Dimensão Missionária da Ordem Hospitaleira de S. João De Deus

Profetas no mundo da Saúde

ORDEN HOSPITALARIA DE SAN JUAN DE DIOS

 

ORDEM HOSPITALEIRA DE S. JOÃO DE DEUS

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

DIMENSÃO MISSIONÁRIA

DA

ORDEM hospitaleira de s. JOÃO de deus

 

 

Profetas no mundo da Saúde

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

ROMA, 1997

 


 


 

 

 

 ÍNDICE  GERAL

 

                                  Pág.

 

Siglas e abreviaturas principais          7

Apresentação      9

Introdução      11

 

 

I PARTE.       A NOSSA MISSÃO NA IGREJA: ANUNCIAR E TORNAR PRESENTE

             O EVANGELHO DA MISERICÓRDIA      13

 

Capítulo I. Dimensão evangelizadora da Igreja      15

1. Jesus de Nazaré. Sentido da vida do homem      15

2. Experiência de fé e anúncio da mensagem de salvação      16

3. Compromisso da Igreja na evangelização      17

4. A força evangelizadora e pastoral do Concílio Vaticano II      18

5. Exigências evangelizadoras apresentadas pelo Magistério:

       A Evangelii nuntiandi e a Redemptoris missio       20

6. Respostas missionárias da Igreja. A nova evangelização      22

7. A Vida Consagrada no mistério e na missão da Igreja      24

 

Capítulo II. João de Deus: Irmão-Servo para a salvação de todos      27

1. Seduzido pela misericórdia de Deus      27

2. Testemunha da Hospitalidade de Deus      28

3. Tornou contagioso o amor ao próximo      30

4. Os primeiros companheiros      31

5. Sinais proféticos e evangelizadores da sua vida      32

 

 

II PARTE.      ELEITOS PARA EVANGELIZAR OS POBRES E OS DOENTES.

             PANORÂMICA HISTÓRICA      39

 

Capítulo III. A Ordem Hospitaleira até meados do séc. XIX      41

1. Desde a morte de João de Deus até à divisão da Ordem em duas Congregações      41

2. Divisão da Ordem em duas Congregações      43

2.1. A Congregação Espanhola      43

2.2. A Congregação Italiana      45

3. A Ordem na América durante este período      46

4. Presença dos Irmãos na Ásia, África e Oceânia      48

5. Valores da Hospitalidade e factores que influíram na difusão da Ordem      50

6. Fiéis à Hospitalidade até ao martírio      50

 


Capítulo IV.      Resposta apostólica e missionária da Ordem

             desde meados do séc. XIX      53

1. Extinção da Congregação Espanhola      53

2. Decadência e restauração da Congregação Italiana      55

3. Decadência e desaparecimento da Ordem nas Províncias Ultramarinas      56

 

III PARTE.       COMPROMETIDOS NA HOSPITALIDADE      59

 

Capítulo V. Literatura da Ordem sobre a evangelização      61

1. Íter histórico das Constituições      61

2. Princípios sobre a evangelização      62

3. A dimensão apostólica e missionária nos escritos dos nossos Irmãos      67

4. A acção missionária segundo o pensamento dos nossos missionários      72

 

Capítulo VI. Organismos da Ordem ao serviço da evangelização      79

1. Organismos da Cúria Geral ao serviço das missões      79

2. Organismos Interprovinciais ou Provinciais      85

 

 

 

IV PARTE. A HOSPITALIDADE NOS DIAS DE HOJE 87

 

Capítulo VII. Nova difusão da Hospitalidade 89

1. Europa: força dinamizadora da presença da Ordem 89

2. Actualidade da Ordem na América 95

3. África: seiva nova na árvore da Hospitalidade 98

4. Ásia: presença da Ordem numa cultura de contrastes 103

5. Oceânia: novos horizontes da Hospitalidade 107

 

Capítulo VIII. Exigências missionárias actuais para a vida da Ordem 111

1. A vocação do Irmão de S. João de Deus vivida com espírito missionário       111

2. A animação missionária, um desafio para as nossas comunidades       113

3. A Carta da Animação Missionária       1114

4. Princípios basilares do nosso trabalho       1115

5. Nova Hospitalidade: nova evangelização em chave joandeína        120

 

 

Documentação e bibliografia       123


Siglas e principais abreviaturas

 

 

AG AD  GENTES. Concílio Ecuménico Vaticano II:

             Decreto sobre a actividade missionária da Igreja

AGFR Arquivo da Cúria Geral dos Irmãos de S. João de Deus [Fatebenefratelli]

             em Roma

AIP Arquivo Interprovincial Pisas, de Granada

CELAM IV IV Conferência Geral do Episcopado Latino-americano:

             Santo Domingo (12-28 de Outubro de 1992) 

Const. Constituições da Ordem Hospitaleira de S. João de Deus

DS Carta de João de Deus à Duquesa de Sesa

DV DEI  VERBUM. Concílio Ecuménico Vaticano II:

             Constituição Dogmática sobre a Revelação Divina

EA ECCLESIA IN AFRICA. Exortação Apostólica de João Paulo II

             sobre a Igreja em África e a sua missão evangelizadora rumo ao ano 2000

EE.GG.           Estatutos Gerais da Ordem Hospitaleira de S. João de Deus

EN EVANGELII NUNTIANDI. Exortação Apostólica de Paulo VI

             sobre a evangelização no mundo actual

GL Carta de João de Deus a Guterres Lasso

GS GAUDIUM  ET  SPES. Concílio Ecuménico Vaticano II:

             Constituição Pastoral sobre a Igreja no mundo actual

LB Carta de João de Deus a Luís Baptista

LG LUMEN  GENTIUM. Concílio Ecuménico Vaticano II:

             Constituição Dogmática sobre a Igreja

NA NOSTRA  AETATE. Concílio Ecuménico Vaticano II:

             Declaração sobre as relações da Igreja com as religiões não-cristãs

PC PERFECTAE  CARITATIS. Concílio Ecuménico Vaticano II:

             Decreto sobre a renovação e adaptação da vida religiosa

POE Presença da Ordem em Espanha. Madrid, 1986

RMi REDEMPTORIS MISSIO. Carta encíclica de João Paulo II

             sobre a validade permanente do mandato missionário

CIAL.OH Secretariado Interprovincial da Ordem Hospitaleira para a América Latina

SC SACROSANCTUM CONCILIUM. Concilio Ecuménico Vaticano II

             Constituição sobre a Sagrada Liturgia

SD SALVIFICI DOLORIS. Carta apostólica de João Paulo II

             sobre o sofrimento humano

SELARE Secretariado Latino-Americano da Renovação

VC VITA CONSECRATA. Exortação Apostólica de João Paulo II

             sobre a vida consagrada.

 

Nota do Tradutor: As citações das Cartas de S. João de Deus foram extraídas da edição de 1985 das Constituições (Telhal), edição que inclui a Regra de Santo Agostinho e as Cartas.

Para as citações dos documentos pontifícios foram utilizadas as edições oficiais em português dos respectivos documentos, publicados pela Libreria Editrice Vaticana. Para as citações dos documentos conciliares foi utilizada a 10ª edição do “Concílio Ecuménico Vaticano II”, Editorial A.O., – Braga 1987.



 

 

 

APRESENTAÇÃO

 

 

A Dimensão missionária da Ordem Hospitaleira, documento que agora chega às vossas mãos, é uma reflexão que vem preencher uma lacuna na Bibliografia da Ordem.

 

Este trabalho é o resultado de um longo processo de elaboração, que passo a sintetizar:

 

·      Na reunião da Comissão Geral de Animação, efectuada de 11 a 13 de Março de 1992, constatou-se a necessidade de realizar um estudo sobre a “Dimensão Missionária da Ordem”. Sem chegar a definir o título, ficou determinado que o documento devia referir- -se ao passado e ao presente da acção apostólica da Ordem em terras de missão, devendo simultaneamente traçar as linhas futuras neste campo.

 

·      Na reunião seguinte, realizada de 16 a 18 de Outubro do mesmo ano, insistiu-se novamente no tema e sugeriu-se que a celebração do V Centenário do Nascimento de S. João de Deus seria uma boa oportunidade para oferecer à Ordem um documento que reavivasse o sentido apostólico nos Irmãos e Colaboradores.

 

·      A Comissão Geral de Animação, na reunião de 26 e 27 de Maio de 1993, recebeu um esquema dos pontos do documento considerados fundamentais para serem estudados e, se se considerasse oportuno, aprovados. Com algumas alterações, o esquema foi aprovado pela Comissão Geral de Animação.

 

·      Foi nomeada uma Comissão, integrada pelos Irmãos Pascual Piles, na altura primeiro Conselheiro Geral, Jesus A. Labarta, Mestre de Noviços de África, Jesus Etayo e Ubaldo Feito, que distribuíram entre si o trabalho a realizar, contando com a colaboração de outros Irmãos da Ordem.

 

·      A Comissão Geral de Animação, na reunião de 18-20 de Maio de 1994, insistiu na oportunidade de publicar o documento durante o V Centenário do Nascimento de S. João de Deus.

 

·      Apesar dos esforços realizados pela Comissão para levar a cabo o serviço de que havia sido incumbida, no Capítulo Geral de 1994 constatou-se a impossibilidade de concluir o documento no prazo previsto.

 

·      O Programa de Governo para o sexénio 1994-2000 previa o acabamento e a publicação do documento em 1996/97, contando para esse fim com os mesmos Irmãos que integravam a Comissão antes do Capítulo, incluindo o Superior Geral.

 

·      A Comissão Geral de Animação, reunida nos dias 26 e 27 de Junho de 1996, pensou que a Assembleia Geral a realizar em Outubro de 1997 seria um momento adequado para a apresentação do documento.

 

·      Após o trabalho de elaboração e redacção realizado pelos diversos membros da Comissão e de uma ulterior revisão para evitar inúteis repetições, na reunião de 5-6 de Junho de 1997, foi finalmente apresentado à Comissão Geral de Animação o documento que agora se entrega às Províncias da Ordem.

 

Julgamos ter realizado o serviço que a Ordem requeria. No documento, além de se ter em conta a essência da missão da Igreja, a evangelização e as características que a vida consagrada lhe conferem, detivemo-nos especialmente na análise histórica da acção apostólica e missionária da Ordem na obra evangelizadora que os nossos Irmãos realizam actualmente, e de modo especial nos países em vias de desenvolvimento, valorizando e agradecendo o seu testemunho. Tendo em conta a sugestão da Comissão Geral de Animação na reunião de Março de 1992, foram também consideradas as perspectivas futuras da dimensão apostólica e missionária da Ordem.

 

Sinto-me feliz por poder oferecer à Ordem esta reflexão, certo de que ela há-de contribuir para o crescimento espiritual e apostólico dos Irmãos e dos Colaboradores.

 

 

 

Ir. Pascual Piles, OH

Superior Geral

 

Roma, 12 de Outubro de 1997.

 


 

 

 

INTRODUÇÃO

 

A dimensão Missionária constituiu uma das características fundamentais da nossa Ordem no exercício do seu apostolado ao longo da história. Esse espírito missionário continua vivo como mais um sinal de que a misericórdia de Deus quer chegar a todos os homens por meio da caridade cristã, segundo o estilo de S. João de Deus e de outros muitos santos, homens e mulheres, de ontem, de hoje e de amanhã que, sentindo o amor de Deus em si mesmos, decidiram transmiti-lo aos outros.

 

O documento divide-se em quatro partes. A primeira, formada por dois capítulos, tem por título: “A nossa missão na Igreja: anunciar e tornar presente o Evangelho da misericórdia”. O primeiro capítulo refere-se à dimensão evangelizadora da Igreja a partir do novo sentido da vida do homem, inaugurado em Jesus de Nazaré que, antes de subir ao céu, deixou aos seus discípulos o mandato de continuar no mundo a obra da salvação. Deles, a comunidade eclesial formada no dia de Pentecostes recebeu a missão de testemunhar e anunciar o Evangelho, sendo esta a tarefa mais importante a realizar no mundo. Recordamos especialmente a dimensão missionária da Igreja a partir do Vaticano II e a dimensão evangelizadora como essência e sentido da Vida Consagrada.

