter interno que, graças a um constante crescimento, tanto na programação
orientada para angariar fundos através de organismos públicos e particulares,
como nas crescentes exigências dos centros de África, a partir do dia 1 de
Novembro de 1991, foi inscrita no Registo de Fundações Docentes e de
Investigação do Ministério da Educação e Ciência e no Ministério de Economia e
Finanças da Espanha.
Dedica-se ao desenvolvimento e Promoção da Saúde no chamado
Terceiro Mundo e a suprir, na medida do possível, as muitas necessidades dos 33
centros e 15 dispensários, com um total de 4.000 camas, aproximadamente, que a
Ordem tem na África e na América Latina. Tendo embora como principal orientação
colaborar com os centros da Ordem, nada impede que, em momentos concretos,
possa também colaborar com outras entidades e organismos.
A sede da Fundação Juan Ciudad encontra-se em Madrid
e tem Delegações nas diferentes Comunidades Autónomas da Espanha. Desde Junho
de 1994, está integrada no organismo estatal Coordenador das Organizações
Não-Governamentais para o Desenvolvimento.
São os seguintes, os objectivos da Fundação:
· Contribuir para a consciencialização da sociedade sobre as
carências e necessidades do Terceiro Mundo, especialmente no campo da Saúde.
· Fornecer, na medida do possível, aos centros da Ordem na
África e na América Latina, os recursos humanos, técnicos e económicos que
solicitem.
· Canalizar para organismos públicos e entidades particulares
que se ocupam da Cooperação Internacional e do Auxílio, com o fim de angariar a
necessária ajuda financeira, os projectos apresentados pelos centros.
· Colaborar na educação para o desenvolvimento das populações
que se encontram junto dos centros da Ordem.
· Formar a nossa sociedade desenvolvida relativamente a
possíveis intervenções no sector da Saúde, tanto de carácter preventivo como
assistencial, nos países menos desenvolvidos.
· Fazer com que os centros da Ordem no Terceiro Mundo
funcionem, por sua vez, como “centros distribuidores e multiplicadores” dos recursos
que recebem, para que deles possa beneficiar toda a zona sob a sua influência.
As actividades, como é lógico, estão directamente
relacionadas com os objectivos e os fins:
· gestão e financiamento de Projectos de Desenvolvimento,
· envio periódico de ajuda humanitária,
· promoção, formação e orientação de Voluntariado
internacional,
· organização de cursos e seminários orientados para a
sensibilização da sociedade espanhola,
· publicação periódica de uma revista de sensibilização e
divulgação das actividades dos centros da Ordem na África e na América Latina.
d) Associação
com os Irmãos de S. João de Deus para os Doentes distantes
(Associazione con i
Fatebenefratelli per i Malati lontani) – AFMAL
A AFMAL, Associação com os Irmãos de S. João de Deus para
os Doentes distantes, é uma Organização Não-Governamental (ONG) e, como
tal, sem fins de lucro, comprometida no campo das necessidades
médico-sanitárias e no desenvolvimento de iniciativas de solidariedade
internacional. Foi fundada a 30 de Outubro de 1979, como sociedade orientada
para trabalhar no sector do Voluntariado civil, reconhecida como tal pelo
Ministério dos Negócios Estrangeiros, em Itália, a 17 de Julho de 1987;
reconhecida desde 1995 como Organização Não-Governamental pela União Europeia,
é patrocinada e apoiada nas suas actividades pela Ordem Hospitaleira.
Desenvolve actividades de auxílio para o desenvolvimento no
campo da saúde. De modo particular, promove, organiza e dirige projectos de
desenvolvimento no campo sócio-sanitário. Nalguns casos, no âmbito da
prevenção, cura e reabilitação; noutros, realiza projectos integrados,
desenvolvidos em colaboração com outras ONG e associações humanitárias nos
sectores da saúde, agrícola, educativo, etc.
A AFMAL selecciona e forma pessoal voluntário e contratado.
Organiza programas de formação profissional em Itália e no estrangeiro.
Desenvolve programas concretos e específicos nas Filipinas. Além disso, desenvolve uma acção de sensibilização da opinião pública no que se refere aos problemas do subdesenvolvimento, da fome, saúde, marginalização, especialmente nos países mais pobres do mundo. Para este fim, organiza seminários e conferências, promove campos de trabalho e de estudo, produz material informativo e didáctico e publica um opúsculo de coordenação.
PARTE IV
A HOSPITALIDADE
NOS DIAS DE HOJE
Capítulo VII
NOVA DIFUSÃO DA
HOSPITALIDADE
1. Europa: força dinamizadora da presença da Ordem
A crise que a Igreja, e por conseguinte também a nossa
Ordem, viveu na primeira metade do séc. XIX, que implicou o desaparecimento da
mesma em lugares de tão grande tradição, como Espanha, Portugal e França, foi
sendo superada a pouco e pouco. Graças ao apoio da Itália, a Ordem foi-se
reorganizando, como vimos antes.
Si fizermos o
mapa da Ordem no ano de 1900, damo-nos conta de que a sua presença se limitava
à Europa, com a única excepção das casas fundadas no actual estado de Israel,
em finais do séc. XIX. Quer isto dizer que a Europa, ao longo deste século, foi
a grande dinamizadora da presença da Ordem no resto do mundo, incluindo alguns
países da própria Europa, como sucedeu com a ex-Jugoslávia. A expansão
concretizou-se da seguinte maneira: as Províncias espanholas fundaram Casas na
América Central e Meridional e na África; a Província francesa, na África e no
Canadá que, logo depois, realizou fundações nos Estados Unidos e no Vietname; a
Província irlandesa, na Austrália, Nova Zelândia, Coreia do Sul e uma casa nos
Estados Unidos e na África; a Província de Baviera, no Japão; a Província Renana,
na Índia; a Província inglesa, em África; a Província portuguesa, no Brasil e
na África; a Província lombardo-véneta, em África; e a Província romana, nas
Filipinas.
Constata-se assim a vitalidade do carisma hospitaleiro,
o espírito eclesial, apostólico e missionário da Ordem, o testemunho simples e
profundamente evangélico dos Irmãos, o grande trabalho social realizado, bem
como a aceitação e o apoio que encontrou nos diversos lugares onde se tornou
presente.
O constante apelo da Igreja à evangelização de novas
terras, o desejo da Ordem de restaurar a sua presença em lugares onde já
estivera noutros tempos, a própria vocação missionária, a preocupação de servir
os pobres e doentes segundo o estilo de S. João de Deus e o testemunho
evangélico-hospitaleiro, em ocasiões de martírio, de muitos Irmãos, foram as
motivações profundas desta expansão, que torna hoje possível a presença da
nossa Instituição nos cinco continentes e em mais de meia centena de nações.
a) A acção apostólica realizada nos centros
Ao longo do séc. XX, a nossa Ordem na Europa desenvolveu
a sua acção apostólica principalmente em centros assistenciais próprios,
procurando responder, nos diferentes lugares onde se encontrava, às
necessidades mais urgentes.
Os doentes mentais, os deficientes físicos e psíquicos e
as crianças vítimas de diversas doenças, especialmente deficiências físicas e
psíquicas, foram os destinatários da missão caritativa da Ordem. Hospitais
gerais, centros para pessoas idosas, viandantes e outros novos necessitados,
completam o trabalho dedicado da Ordem na Europa até aos nossos dias.
Nós, os Irmãos, temos desempenhado a nossa missão
apostólica seguindo o espírito de S. João de Deus. Procurámos sempre os
melhores e mais modernos meios técnicos que a ciência proporcionava para curar
os doentes. Além disso, tentámos atingir cuidadosamente um elevado nível de
humanização da assistência e uma esmerada atenção religiosa. O acolhimento a
quantos batiam às nossas portas e os esforços envidados a favor da dignificação
dos pobres e dos doentes, constituem as características principais do serviço
realizado pela Ordem neste século.
O velho continente atravessou uma época difícil. A
conservação dos centros exigiu grandes esforços. Durante grande parte deste
século, eles puderam ser mantidos graças às esmolas de numerosíssimos
benfeitores; esta forma de financiamento permitiu que muitos Irmãos dedicados a
esta tarefa realizassem um meritório trabalho apostólico. A luta pelos direitos
dos pobres e dos doentes permitiu manifestar a atitude profética da
Hospitalidade perante as administrações públicas, exigindo o respeito por esses
direitos. Neste sentido, a Ordem foi pioneira e, nos nossos dias, grande parte
dos seus centros encontram-se integrados nos serviços de saúde e sociais das
diferentes nações.
A pastoral da saúde e a bioética constituem outro
contributo fundamental da Ordem para a acção evangelizadora da Igreja no mundo
da saúde. Acima de tudo e de maneira mais sistemática e organizada nas últimas
décadas deste século, está a fazer um grande esforço para desenvolver e
impulsionar estas dimensões nos seus centros, colaborando activamente com a
Igreja.
No decurso do séc. XX foram grandes as mudanças que se
verificaram na sociedade, no mundo da saúde e também dentro da Igreja e da
Ordem. É necessário sublinhar a capacidade de adaptação, de resposta e
criatividade que temos tido para reorientar os centros de acordo com as novas
exigências, para mudar o que é necessário mudar, acabar com o que não
correspondia às novas situações e para iniciar novas formas de presença
apostólica. Tudo isto foi possível graças ao permanente desejo de renovação e
de abertura ao Espírito, seguindo as raízes mais profundas da nossa
Tradição.
b) Implicações das situações de
violência e perseguição
A instabilidade social e política foi a característica
que marcou a Europa no início do séc. XX. As duas Guerras Mundiais, a Guerra
Civil em Espanha, a implantação dos regimes totalitários, que perseguiram as
Instituições religiosas e os seus membros, e a Guerra dos Balcãs, é o triste
balanço violento da Europa neste século, caracterizado também por descobertas e
progressos técnicos de toda a ordem.
Excepto no caso da guerra na ex-Jugoslávia, a Ordem
viu-se implicada no resto dos conflitos e perseguições. No meio dessas
circunstâncias, os Irmãos dedicaram-se ao serviço abnegado dos pobres e dos
doentes, seu único e verdadeiro partido.
Durante a Guerra Civil em Espanha (1936-1939), 98 dos
nossos Irmãos encontraram a morte no exercício da Hospitalidade; desses 98,
João Paulo II beatificou 71, a 25 de Outubro de 1992. De outros 19 Irmãos
continua a decorrer o processo de beatificação.
As duas Guerras Mundiais comportaram para os países por elas
afectados a destruição dos nossos centros, calamidades e penúrias, bem como a
prisão e a perseguição de muitos Irmãos que, na sua grande maioria, se
mantiveram junto dos doentes até ao derradeiro momento da sua vida.
Alemanha e Áustria: as duas Guerras Mundiais marcaram a
vida destas Províncias. Os Irmãos passaram por grandes dificuldades e sofreram
perseguições. Destaca-se a figura do P. Eustáquio Kugler, da Província da
Baviera, cujo processo de beatificação está actualmente a decorrer.
Tal como aconteceu nestas duas nações,
as casas da Ordem sofreram as devastações da guerra. Mesmo assim, conseguiram
progressivamente restabelecer-se. Actualmente, estas duas Províncias realizam a
sua missão em centros bem equipados e garantem um elevado nível de qualidade
assistencial, do ponto de vista técnico e humano.
Países da Europa Central: o fim da Guerra comportou para estes
países a implantação de regimes políticos totalitários, com dramáticas
consequências para a Igreja e para a Ordem: a ordem de supressão das
instituições religiosas em muitos destes países implicou praticamente a
extinção da Ordem. Muitos Irmãos foram perseguidos e presos devido unicamente a
terem permanecido fiéis ao carisma de João de Deus. Destacamos a figura do Ir.
Celestino Sule, Provincial da Província da Boémia-Morávia, que morreu na cadeia
de Brno, em Maio de 1951. Províncias como a jugoslava, romena, húngara,
boémio-morávia e eslovaca, ficaram reduzidas a um pequeno grupo de Irmãos já
idosos que se mantiveram fiéis até à queda dos regimes totalitários.
Apoiando-se nos poucos Irmãos que conseguiram sobreviver no meio de tamanho
sofrimento, a Ordem está a procurar revitalizar a sua presença nestes
territórios e reavivar a pouco e pouco estas Províncias com o apoio de toda a
Ordem, especialmente das Províncias da Alemanha e Áustria.
Província da Silésia: os poucos Irmãos que sobreviveram à
II Guerra Mundial pertencentes à Província da Silésia, na sua maioria alemães,
não puderam regressar a essa Província por ela ter passado a pertencer
politicamente à Polónia. Estes Irmãos foram os fundadores daquela que,
inicialmente, foi designada como “Delegação Geral de Francoforte”, depois
“Província Renana” e, a partir de 1997, novamente “Delegação Geral ”.
Na Polónia, os efeitos do regime político não
foram tão dramáticos. Embora o governo tenha confiscado as casas, os Irmãos
tiveram a possibilidade de viver e exercer a hospitalidade.
Como se vê, as consequências foram graves e provocaram
grandes perdas para a Ordem. Nestes tempos tão difíceis, a resposta foi
exemplar: dedicação, fidelidade, vivência profunda da vida religiosa e
hospitaleira por parte dos Irmãos que, numa época marcada por uma crise tão
grave, permaneceram fiéis a Deus, à Igreja, à Ordem e aos doentes.
Terminada a II Guerra Mundial, a nossa Ordem cresceu e
difundiu-se novamente, sobretudo nos países da Europa ocidental. A semente do
martírio e o testemunho de muitos Irmãos tornou possível esta realidade. A
generosidade da Ordem foi tão grande que entregou os seus bens mais preciosos,
do mesmo modo que Cristo entregou a sua vida na Cruz: é nessa oferta que se
baseia o ressurgir de uma nova vida abundante para a Ordem. Hoje, continuamos a
acreditar que essa semente do martírio continuará a dar novos frutos e a
confiar que o Senhor encontre em nós a mesma generosidade e capacidade de
entrega.
c) A crise industrial e a necessidade da nova
evangelização
As sucessivas crises políticas, sociais e económicas que
a Europa viveu ao longo deste século foram dando lugar a um maior nível de
desenvolvimento e progresso material dos países.