 

O segundo capítulo centra-se na figura do nosso Fundador que, transformado e atraído pelo amor misericordioso de Deus, sente a urgente necessidade de o comunicar aos doentes e necessitados com gestos que se convertem em sinais proféticos e evangelizadores. Em João de Deus tem origem a nossa Família religiosa; com ele e nele, participamos na missão universal da Igreja.

 

A segunda parte, intitulada: “Eleitos para evangelizar os pobres e os doentes”, apresenta a trajectória histórica da Ordem, desde as suas origens até finais do séc. XIX. À luz dos dois capítulos que integram esta parte, no capítulo terceiro, pode-se constatar o impulso apostólico e missionário que animou e deu alento aos nossos Irmãos na difusão da Ordem, por vezes mediante o sacrifício cruento da própria vida; no quarto, fala-se de como eles souberam reorientar-se depois de superada a crise vivida pela Igreja e, como consequência, também pela Ordem, durante a segunda metade do chamado Século das Luzes.

 

Os dois capítulos da terceira parte, intitulada: “Comprometidos na Hospitalidade”, oferecem uma visão de conjunto sobre os meios de que a Ordem dispõe e oferece para manter vivo o espírito apostólico dos Irmãos e para apoiar a sua missão no mundo da Saúde, sob os pontos de vista estrutural e económico. No capítulo V, faz-se referência à doutrina de documentos oficiais da Ordem, às Constituições e a Cartas circulares de alguns Superiores Gerais, e dá-se importância especial ao testemunho escrito de Irmãos que se distinguiram pela sua vida, nomeadamente S. Ricardo Pampuri, ou pelo serviço que prestaram à Hospitalidade na missão “ad gentes”; no capítulo VI são brevemente apresentados os organismos da Ordem que estão ao serviço da evangelização.

 

A quarta parte, intitulada: “A Hospitalidade nos dias de hoje”, oferece uma visão de como a força do carisma da Ordem vivido pelos nossos Irmãos foi capaz de realizar uma segunda difusão da Hospitalidade neste século, graças à qual a Ordem torna hoje presente o Evangelho da misericórdia nos cinco continentes, superando as graves dificuldades sociais e políticas que caracterizaram a sociedade.

 

O último capítulo fala das exigências missionárias actuais para a Ordem e refere-se à maneira como a vocação do Irmão de S. João de Deus deve ser vivida com espírito apostólico e missionário nas nossas comunidades para realizar e transmitir a nova Hospitalidade, que é a expressão joandeína da nova evangelização.

 

Este documento destina-se a todos aqueles que hoje trabalham na Ordem para tornar realidade a nova Hospitalidade em união com os nossos Colaboradores, e também às futuras gerações de Hospitaleiros, aos quais oferecemos toda a riqueza espiritual que a Ordem foi acumulando com a sua dimensão apostólica e missionária, na fidelidade ao Espírito, à Igreja, a S. João de Deus e ao homem que sofre, para que também eles se sintam encorajados a continuar o anúncio e a difusão da mensagem de Cristo pelo mundo.

 

Com esta reflexão, recordamos todos os Irmãos que nos precederam na evangelização, de modo especial aqueles que se entregaram e continuam a dedicar as suas energias à missão “ad gentes”. Trata-se de um pequeno reconhecimento que esperamos poder completar. Se cada Província realizar o esforço de aprofundar o conhecimento da própria história, para nela haurir o testemunho de vida dos Irmãos que tornaram possível a actual realidade, as gerações futuras, além de admirar o entusiasmo e o sacrifício que os animou na sua acção apostólica, encontrarão motivações que as estimulem a viver e manifestar com renovado vigor o carisma que herdámos de João de Deus.

 


 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

I PARTE

 

 

 A NOSSA MISSÃO NA IGREJA:

 

ANUNCIAR E TORNAR PRESENTE

O EVANGELHO DA MISERICÓRDIA



 

 

 

Capítulo I

 

DIMENSÃO EVANGELIZADORA DA IGREJA

 

 

1. Jesus de Nazaré. Sentido da vida do homem

 

A dimensão evangelizadora da Igreja consiste em transmitir a salvação de Jesus, que veio para nos tornar participantes nos desígnios de amor de Deus Pai sobre os homens desde a criação.

 

O Pai criou-nos por amor e bondade, para partilhar connosco a sua natureza divina: “No princípio, Deus criou os céus e a terra” (Gn 1,1); “Deus criou o homem à Sua imagem, criou-o à imagem de Deus” (Gn 1, 27). Criou todas as coisas pelo Verbo Eterno, o seu Filho amado: “N’Ele foram criadas todas as coisas, nos céus e na terra...; tudo foi criado por Ele e para Ele” (Col 1,16).

 

Deus desejou desde sempre tornar-nos “filhos adoptivos, por meio de Jesus Cristo, por Sua livre vontade, para fazer resplandecer a Sua maravilhosa graça” (Ef 1,5-6); “procurando ao mesmo tempo a sua glória e a nossa felicidade” (AG 2).

 

Por Jesus, sabemos que o Pai se manifesta no Filho e os dois no Espírito Santo. Neste amor trinitário tem origem a criação do homem como “única criatura terrestre que Deus amou por si mesma” (GS 24), pois só o homem é chamado a participar na vida de Deus. Para este fim, fomos criados e é esta a razão fundamental da nossa existência.

 

A humanidade, devido às suas limitações, começou a mover-se num mundo ambíguo de sentimentos para com Deus. Recordemos a história de Israel, modelo das contradições vividas pelo homem. O povo eleito viveu o amor e a fé alternando-os com momentos de infidelidade e idolatria.

 

Nesta ambiguidade têm sempre caminhado os homens, questionando-se sobre os enigmas da vida, aos quais todas as correntes de pensamento têm procurado responder, sem êxito. As grandes questões sobre o sentido da vida, sobre o sofrimento e a morte, podem levar a duvidar do amor misericordioso do Pai, manifestado na criação.

 

Deus, por meio da Aliança, manteve a relação com as suas criaturas e foi progressivamente manifestando o seu amor e a sua bondade até que, finalmente, se nos revelou no seu Filho, Jesus Cristo: “Tendo Deus falado outrora aos nossos pais, muitas vezes e de muitas maneiras, pelos Profetas, agora falou-nos nestes últimos tempos pelo Filho, a quem constituiu herdeiro de tudo” (Hb 1, 1-2).

 

Jesus, enviado pelo Pai com a força do Espírito, converte-se para nós em caminho de libertação e salvação, dando sentido pleno e definitivo à humanidade, porque “Deus quer que todos os homens se salvem” (1 Tim 2, 4), pois veio para cumprir o plano de salvação anunciado pelos Profetas.

 

Toda a vida e actuação de Jesus se baseia nesta missão, como se lê no Evangelho segundo S. João: “O Pai, que Me enviou, foi Quem determinou o que devo dizer e anunciar” (Jo 12, 49; RMi 5).

 

Jesus é o único caminho que nos conduz a Deus. A sua missão concretiza-se em organizar tudo segundo os desígnios da criação. Ele é a revelação máxima do amor do Pai: “Eu sou o Caminho, a Verdade e a Vida. Ninguém vem ao Pai senão por Mim. Se vós Me conhecêsseis, também conheceríeis Meu pai” (Jo 14, 6-9). Jesus proclama a boa nova de Deus que nos convida a reconhecê-lo como Pai e a orientar a nossa vida para Ele, cumprindo a sua vontade.

 

A Constituição conciliar sobre a Revelação Divina recorda-nos que “Jesus Cristo, com toda a sua presença e manifestação da sua pessoa, com palavras e obras, sinais e milagres, e sobretudo com a sua morte e gloriosa ressurreição, e por fim, com o envio do Espírito de verdade, completa totalmente e confirma com o testemunho divino a revelação, a saber, que Deus está connosco para nos libertar das trevas do pecado e da morte e para nos ressuscitar para a vida eterna” (DV 4).

 

Entrar em comunhão com Deus por Jesus e sob a acção do Espírito significa ir construindo uma nova sociedade, fraterna e solidária, favorecendo especialmente os fracos e marginalizados, segundo o estilo de Jesus, como antecipação do Reino de Deus; proclamar que Deus é Pai de todos e, portanto, que todos os homens são irmãos, chamados a caminhar juntos para o mesmo destino e a construir um mundo que terá a sua realização quando Deus for todo em todas as coisas, representa uma mudança profunda nas relações humanas.

 

 

2. Experiência de fé e anúncio da mensagem de salvação

 

Jesus, depois de se apresentar como enviado do Pai, rodeou-se de discípulos, à maneira dos antigos mestres que reuniam os seus seguidores para partilharem com eles a sua palavra e a sua vida.

 

Mais tarde, escolheu apóstolos e discípulos (cf. Lc 5, 10-11; 10, 1; Mc 3, 14). Assim se foi constituindo ao redor de Jesus a primitiva comunidade cristã que dará origem à Igreja de Cristo. Além dos mencionados nos evangelhos, muitos outros escutaram a sua Palavra e começaram a viver uma fé que os foi transformando radicalmente.

 

A Igreja surge a partir da experiência pascal. Uma realidade nova, formada por Jesus e pelos seus discípulos, expressão dos desígnios de Deus sobre o mundo. Depois da Ressurreição, o Senhor envia os Apóstolos a comunicar a experiência por eles vivida: “Ide pelo mundo inteiro e anunciai o Evangelho a toda criatura” (Mc 16,15; cf Mt 28, 19; Jo 20,21).

 

No dia de Pentecostes receberam o Espírito Santo e começaram a anunciar Aquele que tinha enchido a sua vida de esperança e alegria. Com a força do Espírito Santo, a comunidade primitiva começou a proclamar e a difundir a mensagem de salvação por todo o mundo: “Cristo prometeu enviar o Espírito Santo, para levar a cabo sempre e em toda a parte a obra da salvação” (AG 4).

 

A Igreja encontrou sempre neste primeiro grupo de discípulos de Jesus, o modelo de referência para a comunidade cristã e para a sua missão no mundo: “Eram assíduos ao ensino dos Apóstolos, à união fraterna, à fracção do pão e às orações” (Act 2, 42), porque “tinham um só coração e uma só alma” (Act 4, 32).

 

Mais tarde apareceram comunidades na Samaria, em Cesareia, na Síria, na Ásia Menor e na Europa. É fácil supor que não teriam conseguido subsistir sem uma forte vivência comunitária, e não teriam podido expandir-se sem um convicto sentido missionário.

 

É de destacar a fundação da Igreja de Antioquia (cf. Act 11, 19-30), modelo de actividade missionária. Os seus fundadores tinham ido da comunidade de Jerusalém. Chegados a Antioquia, movidos pelo Espírito, decidiram dedicar-se à evangelização, tornando a missão num estilo de vida enraizada na fé. Começou assim o trabalho missionário da Igreja até aos nossos dias.

 

 

3. Compromisso da Igreja na evangelização

 

A evangelização é para a Igreja a expressão da comunhão com Cristo: “... a actividade missionária dimana intimamente da própria natureza da Igreja, cuja fé salvífica propaga, cuja unidade colegial dilatando aperfeiçoa, em cuja apostolicidade se apoia, cujo afecto promove” (AG 6).

 

Ao longo da sua história, a Igreja manifestou a sua identidade na tarefa evangelizadora: ““Nós queremos confirmar, uma vez mais ainda, que a tarefa de evangelizar todos os homens constitui a missão essencial da Igreja”; tarefa e missão que as amplas e profundas mudanças da sociedade actual tornam ainda mais urgentes. Evangelizar constitui, de facto, a graça e a vocação própria da Igreja, a sua mais profunda identidade. Ela existe para evangelizar” (EN 14).

A mensagem evangélica chegou a inumeráveis lugares do mundo, mas verifica-se que o número dos evangelizados representa apenas uma terça parte da humanidade: “À medida que se aproxima o fim do segundo Milénio da Redenção, é cada vez mais evidente que os povos que não receberam o primeiro anúncio de Cristo constituem a maioria da humanidade” (RMi 40).

 

Um aspecto significativo são os movimentos de expansão e retrocesso que se alternam na acção evangelizadora (cf AG 6). As épocas de expansão da Igreja coincidiram com os tempos dos Descobrimentos e conquistas, originando a chamada “era da cristandade”, que começou com a queda do Império romano e as posteriores conversões dos povos da Europa. A “descoberta” da América e as missões na Ásia e na África coincidiram com momentos importantes na história da evangelização.

 

A Igreja teve de superar numerosos obstáculos no exercício da sua missão, nomeadamente: resistências de muitas culturas em aceitar a fé, oposição de sistemas políticos, efeitos derivados de uma deficiente inculturação, difícil convivência com outras religiões, perseguições anti-religiosas, etc. Estes obstáculos foram superados com a convicção e a fortaleza que o Espírito Santo confere à Igreja. Alguns deles produziram momentos de profunda revitalização e testemunho, através do martírio.

 

Nos últimos tempos surgiram outras dificuldades que estão a influenciar os nossos dias e que foram caracterizando uma cultura que desvaloriza os desígnios de Deus sobre o mundo.

 

Toda a sociedade passou por uma transformação muito profunda e a Igreja, em virtude da sua própria missão, teve de reformular a sua posição perante as novas situações. Neste contexto, surge o Concílio Vaticano II para orientar a obra da evangelização.

 

O Concílio ilumina a eclesiologia da missão a partir de um sentido cristocêntrico de “encarnação”, como ponto de referência fundamental, ao qual devemos sempre recorrer: “A missão da Igreja realiza-se, pois, mediante a actividade pela qual, obedecendo ao mandamento de Cristo e movida pela graça e pela caridade do Espírito Santo, ela se torna actual e plenamente presente a todos os homens ou povos para os conduzir à fé, à liberdade e paz de Cristo, não só pelo exemplo de vida e pela pregação, mas também pelos sacramentos e pelos restantes meios da graça, de tal forma que lhes fique bem aberto caminho livre e seguro para participarem plenamente no mistério de Cristo” (AG 5).

 

A Igreja não nega os elementos de verdade que existem no mundo e noutras crenças (cf. NA 2), mas afirma que “é necessária para a salvação. Com efeito, só Cristo é mediador e caminho de salvação” (LG 14). Tudo isto deve ser aplicado em sentido amplo e a partir do plano salvífico de Deus na criação.

Terminado o Concílio e quando a teologia da missão parecia mais apropriada para responder às necessidades apresentadas pelo mundo, surgiram dentro da Igreja algumas tendências que afectaram até mesmo os conteúdos dos ensinamentos conciliares. Os fenómenos relacionados com a libertação, a teologia política, a salvação dos não-cristãos, a promoção da justiça e da paz, e as diferentes formas de testemunho e cooperação missionária, foram vividos sob diferentes perspectivas na interpretação pós-conciliar.

 

As diversas linhas de pensamento quanto à interpretação destes temas fizeram progredir os diferentes aspectos pastorais da missão, por vezes com estilos e passando por variadas experiências, tendo em vista alcançar os seus objectivos.

 

A exortação apostólica Evangelii nuntiandi e a encíclica Redemptoris missio vieram harmonizar os diferentes aspectos da missão, de forma a superar as interpretações manifestadas no período pós-conciliar.

 

 

4. A força evangelizadora e pastoral do Concílio Vaticano II

 

O Concílio Vaticano II não foi unicamente uma iniciativa original de João XXIII; pode-se, antes, considerar como o resultado de uma situação que se estava a viver desde havia cem anos. A Igreja queria defender a sua posição perante as mudanças profundas e rápidas que se estavam a verificar no mundo, como resultado da filosofia moderna, mas não podia enfrentar esses novos desafios baseando a sua missão em categorias do passado.

 

Era necessário procurar novas soluções, porque a Igreja precisava de anunciar com clareza a essência do seu próprio ser e agir no mundo como sacramento e missão, para testemunhar o amor de Deus relevado em Jesus Cristo. Esta concepção seria, posteriormente, o contributo mais relevante do Vaticano II, de onde brotaria toda a sua força evangelizadora e pastoral.

 

Foram muitas as novidades que o Concílio trouxe consigo. Mencionamos as que tiveram maior repercussão:

 

a) A relação da Igreja com o mundo

 

O Concílio propõe uma nova forma de relação entre a Igreja e o mundo, baseada numa oferta de fé e não no domínio do religioso sobre o âmbito secular. Este novo estilo vivido com base na liberdade e na convicção pessoal, torna mais fácil a presença dos crentes no mundo, tendo em vista a construção progressiva do Povo de Deus a partir da fé e da caridade. Reconhece todos os aspectos positivos que a época moderna confere à dignidade humana e, por isso, às relações com Deus, promovendo os valores de uma sociedade justa e solidária, à luz da Revelação.

 

Do mesmo modo, o Concílio supera a perspectiva individualista de pertença ao Povo de Deus, ao declarar a Igreja como sacramento de Cristo e comunhão na fé, o que origina uma concepção da mesma como sacramento de comunhão, que transparece em todos os documentos conciliares, especialmente na Lumen gentium e na Gaudium et spes.

 

 

b) Igreja, comunhão e missão

 

O Concílio relaciona paralelamente o mistério da Igreja-comunhão com o mistério da Igreja-missão. A missão manifesta e realiza a comunhão e, por sua vez, é esta a origem e o horizonte da missão.

 

Esta missão tem a sua origem no mistério da comunhão com Deus e, segundo o estilo de Jesus, consiste em anunciar e construir o Reino através de obras e palavras, o que constitui o objectivo da evangelização.

 

A definição da Igreja como sacramento de salvação representa uma nova categoria, para a qual convergem a comunhão eclesial e a missão para com o mundo.

 

 

c) A reforma litúrgica

 

Foi uma das inovações do Concílio com mais repercussões no plano pastoral. Pressupõe que os crentes superem atitudes religiosas de carácter individualista porque, como membros do Povo de Deus, celebram a fé de maneira comunitária.

 

O uso das línguas vernáculas facilita a compreensão dos sinais e a sua projecção no compromisso da realidade quotidiana. A liturgia, partilhada no seio da comunidade, deve revitalizar e interpretar esses sinais à luz da vida.

 

 

d) Outros aspectos que influíram no dinamismo pastoral e evangelizador do Concílio:

 

os aspectos relacionados com o sacerdócio comum dos fiéis; o reconhecimento da importância dos leigos e dos seus carismas na consagração do mundo; a relação com os não-cristãos e os não-crentes; a colegialidade episcopal; a restauração do diaconado permanente; o conceito de Igreja que caminha para a plenitude da verdade e a declaração sobre a liberdade religiosa. Sobre Nossa Senhora desenvolve-se toda uma doutrina que a coloca na própria essência da Igreja e reconhece medianeira na obra redentora de Cristo.

 

 

e) Sobre a actividade missionária, o Concílio exprime a sua doutrina no decreto Ad gentes, apresentando as linhas de acção da tarefa evangelizadora com base nos seguintes conteúdos das Constituições conciliares:

 

·      A Igreja como “sacramento de salvação” e motivos para a evangelização universal (cf. LG 48).

·      A Igreja que guarda e transmite a Revelação de Deus a toda a humanidade (cf. DV 1).

·      A reforma litúrgica como impulso eficaz para a evangelização (cf. SC 2).

·      A solidariedade da Igreja com o género humano e a sua história, de modo que se torna urgente a missão universal (cf. GS 1).

 

O decreto Ad gentes provocou a manifestação de várias posições e contributos que nos ajudaram a aprofundar a evangelização até aos nossos dias.

 

 

 5.     Exigências evangelizadoras apresentadas pelo Magistério:

       a “Evangelii nuntiandi” e a “Redemptoris missio”

 

A) A Evangelii nuntiandi 

 

A exortação apostólica Evangelii nuntiandi, de Paulo VI, foi publicada a 8 de Dezembro de 1975, no X aniversário do encerramento do Concílio Vaticano II.

 

O seu objectivo fundamental, enunciado já no título, é a “evangelização do mundo actual”, para “tornar a Igreja do século XX mais apta ainda para anunciar o Evangelho à humanidade do mesmo século XX” (EN 2), continuando na direcção do Decreto sobre a actividade missionária da Igreja (Ad gentes) e aproveitando o conteúdo sobre a evangelização deixado pelo Sínodo dos Bispos de 1974.

 

O maior contributo da Evangelii nuntiandi consiste em ter alargado a abrangência do termo “evangelização”, claramente expressa nos seguintes termos: “por todo o mundo! A toda a criatura! Até às extremidades da terra! (...), como um apelo para não se deter o anúncio evangélico, delimitando-o a um sector da humanidade, ou a uma classe de homens, ou, ainda, a um só tipo de cultura” (EN 50).

 

A evangelização dirige-se ao mundo moderno na sua totalidade. Aparecem aspectos referidos à justiça, ao desenvolvimento, à promoção humana, à libertação e à paz, que devem ser iluminados e promovidos pela Igreja: “As condições da sociedade obrigam-nos a todos a rever os métodos, a procurar, por todos os meios ao alcance, e a estudar o modo de fazer chegar ao homem moderno a mensagem cristã, na qual somente ele poderá encontrar a resposta às suas interrogações e a força para a sua aplicação de solidariedade humana” (EN 3). Neste sentido, acrescenta novos elementos aos enunciados no decreto Ad gentes, tornando universal o campo de evangelização.

 

Entre outros aspectos significativos, destacamos os seguintes:

 

·      A Igreja precisa constantemente de se evangelizar a si mesma mediante a conversão e a renovação que a ajudem a conservar o seu impulso e a força para anunciar o Evangelho.

·      A evangelização apresenta-se como uma realidade rica, complexa e dinâmica, que engloba todos os elementos indicados nas Constituições conciliares e no decreto Ad gentes, e que devem ser abordados globalmente.

·      O meio mais eficaz para a evangelização é o testemunho coerente de uma vida autenticamente cristã.

·      Entre os destinatários da missão encontram-se os que ainda não conhecem a Cristo, os baptizados que vivem como se não fossem cristãos, e os que professam outras religiões, ainda que estas possuam elementos de salvação.

·      O acto de evangelizar assume um carácter profundamente eclesial, porque se faz em união com a missão da Igreja e no seu nome.

·      Todos os agentes da evangelização são membros da Igreja.

·      A Vida Consagrada assume uma função primordial na evangelização porque, com a entrega total a Deus e ao serviço do Reino, interpela o mundo e a própria Igreja.

 

Apresenta-se uma nova visão da espiritualidade missionária, baseada no testemunho da unidade, na busca da verdade e no fervor dos grandes evangelizadores.

 

A Evangelii nuntiandi foi sem dúvida um dos documentos de maior impacte do Magistério pós-conciliar. Deu um grande impulso à evangelização, à Igreja em geral e à nossa Ordem. Os seus ensinamentos ajudaram-nos a orientar a nossa resposta evangelizadora em todo o momento.

 

 

B) A Redemptoris missio

 

A Carta encíclica Redemptoris missio, de João Paulo II, foi publicada a 7 de Dezembro de 1990, vinte e cinco anos após o Decreto sobre a actividade missionária da Igreja (Ad gentes).

É a primeira encíclica especificamente missionária depois do Concílio, aprofundando e concretizando a doutrina sobre a evangelização recolhida na Evangelii nuntiandi.

 

Recorda-nos a “missão do Redentor” e a “permanente validade do mandato missionário”, como apelo urgente à evangelização universal, com renovado impulso e um novo dinamismo. Apresenta a sua visão dinâmica dos valores do Concílio e das posições da Igreja no mundo actual: “Mas o que me anima mais a proclamar a urgência da evangelização missionária é que ela constitui o primeiro serviço que a Igreja pode prestar ao homem e à humanidade inteira, no mundo de hoje, que, apesar de conhecer realizações maravilhosas, parece ter perdido o sentido último das coisas e da sua própria existência” (RMi 2).

 

Entre outros aspectos significativos, destacamos os seguintes:

 

·      Reúne a teologia trinitária do Vaticano II e a reflexão pós-conciliar sobre a missão, encorajando-nos a aprofundar o estudo dos diversos aspectos da missão.

·      Insiste no compromisso a favor da promoção humana, no respeito pela liberdade, no diálogo interreligioso e na inculturação eclesial.

·      Recorda o carácter missionário da Igreja em todas as suas manifestações, valorizando o que se realizou desde o Concílio Vaticano II.

·      Distingue três situações na actividade missionária da Igreja: dimensão ad gentes, atenção pastoral a prestar aos crentes, e evangelização do mundo descristianizado.