Os avanços da ciência e da técnica, a macroeconomia, as
instituições internacionais, as multinacionais, as novas indústrias e as novas
formas de emprego foram proporcionando progressos sociais que, nalguns períodos
e lugares, nos permitiram experimentar o chamado Estado do bem-estar social (Welfare
State). Pertencemos a uma sociedade de direitos e deveres.
No campo da saúde e a nível assistencial, a segurança
social fez com que actualmente a assistência médica seja um direito gratuito na
maioria dos países, normalmente equipados com os melhores sistemas e progressos
técnicos da ciência médica.
Tudo isto produziu também uma sociedade de contrastes,
com grupos marginalizados e bolsas de pobreza importantes, a que se
convencionou chamar “Quarto Mundo”. Da mesma forma, assistimos a uma forte
transformação no mundo dos valores, entre os quais o da transcendência foi
relegado pouco a pouco para segundo plano. Além disso, difundiu-se na sociedade
o relativismo no campo da ética e da moral.
Embora já Paulo VI tivesse reconhecido que a Europa era
terra de missão para a Igreja, foi João Paulo II quem, frequentemente, lançou
um apelo à nova evangelização em todo o mundo e, concretamente, nesta Europa
dos finais do II Milénio. Não se trata de anunciar um novo Evangelho, mas de o
tornar presente hoje com novas formas e um novo entusiasmo. Trata-se de tornar
presente o Deus da vida como valor supremo do homem e do mundo, dando
testemunho disso não só por palavras, mas sobretudo com a vida; lutar pela
defesa do nome e dos direitos invioláveis a nascer, viver e morrer dignamente,
constituem os pilares do Evangelho que também hoje a Igreja deve tornar
presente no mundo.
A Ordem na Europa procura responder a este chamamento
para a nova evangelização a partir da sua vocação e missão hospitaleira, apoiada
nos pilares da vida do Irmão de S. João de Deus: uma vida centrada em Deus e
alimentada na oração pessoal e comunitária, na comunidade de vida fraterna reunida em nome do Senhor, e na entrega aos
pobres e aos doentes no serviço apostólico.
As motivações da Ordem para dar uma resposta adequada à
nova evangelização, a partir do seu carisma, são a sensibilidade para captar e
responder às novas necessidades (doentes mentais, crónicos, viandantes,
toxicodependentes, SIDA, doentes terminais); a abertura à participação e
integração dos Colaboradores na vida e missão da Ordem; a colaboração com
outras instituições e grupos; a promoção da pastoral da saúde e a bioética.
Para a Europa dos nossos dias, é muito importante que
Instituições religiosas como a nossa realizem com simplicidade gestos que
testemunhem os valores do Evangelho: demostrar sensibilidade perante os
necessitados, abertura, disponibilidade e proximidade para cuidar especialmente
dos grupos mais desprotegidos. Por outro lado, é necessário que os centros da
Ordem cresçam em qualidade assistencial segundo o estilo de S. João de Deus,
procurando sempre aplicar as melhores técnicas no campo da Medicina, cuidando
simultaneamente da humanização, da defesa dos direitos dos doentes e dos
necessitados, promovendo a atenção religiosa e os valores éticos, apostando
sempre na vida em todas as suas fases.
d) Países em que nos encontramos
Alemanha: a Ordem conta com a Província da
Baviera, que tem 50 Irmãos e 8 centros, e com a Delegação Geral Renana, com 12
Irmãos e 3 centros. Nos últimos decénios, a Ordem na Alemanha experimentou uma
diminuição progressiva do número de Irmãos, numa altura em que as obras,
especialmente na Baviera, viviam o processo de modernização tecnológica da
sociedade alemã. Os Irmãos souberam reagir perante a realidade e conseguiram
envolver no apostolado dos centros um elevado número de profissionais, que
mantiveram vivo o espírito de João de Deus em centros altamente evoluídos do
ponto de vista técnico.
Áustria: a Província austríaca é formada por 35
Irmãos e conta com dez centros, sete dos quais são hospitais gerais altamente
qualificados. A Ordem, por tradição, goza na Áustria de grande prestígio. O
reduzido número de Irmãos estimulou o Governo da Província a realizar um
interessante processo de abertura aos Colaboradores, aos quais soube transmitir
os valores da Hospitalidade. Várias obras dependem praticamente deles.
Espanha: a Ordem na Espanha seguiu e
consolidou a orientação iniciada pelo Beato Bento Menni. Em 1934, quando era
Superior Provincial o Beato Guilherme Llop, procedeu-se à divisão nas actuais
três Províncias: Nossa Senhora da Paz (Andaluzia), S. Rafael (Aragão) e S. João
de Deus (Castela).
Acabada
a guerra civil, e no meio de penúrias de todo o tipo, as Províncias espanholas
experimentaram um ressurgimento vocacional e uma expansão que se traduziu em
novas fundações, incluindo, a partir de 1956, o continente africano. Em
fidelidade ao carisma, procuraram responder criativamente às novas
necessidades, abrindo centros de vincado cunho social, em que se tenta oferecer
uma assistência de qualidade, segundo o estilo de S. João de Deus, se promove a
pastoral, os comités de ética, o Voluntariado, etc., a fim de harmonizar o
progresso e a humanização da assistência. Actualmente, a Ordem na Espanha tem
46 centros e 396 Irmãos.
França: na primeira metade do séc. XX,
devido às duas guerras mundiais, a vida foi difícil para os Hospitaleiros
franceses. Irmãos e doentes sofreram as consequências de ambos os conflitos
bélicos, sendo especialmente de destacar, durante o primeiro conflito, a acção
desenvolvida pelos Irmãos nos serviços de ambulâncias e nos hospitais
militares.
Actualmente,
a Ordem continua a responder, segundo as suas possibilidades, às necessidades
dos doentes e necessitados deste país. Tem 8 centros, todos constituídos
juridicamente como Sociedades Civis, de acordo com a legislação
francesa, aos quais é necessário acrescentar uma residência para pessoas idosas
na Ilha Maurício (Pamplemousses) e um centro para deficientes psíquicos na Ilha
de Reunião. A Província tem 80 Irmãos.
Hungria: a Província da Hungria, fundada em
1856 e colocada sob a protecção da Imaculada Conceição, é actualmente uma
Delegação da Província austríaca. São três os Irmãos que sobreviveram à opressão
sofrida durante o regime totalitário; as vocações actuais formam-se nos centros
interprovinciais de formação das Províncias da Áustria e da Alemanha. A Ordem
tem cinco centros.
Inglaterra: os Irmãos franceses chegaram à
Inglaterra em 1877, e fundaram o Hospital de Scorton. Depois de terem
constituído uma Província juntamente com a Irlanda, desde 1934 até 1953
tornou-se Província, sob a protecção de S. Beda, Venerável. A Província
inglesa, tendo em conta a diminuição do número de Irmãos e a falta de
vocações, realizou um período de discernimento para continuar na linha de
fidelidade ao carisma da Ordem e abandonou a direcção de grandes centros. Tem
um hospital geral (Scorton), um centro diurno para deficientes psíquicos, onze
serviços, que são vivendas para grupos de deficientes psíquicos, na sua maioria
adultos, fundados em 1989 e 1993, e um centro pastoral em Hemlington, fundado
em 1992. No ano de 1961 fizeram uma fundação em Lusaka (actual Zâmbia),
passando em 1982 para Monze. Os Irmãos são 19.
Irlanda: a presença da Ordem começou com a
chegada dos Irmãos franceses a Tipperory, onde fundaram um lar para crianças
lesionadas. Acompanhou o processo que já vimos no caso da Inglaterra e, em
1953, foi constituída a Província da Irlanda, sob a denominação da Imaculada
Conceição. A partir de então experimentou um processo de crescimento e
expansão, com novas fundações na Irlanda, na Coreia do Sul (desde 1959), na
Austrália (até 1956) e um centro para deficientes psíquicos em New Jersey, nos
Estados Unidos. Actualmente tem 9 centros, serviços e pequenas residências para
deficientes psíquicos e um centro na África (Malawi). Tem 65 Irmãos.
Itália: as duas Guerras Mundiais e as suas
consequências afectaram muito directamente a primeira metade deste século da Ordem
em Itália: medidas governamentais que comportaram o encerramento e o fim de
muitos hospitais, falta de vocações, etc. Apesar das dificuldades, fizeram-se
novas fundações durante este período nas duas Províncias que haviam superado a
crise de finais do séc. XIX: romana e lombardo-véneta.
Nesta
época, é de destacar a figura de S. Ricardo Pampuri, médico da Província
lombardo-véneta, falecido a 1 de Maio de 1930 em Milão, beatificado por João
Paulo II a 4 de Outubro de 1981 e canonizado no dia 1 de Novembro de 1989.
Os
Irmãos da Itália procuraram responder com criatividade às necessidades dos
pobres, dos doentes e dos marginalizados, com critérios de universalidade.
Dispõem de centros destinados a doentes crónicos, mentais, pessoas idosas,
hospitais gerais, etc., e expandiram-se fora da Itália, concretamente na África
(lombardo-véneta) e Filipinas (romana). Actualmente são 23 os centros e 125 os
Irmãos de ambas as Províncias. Completam a presença da Ordem em Itália o
Hospital de S. João Calibita, na Ilha Tiberina, e o Centro Internacional da Via
della Nocetta, ambos dependentes da Cúria Geral.
Polónia: Na Polónia, a Ordem é constituída
pela Província Polaca e pela Delegação Geral da Silésia. Ainda antes de o país
ter saído do regime político totalitário, a Ordem dirigia alguns centros, na
sua maioria dedicados à medicina homeopática e alguns à assistência de doentes
mentais e diminuídos psíquicos. Embora com dificuldades, os Irmãos vão
superando as marcas produzidas pelo longo isolamento do resto da Ordem e,
graças ao esforço que está a realizar ao nível da formação inicial e
permanente, a Ordem está a recuperar o prestígio que mereceu desde que, em
1853, foi fundada a Província da Silésia e, em 1922, se restaurou a Província
polaca. A Ordem tem actualmente 14 centros e 90 Irmãos na Polónia.
Portugal: até 1927, as casas portuguesas
estiveram integradas na então única Província espanhola existente. Nesse ano,
sendo Superior Geral o P. Rafael Meyer, tornou-se uma Delegação Geral e, a 27
de Março de 1928, foi constituída canonicamente a Província de S. João de Deus
de Portugal.
A
missão dos Irmãos desde a restauração da Ordem esteve muito centrada na atenção
e nos cuidados aos doentes mentais: todos os centros, excepto o de
Montemor-o-Novo, que é um Hospital geral, se dedicam a eles. Juntamente com as
Irmãs Hospitaleiras, abrangem grande parte da assistência psiquiátrica
existente em Portugal, realizando um trabalho apostólico muito hospitaleiro e
reconhecido. Actualmente, a Província portuguesa tem treze casas, três das
quais no Brasil, e 86 Irmãos.
República Checa: a florescente Província da
Boémia-Morávia, fundada em 1919 com o título de S. Rafael Arcanjo, tem
actualmente nove Irmãos que sobreviveram ao anterior regime político e
recuperou, com o apoio das Províncias de Áustria e da Baviera, três dos sete
centros que a Ordem possuía no fim da II Guerra Mundial. As novas vocações
recebem a formação nos centros interprovinciais da Alemanha e da Áustria.
República Eslovaca: com a morte do Ir. Fabian Macej, em
Março de 1997, a Vice-Província eslovaca passou a ser, desde Maio do mesmo ano,
uma Delegação Provincial da Áustria. A razão dessa decisão é que os Irmãos
professos solenes que superaram o período da opressão do regime totalitário são
apenas três, e os novos candidatos preparam-se para a vida religiosa nos
centros interprovinciais já referidos da Alemanha e da Áustria.
Cidade do Vaticano: desde 1874 que a Ordem dirige a prestigiosa Farmácia do
Vaticano, na qual uma Comunidade internacional directamente dependente da Cúria
Geral, se encarrega das tarefas que a direcção desta Farmácia implica, bem como
do serviço de assistência nos ambulatórios médicos da Cidade do Vaticano.
2. Actualidade
da Ordem na América
a) Início da
nova presença
A partir da
restauração da Ordem na América, realizaram-se novas fundações na América
Central e Meridional, auspiciadas pelas Províncias espanholas e portuguesa. No
dia 5 de Dezembro de 1994, o Definitório Geral decidiu erigir canonicamente
três novas Províncias na América Latina, depois de, durante alguns anos, terem
sido Vice-Províncias: Setentrional, dedicada a Nossa Senhora do
Patrocínio e Venerável P. Francisco Camacho; México e América Central,
sob a protecção de Nossa Senhora de Guadalupe; e Sul-americana Meridional,
sob a protecção de S. João de Ávila.
Os Irmãos da
Província francesa chegaram ao Canadá em 1927, fundando em 1933 o Hospital de
Nossa Senhora das Mercês, em Montreal. Em 1941, os Irmãos canadianos passaram a
integrar a Província dos Estados Unidos e, em 1953, tiveram a sua primeira casa
na Av.ª West Adams (Los Angeles). Por outro lado, os Irmãos portugueses
voltaram a estar presentes na América com uma fundação em Divinópolis (1963),
constituindo as casas hoje existentes no Brasil uma Delegação da Província
portuguesa.
b) Orientação
dos nossos centros
A Ordem procurou
orientar a sua missão neste século para a assistência aos doentes e aos pobres,
especialmente os mais necessitados, missão essa que se foi desenvolvendo,
essencialmente, em centros próprios; nalgumas ocasiões, aceitou a direcção de
centros da administração pública e da Igreja.
A beneficência
foi o principal recurso para a economia dos centros. Ainda hoje, em vários
países da América do Sul, a esmola continua a ser o suporte de muitas obras,
embora os acordos com entidades públicas e particulares se vão afirmando cada
vez mais em função do desenvolvimento económico dos diversos países.