·      Define os diferentes âmbitos da missão ad gentes: territoriais, fenómenos sociais novos, e áreas culturais, ou areópagos modernos.

·      Inter-relação e complementaridade das diferentes actividades missionárias, porque os horizontes da missão são ilimitados.

·      Compromisso missionário das Igrejas jovens para alcançar a sua maturidade e a plena comunhão com a Igreja universal.

·      Insiste na necessidade de cultivar e promover as vocações missionárias “ad vitam”.

·      Aprofunda a espiritualidade missionária como exigência que associa a missão à vocação para a santidade.

 

A encíclica Redemptoris missio estabeleceu as bases para a evangelização do terceiro Milénio. Vincula a reflexão teológica à pastoral concreta, com uma nítida projecção para o futuro.

 

6. Respostas missionárias da Igreja. A nova evangelização

 

As respostas missionárias da Igreja são as formas com que a evangelização ilumina as necessidades dos homens, para lhes fazer chegar a mensagem de Deus revelado em Cristo; foram condicionadas pela maneira de entender a evangelização e o seu desenvolvimento perante os desafios do mundo. Recordamos brevemente esta evolução:

 

O decreto Ad gentes interpreta a actividade missionária e a evangelização, preferencialmente, como anúncio do Evangelho e implantação da Igreja, e distingue-a da habitual acção pastoral com os fiéis: “O fim próprio desta actividade missionária é a evangelização e a implantação da Igreja nos Povos ou grupos em que ainda não está radicada... É bem de ver também que a actividade missionária entre os gentios difere tanto da actividade pastoral que se exerce com os fiéis, como das iniciativas pela reunificação dos cristãos” (AG 6).

 

A Evangelii nuntiandi considera a evangelização a partir de uma perspectiva muito ampla, como já antes se recordou. Desenvolve aspectos que se apontavam no decreto Ad gentes, e afirma que é uma actividade muito complexa, que envolve múltiplos factores que transcendem o simples anúncio do Evangelho, que devem ser integrados na totalidade: “A evangelização é uma diligência complexa, em que há variados elementos: renovação da humanidade, testemunho, anúncio explícito, adesão do coração, entrada na comunidade, aceitação dos sinais e iniciativas de apostolado...” (EN 24).

 

No momento actual, João Paulo II centra toda a acção missionária da Igreja na chamada “Nova Evangelização”, uma expressão utilizada pela primeira vez na Conferência do Episcopado Latino-americano, em Haiti, no dia 9 de Março de 1983: “A comemoração do meio milénio de evangelização terá o seu significado pleno se for um vosso compromisso, como Bispos, juntamente com o presbitério e os fiéis; não um compromisso de evangelização, mas antes uma nova evangelização. Nova no seu ardor, nos seus métodos e na sua expressão”.

 

O documento da IV Conferência Geral do Episcopado Latino-americano  (CELAM IV. Santo Domingo, 1992)  recolhe as ideias fundamentais sobre a “nova evangelização”:

 

·      define-a (CELAM IV 24; cf. VC 81),

·      indica quem é o destinatário (ibidem, 25; cf. VC 79.80), a finalidade (Ibidem, 26; RMi 33) e o conteúdo (ibidem, 27).

     Esta evangelização terá força renovadora na fidelidade à Palavra de Deus, terá o seu lugar de acolhimento na comunidade eclesial, a sua força criadora no Espírito Santo, que cria na unidade e na diversidade, alimenta a riqueza carismática e ministerial, e se projecta no mundo mediante o compromisso missionário” (CELAM IV 27).

 

A “nova evangelização” converteu-se no lema preferido de João Paulo II. Depois de ter sido proclamado pela primeira vez na América Latina, aplicou-se à Europa e aos países cristianizados, mergulhados em processos de secularização.

Em várias ocasiões, o próprio Papa encorajou a Igreja a fazer uma reflexão contínua sobre os aspectos que este novo desafio pastoral encerra, para esclarecer os seus conteúdos e procurar fórmulas mais adequadas para o levar a efeito, insistindo em que ela deve ser “nova no seu ardor, nos seus métodos e na sua expressão”.

 

Indicamos os conteúdos basilares da Nova Evangelização:

 

·      Expressão clara da mensagem evangélica que anuncia o plano salvífico de Deus, manifestado em Jesus, como salvação integral do homem.

·      Um estilo nitidamente de testemunho baseado no radicalismo evangélico, como fruto de conversão pessoal e de um processo de auto-evangelização.

·      Opção pelos pobres e os que sofrem, como prioridade em qualquer postura da nossa vida.

·      Compromisso no desenvolvimento humano, na justiça e na solidariedade, de forma a promover a dignidade do homem desejada por Deus.

·      Responsabilidade de todos os membros da Igreja como agentes evangelizadores nos diferentes sectores e âmbitos em que se encontram.

·      Promoção do encontro e diálogo entre cultura e fé, para responder às profundas expectativas do homem.

 

À margem da evolução na reflexão teológica, a Igreja sempre esteve presente em todas as necessidades dos homens, para as iluminar a partir do Evangelho. Está presente na educação, no mundo da saúde, na acção social, na família, no mundo da infância e da juventude, da terceira idade, no mundo dos marginalizados, dos imigrantes, nos meios de comunicação, no voluntariado, nos países em vias de desenvolvimento, procurando satisfazer necessidades primárias, trabalhando em campos de refugiados, na promoção das Organizações Não- Governamentais, etc. Todos os âmbitos humanos são adequados para levar a cabo a “nova Evangelização”.

 

 


7. A Vida Consagrada no mistério e na missão da Igreja

 

A vida consagrada está colocada mesmo no coração da Igreja como elemento decisivo para a sua missão, visto que “exprime a íntima natureza da vocação cristã”” (VC 3; cf. AG 18).

 

O nosso estilo de vida e a actividade apostólica ao serviço do homem foram as duas contribuições primordiais dadas à evangelização: “Também eles deixaram tudo, como os Apóstolos, para estar com Cristo e colocar-se, como Ele, ao serviço de Deus e dos irmãos. Contribuíram assim para manifestar o mistério e a missão da Igreja, graças aos múltiplos carismas de vida espiritual e apostólica que o Espírito Santo lhes distribuía, e deste modo concorreram também para renovar a sociedade” (VC 1).

 

Recordamos algumas características que relacionam a Vida Consagrada com a missão universal da Igreja.

 

·      A Vida Consagrada é um dom de Deus concedido à sua Igreja  (cf. LG 43; VC 3).

·      É inspirada pelo Espírito Santo (cf. PC 1; VC 5, 19).

·      Encontra-se inserida no âmago da Igreja e exprime a missão salvífica da mesma (cf. LG 43. 44; VC 3.5.29).

·      Com manifestações diversas, torna possível o trabalho apostólico universal (cf. PC 1; VC 25, 72).

 

A pessoa consagrada é uma testemunha que anuncia o Reino de Deus, em doação permanente, gratuitidade e esperança. A partir da conversão contínua, da vivência dos conselhos evangélicos e do serviço à Igreja, estabelece uma nova relação entre Deus e o homem, para realizar o projecto de uma humanidade salva e reconciliada em Cristo:

 

     “Na manifestação da santidade da Igreja, há que reconhecer uma objectiva primazia à vida consagrada, que reflecte o próprio modo de viver de Cristo. Por isso mesmo, nela se encontra uma manifestação particularmente rica dos valores evangélicos e uma actuação mais completa do objectivo da Igreja que é a santificação da humanidade” (VC 32).

 

O anúncio do Evangelho é uma prioridade da vida consagrada e nela encontramos muitos dos seus agentes mais representativos e carismáticos. Contribuiu para a evangelização com as respostas que as famílias religiosas foram dando aos diferentes desafios históricos. Na vida e obra dos fundadores, e na sua capacidade de interpretar os sinais dos tempos, encontramos o seu contributo mais significativo, segundo os diferentes carismas.

 

Nos nossos dias, devemos destacar o testemunho de vida de religiosos e religiosas a favor da promoção da dignidade humana, da justiça e da paz em países como El Salvador, Argélia, Rwanda, Libéria, Serra Leoa, Zaire... Por vezes, tratou-se de um testemunho selado com o martírio, presente em todas as épocas, que é uma das formas mais evidentes da evangelização.

 

A nossa Ordem Hospitaleira nasce do Evangelho da misericórdia, vivido em plenitude por João de Deus, seu Fundador. “O nosso carisma na Igreja, um dom do Espírito que nos leva a configurar-nos com o Cristo compassivo e misericordioso do Evangelho” (Const. 1984, 2a), insere-nos na missão de Jesus: somos enviados ao mundo e “proclamamos a grandeza do amor de Deus e mostramos aos homens que Ele continua a interessar-se pela sua vida e pelas suas necessidades” (Const. 1984, 8).

 

Nós, os Irmãos de S. João de Deus, assumimos a tarefa evangelizadora como experiência e anúncio da fé em Jesus: “O mandato de anunciar o Evangelho a todas as gentes, que a Igreja recebeu do seu Senhor, também nos diz respeito a nós como Irmãos de S. João de Deus. Conscientes da nossa responsabilidade na difusão da Boa Nova, mantemos sempre vivo o espírito missionário” (Const. 1984, 48ab).

 

A história da nossa Ordem está cheia de testemunhos de Irmãos que tornaram presente a mensagem libertadora de Cristo aos pobres e marginalizados, mediante o exercício de um apostolado plenamente evangélico, para proclamar a misericórdia de Deus para com o doente e o necessitado.



 

 

Capítulo II

 

 

JOÃO DE DEUS

IRMÃO-SERVO PARA A SALVAÇÃO DE TODOS

 

 

1. Seduzido pela misericórdia de Deus

 

João de Deus identificou-se intimamente com Jesus de Nazaré nas suas atitudes e gestos de misericórdia e solidariedade com os pobres: despojou-se progressivamente de tudo quanto significa egoísmo e tendência para viver um cristianismo cómodo, fez uma leitura da situação dos pobres e dos doentes de Granada, numa perspectiva de misericórdia e, animado pela experiência de Deus como Pai misericordioso, imitou Jesus Cristo na entrega radical ao serviço dos necessitados da sua época, para lhes manifestar o amor de Deus, torná-los participantes na sua mesma experiência e anunciar-lhes a salvação (cf. Const. 1984, 1).

 

Embora o momento fundamental do seu encontro com Deus tenha sido na ermida dos Mártires, em Granada, ao escutar o sermão do Mestre de Ávila, na Festa de S. Sebastião, uma luz decisiva que iluminou o caminho pelo qual o Espírito o levava a seguir Cristo pobre em pobreza radical encheu a sua vida durante a sua permanência no Hospital Real de Granada. Ao ver como eram tratados os seus companheiros, não pôde deixar de exclamar:

 

          “Oh! Traidores, inimigos da virtude! Porque tratais tão mal e com tanta crueldade a estes pobres miseráveis e meus irmãos, que estão nesta casa de Deus na minha companhia? Não seria melhor que vos compadecêsseis deles e dos seus sofrimentos, e os limpásseis e lhes désseis de comer com mais caridade e amor do que fazeis, já que os Reis Católicos deixaram para isso rendas suficientes?” [1].

 

O Hospital Real foi como que o noviciado em que o Espírito o ajudou a suportar a humilhação e o sofrimento como experiência de comunhão com o Cristo humilhado e ultrajado. A contemplação do mistério da encarnação do Verbo, que se lhe apresentava transfigurado no rosto dos pobres doentes, seus companheiros, ajudou-o a discernir a forma de corresponder ao seu amor infinito:

 

          “E vendo castigar os doentes que estavam loucos a viver com ele, dizia: “Jesus Cristo me conceda tempo e me dê a graça de eu ter um hospital, onde possa recolher os pobres desamparados e faltos de juízo, e servi-los como desejo””  [2].

 

Assim conseguiu João distinguir o conteúdo da inquietação que não lhe permitiu continuar a vida de pastor em Oropesa, nem aceitar o convite do seu tio para que ficasse em Montemor-o-Novo quando, ao regressar de Viena, foi à sua terra visitar os familiares:

 

          “Senhor tio, já que Deus foi servido de levar os meus pais, a minha vontade é de não permanecer nesta terra, mas de ir aonde sirva a Nosso Senhor, fora daqui, como fez meu pai, e disto me deixou tão bom exemplo. E, já que tenho sido tão mau e pecador, e, contudo, Deus me conserva a vida, é justo que empregue o que dela me resta a fazer penitência e a servi-LO. Confio no meu Senhor Jesus Cristo que me há-de dar a graça de pôr deveras em prática este meu desejo” [3].

 

No Hospital Real, João Ciudad recolheu o fruto da entrega generosa à família Almeida, durante a sua estadia em Ceuta; ali teve a resposta à sua confissão geral e à sua incessante súplica ao Senhor em Gibraltar:

 

          “tenhais por bem ensinar-me o caminho por onde tenho de seguir, a fim de Vos servir e ser para sempre vosso escravo. Concedei desde já a paz e a tranquilidade a esta alma, para que encontre o que tanto e com tanta razão, deseja” [4].

 

Deus mostrou-lhe o caminho e João predispôs-se a percorrê-lo com todo o amor que o mesmo Deus depositou no seu coração: nunca mais abandonaria esse caminho. E conseguiu a paz e a tranquilidade por que ansiava, pois descobriu o “tesouro” em nome do qual podia consumar a sua vida: tornar-se escravo, cativo, só por amor a Jesus Cristo, dedicando-se a amar e servir os seus irmãos e o próximo (cf. 2 GL 7.8).

 

 

Francisco de Castro, seu primeiro biógrafo, apresenta-o embriagado pelo vinho da caridade:

 

          “Era tanta e tão grande a caridade de que Nosso Senhor tinha dotado o seu servo, e tão peregrinas as obras que dela procediam, que alguns, com juízos vãos, tinham-no como pródigo e dissipador, não atendendo como o Senhor o tinha metido na adega do vinho e ali estabelecido nela a sua caridade; e que de tal maneira o tinha embriagado do seu amor, que nenhuma coisa negava que por Ele se lhe pedisse” [5].

 

 

2. Testemunha da Hospitalidade de Deus

 

A maneira de viver de João, a partir da sua entrega definitiva ao Senhor, consistiu em deixar-se  invadir pela Hospitalidade de Deus. A Hospitalidade, com letra maiúscula, significou para ele sentir-se invadido pelo acolhimento misericordioso de Deus, pela sua benevolência e pelo perdão. Sentiu-se acolhido “hospitaleiramente” por Deus Pai, sentiu-se alegremente filho de Deus, e todo o seu esforço consistiu em manifestar a filiação vivendo como Jesus: em plena docilidade à vontade do Pai e em total dedicação a criar espaços e relações de fraternidade.

 

Começou a sua missão de serviço aos pobres e doentes em Granada, com a ajuda de Deus, sem um tostão no bolso, e a entrega incondicional da sua existência, sem poupar esforços nem regatear horas do dia e da noite. A gente de Granada, no início, julgou tratar-se de uma forma estranha de “loucura”, mas, a pouco e pouco, descobriu que se tratava realmente de uma autêntica “loucura”: a loucura que tinha revolucionado o seu interior e movido o seu coração, contagiado pela “loucura do Amor”, manifestada por Deus no seu Filho Jesus, que se fez pobre para nos comunicar a sua riqueza, se fez servo para nos dar a liberdade, e colocou a sua vida ao serviço de todos para que, n’Ele, tivéssemos a vida.

 

João de Deus foi um pobre desconcertante, numa época em que a mendicidade era uma “profissão” bastante socorrida. Desconcertou os habitantes de Granada quando, depois de ter decidido seguir a Cristo pobre, abandonando a sua loja de livreiro e entregando o pouco que tinha aos pobres, se propôs organizar um lugar no qual acolher, nutrir e assistir os pobres doentes de Granada. Despertou curiosidade quando num dia, ao fim da tarde, começou a gritar: “Quem faz bem a si mesmo? Fazei bem por amor de Deus, irmãos em Jesus Cristo, dando esmola aos pobres!”. E davam-lhe esmolas, muitas. Com elas conseguiu, primeiro, organizar um pequeno albergue, logo depois um pequeno hospital e, mais tarde, pôde adquirir um antigo convento para aí organizar o que foi considerado o primeiro Hospital de João de Deus, na Rua “de los Gomeles”. Ele mesmo nos informa que aí recebiam assistência e ajuda mais de 140 pessoas, contando doentes, pobres e peregrinos.

 

No seu hospital eram acolhidos e servidos como irmãos os pobres e doentes, as prostitutas decididas a mudar de vida, os benfeitores que o ajudavam a realizar o bem, os companheiros que desejavam viver como ele. Sem pretender fazer “escola”, o testemunho da vida de João contagiou quantos o rodeavam, de forma que o seu hospital se transformou num lugar onde se vivia, se transmitia e se experimentava a hospitalidade.

 

Embora reservasse ao hospital os melhores e maiores esforços da sua entrega de caridade, nenhuma miséria deixava indiferente o coração de João. No rosto dos pobres, contemplava o rosto do seu Senhor e o coração não lhe permitia passar distante sem procurar remediar as suas necessidades. Ele, tão pobre como os mais pobres, sabia convencer aqueles que podiam colaborar no seu apostolado. Escreveu à Duquesa de Sesa:

 

          “... outro dia, quando estive em Córdova, encontrei uma casa na maior necessidade. Ali viviam duas donzelas que tinham o pai e a mãe doentes na cama, tolhidos havia dez anos. Tão pobres e maltratados os vi que me despedaçaram o coração... Escreveram-me uma carta que me dilacerou o coração pelo que me mandaram dizer. Estou aqui em tão grande necessidade que, no dia em que tenho de pagar aos que trabalham, ficam alguns pobres sem comer... Boa Duquesa, eu gostava que se Deus fosse servido, ganhásseis vós esta esmola...” (1 DS 15-17).

 

E a Guterres Lasso:

 

          “...ao ver padecer tantos pobres meus irmãos e próximos, com tantas necessidades, tanto do corpo como da alma, fico muito triste por não os poder socorrer... (...) Meu irmão em Jesus Cristo, sinto muito alívio ao escrever-vos pois é como se estivesse a falar convosco, e dar-vos conta dos meus trabalhos, pois sei que os sentis... Nosso Senhor Jesus Cristo vos pague no Céu a boa obra que por Jesus Cristo fizestes, pelos pobres e por mim” (2 GL 8.13).

 

 

3. Tornou contagioso o amor ao próximo

 

João de Deus denominava-se a si mesmo “o irmão de todos”. É esta, provavelmente, uma das melhores definições que se lhe podem aplicar, pois viveu e manifestou a fraternidade em relação a pobres e os doentes, ricos que perderam a riqueza, soldados que se sentiam em dificuldades, prostitutas, e ainda relativamente aos “senhores” da Andaluzia e Castela que, com as suas esmolas, o ajudavam a realizar o seu apostolado de caridade

 

Nos habitantes de Granada foi-se verificando uma mudança radical quanto à ideia que faziam da figura de João de Deus. Eis como a descreve Francisco de Castro:

 

          “...pois o povo, ao vê-lo actuar, julgava geralmente que era em consequência da loucura, até que, depois, viram bem como aquele grão enterrado e apodrecido veio a dar bons e abundantes frutos” [6].

 

Como se pode ler no texto, a opinião do povo a seu respeito mudou pouco a pouco, perante a coerência da sua vida, a sua entrega desinteressada, a sua constância, o seu espírito de sacrifício, a sua forma de pedir, e perante a universalidade do seu amor. Pode-se afirmar que Granada inteira passou da dúvida acerca da sua pessoa, à identificação total com João de Deus, mediante um processo que se poderia sintetizar nas seguintes etapas:

 

 

·      Admiração. O primeiro sentimento positivo acerca da sua pessoa foi de surpresa. “É este aquele mesmo que vimos louco? Mas como ele mudou!” Efectivamente, a sua vida demonstrava a grande mudança que se havia operado nele; mais que mudança, manifestou-se verdadeiramente quem era João de Deus.

 

·      Reconhecimento. À admiração seguiu-se o reconhecimento: João de Deus começou a ser querido por todos. Fazia aquilo que ninguém mais fazia e na sua casa acolhia todo o género de pessoas: doentes, pobres, peregrinos, etc. Não era louco, mas sensato. Amavam-no e abençoavam-no os pobres, os poderosos, as autoridades civis e eclesiásticas...

 

·      Colaboração. Após o reconhecimento veio a colaboração; a obra de João e Deus passou a ser a obra de Granada inteira, que chegou a considerá-la como própria. O povo colaborava com bens materiais, dinheiro, com a dedicação pessoal, promovendo ajudas entre companheiros e amigos. Todos, a pouco e pouco, se sentiram protagonistas do hospital do bendito João de Deus. Mais do que colaboração, tratou-se de uma identificação com a obra de João.

 

·      Veneração. João não podia absolutamente morrer. O seu amor mantém-se vivo em cada rua e canto da cidade do rio Darro. O seu funeral transformou-se numa grande manifestação de carinho e veneração. Diz Castro:

 

          “O seu enterro foi de mais sumptuosidade e honra que jamais se fez a um príncipe, imperador ou monarca do mundo” [7].

 

O espírito de João de Deus continuou vivo nos seus Irmãos, que o perpetuaram em Granada e estenderam a sua obra pelos cinco continentes, de forma que João de Deus não é apenas uma personagem histórica, mas continua vivo entre nós.

 

 

4. Os primeiros companheiros

 

João de Deus fascinou quantos o conheceram. Graças a Francisco de Castro, sabemos que durante algum tempo apenas ele se ocupava de tudo o que tinha a ver com a sua obra, mas em breve se juntaram a ele voluntários, enfermeiros remunerados e amigos que, como João de Ávila, a quem o Santo chama afectuosamente Angulo, o ajudaram e acompanharam nos seus trabalhos e viagens. Todos eles se sentiram contagiados pela integridade da sua vida e pela capacidade que tinha de transmitir a exigência cristã de viver a caridade e o serviço a favor dos pobres.

 

Os primeiros Irmãos de João de Deus são também fruto da sua grande caridade. Através de uma das suas cartas, sabemos que o Santo sabia muito bem que o seu modo de viver exigia atitudes pessoais que se deviam manifestar na entrega total às coisas de Deus, no desvelo ao cuidar dos pobres e na integridade de vida, baseada na graça de Deus, na prática da oração e na frequência dos sacramentos (cf. LB passim). Na hora de os escolher, não se deixa levar por preconceitos nem deslumbrar por aspectos exteriores, pois tem a experiência de que a misericórdia de Deus é capaz de transformar o coração do homem que se deixa seduzir pela sua misericórdia.

 

Os primeiros companheiros de João de Deus, em geral, são pessoas afastadas de Deus, com uma vida mais ou menos desorientada: a entrega, a palavra, o testemunho de S. João de Deus, levou-os a mudar de vida e, sobretudo, fê-los decidir partilhar com ele a missão, dando origem a uma nova família religiosa.

 

A história de Antón Martín e Pedro Velasco é bem conhecida por todos. Foi exposta por testemunhas no processo de beatificação. Eram inimigos, já que Pedro tinha assassinado o irmão de Antón, crime do qual este se queria vingar. A caridade e o zelo apostólico de João de Deus transforma-os, primeiro em verdadeiros irmãos, depois em colaboradores da sua obra e, por fim, nos seus primeiros companheiros.

 

Simón de Ávila é apresentado pela história como um difamador de João de Deus: caluniava-o e espiava o Santo nas suas visitas às viúvas pobres e às donzelas necessitadas. A constância com que seguia João, com a intenção de desmascarar aquilo que ele suspeitava ser falsa caridade, levou-o a conhecer de tal forma a sua vida que, de difamador, se transformou em seu admirador. Movido pela graça de Deus, sentiu-se atraído pelo seu estilo de vida e integrou o grupo dos seus primeiros companheiros.

 

Dominico Piola foi um comerciante que tinha adquirido grandes riquezas. O contacto com o Santo foi também progressivamente transformando a sua vida: foi-se identificando com ele e pensou em abandonar as coisas do mundo para se unir a ele, imitando as suas acções. João de Deus pediu-lhe que, antes de entrar, deixasse em ordem os seus negócios. Viveu depois uma vida edificante para todos os que o conheciam.