A assistência
psiquiátrica é o serviço de maior alcance que a Ordem realiza actualmente no
continente americano: todas as Províncias dedicam uma boa parte dos seus
recursos à assistência e aos cuidados com os doentes mentais, e em quase todos
os Países da América Central e Meridional em que a Ordem está presente, existem
centros para a assistência a estes doentes. Esta foi uma constante desde o
início da restauração da Ordem na América, do mesmo modo que se verificou
também em Espanha e em Portugal. Não há dúvida de que os doentes mentais eram,
e continuam a ser hoje em muitos lugares, os mais desfavorecidos e abandonados
pelos serviços públicos de Saúde. Por isso, o Beato Bento Menni e os seus
companheiros dirigiram os seus esforços especialmente para eles. Com o passar
do tempo, e perante as novas necessidades que iam surgindo, a Ordem procurou
responder com generosidade. Assim, foram abertos centros para crianças
paralíticas, pobres e abandonados, e ainda clínicas ortopédicas.
A Ordem,
particularmente na América Latina, dedica a maior parte dos seus recursos
humanos e económicos a estes dois grupos de pessoas. Além disso, sempre atenta
à realidade, procura responder às novas necessidades, dedicando outros recursos
à assistência aos viandantes e marginalizados, às pessoas idosas, através de
dispensários e centros de assistência primária e de Educação Especial.
Além de dar uma
resposta coerente, evangélica e de acordo com as exigências da Igreja e dos
necessitados, a Ordem na América procura impulsionar os valores próprios do
carisma joandeíno, plasmando-os em acções concretas que caracterizam um estilo
próprio. A promoção da Pastoral da Saúde, o Voluntariado, os princípios da
ética católica, a humanização e a adequada formação profissional e humana,
juntamente com a aplicação das técnicas mais modernas da Medicina, vão
configurando a orientação e a linha de acção assistencial em sintonia com o
espírito e a obra de S. João de Deus.
Mesmo assim, há
ainda muito que fazer e, provavelmente, será necessário tomar em consideração a
possibilidade de uma maior diversificação das obras e privilegiar a presença
nalguns países mais do que noutros, com o fim de responder melhor às
necessidades dos doentes, dos pobres e dos marginalizados na sociedade actual.
c) Países em
que nos encontramos
No continente
americano, a Ordem está presente em países onde já tinha estado antes do seu
desaparecimento, no séc. XIX, e noutros países novos, sobretudo na América do
Norte. Concretamente, nos seguintes países:
Argentina: Sanatório S. João de Deus (Ramos
Mejía), hospital geral. Hospital Psiquiátrico S. João de Deus (Luján).
Consultório S. João de Deus (Hurlingham), com carácter aberto.
Bolívia: Instituto Nacional de Psiquiatria
Gregório Pacheco (Sucre) e Instituto Psiquiátrico S. João de Deus (Cochabamba).
Centro Especial de Investigação Psicopedagógica (Sucre).
Brasil: Hospital S. João de Deus
(Divinópolis), hospital geral. Residência S. João de Deus (Itaipava), para
pessoas idosas. Hospital S. João de Deus (Pirituba), para doentes mentais.
Canadá: a Província do Canadá foi
constituída como Província canónica em 1940, sob a protecção de Nossa Senhora
das Mercês. Posteriormente, os Irmãos expandiram-se até ao Vietname e aos
Estados Unidos. Actualmente, a Província do Canadá conta com três comunidades
em Montreal e uma no Quebec. Os Irmãos trabalham num centro para
toxicodependentes, noutro para viandantes, mantêm diversas formas de
colaboração em hospitais e outros serviços. Os Irmãos são 20.
Colômbia: Hospitais gerais: Casa de Saúde S.
Rafael (Santafé de Bogotá), Casa de Saúde S. João de Deus (La Ceja), Hospital
Paroquial Beato Bento Menni (Machetá). Serviço a doentes mentais: Hospital S. Rafael (Pasto), Casa de Saúde S.
João de Deus (Chía), Casa de Saúde S. João de Deus (Manizales), Casa de Saúde
Nossa Senhora da Paz (Santafé de Bogotá). Outras obras da missão hospitaleira,
na capital: Escola de Enfermagem San Rafael, Instituto San João de Deus
(Colégio), Centro de Saúde S. João Grande.
Cuba: Sanatório S. João de Deus (La
Habana), para doentes mentais. Lar-Casa de Saúde S. Rafael (La Habana),
originariamente para crianças com problemas derivados da poliomielite e agora
Lar da Terceira Idade. Actualmente está em construção um outro Lar para idosos
em Camagüey.
Chile: Sanatório Marítimo S. João de Deus
(Viña do Mar), para crianças deficientes físicas. Hospital Psiquiátrico Nossa
Senhora do Carmo (Santiago de Chile).
Equador: Centro de Repouso S. João de Deus
(Quito), para doentes mentais. Albergue nocturno S. João de Deus (El
Tejar-Quito), para marginais e viandantes.
Estados Unidos: em 1941, os Irmãos do Canadá
fundaram a casa de Los Angeles. Em 1950 as casas dos Estados Unidos
constituíram-se em Vice-Província e, alguns anos depois, em Província, sob a
protecção de Nossa Senhora Rainha dos Anjos. Tem actualmente três obras: Los
Angeles, Ojai e Apple Valley. A Ordem está presente, além disso, em New Jersey,
um centro para deficientes psíquicos, da Província irlandesa.
México: Sanatório Psiquiátrico S. João de
Deus (Zapopan), Sanatório Psiquiátrico de Nossa Senhora de Guadalupe (Cholula)
e Casa de Saúde S. Rafael (Tlalpan). Os três centros prestam assistência a
doentes mentais.
Peru: Lar-Casa de Saúde S. João de Deus
(Lima), Lar-Casa de Saúde S. João de Deus (Arequipa) e, perto deste Lar, a
Paróquia S. João de Deus e o Centro de Educação Especial. Lar-Casa de Saúde S.
João de Deus (Chiclayo) e Lar-Casa de Saúde S. João de Deus (Cuzco), para
crianças doentes e deficientes físicos. O Centro de Repouso S. João de Deus
(Piura) é um centro psiquiátrico.
Venezuela: Hospital S. João de Deus (Caracas) e
Lar-Casa de Saúde S. Rafael (Maracaibo), hospitais infantis, de traumatologia,
ortopédicos e de reabilitação. Hospital S. João de Deus (Mérida), para a
assistência psiquiátrica.
3. África: seiva nova na árvore da Hospitalidade
a) Fidelidade ao carisma em situações difíceis
O princípio fundacional da Ordem, de assistir sempre os
mais necessitados, foi na África um critério seguido sem grandes dificuldades,
dado que em todos os centros onde trabalhamos, a nossa presença é necessária e
apreciada: de facto, há que ter em conta que, no campo da saúde, há muito
trabalho a fazer, podendo-se dizer que quase todas as realidades com que
deparamos assumem um carácter de urgência.
A Ordem não tem estrutura nem recursos para estar
presente em situações de emergência, nem julgamos que seja essa a sua missão.
Não obstante isso, quando estas situações se verificam onde existe uma obra
joandeína, os Irmãos continuam a prestar os seus serviços a favor dos doentes e
necessitados.
Nos últimos anos, a instabilidade
social, política e económica tem vindo a provocar nos países africanos
verdadeiras situações de violência e guerra, muitas vezes de carácter tribal,
que ocasionam numerosos mortos e provocam perseguições. Embora ainda nenhum
Irmão de S. João de Deus tenha sofrido a morte devido a tais situações, vale a pena
referir aqui três países que vivem esta situação e nos quais estamos presentes:
·
Moçambique:
o movimento independentista (FRELIMO), de cariz totalitário, conseguiu
os seus objectivos em Junho de 1975 e, nesse mesmo ano, foi decretada a
nacionalização de todas as instituições ligadas aos sectores da educação,
assistência social e da saúde, incluindo as da Igreja e, por conseguinte,
também as que a Ordem tinha em Moçambique desde 1943.
Pouco
a pouco, os Irmãos foram regressando a Portugal. Permaneceu o Ir. Manuel
Nogueira que, além da sua entrega aos doentes, se dedicava à evangelização, e
que em 1979 foi preso por duas vezes. Actualmente, e não sem dificuldades (os
centros continuam confiscados), os Irmãos vivem em Nampula num clima de maior
tranquilidade.
·
Libéria: Em 1990, grupos rebeldes
levantaram-se em armas contra o regime em vigor. Travou-se uma dura luta, que
provocou muitos mortos, incluindo a do presidente do país. O nosso hospital foi
um bom lugar de assistência e serviu de refúgio a muitas pessoas que fugiam da
guerra sangrenta. Os Irmãos estiveram presentes e realizaram um grande obra
humanitária e evangélica, até ao último momento em que foram evacuados. O nosso
hospital de Monróvia foi saqueado e ficou praticamente destruído.
Quando
acabou a guerra, e embora a situação se mantivesse ainda muito instável, os
Irmãos regressaram, a 7 de Junho de 1991, para reconstruir o hospital e retomar
a actividade missionária e hospitaleira. Novamente, em Abril de 1996, o
conflito recrudesceu, com dramáticas consequências para a população civil.
Mesmo assim, os Irmãos, por vontade própria, decidiram permanecer no hospital
da capital liberiana.
·
Serra
Leoa: a situação tem
características muito semelhantes às da Libéria, país com o qual a Serra Leoa
tem fronteiras comuns. No início de 1995 surgiram com violência grupos de
rebeldes para se confrontar com o governo desta nação. Quando parecia que a paz
se iria consolidar, depois de terem sido realizadas eleições democráticas, em
Março de 1997, deu-se um novo golpe de estado. As consequências estão a ser o
medo, o terror e a morte de muitas pessoas inocentes.
Os
Irmãos, que desempenham a sua missão no hospital de Lunsar, situado no interior
do país, vivem afectados por esta situação e, em diversas ocasiões, foram
surpreendidos pela chegada dos grupos armados ao hospital e por recontros nos
arredores. Até ao momento tudo não passou de um susto e os Irmãos continuam a
dedicar-se aos doentes, aos necessitados e aos refugiados que recorrem a eles.
b) O esforço de implantação
O Ordem Hospitaleira reinicia a sua presença em África
no séc. XX, com uma fundação em Moçambique (1943), à qual se seguiram outras na
Somália (1955), no Ghana (1956), Togo (1961), na Zâmbia (1962), no Oceano
Índico (Ilha Reunião 1962), na Libéria (1963), Serra Leoa (1967), nos Camarões
(1968), Benim (1970), Senegal (1975) e Malawi (1992). Algunas delas viriam a
ser estáveis, outras acabariam por ser encerradas e reiniciar em outros
lugares. Este forte impulso missionário deve-se, por um lado, ao aumento das
vocações nas Províncias europeias (Portugal, Espanha, Itália, Inglaterra,
França) e, por outro, ao desejo de responder à chamada da Igreja, especialmente
a partir do Concílio Vaticano II. A Ordem mobilizou um grande número de Irmãos
e recursos para estar neste continente tão necessitado da nossa presença. Mesmo
quando nas Províncias mães se começava a sentir o declínio vocacional, o sector
missionário continuou a ser privilegiado.
c) Acções realizadas neste sentido
A nossa Ordem sentiu-se sempre chamada a difundir o
Reino de Deus em todos os cantos da terra, mediante a sua missão hospitaleira.
Neste século, e concretamente na África, tem vindo a realizar grandes esforços
para consolidar a sua presença. As principais acções empreendidas para o
conseguir podem-se assim sintetizar:
· Iniciativa de algumas Províncias que
se sentiam chamadas a expandir a Ordem no continente africano. A primeira foi
Portugal que, em 1943, realizou a sua primeira fundação em Moçambique.
Posteriormente, outras Províncias seguiram o mesmo caminho.
· A Escola de Missionologia de Roma.
Como se disse noutro capítulo, foi criada em 1955, como secção anexa à Escola
de Espiritualidade. O P. Moisés Bonardi, Superior Geral, foi o seu
impulsionador, e o P. Higínio Aparício, seu sucessor, reforçou esta iniciativa.
Foi-se
criando assim em toda a Ordem uma grande sensibilidade pelas missões, e muitos
Irmãos puderam aceder à Escola e receber uma formação apropriada para a sua
posterior integração nas casas de missão. Muitos outros que se formaram nela
não chegaram a partir para as missões, mas contribuíram para criar uma
mentalidade e sensibilidade muito importantes. Sem dúvida, pode-se afirmar que
esta Escola foi uma das principais acções levadas a efeito para reforçar a
nossa presença missionária.
· O esforço de muitas Províncias que, a
partir dos anos 50, contribuíram generosamente com muitos recursos materiais e,
sobretudo, com Irmãos. Em poucos anos foram feitas muitas fundações nas quais a
Ordem continua a desempenhar o seu trabalho apostólico, no campo social e no
sector da saúde.
· Entre as preocupações mais
importantes, esteve sempre o empenho na promoção das vocações autóctones e o
cuidado posto na sua formação. Foi sobretudo no início dos anos 80 que começou
um trabalho mais coordenado e sistemático, que coincidiu com a publicação do
livro “A Formação do Irmão de S. João de Deus”.
· A criação da Delegação Geral de África
foi sem dúvida um facto significativo. Não era fácil reunir Irmãos, comunidades
e centros de diferentes culturas e realidades; todavia, e depois de alguns anos
em que um Irmão Coordenador fez um trabalho de relacionamento mútuo entre os
centros de África, em 1989, quando era Superior Geral o Ir. Brian O’Donnell,
foi possível erigir a Delegação, que constituiu assim uma demonstração de
universalidade e abertura. A falta de tranquilidade surgiu alguns anos mais
tarde, quando era Superior Geral o Ir. Pierluigi Marchesi.
Nos
anos em que funcionou a Delegação Geral da África, foram dados passos decisivos
no sentido da consolidação neste continente em todas as áreas: formação,
administração, estilo de vida, etc. Contudo, há ainda muito caminho a
percorrer.
· A acção desenvolvida em África é vasta
e inestimável.