 

Da vida de João García sabemos pouco, antes de ele se tornar companheiro do nosso Santo. Animado pelo testemunho de João de Deus, uniu-se a ele para trabalhar no seu hospital. A sua grande caridade e inclinação para servir os doentes, levou-o a permanecer praticamente sempre junto deles no hospital.

 

 

5. Sinais proféticos e evangelizadores da sua vida

 

É difícil sintetizar as características do espirito profético e evangelizador de João de Deus. Resumidamente, mas não de forma exaustiva, sublinhamos os seguintes traços:

 

 

5.1. Relação íntima com Deus

 

Como resultado da experiência de sentir-se amado misericordiosamente pelo Pai, João desenvolveu progressivamente a comunhão com Deus, manifestada numa relação pessoal com Ele, que o fez viver o amor como adesão filial à sua vontade, cuja aceitação demonstra que descobriu Jesus, com Ele aprendeu que, para se manter o amor do Pai, é preciso cumprir a Sua vontade (cf. Jo 15, 9‑10; 14, 31).

 

A partir da sua conversão, João desenvolveu as atitudes de fé, caridade e esperança de tal forma que a sua vontade se identificou com a vontade de Deus.

 

5.2. A fé

 

A fé levou-o a aceitar na sua vida a presença salvífica de Deus com tal profundidade que era Deus quem a conduzia. Até o apelido, “de Deus”, revela este facto. João deixou de pertencer a si mesmo para pertencer a Deus. Já não vive para si, mas para Deus e o Seu Reino.

 

A partir desta experiência de fé, entendida como aceitação voluntária da presença e da salvação de Deus na própria existência, João fez suas as atitudes que viria depois a recomendar nas suas cartas:

 

       “Deus antes e acima de todas as coisas do mundo” (Começo das Cartas).

 

       “...tudo isto o deveis sofrer por Deus (...), tereis de passar tudo isto por amor de Deus, e por tudo lhe haveis de dar muitas graças...” (LB 9).

       “...pois o bem que os homens fazem não é deles mas de Deus: a Deus a honra, a glória e o louvor, pois tudo é seu, de Deus” (1 GL, 11).

 

 


5.3. A caridade

 

João de Deus é o Santo da Caridade. O amor a Deus e ao próximo é a razão de ser e a meta da sua vida. Para ele, a caridade é:

 

·      a manifestação da comunhão com Deus: “Tende sempre caridade, porque onde não há caridade não há Deus, embora Ele esteja em todo o lugar” (LB 15).

·      “a mãe de todas as virtudes” (1 DS 16).

·      a prova do amor a Jesus Cristo: “... sei que quereis muito a Jesus Cristo e vos compadeceis de seus filhos, os pobres...” (2 GL 10).

·      a garantia do perdão dos pecados: “...como a água apaga o fogo, assim a caridade redime o pecado” (1 DS 13).

·      é a “alma” da compaixão e da entrega aos outros: “...ao ver padecer tantos pobres meus irmãos e próximos, com tantas necessidades, tanto do corpo como da alma, fico muito triste” (2 GL 8). “... me empenhei em três ducados, em favor de alguns pobres muito necessitados” (1 DS 3).

 

O amor aos outros chega a ser a “alma” que anima a sua vida: vive o cristianismo imitando Jesus Cristo, amando sempre os outros mesmo que o seu amor não seja correspondido. Chega a viver o amor cristão na sua exigência mais desconcertante, o amor aos inimigos, o fazer o bem a “bons e maus”. Francisco de Castro refere um facto concreto a este respeito. Pessoas bem intencionadas, sem dúvida, informaram o Arcebispo Guerreiro de que João de Deus recebia gente de má fama no seu hospital que, segundo elas, desacreditavam João de Deus. O Arcebispo chamou-o e convidou-o a não receber aqueles que não fossem “dignos”:

 

          “João Deus esteve muito atento a tudo quanto o seu prelado lhe dissera; e com muita humildade e mansidão, respondeu: “Meu pai e bom prelado, só eu é que sou o mau, o incorrigível, o desaproveitado, o que mereço ser expulso da casa de Deus. Mas os pobres que estão no hospital, esses são bons, e não conheço neles vício algum. E já que Deus tolera maus e bons, e diariamente faz nascer sobre todos o seu sol, não haverá razão para despedir os desamparados e aflitos, da sua própria casa”” [8].

 

Por amor de Deus, suporta grandes afrontas com paciência e aceita-as como uma forma de sofrer por amor a Jesus Cristo e identifica-se com Aquele que “retribuía com o bem ao mal que Lhe faziam” (cf. LB 10). Sabe que onde não há caridade não há Deus (cf. LB 15) e manifesta-o nas suas cartas.

 

Profundamente sensível ao sofrimento dos outros, fica com o coração dilacerado quando encontra pessoas necessitadas. Acolhe todos na sua casa, sendo por isso acusado de ser demasiado generoso. Mas, consciente de que o seu destino é tornar presente a misericórdia de Deus, ama sem limites. Com uma atitude evangélica e com autêntico sentido profético.

 

 


5.4. Esperança

Manifesta-a e vive-a deste modo:

          “Esperança, só em Jesus Cristo, o qual, em troca dos trabalhos e sofrimentos que por seu amor passarmos nesta vida miserável, nos dará a glória eterna, pelos méritos da sua sagrada Paixão e por sua misericórdia” (3 DS 9).

Expressa-a muito bem quando diz:

 

          ...meu irmão muito amado e querido em Jesus Cristo, ... muitas vezes nem saio de casa pelas dívidas que tenho. No entanto, confio só em Jesus Cristo, que me há-de desempenhar, pois ele conhece o meu coração” (2 GL 8; cf. 1 DS 6b; 2 DS 7.20).

 

          ...estou muito aflito e em muita necessidade. Graças a Nosso Senhor Jesus Cristo por tudo isso! ...são tantos os pobres que aqui se acolhem que eu próprio fico muitas vezes alarmado como se hão-de poder sustentar. Mas Jesus Cristo a tudo provê e lhes dá de comer” ( 2 GL 3).

 

          ...E como é Jesus Cristo que a tudo provê, graças sejam dadas a Ele para sempre. Amém Jesus” (2 GL 9).

 

          ...depois do trabalho, devemos dar graças a Nosso Senhor Jesus Cristo por usar para connosco de tanta misericórdia” (2 DS 18).

 

 

5.5. Solidariedade com os pobres e os enfermos

 

João de Deus entregou-se de forma radical ao serviço dos doentes e necessitados, a partir de um compromisso pessoal que exigiu a sua identificação com eles: “esvazia-se de si mesmo”, para se situar ao nível dos seus “irmãos e próximos”, e poder assim entrar em diálogo com eles; um diálogo que se explicita no serviço e na entrega da sua vida para remediar as suas dificuldades.

De poucas outras coisas nos apercebemos com mais força na sua vida: não só serve os pobres, mas torna própria a vida deles e o seu destino. Manifesta-o com muita clareza, escrevendo a Guterres Lasso:

 

          “Serve a presente para vos fazer saber como estou muito aflito e em muita necessidade. ...vejo-me aqui cheio de dívidas, empenhado e preso só por Jesus Cristo, pois devo mais de duzentos ducados...; ...vendo-me tão empenhado que muitas vezes nem saio de casa pelas dívidas que tenho...; ...quis dar-vos conta dos meus trabalhos porque sei que vos compadeceis deles como eu faria pelos vossos. Como sei que quereis muito a Jesus Cristo e vos compadeceis de seus filhos, os pobres, dou-vos conta das suas necessidades e minhas” (2 GL 3.7.8.10).

 

A partir desta identificação profunda, que o faz sentir pobre e necessitado; a partir deste “esvaziamento” pessoal, João de Deus pode oferecer o seu serviço e remediar as necessidades dos pobres sem ferir a sua “dignidade”, nem cair em atitudes “paternalistas”. Deste modo pode compreender perfeitamente a situação de cada pessoa. Como Cristo, ele experimenta a atitude de compaixão que brota do amor: sofre com quem sofre, espera com quem não tem.

 

 

5.6. A oração

 

João de Deus, exteriormente, aparece como um homem eminentemente activo. No entanto, a Igreja, na Bula de Canonização, propõe-no como modelo de caridade e de profunda oração. Na sua biografia, aparece claramente este traço da sua personalidade cristã: soube conjugar perfeitamente o verbo amar na sua dúplice orientação – Deus e o próximo –, conseguindo a harmonia de existência que comunica o amor. A sua entrega de caridade renova-se e consegue a sua força no contacto com Deus, que se realiza não só nos momentos de oração, certamente muitos, mas na entrega de caridade aos outros, pois conseguiu fazer uma leitura da vida, do sofrimento da pobreza, de tudo, através da fé.

 

O seu estilo de oração é muito simples, semelhante ao de qualquer crente do seu tempo: reza as orações que são propostas pela Santa Madre Igreja, medita sobre a Paixão de Cristo, especialmente nas sextas-feiras, gosta de rezar o terço, participa na celebração da Eucaristia, confessa-se amiúde, encontra-se frequentemente com o director espiritual, recomenda as coisas do Senhor, disposto a cumprir sempre a sua vontade, confia totalmente em Jesus Cristo, dá-Lhe constantemente graças pela sua grande misericórdia e pelo seu amor e bondade, faz o bem e exerce a caridade para com os pobres e os doentes (cf. 2 DS 18.19).

 

Pode-se afirmar, sem a menor sombra de dúvida, que João de Deus é um orante, um profeta que capta a presença de Deus na realidade e está sempre em relação com Ele, apesar de absorvido em actividades materiais.

 

 

5.7. A ascese

 

A partir da sua conversão, João de Deus levou uma vida dura, que Castro sintetiza na sua biografia:

 

          “Bastava o trabalho que tinha João de Deus em procurar as esmolas e em tratar os seus pobres, para fazer com isso grande penitência e mortificação da carne. Sem contar com as contínuas buscas e importunações de todos, só isso já era carga mais que suficiente para outro que fosse de corpo são e robusto... Todavia, o irmão João de Deus não se contentava com tudo isto, senão que, com obras de grande penitência, mortificava a própria carne e a fazia servir o espírito, não lhe concedendo sequer o estritamente necessário” [9].

 

Mais à frente, escreve ainda Francisco de Castro:

          “Eram tantos os trabalhos em que João de Deus se ocupava, para remediar os sofrimentos de todos os outros; tantas as caminhadas que fazia através das inclemências do tempo; e tantos os serviços ordinários que tinha na cidade, que se arruinou” [10].

 

Tendo isto em conta, pode-se dizer que a sua ascética consistiu principalmente em três aspectos:

·      Em primeiro lugar, o pouco cuidado que dedicava ao seu corpo; não o quer satisfazer; vive para os pobres e identifica-se com eles. Faz por diversas vezes alusão à comida e ao vestuário (cf. 2 DS 13), e por elas se conclui que precisava de bem pouco para viver. O trabalho, o pouco tempo de sono, a austeridade, reflectem o seu ascetismo.

·      O segundo aspecto tem a ver com a sua entrega aos outros, que o leva a estar atento aos doentes, a acompanhar o seu sofrimento, visitá-los quando chega cansado a casa, sair à rua a mendigar, preocupar-se com a reabilitação das mulheres de má vida, dar explicações às pessoas a quem deve dinheiro. A sua ascese ajuda-o a conseguir a proeza de dar graças a Deus pelo bem e pelo mal.

·      Em terceiro lugar, para conseguir isto, João de Deus, a partir da sua conversão, realiza um processo de despojamento de si mesmo para poder encher-se do amor de Deus, e para Deus. Depois de ouvir o sermão do Mestre de Ávila, um dos seus desejos é o de ser tido em pouca consideração: despe-se, deita-se na lama, deixa que os outros façam pouco dele e o considerem como louco. Diz constantemente que é um grande pecador, e isso mesmo afirma perante o Arcebispo Guerreiro, quando se encontra no leito de morte; às sextas-feiras, quando convida as prostitutas a mudarem de vida, confessa os seus próprios pecados; só ele, na sua opinião, é que é indigno de estar no seu hospital... Quem havia atingido cumes tão elevados de amor e santidade, sentia-se um nada. Este é um dos seus traços proféticos.

 

 

5.8. A colaboração com os leigos

 

A sua obra esteve sempre aberta não só aos doentes e aos pobres, mas a todas as pessoas que quiseram colaborar com ele.