· Evidenciamos, por fim, a
disponibilidade de muitas comunidades e centros na África para receber e
acolher pessoas voluntárias que, durante algum tempo, ajudam no trabalho
hospitalar e partilham a vida dos Irmãos. Esta colaboração não só está a ser
positiva para os Irmãos e os centros, como para as pessoas que os frequentam,
ou contribuem com a sua ajuda e se sentem beneficiadas. Cumpre-se de maneira
concreta o lema de S. João de Deus quando pedia esmola: “Irmãos, fazei o bem
a vós mesmos”.
d) O carácter internacional dos Centros de Formação
Nos primeiros tempos, a Formação organizou-se como nas
Províncias. Nalguns casos, os jovens com vocação eram levados para a Europa,
pois os Irmãos missionários não se consideravam com capacidade para desempenhar
a tarefa da formação. Essa decisão não deu bons resultados e, perante a pouca
perseverança dos candidatos, abriram-se centros de formação nas casas de
missão.
Como nos primeiros anos cada comunidade dependia de uma
Província diferente e as distâncias entre elas eram muito grandes, cada centro
tinha de assegurar todo o ciclo de formação, com as dificuldades que isso
implicava.
Nos anos 70 realizaram-se os primeiros encontros de
Irmãos que trabalham em África, com a finalidade de partilharem o trabalho que
realizavam, as dificuldades encontradas e a maneira de colaborar entre as
diferentes obras. Essas primeiras reuniões tiveram um momento forte com o curso
de missionários, realizado em Roma em 1980, por ocasião dos Cursos de
Renovação, no primeiro sexénio do Ir. Pierluigi Marchesi.
Apesar disso, as dificuldades continuaram a existir na
prática e não se encontravam formadores suficientes para garantir a formação
dos jovens que, cada vez mais numerosos, pediam para entrar nas comunidades. No
início da década de 80, as Províncias de Castela e Aragão decidiram transferir
os seus noviços para o Noviciado de Nguti (Camarões), pertencente à Província
Bética, começando-se assim um novo caminho de colaboração. Em breve, os
Escolásticos passaram para Afagnan (Togo), onde iniciaram os estudos
profissionais, concretamente, de Enfermagem, em colaboração com a Escola de
Enfermagem do hospital de S. Pedro, da Província romana.
Estes primeiros passos foram incertos e não sem
dificuldades. Em vista de tudo isso, o Superior Geral convocou uma reunião em
Afagnan (Togo), em Março de 1985, durante a qual se decidiu por unanimidade a
implantação da Ordem em África, com o fomento e a formação das vocações
indígenas, sendo necessário fornecer os meios humanos e económicos necessários
para a levar a efeito. Como medidas concretas, decidiu-se construir o Noviciado
em Lomé (Togo), visto que tinha mais possibilidades para a formação dos jovens,
e o Escolasticado em Koforidua (Ghana). Os dois centros assumiam carácter
internacional, para assegurar a formação homogénea dos candidatos.
Em Novembro de 1986 realizou-se em Lomé (Togo), sede do
Noviciado, o primeiro Curso para formadores de África, dirigido pelo Ir.
Valentín A. Riesco. Participaram dez Irmãos e foram elaborados os programas e
critérios a seguir, de acordo com o livro “A Formação do Irmão de S. João de
Deus”, aplicados à realidade africana. Posteriormente, efectuaram-se dois
encontros de avaliação e programação.
Também em 1986, o Governo do Togo
autorizou a criação da Escola de Enfermagem S. João de Deus, no hospital do
mesmo nome, de Afagnan, onde teria lugar a formação dos religiosos. A Escola só
abriu as suas portas em 12 de Dezembro de 1989, com um primeiro curso para
vinte estudantes. Desde o princípio, a Escola formou 44 médicos auxiliares e 36
enfermeiros com diploma. A
promoção 1994-97 consta de vinte e sete estudantes. Trata-se do primeiro grupo
que, ao concluir os seus estudos, obteve o reconhecimento oficial dos mesmos,
dado que o Governo da República do Togo aprovou a Escola de enfermagem “S. João
de Deus” de Afagnan, em 26 de Dezembro de 1996
O carácter internacional dos Centros de Formação foi uma
medida acertada, tendo em vista a consolidação da Ordem em África. Também é um
aspecto importante que enriquece, ao permitir aos jovens crescerem juntos na
vocação hospitaleira; ao mesmo tempo, o facto de Irmãos de diferentes países,
culturas e mentalidades e etnias poderem conviver num mundo tão dividido como o
nosso, não deixa de ser um sinal de unidade.
e) A Delegação Geral da África
A Delegação teve a sua origem na reunião realizada em
Afagnan, em 1985, na qual se decidiu criar a Coordenação Geral da África,
abrangendo os seguintes países: Senegal, Serra Leoa, Libéria, Ghana, Togo,
Benim e República dos Camarões. A finalidade consistia em ir unificando os
critérios gerais a seguir, sobretudo ao nível da formação. O primeiro
Coordenador foi o Ir. Justino Izquierdo, substituído em 1986 pelo Ir. Juan
Bautista Carbó.
Durante os quatro anos em que a Coordenação funcionou,
foram lançadas as bases para uma colaboração mais estreita entre os diferentes
centros da África ocidental. Nesse período, tiveram lugar vários encontros na
sede da Coordenação e do Noviciado de Lomé (Dezembro de 1986 e Janeiro de
1988), nos quais se foram confirmando as medidas adoptadas e se encorajou a
prosseguir no caminho encetado.
Depois dos Capítulos Provinciais de 1989, realizou-se em
Los Molinos (Madrid) uma reunião da Cúria Geral, com os novos Irmãos
Provinciais e os Irmãos missionários que tinham participado nos Capítulos. Para
esta reunião foram convidados os Irmãos Provinciais de Inglaterra e Portugal.
Durante a mesma, concordou-se com a criação da Delegação Geral de África, uma
decisão que os diferentes Conselhos Provinciais deveriam ratificar depois. A
Coordenação converteu-se em Delegação Geral de África, sob o título canónico de
S. Ricardo Pampuri, à qual se uniram a Zâmbia e Moçambique. Como primeiro
Delegado Geral foi nomeado o Ir. Juan Bautista Carbó, que desempenhara até
então o cargo de Coordenador Geral, e para Conselheiros, foram designados os
Irmãos Justino Izquierdo, Benôit Lokossou e Ivo Tangwa Tatah.
Nestes anos de vida da Delegação foram-se concretizando
os objectivos a seguir, unificando os critérios da Pastoral Vocacional e da
admissão dos candidatos, fizeram-se progressos na criação de uma mentalidade
comum e foram-se internacionalizando as comunidades.
Mas foi no campo vocacional que a Delegação realizou os
progressos mais importantes. No início deste período, em 1986, embora as ideias
fossem claras, na prática não se via a maneira de as concretizar. Mas a pouco e
pouco, e graças à generosidade de muitos Irmãos, os Centros de Formação
começaram a funcionar e foram-se aplicando os critérios estabelecidos, segundo
o Livro da Formação da Ordem, e na reunião de Formadores de 1986. Como resultado
desse trabalho, temos actualmente na Ordem 80 Irmãos africanos, o que
representa sem dúvida uma esperança para o futuro.
f) Erecção de duas novas Províncias em África
A Delegação Geral da África correspondeu em grande parte
aos desejos e expectativas de todos, e preparou os Irmãos para poderem
constituir novas Províncias. Depois de consultar todos os Irmãos, na Assembleia
da Delegação, realizada em Lomé (Togo), de 14 a 19 de Abril de 1997, e
presidida pelo Superior Geral, Ir. Pascual Piles, depois de se terem estudado
as opções possíveis sugeridas pelos Irmãos, a Assembleia chegou à conclusão de
constituir duas Províncias na África, tendo em conta a distribuição geográfica
e linguística. A parte de expressão oficial inglesa recebeu o título canónico
de Nossa Senhora da Misericórdia, e compreende as Comunidades e Centros
situados no Ghana, na Serra Leoa, Libéria, República dos Camarões e Zâmbia. A
Província de expressão oficial francesa e portuguesa, sob o título de S.
Ricardo Pampuri, é composta pelas Comunidades e Centros do Senegal, Togo, Benim
e Moçambique.
O Definitório Geral, na sessão de 25 de Abril do mesmo
ano, aprovou as decisões tomadas na Assembleia de Lomé e nomeou os Provinciais
e Conselheiros das duas Províncias. Assim, para a Província de “Nossa Senhora
da Misericórdia”, foram nomeados, para Provincial, o Ir. José Maria Viadero e,
para Conselheiros, os Irmãos Raphael Ngong Teh, sac., Justino Izquierdo, John
Oppong, sac., e Ngha Nicholas Mue. Os Irmãos Jesús Labarta, Leopoldo Gnami, José
Maria Chávarri, Benôit Lokossou e Fiorenzo Priuli, foram nomeados,
respectivamente, Provincial e Conselheiros da Província de “S. Ricardo
Pampuri”.
O processo até se chegar a esta decisão não esteve
isento de dificuldades, como decerto acontecerá com o caminho a seguir no
futuro, dada a extensão, as distâncias e as diferentes línguas e culturas.
Todavia, a grande generosidade dos Irmãos continuará a superar as deficiências
e limitações e, decerto, esta decisão contribuirá para impulsionar o desenvolvimento
da Ordem e a sua acção apostólica no continente africano.
4) Ásia: presença da Ordem numa cultura de contrastes
No continente asiático, e durante os últimos 35 anos, a
Ordem contribuiu em grande medida para a missão da Igreja, evangelizando as
populações dos países em vias de desenvolvimento. Na Ásia, os Irmãos
responderam de maneiras muito diferentes às necessidades dos pobres e dos
doentes. A Ordem contribui notavelmente para o desenvolvimento dos programas e
serviços nacionais, não em competição com as estruturas estatais, mas
oferecendo novos modelos de assistência.
Nos países asiáticos pobres em serviços no sector da
saúde, a Ordem deu preferência a programas médicos comunitários, que exigem dos
líderes a capacidade de saberem relacionar-se, e não só de comunicar e
trabalhar com os grupos; deles exige, além disso, que sejam sensíveis ao
próximo e tenham a capacidade de estabelecer um sentido de comunidade com os
pobres e, o que é ainda mais importante, que estejam imbuídos pelo carisma de
hospitalidade da Ordem.
Israel: A Ordem chegou ao actual estado de
Israel em 1891. Por iniciativa do Padre Alfieri, foram fundados dois hospitais:
um em Tantur (Jerusalém) e outro em Nazaré, com duas comunidades dedicadas à
assistência hospitaleira e ao apostolado missionário. Actualmente existe apenas
o Hospital de Nazaré, ligado à Província lombardo-véneta.
Japão: a Província da Baviera fez uma
fundação em Kobe, em 1951; actualmente é uma Delegação Provincial, com dois
centros. No Japão, um país que valoriza a pessoa em termos da sua
produtividade, o testemunho cristão da acção dos Irmãos tem uma grande
importância para a Igreja. Isso é evidente no caso do seu interesse por pessoas
que passaram muito tempo em hospitais psiquiátricos e necessitam de ajuda e assistência
a longo prazo.
O
terramoto devastador de 17 de Janeiro de 1995 destruiu completamente a
residência e a capela dos Irmãos, e provocou enormes prejuízos no Centro.
Felizmente, não houve mortos nem feridos graves a registar. Após um primeiro
momento muito difícil, os Irmãos e os seus Colaboradores, com a ajuda da
Província da Baviera e uma certa colaboração por parte do Governo japonês,
puderam reconstruir os edifícios. A casa de Kobe-Kita saíu ilesa do terramoto.
O
Centro de hospitalização a longo prazo de Kobe-Suma aceitou também residentes
de breve permanência para convalescentes de doenças físicas, e oferece alguns
tratamentos médicos, como a hidroterapia. Ao assistir muitos doentes não
cristãos, além de um ambiente descontraído e acolhedor, os Irmãos oferecem
também um programa pastoral ecuménico.
O
Centro de Kobe-Kita é uma residência para adultos com perturbações graves
múltiplas. Os programas do Centro procuram satisfazer as exigências individuais
dos residentes.
Num
país onde apenas 1% da população é cristã e os católicos são apenas 430.000, as
vocações para a Vida Consagrada e, em particular, para a vida na Ordem, são
proporcionais a esses números. Não obstante isso, temos felizmente vários
Irmãos japoneses que já emitiram os votos solenes.
Vietname: os Irmãos da Província canadiana
chegaram ao Vietname em 1952 e estabeleceram-se no norte do país. Com o início
da guerra civil, o hospital dos Irmãos em Tan-Bien (Ben-Hoa City) foi ocupado
pelo estado, assim como também a casa do noviciado de Da-Nang City. Os Irmãos
canadianos viram-se forçados a abandonar o Vietname e, desde então, o contacto
com os Irmãos vietnamitas foi indirecto e esporádico, através da Província
francesa. Esta situação melhorou recentemente, e agora já é possível um contacto
directo. No entanto, continua a ser difícil aos representantes eclesiais,
incluindo os membros do Governo Geral da Ordem, permanecerem junto de uma
comunidade local quando visitam o Vietname, para o que é necessária uma
autorização especial das autoridades. Também é muito difícil os religiosos
nativos serem autorizados a viajar fora do país.
A
capela dos Irmãos é um lugar de encontro para onde as pessoas entram e de onde
saem constantemente para rezar diante do Santíssimo Sacramento e das imagens de
Nossa Senhora, de S. João de Deus e de S. Ricardo Pampuri. Outro ponto de
referência para os Irmãos e para a Igreja local, é o túmulo de um Irmão de
origem americana, o venerado Ir. William Gagnon, sepultado no cemitério perto
da casa dos Irmãos, em Tan-Bien. Este Irmão era membro da Província canadiana e
foi um dos fundadores da Ordem no Vietname. Juntamente com outros Irmãos
canadianos, primeiro trabalhou como missionário no Norte do Vietname, mas logo
que rebentou a guerra, transferiu-se para a parte meridional do país, para se
dedicar à assistência aos refugiados. O Irmão William é recordado como um
Hospitaleiro exemplar e foi-se difundindo entre o povo uma grande devoção por
ele. Todos os dias se vêem doentes do hospital e muitas outras pessoas a rezar
diante do seu túmulo. Tanto na morte como durante a vida, ele está sem dúvida
muito próximo dos seus Irmãos e do povo vietnamita, a quem amou de todo o
coração e serviu com compaixão e imensa ternura.
Alguns
Irmãos estudaram e receberam um diploma para a prática da Medicina oriental
tradicional e da agopuntura. Abriram dispensários, sobretudo para os pobres, e
também um laboratório para produzir medicamentos tradicionais, que distribuem
não só nos seus dispensários, mas também nos dispensários e hospitais das
redondezas.
Os Irmãos contam com a ajuda de muitos voluntários. Além disso, há pelo menos sete paróquias com mais de trinta afiliados de S. João de Deus em cada uma, que visitam os doentes e os moribundos nos seus domicílios. Estes grupos paroquiais, inspirados em S. João de Deus e no exemplo dos Irmãos, pediram a afiliação à Ordem para partilhar os seus benefícios e graças espirituais. A cerimónia de afiliação à Ordem teve lugar durante a visita do Superior Geral, em 1995.
Apesar
das inumeráveis dificuldades, os Irmãos souberam atrair muitas vocações e
dar-lhes uma sólida formação, do ponto de vista religioso e hospitaleiro. Em
finais de 1995 havia mais de 70 Hospitaleiros no Vietname. O aspecto mais
promissor para o futuro da Ordem neste país é que o número de candidatos que
solicitam a entrada na Ordem se mantém constante.
Coreia: em 1959 os Irmãos da Irlanda abriram
uma casa na Coreia do Sul. Hoje é uma Delegação Provincial, com três Centros.
Conseguiu humanizar o serviço aos doentes mentais, realizando uma missão
profética neste âmbito da assistência. O futuro é encarado com esperança,
devido ao número de vocações nativas.
Desde
a inauguração do hospital de Kwang-ju, em 1960, a Ordem prestou o seu serviço
aos pobres que não tinham meios para pagar os serviços médicos existentes
noutros centros. A este objectivo de servir os mais necessitados foi-se
acrescentando a dimensão ecuménica, já que os Irmãos trabalham numa relação
muito estreita com o hospital presbiteriano local no tratamento dos doentes
pobres, estabelecendo-se assim relações pessoais estreitas entre os dois
grupos.
O
hospital preparou um programa de ajuda às aldeias dos arredores. Por exemplo,
numa aldeia em que havia pessoas doentes de lepra, foram realizadas visitas
regulares, as crianças e os jovens de rua receberam assistência médica
gratuita, bem como os residentes, num centro para pobres, administrado pelas
autoridades civis. Durante mais de quinze anos, os Irmãos, Noviços e
Postulantes, trabalharam como voluntários todos os dias nesse centro, onde mais
de 400 pessoas viviam em condições infra-humanas. Dentro do centro, com a
autorização das autoridades civis, a Ordem construiu um edifício para a
assistência aos doentes mentais. Tratava-se, então, de um projecto piloto.
Recentemente,
o melhoramento do nível de vida garantido pelo êxito da economia coreana e a
introdução do sistema de segurança social permitiram que os pobres e toda a
população recebessem assistência médica em hospitais e dispensários. O
estabelecimento dos Irmãos especializou-se em dermatologia, pediatria e
medicina interna, e continua a ser procurado por muitos doentes. A Ordem
considera o dispensário como um recurso válido e uma ajuda para um programa de
assistência ao domicílio de doentes terminais ou incuráveis, um centro para
doentes terminais de cancro, um programa para pessoas idosas e como um serviço
de saúde mental.
Graças
à experiência do projecto piloto para pessoas com perturbações mentais acima
mencionado, a Ordem na Coreia criou um serviço de saúde mental inovador,
programado não como hospital psiquiátrico, mas como um centro para viver. Esta
é uma obra muito apreciada no país e um centro de formação para os
profissionais neste campo. O departamento de educação publicou vários livros
sobre diferentes formas de doença mental e problemas psicológicos.
Na
cidade de Chun Cheon, a nordeste de Seúl, em 1984, e a convite das autoridades
civis e do Bispo local – que, antes de morrer, em 1994, declarou que o facto de
ter trazido os Irmãos para a sua diocese fora uma das coisas em que mais sentia
orgulho como Bispo –, a Ordem assumiu a responsabilidade da administração de um
albergue para 150 viandantes. Trata-se de um projecto baseado num acordo entre
as autoridades civis e a nossa Ordem.
Em
1990, a convite da arquidiocese de Seúl, a Ordem abriu um Centro para jovens
adultos com dificuldades na aprendizagem. Devido à escassez dos recursos
disponíveis, voluntários e especialmente estudantes universitários
desempenharam um papel significativo no desenvolvimento e na implementação de
programas de formação para quantos frequentam este Centro.
A
Ordem na Coreia tem consciência de que, para estar próxima das pessoas pobres e
lhes oferecer os seus serviços de maneira regular, são necessários fundos provenientes
de fontes diversas. Para este fim, foi criado um Gabinete de Desenvolvimento,
com o objectivo de angariar fundos para as obras de caridade da Ordem. Tais
recursos ficam à disposição do Superior Maior, que os pode utilizar segundo a
sua discrição em projectos a favor dos pobres e para apoiar projectos não
financiados pelo governo nem por outras entidades.
Índia: há duas características
interessantes na fundação da Ordem na Índia. Em primeiro lugar, o facto de os
Irmãos professos do país serem membros da equipa fundadora que chegou da
Província Renana (Alemanha) em 1969; em segundo lugar, o Ir. Fortunatus, membro
do mesmo grupo pioneiro, fundou uma nova Congregação de religiosas: as Irmãs da
Caridade de S. João de Deus. As Irmãs, que realizaram o seu primeiro Capítulo
Geral em 1992, trabalham em colaboração estreita com os Hospitaleiros.
Embora
a obra de maior envergadura dos Irmãos na Índia seja um hospital geral, a
sua actividade abrange um grande leque
de actividades, desde um lar para pobres com doenças crónicas, passando por um
centro de saúde, uma residência para pessoas idosas, e até um projecto de casas
de habitação para mais de 1500 famílias pobres. O hospital geral dos Irmãos, em
Kattappana, é independente do ponto de vista económico; porém, várias obras da
Ordem na Índia são financiadas por benfeitores estrangeiros, especialmente
alemães. Os Irmãos da Delegação Geral Renana apoiam a Associação “Indienhilfe
des Hospitalordens vom Hl. Johannes von Gott, e.V.”, uma associação de
auxílio da Ordem Hospitaleira, juridicamente reconhecida, que colabora com as
obras da Ordem na Índia.
Em
Kattappana, primeira fundação, os Irmãos criaram um hospital geral, que inclui
também uma Escola para enfermeiros/as, reconhecida pela Universidade Mahatma
Gandhi. O hospital tem um programa de primeiros cuidados e um serviço
oftalmológico gratuito, desempenhado por pessoal voluntário que visita
regularmente as aldeias pobres.
A
obra “Pratheeksha Bhavan” (Casa da Esperança), perto do hospital, acolhe
pessoas com doenças crónicas que recebem conforto, amizade e assistência por
parte das Irmãs e dos Irmãos que ali trabalham. A “Casa da Esperança” acolhe
também crianças de famílias pobres da zona. Serve como centro de assistência
para as famílias que se encontram em circunstâncias difíceis.
Poonomalle
(Madras) é a sede da Delegação e do Noviciado. Nesta zona foi criado também um
Lar da Terceira Idade, com um pequeno dispensário para famílias pobres.
Deshgaon
(Índia do Norte) é a fundação mais recente da Delegação na Índia. Trata-se de
um serviço de assistência médica. Neste centro há um dispensário com algumas
camas para casos especiais e, a partir dele, são também prestados serviços às
aldeias vizinhas.
A
entrada de jovens para a Ordem é constante. Os Irmãos são formados para manter
vivo o espírito de San João de Deus e os princípios, os valores e a filosofia
da Ordem, e adquirem a preparação profissional de enfermeiros e noutros
sectores médicos e assistenciais.
Filipinas: durante muitos anos, a Ordem manteve
o desejo de voltar às Filipinas. Este sonho concretizou-se em 1987, quando a
Província Romana criou um centro de formação e um dispensário em Manila. A
Ordem pode dar muito a um país com grandes diversidades, onde existem tensões
sociais e que dispõe de recursos limitados.
Um
dispensário numa zona carenciada da cidade de Manila oferece um serviço
precioso à população local, com um programa para os doentes de tuberculose, que
a Ordem iniciou desde que chegou ao país, e contribui notavelmente para o
melhoramento da vida das pessoas que o acompanham. Além deste dispensário, os
Irmãos desempenham trabalho pastoral em várias partes da cidade junto de
doentes mentais, pessoas idosas e crianças com perturbações psíquicas e
dificuldades de aprendizagem.
O
Noviciado foi construído em Amedeo, fora de Manila. Recentemente, a Ordem
começou a implementar um programa para crianças com dificuldades na audição e
na aprendizagem.
As
fundações nas Filipinas são as mais recentes da Ordem na Ásia. Juntamente com a
Igreja local, a Ordem, neste País com a maior percentagem de população católica
da Ásia, tem muito a dar à evangelização deste grande continente, respondendo
assim ao desafio lançado pelo Papa à Igreja na Ásia, mas especialmente à Igreja
nas Filipinas.
5) Oceânia: novos horizontes da Hospitalidade
A Austrália e a Nova Zelândia, tal como a Europa e os
Estados Unidos, são actualmente sociedades pós-modernas, onde a religião se
tornou numa questão de ordem pessoal, separada da comunidade; a liberdade
individual, a justiça social, a ecologia e o feminismo, são considerados por
muitos como questões mais importantes do que frequentar a Igreja. Em termos de
apostolado, os religiosos vão abandonando as grandes instituições que, no
passado, constituíram as cidadelas do apostolado das ordens religiosas, e optam
por outras, mais pequenas, ou por formas de apostolado individual.
Austrália: quando os primeiros Irmãos de S.
João de Deus chegaram, em 1947, à arquidiocese de Sidney (Austrália),
integravam a última vaga de missionários irlandeses que chegavam ao continente
australiano. Este facto verificou-se numa altura em que era muito baixo o
índice de cuidados e a assistência prestados às crianças deficientes psíquicas.
Os Irmãos dedicaram-se a estas formas de assistência com abnegação e
competência. Abriram três escolas especiais e uma oficina protegida para
crianças e adolescentes deficientes. O seu trabalho neste campo promoveu muito
a evangelização da Igreja, devido ao seu testemunho de serviço e dedicação aos
necessitados, que constitui uma parte essencial da mensagem cristã.
Da
mesma forma, os Irmãos dedicaram-se à assistência psiquiátrica, numa época em
que o tratamento dos doentes mentais se
limitava à sua guarda. Nos hospitais psiquiátricos dos Irmãos adoptavam-se
novos métodos: terapias de grupo e tratamentos farmacêuticos, superiormente
controlados, a uma vasta gama de perturbações do foro psiquiátrico.
A
Ordem acaba de comemorar os primeiros 50 anos da sua presença na Austrália. Tem
centros e serviços nos estados orientais de New South Wales e Victoria.
Em
New South Wales, a Ordem dirige uma residência para crianças com perturbações
mentais, em Morisset, e dois hospitais psiquiátricos em Sidney. Em Melbourne,
possui uma rede de serviços sociais e terapêuticos para pessoas inábeis.
Nova Zelândia: já o primeiro Superior da Ordem na
Austrália, ao sair da Irlanda em 1947, recebera o mandato de difundir a Ordem
na vizinha nação independente da Nova Zelândia. Este mandato concretizou-se em
1955, quando quatro Irmãos partiram para Christchurch, principal cidade de
South Island, na Nova Zelândia, para abrir um internato especial para crianças
com dificuldades na aprendizagem.
A
escola, chamada “Marylands”, tornou-se famosa em toda a Nova Zelândia, graças
aos seus programas avançados de educação especial. Funcionou durante 28 anos,
antes de ser assumida pelo estado. Entretanto, a Ordem abriu uma residência
para deficientes psíquicos adultos na mesma cidade de Christchurch e uma
“casa-lar” para adolescentes delinquentes, muitos deles da etnia maori. Em
1995, a Ordem assumia a responsabilidade de uma residência de pessoas idosas,
dirigida antes pelas Irmãzinhas dos Pobres. Esta residência encontra-se em
Hastings, North Island.
Na
Nova Zelândia, a nossa Ordem ocupa-se actualmente de pessoas idosas e de
serviços de reabilitação para deficientes físicos. Presta também assistência a
viandantes, sobretudo jovens. As suas obras principais são o hospital de S.
João de Deus para pessoas idosas e o Albergue S. João de Deus-Sagrada Família,
em Hastings. Em Christchurch há também uma obra dedicada à assistência a
viandantes. Durante esse anos, alguns neozelandeses entraram para a Ordem e
prestaram o seu serviço na Austrália e na Pápua Nova-Guiné.
Pápua Nova-Guiné: a população da Pápua Nova-Guiné
ronda os três milhões de habitantes. Metade da população é cristã e metade dos
cristãos são católicos. O relevo montanhoso do território obrigou a um estilo
de evangelização por compartimentos, com diferentes denominações cristãs
centradas numa zona do país. A maioria das confissões aceitaram esta situação
durante o período colonial, mas recentemente as diferentes igrejas cristãs
difundiram-se para além dos confins políticos e naturais originários. A cultura
melanésia não tem história de qualquer espécie de vida religiosa ou sacerdotal.
Os
Irmãos de S. João de Deus chegaram à Pápua Nova-Guiné em 1971. Começaram a
trabalhar com crianças com perturbações físicas e socialmente carenciadas, numa
instituição da capital, Port Moresby. Em 1976 o trabalho da Ordem chegou à
aldeia montanhosa de Kamina, onde os Irmãos abriram um dispensário, promovendo
assim o desenvolvimento das pessoas através da educação, da agricultura e de
outras iniciativas. Os Irmãos retiraram-se de Kamina em 1994 e passaram para o
Noviciado de Port Moresby.
Na
Pápua Nova-Guiné a maioria dos Irmãos indígenas encontram-se em formação.
Contudo, a Ordem tem uma residência para jovens carenciados em Hohola (Port
Moresby) e um centro para alcoólicos e toxicodependentes em Goroka. Os membros
da Ordem conduzem a pastoral no centro médico de Raihu (Aitape). Em Port
Moresby os Irmãos dirigem e organizam um laboratório para pessoas afectadas
pela lepra.