 

Começa com as esmolas dos habitantes de Granada; sente-se apoiado pelo trabalho realizado pelos mesmos pobres, peregrinos ou prostitutas, aos quais pede um apoio especial; tem enfermeiros que fazem o trabalho do hospital quando vai pedir; nas suas saídas, é acompanhado por João de Ávila; os benfeitores chegam a ser, com os seus apoios constantes, os protagonistas do hospital. A cidade de Granada sente a sua ausência quando ele se desloca a Valhadolid e permanece fora durante nove meses, até ao ponto de organizar uma grande recepção quando ele regressa.

 

Tudo isto são expressões da convicção que tinha de realizar uma obra partilhada por todos, do valor de cada pessoa, da sua abertura e universalidade. A sua obra, desde o início, foi também uma obra dos colaboradores, de crentes e não-crentes, que se identificaram com o seu espírito humanitário e aos quais queria manifestar a força da salvação.

 

 

5.9. A sensatez

 

João de Deus foi um homem sábio, enriquecido pela sabedoria bíblica que brota da simplicidade, da humildade, de ir crescendo em correspondência com a chamada de Deus, harmonizando e centrando o seu ser no que considera fundamental para a vida.

 

As suas respostas são cada vez mais sensatas e as pessoas vão progressivamente aceitando-o como um homem de bom senso.

 

 

5.10. A harmonia e serenidade

 

As jornadas de João de Deus estavam cheias; não pode “perder” tempo, pois as necessidade do hospital e a assistência aos pobres, nalgumas ocasiões, não lhe deixam livre nem sequer “o espaço dum Credo” (1 GL 4). Mesmo assim, tem a preocupação de visitar, um a um, os doentes, interessa-se em saber como estão e como passaram durante a sua ausência. Quando se encontra com quem sofre, não tem pressa; colhe, escuta com calma e, na medida do possível, remedeia as suas necessidades.

Castro escreve:

          “Era tanta a concorrência de gente, que com ele vinha tratar, que, muitas vezes, mal cabiam de pé. Ele, sentado no meio de todos, escutava com grande paciência as necessidades de cada um, sem nunca despedir ninguém desconsolado, dando esmola ou boas respostas” [11].

 

 

5.11. O espírito evangelizador

 

João de Deus é um apóstolo com uma perspectiva universal e ecuménica da vida que deriva do seu encontro com Deus, no qual ele experimentou que Deus é Pai de todos e ama a todos de forma gratuita. Esta experiência é o fundamento do seu espírito apostólico. Transmite-a através dos seus gestos de amor universal, e anuncia-a por palavras e por escrito, convidando as pessoas a agirem segundo Deus:

          “Se considerássemos como é grande a misericórdia de Deus, nunca deixaríamos de fazer o bem enquanto pudéssemos” (1 DS 13).

 

Daí o seu grande desejo de que as pessoas vivam centradas em Deus, que experimentem a salvação e apreciem o valor fundamental da pessoa humana. Com a linguagem do seu tempo, diz que “vale mais uma alma do que todos os tesouros do mundo” (1 DS 17).

 

Daí o seu interesse em aproveitar todas as ocasiões para apresentar a Boa Nova. O anúncio da salvação é algo que traz no seu coração. A sua caridade não se limita a solucionar problemas e necessidades sociais; o seu compromisso pelo homem não tem como fim principal, e ainda menos exclusivo, a promoção social dos marginalizados e o conforto dos doentes. Vive e realiza o serviço aos pobres e aos doentes como uma forma pessoal de imitar a Jesus Cristo, de anunciar o Evangelho e tornar presente o amor de Deus pelo homem, especialmente pelos mais fracos.

 

Ele mesmo se encarrega de dizer, depois de enumerar uma série de necessidades e problemas que tem de enfrentar:

          ...vejo-me aqui cheio de dívidas e preso só por Jesus Cristo (2 GL 7).

 

E, no final das suas cartas:

          João de Deus, o qual deseja a salvação de todos como a sua própria. Amém Jesus”.

 

É claro, além disso, que não se ocupa unicamente das atenções corporais e de resolver problemas sociais e económicos:

·               Todas as sextas-feiras vai à casa pública para evangelizar as prostitutas;

·               Ensina o catecismo às crianças e aos acolhidos no seu hospital;

·               Preocupa-se com a assistência religiosa e a administração dos sacramentos aos doentes;

·               Orienta espiritualmente as pessoas com quem se relaciona:

 

* Luís Baptista, quanto ao discernimento vocacional;

* Guterres Lasso, sobre assuntos de família e o futuro dos seus filhos;

* As cartas à Duquesa de Sesa, especialmente a terceira, estão cheias de orientações de carácter espiritual.

 

João de Deus realiza um serviço integral à pessoa e exprime-o muito bem quando afirma:

“...ao ver padecer tantos pobres.... com tantas necessidades, tanto do corpo como da alma” (2 GL 8).

 

E muito menos se dedica exclusivamente às pessoas acolhidas no hospital; o seu amor estava aberto a

“pobres e necessitados de toda a espécie (que) acudiam a ele para que os socorresse: viúvas e órfãos honestos, em segredo; pleiteantes; soldados perdidos e pobres lavradores... A todos socorria, conforme as suas necessidades, não despedindo ninguém desconsolado”[12]. ”...sem contar os estudantes que mantinha e os envergonhados nas próprias casas” [13].

 

Hoje falamos de nova evangelização, de nova hospitalidade, de pastoral da saúde. João de Deus anuncia e torna presente o conteúdo imutável da mensagem da Boa Nova, com um ardor e atitudes que, por vezes, nos faltam hoje. Nisto consiste outra manifestação do seu calibre profético.

 

 

 

 

 

 

 

 

II PARTE

 

ELEITOS PARA EVANGELIZAR

OS POBRES E OS DOENTES

 

 

Panorâmica histórica

 



 

Capítulo III

 

 

A ORDEM HOSPITALEIRA ATÉ MEADOS DO SÉC. XIX

 

 

1. Desde a morte de João de Deus até à divisão da Ordem em duas Congregações

 

Os começos da Ordem são, na verdade, humildes e simples, mas providenciais, e caracterizam-se pelo espírito deixado por João de Deus. Só à luz da Providência divina se explica a continuidade e o desenvolvimento da obra iniciada pelo pai dos pobres. O apoio material e moral, os primeiros Hospitaleiros encontram-no nas pessoas do Arcebispo de Granada, Pedro Guerreiro, em S. João de Ávila e noutros benfeitores. O suporte canónico-institucional era inexistente: tratava-se de uma obra sem estruturas nem organização jurídica, sem um Regulamento, e só 37 anos mais tarde (1587) é que viria a ter lugar o primeiro Capítulo para nomear um Superior Geral e elaborar as Constituições.

 

Tudo começou em Granada. A João de Deus sucede na direcção do Hospital Antón Martín. Durante o período compreendido entre 1552 e 1565, os destinos dos Irmãos na Espanha são regidos pelo Ir. João García, que admitiu na Congregação dos Irmãos de João de Deus, Rodrigo de Sigüenza, Sebastião Árias, Pedro Soriano, Melchor de los Reyes e Frutos de S. Pedro.

 

 

a) Primeiras fundações fora de Granada

 

Entre as actividades de maior importância desse tempo contam-se, como marcos do futuro desenvolvimento da Ordem, a transferência do hospital da Cuesta de los Gomérez para os terrenos dos Jerónimos, a viagem de Antón Martín a Madrid, com a nova fundação e, um pouco mais tarde, a “Guerra de las Alpujarras”[14].

 

O desejo de organizar quanto antes e o melhor possível o novo hospital de Granada levou Antón Martín a Madrid (1552) em busca de ajudas económicas, que foram generosas, contando-se entre elas a do Príncipe Filipe e da Infanta D. Joana que, além disso, lhe pediram a fundação de um hospital com as mesmas características do de Granada. O Ir. Antón Martín regressou a Granada para deixar as coisas em ordem e voltou para Madrid, onde fundou um hospital chamado “do Amor de Deus”. Adoeceu gravemente durante a construção e ampliamento do hospital e veio a falecer na noite de 24 de Dezembro de 1553, depois de ter designado no seu testamento os Irmãos Maiores (Superiores) para os hospitais de Madrid e de Granada.

 

A obra dos Irmãos de João de Deus ia-se desenvolvendo, graças à fé e à confiança na Providência e na fiel abertura aos planos de Deus, que se manifestavam nas petições para alargar a nova hospitalidade. As vocações iam florescendo e multiplicavam-se sem cessar em Espanha, o que encorajava os nossos primeiros Irmãos a difundiram cada vez mais a Hospitalidade em benefício dos pobres e dos doentes. Assim, à fundação de Madrid (1552), seguiram-se as de Lucena (1565), Utrera (1567), Jerez de la Frontera (1568), Córdova e Sevilha (1570).

 

A participação dos Irmãos na Guerra de las Alpujarras e na Batalha de Lépanto abre novos horizontes à Ordem e confere maior amplidão ao carisma. A missão não se limita ao serviço no hospital; no futuro, estende-se e abre-se aos exércitos em terra, às expedições navais, os Irmãos tornam-se presentes nos lugares onde surgem epidemias e vão para qualquer parte do mundo onde haja necessidade de assistência médica.

 

Aos Irmãos de João de Deus uniram-se, na década de setenta do séc. XVI, o Ven. Pedro Pecador (fundador do hospital de Nossa Senhora da Paz, em Sevilha, e dos de Málaga, Antequera e Ronda), e S. João Grande (fundador do hospital da Candelária, em Jerez de la Frontera, ao qual se juntariam os hospitais de Medinasidonia, Sanlúcar de Barrameda, Arcos de la Frontera, Puerto de Santa Maria e Villamartín): a S. João Grande uniram-se os seus discípulos e os hospitais que ele havia fundado. Entre os seus seguidores encontra-se Pedro Egipcíaco, que foi o primeiro Geral da Congregação Espanhola. 

 

 

b) Aprovação da Congregação de Irmãos de João de Deus: S. Pio V

 

Os Irmãos Sebastião Árias e Pedro Soriano, empreenderam em 1570 uma viagem Roma para solicitar a aprovação da Ordem e obtiveram de S. Pio V o Breve Salvatoris nostri (8 de Agosto de 1571) e a Bula Licet ex debito (datada de 1 de Janeiro de 1572), pela qual se erigia em Congregação Religiosa e Hospitaleira o grupo de Irmãos de João de Deus, sob a Regra de Santo Agostinho e obediência aos Ordinários do lugar, e se lhes concedia hábito próprio.

 

Obtida a aprovação, o Ir. Pedro Soriano permaneceu em Itália e fundou, em finais do mesmo ano de 1572, o Hospital de Nossa Senhora da Vitória, em Nápoles; em 1581 começa a actividade em Roma, na Praça de Pedra, transferindo-se para a Ilha Tiberina em 1584, ano em que assina a escritura de compra do Hospital S. João Calibita.

 

 

c) Aprovação da Ordem: Sisto V

 

O Instituto difunde-se rapidamente e, o que é mais importante, os Irmãos vivem com verdadeiro zelo o espírito de caridade de João de Deus. Sentem que chegou o momento de constituir uma Ordem, com Regras e Superiores próprios. Sisto V, que conhecia muito bem a obra dos Irmãos, elevou a Congregação a Ordem regular, com a Bula Etsi pro debito, de 1 de Outubro de 1586, concedendo aos Irmãos o direito de celebrar o Capítulo Geral e nele aprovar Constituições e eleger o Superior Geral.

 

O Capítulo celebrou-se no Hospital S. João Calibita, de 20 a 24 de Junho de 1587. No dia 23, Pedro Soriano foi eleito Geral da Ordem Hospitaleira e foram aprovadas as primeiras Constituições para toda a Ordem.

 

 


2. Divisão da Ordem em duas Congregações

 

No dia 13 de Fevereiro de 1592, com a promulgação do Breve Ex omnibus, por Clemente VIII, os Irmãos voltam à situação que precedeu a aprovação do Instituto por Pio V, pois não se lhes permite a emissão de outros votos senão o de prestar serviço nos hospitais, sob a obediência dos Ordinários.