Há
vários Irmãos professos da Nova-Guiné e o número de candidatos nas fases iniciais
de formação mantém-se constante. O Escolasticado fica em Aitape, onde os Irmãos
se formam para trabalhar nos dispensários. Além disso, a Ordem ocupa-se de um
centro para o tratamento de toxicodependentes e alcoólicos, centro que se
encontra em Goroka e pertence à Conferência Episcopal.
A
expressão de Hospitalidade da Ordem na Pápua Nova-Guiné tem consistido no
contributo original dado aos esforços de evangelização da Igreja, para
apresentar toda a vasta gama dos valores cristãos, especialmente a misericórdia
e o serviço aos doentes e a pessoas que manifestam dificuldades na aprendizagem
ou deficiências físicas.
Capítulo VIII
EXIGÊNCIAS
MISSIONÁRIAS ACTUAIS PARA A VIDA DA ORDEM
1. A vocação do Irmão de S. João de Deus vivida com
espírito missionário
Todos os baptizados são chamados a ser evangelizadores e
testemunhas do Reino de Deus. “Toda a Igreja é missionária, a obra de
evangelização é um dever fundamental de todo o Povo de Deus” (EN 59).
Todavia, existe diversidade de serviços na unidade da mesma missão (cf. EN 66).
João Paulo II, na Encíclica Redemptoris missio,
sublinha a fecundidade e riqueza dos Institutos de Vida Consagrada ao serviço
da evangelização. De maneira esplícita convida os Institutos de vida activa,
quer prossigam finalidades especificamente missionárias quer não, a trabalhar
para a expansão do Reino de Deus. “A Igreja deve dar a conhecer os grandes
valores evangélicos de que é portadora; ora ninguém os testemunha mais
eficazmente do que aquele que faz
profissão de vida consagrada” (RMi 69).
Para nós, Irmãos de S. João de Deus, “o sentido
autêntico da nossa vida é tornar presente Cristo no nosso apostolado de
caridade, que nos convida a dedicar toda a nossa existência à evangelização dos
pobres e dos doentes” (DCG 5.6; cf. Const. 1984, 2b, 5). Por isso, somos
chamados a manter sempre vivo o espírito missionário e a desenvolvê-lo também
no anúncio “ad gentes”, impulsionando constantemente a nossa presença em terras
de missão” (cf. Const. 1984, 48), para sermos testemunhas do amor
misericordioso do Pai para com os doentes e necessitados em qualquer parte do
mundo.
Manter vivo o espírito missionário seguindo a nosso
Fundador, significa e exige:
a) Viver e manifestar com alegria a nossa identidade
e a nossa consagração hospitaleira
A nossa missão manifesta-se, em primeiro lugar, através
do estilo de vida. Plenamente identificados com a nossa consagração
hospitaleira, manifestamos que Deus é o valor absoluto da nossa vida e, fazer a
sua vontade é o nosso critério último. No acolhimento, na escuta e na
assistência a toda a espécie de pessoas carenciadas, exprimimos a experiência
do amor misericordioso do Padre e a nossa capacidade de amar.
A nossa fé, alimentada todos os dias no encontro com
Deus (oração pessoal, Eucaristia, Liturgia das horas, etc.) deve-nos levar ao
compromisso na nossa missão hospitaleira (cf. DCG 5.4). “A vida consagrada
mostra eloquentemente que, quanto mais se vive de Cristo, tanto melhor se pode
servi-Lo nos outros, aventurando-se até aos postos de vanguarda da missão e
abraçando os maiores riscos” (VC 76; cf. EN 69).
“A hospitalidade que recebemos como dom empenha-nos a
viver a fraternidade com simplicidade” (Const. 1984, 36b). Somos chamados a
ser:
· comunidades de vida,
· testemunho de comunhão num mundo dividido,
· comunidades que vivem a fraternidade e
irmanam os ambientes em que se encontram (cf. DCG 5.5.1).
Construir a fraternidade nas nossas comunidades é um
compromisso prioritário da nossa missão hospitaleira.
b) Ser testemunhas de Cristo
“A contribuição específica dos consagrados e consagradas
para a evangelização consiste, primariamente, no testemunho de uma vida
totalmente entregue a Deus e aos irmãos” (VC 76). Os Irmãos de S. João de
Deus, seguindo as pegadas de Jesus de Nazaré que passou pelo mundo fazendo o
bem a todos (cf. Act 10,38) “e curando entre o povo todas as doenças e
enfermidades” (Mt 4,23), e de S. João de Deus, “que se entregou
inteiramente ao serviço dos pobres e dos doentes” (Const. 1984, 1),
cooperamos para a salvação do homem e do mundo: com a nossa presença e
proximidade, respeitando e velando para que se respeitem sempre os direitos da
pessoa, proporcionando os meios necessários para uma assistência integral,
fazendo da pessoa doente ou necessitada o centro de interesse do nosso
apostolado hospitaleiro, anunciando o Evangelho explicitamente, e deixando-nos
evangelizar pelos mais radicalmente pobres (cf. POE 37).
c) Doação total a Deus e plena disponibilidade para
servir o homem e a sociedade
“Graças à sua consagração religiosa, eles são por
excelência voluntários e livres para deixar tudo e ir anunciar o Evangelho até
às extremidades da terra” (EN 69; cf. RMi 69). Efectivamente, a nossa vocação
hospitaleira exige de nós plena disponibilidade para estarmos em todas as
realidades onde alguma pessoa doente ou necessitada requer a nossa presença.
Esta é uma exigência válida não só para trabalharmos nas chamadas terras de
missão, mas em qualquer realidade em que a Ordem esteja presente.
d) Inculturação, ecumenismo e universalidade
São três elementos essenciais para mantermos vivo o
nosso espírito missionário. Temos de nos aproximar das diferentes culturas com
uma atitude de respeito, valorização e acolhimento, procurando assumi-las,
superando posições de defesa e de imposição que são pouco evangélicas (cf. VC
79, 80). A universalidade deverá manter-nos sempre dispostos a promover a
cultura do diálogo e da solidariedade entre os povos, as instituições e as
pessoas, partindo do pluralismo e do respeito por todos. O ecumenismo, segundo
o convite do Concílio Vaticano II, representa um apelo cada vez mais forte ao
diálogo e à colaboração entre as diversas religiões. “O diálogo
(inter-religioso) é um caminho que conduz ao Reino e seguramente dará frutos,
mesmo se os tempos e os momentos estão reservados ao Pai” (RMi 57; cf. VC
101).
e) Preparação e formação adequadas
A nossa missão hospitaleira exige “a preparação
humana, teológica e profissional, como requisitos indispensáveis para
proporcionar aos doentes e a qualquer pessoa necessitada o serviço eficiente
que merecem e que, com razão, esperam de nós” (Const. 1984, 43d).
Evidentemente, esta exigência tem as suas características peculiares em função
dos lugares onde se desenvolve a nossa missão e das pessoas concretas
assistidas. Contudo, é desejável e necessário um nível apropriado de maturidade
pessoal e uma sólida base espiritual, em sentido amplo, para se poder viver a
consagração hospitaleira com entrega e espírito missionário.
f) Viver em comunhão com a Ordem e com a Igreja missionária
A sensibilidade, preocupação e comunhão com as obras
missionárias da Ordem e da Igreja são uma expressão inequívoca e necessária do
nosso compromisso missionário. A oração pessoal e comunitária, a solidariedade
e colaboração com as obras missionárias e a promoção das mesmas, segundo as
nossas possibilidades, são exigências que todos temos de assumir. Inseridos na
nossa própria realidade e deixando-nos interpelar por ela, temos de encarnar o
Evangelho, sentindo-nos unidos à Ordem inteira e em comunhão com a Igreja
universal. “Só um amor profundo pela Igreja poderá sustentar o zelo do
missionário. (...) Para qualquer missionário, “a fidelidade a Cristo não pode
ser separada da fidelidade à Sua Igreja”” (RMi 89).
2. A animação missionária, um desafio para as nossas
comunidades
As nossas comunidades, como sinal da presença do Reino
de Deus no mundo, devem assumir a animação missionária e a sua projecção “ad
gentes”, com a mesma solicitude requerida por toda a actividade primordial e
imediata, desde a vivência profunda do mistério da encarnação e da redenção,
como sinal e testemunho de serem enviadas a instaurar o Reino de Deus,
fim último da sua acção evangelizadora.
·
Deus Pai envia
o seu Filho unigénito para restabelecer as relações harmoniosas entre o homem e
o seu Criador, e assim elevar os homens a participar da vida divina, segundo os
desígnios do mesmo Deus (cf. Jo 12,49; 6-9; 1 Jo 4, 9-10). “Cristo, a fim de cumprir a vontade do Pai,
deu começo na terra ao Reino dos Céus, e revelou-nos o seu mistério,
realizando, com a própria obediência, a redenção” (LG 3).
·
Cristo, por sua
vez, envia o grupo que constitui em Igreja com a missão específica de
transmitir a todos os homens a Boa Nova da salvação em todo o tempo e lugar
(cf. Mc 16,15; Jo 20, 21; Lc 24,46; Hb 1,8). “Assim como o Filho foi enviado
pelo Pai, assim também Ele enviou os Apóstolos... A Igreja recebeu dos
Apóstolos este mandato solene de Cristo, de anunciar a verdade da salvação e de
a levar até aos confins da terra” (LG 17).
·
A comunidade envia
os seus membros em razão da sua pertença à Igreja, de que faz parte, a anunciar
e tornar presente a Boa Nova de Cristo, segundo o carisma próprio, partilhando
assim a sua missão. Desta forma, em fidelidade ao mandato que a Igreja recebeu
do Senhor, mantemos o espírito e a animação como responsabilidade pessoal e
comunitária (cf. Const. 1984, 48 e EE.GG. 58).
A animação
missionária das nossas comunidades realiza-se na mesma atitude contínua de
promover e fazer viver o espírito missionário da nossa Ordem mediante as
chamadas “formas de cooperação missionária” (cf. RMi 77 e seg.; EE.GG. 59), que
seguidamente passamos a sintetizar:
· Testemunho de vida, mediante o
radicalismo evangélico, em todas as expressões que configuram a vida
comunitária (vida de fé e oração; vida de fraternidade e serviço apostólico);
· Participação na missão mediante a
oração, o sacrifício e a prática pastoral junto dos doentes e dos necessitados
dos nossos centros, para os instruir no valor pascal do sofrimento unido ao de
Cristo;
· Informação, para conhecermos a
realidade missionária da Igreja em geral e das missões próprias da Ordem;
· Solicitude, promoção e ajuda na
formação das vocações missionárias;
· Colaboração na ajuda material e
económica aos centros e comunidades de missão;
· Convite aos nossos Colaboradores a
participarem, com as suas competências no campo profissional e a sua vivência
da fé, nas tarefas missionárias, de forma pontual ou permanente;
· Cultivar a formação permanente,
pessoal e comunitária, para tomarmos consciência das implicações e do
desenvolvimento do compromisso missionário;
· Coordenação das iniciativas, através
dos meios previstos pela Ordem, para a animação e promoção missionárias.
A vivência da animação missionária nas nossas
comunidades será um sinal de maturidade na fé, da nossa Vida Consagrada
centrada em Cristo e comprometida na promoção e na salvação de todos os homens,
construindo assim o Reino de Deus no mundo (cf. RMi 77).
3. A Carta da Animação Missionária
Este documento teve a sua origem na reunião do Secretariado
das Missões, realizada em Roma no mês de Maio de 1984.
Na sua introdução, faz-se uma análise da história da
Ordem em terras de missão e da necessidade de criar o Secretariado Geral das
Missões. Refere depois quais devem ser as atitudes para a missão, nomeadamente:
espírito de serviço, capacidade de adaptação e disponibilidade para a escuta.
Recorda que todos estamos implicados nesta missão, de forma directa o
indirecta, o que nos deve levar a rever as motivações vocacionais e,
simultaneamente, a olhar para a realidade missionária como um espaço de
evangelização e compromisso na promoção da pessoa humana.
Acompanhando os documentos da Igreja sobre a acção
missionária, as Constituições e os Estatutos, a Carta assume os conteúdos e as
linhas de acção para o desenvolvimento e a animação missionária dentro da
Ordem. Recorda que o âmbito da animação missionária do Irmão de S. João de Deus
se manifesta em duas actividades complementares, a saber: a missão "ad
gentes" e a animação missionária dentro da Ordem. Isto será mais eficaz se
os Irmãos que estão nas missões estimularem as comunidades e outras instâncias
da Ordem através de visitas. Ao mesmo tempo, embora em virtude da consagração
religiosa todos sejamos responsáveis por esta animação, convém que haja alguns
Irmãos especialmente dedicados a promover a animação missionária e que as
comunidades colaborem com eles de forma estreita.
Entre outras acções, assinala:
· a realização de encontros anuais,
provinciais e interprovinciais, a fim de manter vivo o interesse pelas missões;
· a incluisão nos programas de formação
inicial e permanente de temas de carácter missionário;
· a sensibilização dos Colaboradores, da
Igreja local e de outros organismos.
A Carta de Animação Missionária pressupôs para a Ordem:
· O esclarecimento desta dimensão da
vocação hospitaleira, dando pistas de reflexão para o futuro. Fruto da mesma,
foi a Semana Missionária, que se começou a celebrar nalgunas Províncias e que,
pouco a pouco, se estendeu a quase toda a Ordem;
· Um crescimento na sensibilidade da
Ordem em relação às realidades missionárias, que se traduz numa maior
solidariedade, na comunicação de bens e no fornecimento de recursos;
· O preenchimento de uma lacuna
existente, pondo-se em evidência a necessidade de elaborar uma política
missionária mais rigorosa para toda a Ordem.
4. Princípios basilares do nosso trabalho
No limiar do Terceiro Milénio, a Ordem, fundamentada nas
suas raízes essenciais e tornando-se eco do chamamento da Igreja para a nova
evangelização, olha com esperança para o futuro, procurando responder
generosamente às necessidades do homem que sofre: “O seu campo de acção
consiste em: ser testemunhas da atenção cristã prestada à pessoa na sua
globalidade, que nós denominamos humanização; ser testemunhas da solidariedade
para com os pobres, os doentes e os marginalizados; sermos irmãos daqueles que
sofrem” (DCG 4.1).
Dado que toda a realidade em que estamos presentes tem
as suas peculiaridades, na hora de concretizar a tarefa evangelizadora será
necessário discernir a maneira de a desempenhar de forma inovadora, sempre na
fidelidade ao nosso carisma (cf. Const. 1984, 6). Existem contudo alguns
critérios fundamentais que passamos a indicar:
a) A hospitalidade: eixo central da nossa vida
“O
motivo da nossa existência na Igreja é viver e manifestar o carisma da
hospitalidade, segundo o estilo de S. João de Deus” (Const. 1984, 1).
A Hospitalidade é o elemento essencial da nossa vida.
Através dela, “o Espírito Santo torna-nos capazes de cumprirmos a missão de
anunciar e realizar o Reino entre os pobres e os doentes” (Const. 1984, 2)
e participamos da experiência fundante que o nosso Fundador viveu. É um dom de Deus que devemos renovar todos os
dias no encontro com Ele e na entrega aos irmãos. A hospitalidade mantém-nos
alerta e encoraja-nos a viver constantemente em processo de conversão, para
assumirmos e vivermos as atitudes e os gestos de Jesus e de S. João de Deus,
que se encarnam no mundo dos doentes e dos marginalizados e lhes oferecem
remédios eficazes para a sua libertação integral (cf. POE 63).
A experiência da misericórdia de Deus leva-nos à doação
total a Deus e à disponibilidade plena no serviço a todas as pessoas
necessitadas, em qualquer lugar, para lhe anunciar a Boa Nova do Reino de Deus.
b) Missão de curar que a Igreja exerce através da
Ordem
Como seguidores de Jesus, comprometemo-nos a evangelizar
e a sermos testemunhas da sua missão de curar e libertar o mundo do sofrimento,
vivendo e praticando o evangelho da misericórdia. “A Igreja olha com admiração
e reconhecimento para tantas pessoas consagradas que, assistindo os doentes e
atribulados, contribuem de modo significativo para a sua missão” (VC 83).
Fiéis à tradição mais original da Ordem, temos de
colocar o homem que sofre no centro dos nossos cuidados, assistindo-o
integralmente, prolongando desta forma
no tempo a acção sanadora de Cristo. Juntamente com os cuidados físicos,
psíquicos e sociais, devemos reservar uma interesse especial à assistência espiritual
(cf. VC 83).
c) Evangelização, humanização e promoção humana
A verdadeira evangelização deve estar sempre acompanhada
pelo compromisso concreto a favor do homem. Para nós, o desafio consiste em
transformar os gestos de curar em autênticos gestos de evangelização.
Humanização e evangelização devem constituir um todo indivisível, porque “onde
não há caridade não há Deus, embora ele esteja em todo o lugar” (LB 15).
O nosso compromisso exige que prestemos uma assistência
da máxima qualidade, utilizando as melhores e mais modernas técnicas, com um
estilo cheio de caridade e carinho. É o binómio que, desde o tempo S. João de Deus, a Ordem procurou conservar para
realizar a missão de caridade e curar os doentes.
A promoção do homem representa sempre um desafio para a
nossa missão. Em todos os lugares haverá peculiaridades concretas que será
necessário ter em consideração. Nos sítios onde a pobreza é maior e os recursos
são escassos, a nossa acção deverá ser solidária de acordo com essa realidade,
servindo-nos dos recursos disponíveis e aplicando programas simples, mas
eficazes.
No empenhamento a favor da promoção do homem, corremos o
perigo de nos preocupar apenas, ou preferencialmente, com os problemas sociais,
com a eficácia, descuidando a dimensão do testemunho do amor de Cristo, que é a
razão fundamental da nossa vocação. Outro perigo consiste em não prestarmos a
devida atenção à ciência e à técnica, quando, pelo contrário, devemos promover
o diálogo entre ambas, para mostrar que a ciência e a técnica contribuem para a
humanização do mundo, na medida em que estiverem impregnadas pelo saber e pela
caridade de Deus (cf. DCG 4.3).
d) Acolhimento universal e inculturação
São dois princípios essenciais no exercício da nossa
missão, que devemos cuidar e cultivar. A Ordem nunca fez discriminações de
qualquer espécie no desempenho da sua missão apostólica: toda a pessoa doente
ou necessitada é destinatária das nossas atenções. Não obstante isso, e
conhecendo as nossas limitações, com S. João de Deus, dizemos: “ao ver
padecer tantos pobres, meus irmãos e próximos, com tantas necessidades, tanto
no corpo como na alma, fico muito triste, por os não poder socorrer” (2 GL
8).
Em qualquer lugar e em relação a todas as pessoas
necessitadas, devemos procurar sempre aproximar-nos, tornando-nos solidários
com as diferentes situações, imitando Jesus que, sendo Deus, se fez homem para
partilhar a nossa própria realidade (cf. Fil 2,6). Devemos aproximar-nos com
grande respeito das culturas, preparando-nos e formando-nos adequadamente,
respeitando as ideias, os estilos e as crenças dos outros. Só assim poderemos
manifestar a misericórdia e o amor que Deus tem para com todos os homens. “O
Sínodo considera a inculturação uma prioridade e uma urgência na vida das
Igrejas particulares, para que o Evangelho se radique realmente em África, uma
exigência da evangelização, uma caminhada rumo a uma plena evangelização, um
dos maiores desafios para a Igreja no continente no limiar do terceiro milénio”
(EA 59).
e) Em
colaboração com a Igreja, com outras instituições e abertos ao diálogo
inter-religioso
No mundo, e concretamente no âmbito da nossa missão, não
estamos sós. Por isso, estamos abertos à colaboração com outras instituições,
quer eclesiais quer não, que trabalhem a favor dos doentes e dos pobres, sempre
que pudermos realizar a nossa missão em toda a sua plenitude. Grupos e
entidades com as quais a colaboração é possível são as Congregações religiosas,
as associações eclesiais ou de outras crenças, organizações sociais e as
administrações públicas.
Devemos reforçar este espírito aberto e de colaboração,
na medida do possível, com instituições de carácter eclesial. Da mesma forma,
devemos favorecer o diálogo inter-religioso, pois ele “faz parte da missão
evangelizadora da Igreja. Os Institutos de vida consagrada não podem eximir-se
de se empenharem também neste campo, cada qual segundo o próprio carisma e
seguindo as indicações da autoridade eclesiástica” (VC 102; cf. RMi 55).
Sob este ponto de vista, os Irmãos que trabalham em terras de missão deverão
preparar-se e formar-se de modo especial para desempenharem esta missão
ecuménica.
f) Dimensão
profética da nossa missão hospitaleira
“No nosso mundo, onde frequentemente parece terem-se
perdido os vestígios de Deus, torna-se urgente um vigoroso testemunho profético
por parte das pessoas consagradas” (VC 85). Os religiosos e as religiosas ocuparam sempre
um lugar de vanguarda na missão da Igreja (cf. EN 69).
A nossa Ordem deu sempre sinais claros do testemunho
profético, muitas vezes mediante a entrega humilde e generosa no serviço
quotidiano aos doentes, e outras, através de gestos de denúncia e de
reivindicação dos direitos dos pobres e dos doentes, perante situações de
injustiça. A presença de tantos Irmãos em lugares de fronteira, ao lado dos
doentes e dos marginalizados, e o testemunho do martírio de muitos deles, é a
melhor expressão da realidade profética da Ordem.
No mundo actual, é necessário recolher essa herança e
fazê-la frutificar, mediante o testemunho pessoal e comunitário de todos
quantos formamos a Ordem. Assinalamos alguns pontos a ter em conta:
·
O nosso
testemunho profético baseia-se no nosso estilo de vida, no modo de nos
relacionarmos, nos valores que dão sentido à nossa existência e, em definitivo,
na maneira de ser, para mostrar o valor central e absoluto de Deus como
alternativa a uma sociedade que afasta Deus e o homem do centro da vida. Isto
exige que se viva um estilo pessoal e comunitário simples e austero; que não se
sucumba à tentação do que é fácil e ao hedonismo; que exercitemos a solidariedade
e o compromisso com os mais fracos; que sejamos uma instância crítica perante
os comportamentos, as estruturas e as instituições injustas. Trata-se de
atitudes que devemos assumir e cultivar, tanto ao nível pessoal como
comunitário, para sermos fiéis à nossa herança profética.
·
Sentimo-nos
empenhados para que se respeitem sempre o direito da pessoa a nascer, viver
decorosamente, ser curada na doença e a morrer com dignidade (cf. Const. 1984,
23), tornando-nos voz dos que não têm voz, para que em todo o lado a dignidade
humana seja reconhecida e o homem se torne no centro de toda a actividade (cf.
EA 70).
“A Igreja lembra aos consagrados e
consagradas que faz parte da sua missão evangelizar os meios hospitalares onde
trabalham, procurando iluminar através da comunicação dos valores evangélicos,
o modo de viver, sofrer e morrer dos homens do nosso tempo. É compromisso seu
dedicarem-se à humanização da medicina e ao aprofundamento da bioética ao
serviço do Evangelho da vida” (VC 83).
·
Somos chamados a
identificarmo-nos com os que sofrem, com os marginalizados, tal como fez Jesus
com os mais fracos. Nas circunstâncias actuais, embora por tradição quase
sempre os Irmãos tenham exercido a sua missão em centros próprios, temos de
estar dispostos a realizar a missão fora das nossas obras, sobretudo em lugares
onde a presença dos Colaboradores garanta a fidelidade aos valores essenciais
da Ordem, e a estabilidade do centro não apresente dificuldades especiais.
·
Embora todos os
lugares onde existe pobreza, doenças ou sofrimento sejam apropriados para
vivermos e praticarmos o Evangelho da misericórdia, é necessário garantir um
lugar privilegiado aos doentes mais pobres e abandonados (cf. VC 83), aos quais
somos chamados a servir com mais urgência: pessoas “sem abrigo”, doentes na
fase terminal da vida, doentes de SIDA, toxicodependentes, emigrantes, pessoas
idosas, doentes crónicos. Se olharmos para as chamadas terras de missão,
descobriremos novas situações de urgência, tais como: pobreza endémica, doenças
ainda não erradicadas (paludismo, lepra, poliomielite, doenças parasitárias,
etc.), doentes mentais abandonados, sequelas das guerras, refugiados e pessoas
deslocadas.
g) Em comunhão
com os Colaboradores
Seguindo as directrizes da Igreja, a nossa Ordem envida
grandes esforços no sentido de conseguir uma boa relação com os nossos
Colaboradores. O Documento “Irmãos e Colaboradores unidos para servir e
promover a vida” (1992) contém as linhas doutrinais e pastorais para
trabalhar neste projecto.
É uma dádiva para a Igreja e para a Ordem o facto de
muitos dos nossos Colaboradores (funcionários, voluntários, benfeitores)
participarem do nosso carisma e da nossa missão, formando a Família
Hospitaleira. Em comunhão com eles, levamos por diante a nossa missão apostólica
(cf. VC 54).
Trata-se de uma realidade destinada a desenvolver-se. As
possibilidades são muitas, partindo do respeito pela identidade de cada um. No
último Capítulo Geral, os Colaboradores consideraram a possibilidade da sua
integração na missão da Ordem:
“Os
representantes dos Colaboradores, ao mesmo tempo que exprimem o seu apreço pelo
compromisso da Ordem de reexaminar e renovar a sua própria forma de ser e de
operar, para responder às exigências dos tempos, consideram que a integração
dos Colaboradores na missão da Ordem é hoje em dia importante, necessária e
imprescindível...” (Declarações
do LXIII Capítulo Geral).
É necessário impulsionar com coragem os novos projectos
e reforçar os existentes, em que os Irmãos sejam pioneiros e animadores dos
mesmos, e os Colaboradores aceitem e promovam compromissos a favor dos mais
necessitados. Existem experiências nesta linha que nos servirão de exemplo para
outras.
h) Missão “Ad
gentes”
Na realidade, tudo quanto acima se afirma tem validade
também para a presença da Ordem em terras de missão, com as apropriadas
adaptações. Contudo, queremos frisar aqui o chamamento que a Igreja faz à Vida
Consagrada para a missão “ad gentes”.
“É tarefa da vida consagrada trabalhar em todos os
cantos da terra para consolidar e dilatar o Reino de Cristo, levando o anúncio
do Evangelho a todo lado, mesmo às regiões mais longínquas” (VC 78; cf. LG 44). Respondendo a este
chamamento, a Ordem está presente nos cinco continentes, e fez um grande
esforço na segunda metade deste século para se implantar na África, na Ásia e
na Oceânia.
A acção desempenhada é importante, e os Irmãos
missionários são verdadeiras testemunhas para toda a Ordem. É necessário
fomentar melhores relações no sentido da partilha, do intercâmbio e, em
definitivo, do enriquecimento recíproco. São muitas as coisas que podemos fazer
pelos nossos Irmãos missionários, e muito o que podemos receber deles e das
pessoas com quem eles trabalham.
Todos os Irmãos devem sentir-se comprometidos na missão
evangelizadora da Ordem, mediante a oração, a proximidade, e também com a
disponibilidade a desenvolver o compromisso hospitaleiro em terras de missão.
5. Nova
hospitalidade: nova evangelização em chave joandeína
Podemos começar por recordar aquilo que o LXIII Capítulo
Geral da Ordem nos disse acerca do que entendemos por Nova Hospitalidade:
“A
Nova Hospitalidade é, antes de mais, um movimento que tem em vista a própria
Ordem, a sua mais íntima identidade. Em primeiro lugar, é a afirmação da
primazia da evangelização sobre as outras tarefas da Ordem. Não é um “novo
carisma”, nem a sua adaptação aos valores da nossa sociedade; a novidade não
reside no conteúdo do carisma, que permanece invariável.
Consiste
em viver e manifestar nos dias de hoje o dom que herdámos de João de Deus com
uma linguagem nova, através de gestos e métodos de apostolado que respondam às
necessidades e expectativas do homem e da mulher que sofrem por causa da
doença, da idade, da marginalização social, de deficiências, da pobreza e da solidão”
(Declarações do
LXIII Capítulo Geral).
Falar de nova hospitalidade leva-nos directamente a
fazer a pergunta: como estamos hoje a responder, como Ordem, à nossa missão?
A nossa missão apostólica leva-nos a definir e aplicar
um projecto de Hospitalidade segundo o espírito de João de Deus: pensado
para os doentes e necessitados, vivido com os Colaboradores, em atitude de
serviço à sociedade de hoje.
Historicamente e na actualidade, a nossa missão
evangelizadora orientou-nos, e continua a guiar- -nos, para uma infinidade de
pessoas doentes e marginalizadas, de quem procuramos cuidar: doentes de sempre
e novos doentes, marginalizados sociais que não acompanham o ritmo da sociedade
a que pertencem; países desenvolvidos e outros em vias de desenvolvimento, com
muitos recursos ou com sistemas de saúde e assistência elementares.
A contribuição que a Ordem pode dar é plenamente actual
em todos os lugares onde nos encontramos, seja como complementaridade e
participação nos serviços que a sociedade tem organizados, seja como acção de
suplência.
Nos últimos anos, temo-nos frequentemente interrogado
sobre onde deveríamos estar presentes e, como resposta, a Ordem fez opções
preferenciais.
No documento do nosso último Capítulo Geral, “A nova
evangelização e a hospitalidade no limiar do terceiro Milénio”, no capítulo
5.6.1, são referidas as opções preferenciais: pessoas sem abrigo, doentes em
fase terminal, doentes de SIDA, toxicodependentes, emigrantes, pessoas idosas e
em condições de doença ou com limitações crónicas.
Pelo serviço em si e pela forma de o realizar, as nossas
obras são espaços onde se vive e pratica a misericórdia de Jesus Cristo para
com o doente e o necessitado, com um projecto assistencial baseado no
Evangelho, no seguimento de S. João de Deus e na tradição da Ordem. Nele
participam os Irmãos e outras pessoas crentes, leigos, religiosos e sacerdotes,
e os Colaboradores que, como recorda o Concílio, têm em si as sementes do
Reino, fazem-nas germinar, mesmo sem terem consciência disso: com eles, somos
chamados a partilhar com alegria a nossa missão.
Daqui deriva uma série de conclusões
que devemos ter presentes no exercício da nossa missão pastoral, nomeadamente:
1.
Aqueles que
trabalham nos centros de S. João de Deus devem sentir-nos unidos no serviço e
na promoção da vida, contribuindo cada um com os valores humanos, profissionais
e espirituais que possui para o projecto comum.
2.
Os cristãos que
trabalham e formam os nossos centros são chamados a enriquecer este projecto
com a experiência espiritual do Deus que salva, que é amigo, que deseja o bem
de todos, e que temos de transmitir como experiência aos nossos companheiros de
trabalho e aos doentes e necessitados.
3.
Longe de
constituirmos um grupo de pressão, nós os cristãos somos chamados a formar Igreja-Comunhão
nos centros de S. João de Deus, nos nossos postos de trabalho, mediante a
palavra e o testemunho de vida, mesmo tendo critérios diversos e pertencendo a
sectores diferentes da Igreja. Não será fácil alcançar este sentido de
Comunhão, mas temos de nos esforçar para constituir e viver a nossa realidade
como Igreja doméstica.
4.
Uma grande tarefa
da nossa missão pastoral será manifestar com simplicidade a nossa fé nos nossos
companheiros, com a boa disposição que a experiência da fé confere à nossa vida,
coerente com o Evangelho, abertos à amizade e à compreensão de quantos não
pensam, ou não acreditam, como nós.
5.
Outra grande
tarefa da nossa missão pastoral é procurar aproximar-nos de Cristo bom,
misericordioso, Boa Nova, aproximar-nos do doente e do necessitado, que talvez
esteja de costas viradas para Deus, e vive porventura uma situação que o leva a
revoltar-se contra o rumo que a sua vida tomou.
Somos chamados a ser Boa Notícia. Devemos sê-lo ser numa
atitude de respeito pela maneira de ser de cada um, em comunhão com a Igreja
local e ecumenicamente abertos às diferentes confissões religiosas, a partir do
nosso carisma.
Temos consciência de pertencer a um mundo no qual as
pessoas se interrogam sobre o sentido da vida, as razões do seu destino e sobre
a bondade de Deus.
A Ordem está presente em lugares onde nunca se ouviu
falar de Jesus Cristo, partilhando a nossa vida com culturas muçulmanas,
hinduístas, confucionistas e animistas. Pelo facto de a nossa missão não
consistir no anúncio directo da Palavra, temos consciência do contributo que
damos para a causa do Reino, realizando sinais da Igreja mediante o nosso
serviço, embora por vezes esses sinais não sejam entendidos bem ou sejam mesmo
mal interpretados.
O serviço aos doentes e necessitados e
a acção pastoral que realizamos nos centros, em colaboração com religiosas,
sacerdotes e crentes, é o nosso modo de colaborar com a Igreja local,
completando com a acção caritativa aquilo que sacerdotes, religiosos,
religiosas e catequistas fazem com a palavra, apoiando com os gestos da nossa
vida a presença salvífica de Jesus Cristo:
“A
nossa vida hospitaleira na Igreja tem o seu fundamento na pessoa e nos gestos
de Jesus que, durante a sua vida terrena, teve uma predilecção especial pelos
doentes, pelos pobres e pelos humildes” (Const. 1984, 41b).
DOCUMENTAÇÃO E
BIBLIOGRAFIA
1. DOCUMENTAÇÃO
Concílio Vaticano II
– Ad Gentes. Decreto
sobre a actividade missionária da Igreja.
– Dei Verbum. Constituição Dogmática sobre a Revelação
Divina.
– Gaudium et Spes. Constituição
Pastoral sobre a Igreja no mundo actual.
– Lumen Gentium. Constituição
Dogmática sobre a Igreja.
– Nostra Aetate. Decreto sobre as relações da
Igreja com as religiões não-cristãs.
– Perfectae Caritatis. Decreto sobre a renovação e adaptação
da vida religiosa.
– Sacrosanctum Concilium. Constituição sobre a Sagrada Liturgia.
Paulo VI
– Evangelii Nuntiandi. Exortação
apostólica sobre a evangelização no mundo actual.
João Paulo II
– Salvifici Doloris. Carta
apostólica sobre o sofrimento humano.
– Redemptoris Missio. Carta
encíclica sobre a validade permanente do mandato missionário.
– Ecclesia in Africa. Exortação
apostólica sobre a Igreja em África.
– Vita Consecrata. Exortação apostólica sobre a vida
consagrada.
IV Conferência Geral do Episcopado
Latino-americano
Santo Domingo, (12-28 de Outubro de
1992) – (Celam IV).
Ordem Hospitaleira de S. João de Deus
– Constituições da Ordem Hospitaleira
de S. João de Deus. Telhal, 1985
– Declarações do LXIII Capítulo Geral.
Santafé de Bogotá, 1994
– Dimensão Apostólica da Ordem
Hospitaleira de S. João de Deus. Barcelona, 1982
– Irmãos e Colaboradores, unidos para
servir e promover a vida. Telhal, 1992
– João de Deus continua vivo. Roma,
1991 (Telhal, s.d.).
– A nova Evangelização e a
Hospitalidade no limiar do Terceiro Milénio. Roma, 1994.
– Presença da Ordem em Espanha.
Madrid, 1986.
– Que é a Pastoral no campo da Saúde?
Roma, 1980.
– Regra de Santo Agostinho. Cartas de
San João de Deus. Telhal, 1985.
2. BIBLIOGRAFIA
SOBRE A OBRA MISSIONÁRIA DA ORDEM HOSPITALEIRA
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de carácter geral
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GAMEIRO, João, Os Irmãos Hospitaleiros de S. João de Deus em Portugal.
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S. Juan de Dios.
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Suyas. Organizadas e comentadas por Manuel Gómez-Moreno. Madrid, 1950.
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STROHMEYER, H., Der Hospitalorder des Hl. Johannes von
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–
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ORTEGA LÁZARO, Luis, Para la Historia de la Orden Hospitalaria de San Juan de Dios
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2.3 – Escritos
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– Cartas circulares dos
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– Carta circular e normas para
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LIZASO Berruete, Félix, Perfil Juandediano del Beato Benito Menni (463 Cartas). Granada, 1985.
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MEYER, Rafael, Cenni biografici dei Superiori Generali dell’Ordine Ospedaliero
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RUSSOTTO, Gabriele, Un grande animatore. Padre Giovanni Maria Alfieri, 1807-1888. Roma, 1968.
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–
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COUSSON, J. Corestin, Paul de Magallón d´Argens. Lyon, 1958.
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VV.AA., – El Beato Ricardo Pampuri. Madrid, 1981.
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Especialmente: – Mártires de Colombia (pp. 65-86).
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2.5 – Outros
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Barcelona, 1984. 2ª ed. corrigida e aumentada em Madrid, 1995.
GONZÁLEZ Pinto, Rodrigo, La obra hospitalaria en la asistencia
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RUSSOTTO, Gabriele, Riflessi di un’anima. Roma, 1955.
VALENCIA, Justiniano, Instrucciones sobre asistencia a los enfermos mentales. Madrid, 1931.
VENTOSA Esquinaldo, Francisco, Historia de la Enfermería Española. Madrid 1984.
[1] CASTRO, Francisco de, História da Vida e Obras de S. João de Deus, Tradução e notas de Fr. João Gameiro, O. H., co-edição de Editorial Franciscana (Braga) e Hospital Infantil de S. João de Deus, Montemor-o-Novo, 1980, Cap. VIII, pág. 60.
[2] CASTRO, Francisco de, op. cit., Cap. IX, pág. 64.
[3] CASTRO, Francisco de, op. cit., Cap. III, pág. 40.
[4] CASTRO, Francisco de, op. cit., Cap. VI, pág. 47.
[5] CASTRO, Francisco de, op. cit., Cap. XIV, pág. 87.
[6] CASTRO, Francisco de, op. cit., Cap. XI, pág. 73.
[7] CASTRO, Francisco de, op. cit., Cap. XXI, pág. 125.
[8] CASTRO, Francisco de, op. cit., Cap. XX, pág. 119.
[9] CASTRO, Francisco de, op. cit., Cap. XVII, pág. 103.
[10] CASTRO, Francisco de, op. cit., Cap. XX, pág. 117.
[11] CASTRO, Francisco de, op. cit., Cap. XVI, pág. 97.
[12] CASTRO, Francisco de, op. cit., Cap. XII, pág. 78.
[13] CASTRO, Francisco de, op. cit., Cap. XIV, pág. 90.
[14] (N.do T.) Região de vales alcantilados a Sul da serra Nevada, em Espanha, onde se revoltaram (1568-1571) os mouros ali refugiados após a conquista de Granada (1492). (Mini-enciclopédia, Círculo de Leitores, 1993)
15 Pio XI, Mensagem durante a
audiência extraordinária concedida aos Irmãos Capitulares, na qual se falou,
entre outras coisas, da transformação do Hospital S. João Calibita. Roma, 24 de
Maio de 1930.
[16] Padre João Maria Alfieri, Carta a toda a Ordem, 20.VIII.1865. Nesse momento grassava uma epidemia de cólera na Europa e o Padre Alfieri encoraja os religiosos a prodigalizar-se generosamente na assistência a estes doentes.
[17] Idem, 15.I.1867.
[18] CRUSET, J., Crónica Hospitalaria, Ed. Hospitalaria, Barcelona 1971, pág. 87-88.
[19] LIZASO, F., Perfil joandeíno do Beato Bento Menni. Granada 1985, Carta 33 (25.XI.1900).
[20] Idem, op. cit., Carta 79 (1.II.1888).
[21] Idem, op. cit., Carta 76 (24.X.1887).
[22] Idem, op. cit., Carta 83 (15.X.1885).
[23] Idem, op. cit., Carta 42 (8.III.1911).
[24] RUSSOTTO, G., Riflessi di un’anima, Roma 1955, Carta 28 (14.VIII.1923).
[25] Idem, op. cit., Carta 80 (8.VI.1927).
[26] Idem, op. cit., Carta 21, (5.IX.1923).
[27] Idem, op. cit., Carta 88, (23.VIII.1927).
[28] BLANDEAU, E., Carta Circular (29.I.1941).
[29] BONARDI M., Carta Circular (15.VIII.1954).
[30] Idem, Ibid., (28.XI.1955).
[31] APARICIO H., Carta Circular (12.II.1967).
[32] Idem, ibid., (28.XI.1969).
[33] Idem, Carta Circular às Províncias espanholas (2.II.1963).
[34] O Ir. António Leahy pertence à Província da Austrália. Reside em Pápua Nova-Guiné desde há muitos anos e foi Mestre de Noviços.
[35] O Ir. Fortunatus, além de ter sido um dos iniciadores da presença da Ordem na Índia, é o fundador das Irmãs da Caridade de S. João de Deus.
[36] Irmão sacerdote vietnamita. Foi Mestre de noviços durante muitos anos.
[37] Irmão sacerdote português. Permaneceu em Moçambique durante a revolução. É uma testemunha viva de fidelidade à Hospitalidade. Sofreu por duas vezes a humilhação de estar preso na cadeia.
[38] Irmão médico da Província de Aragão. Dedicou os melhores anos da sua vida aos doentes da Serra Leoa, até que a idade e a doença o obrigaram a aceitar, por obediência, a ordem de regressar a Espanha.
[39] O Ir. Rafael Teh é um Irmão sacerdote nascido na República dos Camarões.
[40] Foi Delegado Geral da Delegação Africana da Ordem até 1 de Maio de 1997.
[41] Estatutos para as Missões, Introdução, Roma 1957, pág. 3.
[42] Cf. Regulamento
do Fundo Comum para as Missões, Fevereiro 1992. Arquivo Geral da Ordem,
Cart. Or. 51, Fasc.
I., C.
[43] BONARDI M., Carta Circular (28.XI.1955).
[44] BONARDI M., ibidem.