 

Embora o Papa não tivesse a intenção de separar juridicamente os Irmãos de Itália dos de Espanha, a separação verifica-se pelos seguintes motivos:

 

·          Parcial reintegração da Ordem em Itália: Breve Romani Pontificis (9.IX.1596), de Clemente VIII;

·          Parcial reintegração em Espanha: Breve Piorum virorum (12.04.1608) de Paulo V;

·          Reintegração total em Espanha: a 7 de Julho de 1611, o Papa Paulo V, com o Breve Romanus Pontifex, eleva a Congregação de Espanha à categoria de verdadeira Ordem regular. Começa aqui, juridicamente, a separação das duas Congregações, pois o Papa concede o direito de celebrar o Capítulo Geral, eleger o Superior Geral para Espanha e redigir Constituições;

·          Reintegração total em Itália: concedeu-a o mesmo Paulo V, mediante o Breve Romanus Pontifex (13.02.1­617), com as mesmas prerrogativas que tinha concedido à Congregação Espanhola. Desde este momento, a Ordem tem dois Superiores Gerais.

 

Deste modo, juridicamente, a Ordem é formada por duas Congregações desde 1611 até 1867, ano em que a Ordem é restaurada em Espanha pelo Beato Bento Menni, sendo então Geral da Congregação Italiana o P. João Maria Alfieri, o que significa que cada Congregação terá Constituições e Superior Geral próprios.

 

No entanto, já desde o ano de 1587 se notava uma certa separação dos Irmãos de Espanha dos de Roma, mantida por alguns Irmãos do Hospital de Granada e outros de Espanha, que resistiram a aceitar a residência do Geral da Ordem em Roma e, por conseguinte, a renovar a profissão sob a sua autoridade. Esta atitude manifesta-se mais claramente quando, devido à prematura morte do P. Pedro Soriano, em Agosto de 1588, enquanto realizava a visita canónica ao Hospital de Perúsia, os Irmãos de Espanha não se apresentam ao Capítulo Geral, celebrado em Roma no mês de Março de 1589.

 

 

2.1. A Congregação Espanhola

 

a) A Ordem em Espanha

 

A 20 de Outubro de 1608, Pedro Egipcíaco é eleito primeiro Superior Geral da Congregação Espanhola. Neste Capítulo redigem-se novas Constituições, levadas para Roma pelo mesmo Ir. Egipcíaco. Paulo V aprova-as e confirma o Instituto, a 11 de Junho de 1611. Depois de renovar a profissão nas mãos do Papa, regressa a Espanha. No dia 2 de Novembro de 1614 é reeleito Superior Geral e o Papa Paulo V, com o Motu Proprio de 16 de Março de 1616, exime os Irmãos da obediência aos Ordinários. Também Paulo V, pelo Breve de 7 de Dezembro de 1619, divide a Congregação Espanhola em duas Províncias: a de Nossa Senhora da Paz (Andaluzia) e S. João de Deus (Castela).

 

Nos começos do séc. XVII, a nossa Ordem tem uns vinte hospitais na Península Ibérica, começa a desenvolver-se na América, após as duas primeiras fundações em Cartagena de Índias (1596) e em La Habana (1603); estende-se inclusivamente até às Filipinas, onde os Irmãos chegam em 1617.

 

Em 1715, os dois ramos (espanhol e italiano) da Ordem Hospitaleira compreendiam 16 Províncias com 256 hospitais e 2.399 Hospitaleiros. O ramo espanhol era formado pelas Províncias de Nossa Senhora da Paz (Andaluzia), com 26 hospitais; S. João de Deus (Castela), com 22 hospitais; Espírito Santo (Nova Espanha), que compreendia também as Filipinas, com 28 hospitais; S. Bernardo, (Terra Firme), com 11 hospitais; e do Arcanjo S. Rafael (Peru e Chile), com 20  hospitais.

 

A 9 de Fevereiro de 1738 é eleito Geral da Congregação Espanhola o Ir. Alonso de Jesus y Ortega, “o Magno”. Com ele, o ramo espanhol da Ordem viria a alcançar o seu máximo esplendor. Da grandeza da obra dos Hospitaleiros nestes anos dá uma ideia o facto de, entre Janeiro de 1735 e Dezembro de 1757 se terem recebido 726.637 doentes.

 

A expansão da Ordem em Espanha seguiu uma linha ascendente até ao fim do mandato de Superior Geral do Ir. Alonso de Jesus y Ortega  († 1771). Nesta altura, a Congregação Espanhola tinha 1261 religiosos e sete Províncias: três em Espanha, três na América (numa delas estavam incluídos cinco hospitais das Filipinas) e uma em Portugal, que abrangia vários centros em África e na Ásia. A partir desse momento, começa a decadência da Congregação Espanhola, até à sua extinção formal em 1850.

 

 

 

b)  Chegada dos Irmãos e consolidação da Ordem em Portugal

 

Já no princípio da vida da Ordem, os Irmãos manifestaram o desejo de adquirir como propriedade a casa onde nasceu o nosso Fundador. Apesar de muitos esforços, por diversas razões, esse desejo não pôde concretizar-se até ao ano de 1606, quando dois Irmãos do hospital de Antón Martín, de Madrid, se transferiram para Portugal. Sobre a casa onde nasceu João de Deus, em Montemor-o-Novo, edificaram- -se edificada uma Igreja e um hospital.

 

A expansão da Ordem em Portugal seguiu a mesma trajectória e os mesmos critérios que na Espanha. De facto, foi uma Província da Congregação Espanhola até 1790, quando a Santa Sé aprovou a sua separação definitiva, nomeando um Vigário Geral com o seu próprio Definitório. Em prática, há já muito tempo, desde aproximadamente 1702, que vivia separada das Províncias Espanholas.

 

Em 1745 eram onze os hospitais da Ordem em Portugal; nove militares, servidos pelos Irmãos, e cinco repartidos pela África e Ásia, sendo então os Irmãos portugueses mais de 130.

 

 


2.2. A Congregação Italiana

 

a)  Os Irmãos Hospitaleiros em Itália

 

A obra dos Irmãos de João de Deus viveu em Itália anos de expansão e florescimento, graças ao testemunho de caridade, à disponibilidade para atender quaisquer necessidades que surgissem, e a uma assistência esmerada e qualificada. Tudo isso fez com que eles ganhassem simpatia e os favores das autoridades civis e eclesiásticas, bem como de muitos benfeitores. Assim conseguiram os Irmãos uma rápida expansão, com um grande número de fundações em Itália e em grande parte de Europa: Áustria, Alemanha, Polónia, França.

 

Também na Itália os Irmãos prestavam assistência aos soldados nos campos de batalha e às vítimas das pestes e epidemias, constituindo um grande testemunho de caridade e hospitalidade.

 

Podemos ficar com uma ideia da pujança e desenvolvimento da Ordem em Itália atendendo a que, decorridos apenas 80 anos após a primeira fundação (Nápoles 1576), os Hospitaleiros contavam com seis Províncias em pleno desenvolvimento: Roma, Nápoles, Lombardia, Bari, Sicília e Sardenha, com 66 hospitais, 1032 camas, assistindo 27.469 doentes, todos pobres, e 595 Irmãos, entre eles alguns muito ilustres que se distinguiram pela sua preparação e competência na Medicina, cirurgia e enfermagem, nomeadamente os Irmãos Pascual de l’Homme e Gabriel Ferrara.

 

 

b) Fundações transalpinas

 

Os países a que seguidamente nos referiremos e que compõem o mapa da Ordem na Europa com os três de que já falámos, viram nascer a família joandeína a partir de Hospitaleiros chegados de Itália ou de Províncias pertencentes à Congregação italiana. A expansão deve-se à vida exemplar dos irmãos e à missão apostólica que eles desempenharam.

 

 

b.1) França

 

O Ordem teve uma rápida propagação na França a partir do ano de 1602, data em que o Ir. Bonelli e os seus companheiros chegados de Itália fundaram o Hospital da Caridade, o mais importante da nação naquela época e berço da Província francesa. Com a ajuda das autoridades civis e eclesiásticas, a Ordem estendeu-se rapidamente pela França.

 

Embora estivessem unidos à Congregação italiana, os Irmãos franceses beneficiavam de um regime autónomo. O Provincial era simultaneamente Vigário Geral e governava com independência de Itália. Em 1789, a Província tinha 40 hospitais em França e 5 nas suas colónias. Os Irmãos eram 350.

 

 

b.2) Países austro-germânicos

 

No ano de 1605, os Irmãos Gabriel Ferrara, ilustre médico e cirurgião, João Baptista Cassinetti e outros  religiosos, chegaram a Feldsberg, a pedido do príncipe Carlos de Liechtenstein, para se encarregarem do hospital de Santa Bárbara, o primeiro dos 22 hospitais que a Ordem fundou até à morte do Ir. Ferrara, em 1627.

 

Em breve, nasceu a próspera Província do Arcanjo S. Miguel, da qual tiveram origem todas as Províncias da Europa Central. Em meados do século XVIII, a denominada Província di Germania S. Michele Arcangelo incluía 31 hospitais, abrangendo no seu enorme âmbito geográfico os actuais países da Áustria, Itália, Alemanha, Roménia e Hungria.

 

Tal como noutros lugares, os Irmãos ocupavam-se dos doentes nos seus hospitais e acompanharam igualmente as tropas do imperador nas suas campanhas bélicas, assistindo os feridos e os doentes. E nem sequer faltou o serviço abnegado e caritativo às vítimas de pestes e epidemias.

 

 

b.3) Polónia

 

O Ir. Gabriel Ferrara chegou à Polónia em 1609, recebendo o hospital de Cracóvia. Em pouco tempo surgiram novas fundações na Polónia e na Lituânia. Em 1642 constituiu-se em Província independente, sob a protecção de Nossa Senhora da Assunção. Apesar de ser uma Província próspera (13 hospitais e 156 religiosos em finais do século XVIII), desapareceu com a repartição dos seus territórios entre a Rússia e a Prússia.

 

 

3. A Ordem na América durante este período

 

Na Bula de Gregório XIII “In Supereminenti” (28 de Abril de 1576), são mencionadas as fundações que os Irmãos de João de Deus tinham feito “nas diversas Províncias das Índias do mar Oceano”, sem especificar nem o número nem o lugar em que se encontravam.

 

Tanto na primeira biografia de S. João de Deus (1585) como nas Constituições feitas no primeiro Capítulo Geral (Junho de 1587), assinala-se a existência de três hospitais na América: no México, na cidade do Nome de Deus (Panamá) e na Cidade de los Reyes, no Peru (cf. Const. 1587, fl. 43 v.).

 

Alguns destes hospitais deverão ter sido aqueles que os primeiros colonizadores edificavam para dar assistência tanto aos espanhóis que viajavam para o Novo Mundo como aos indígenas. Outros hospitais, como acontecia naquela época em Espanha, foram edificados por pessoas piedosas, por associações ou confrarias que, inteiradas da Congregação fundada em Granada por João de Deus, ofereciam estes hospitais aos seus Irmãos. Só assim se explica a existência de hospitais em nome da Congregação de João de Deus antes de os primeiros Hospitaleiros terem saído da Espanha para se estabelecer na América.

 

Num manuscrito conservado no Arquivo das Índias, consta que os Irmãos de João de Deus, de Granada, se declararam dispostos, em 1584, a partir para terras americanas. Esta disponibilidade foi inicialmente ignorada (18 de abril de 1584); consta também que, numa das frotas espanholas que partiram para Cuba e a Nova Espanha embarcaram oito religiosos hospitaleiros para assistirem os doentes e feridos, sendo superior desse grupo o Ir. Francisco Hernández. Este Hospitaleiro viu o vasto campo de acção que aquelas terras ofereciam para a missão médica e hospitaleira e, quando regressou à Espanha, apresentou a Filipe II de Espanha um memorial onde expunha os serviços prestados e falava da necessidade de os estenderem às Índias: ao terminar o seu relatório, pedia autorização ao rei para voltar para aquelas regiões com outros cinco Irmãos, com o fim de ali exercer o seu trabalho missionário e hospitaleiro.

 

O monarca acedeu à petição e expediu uma Real Cédula, datada de Madrid, em 2 de Dezembro de 1595, e dirigida ao presiden­te e aos ministros da Casa de Contratação de Sevilha, ordenando-lhes que deixassem embarcar para as Índias o Ir. Francisco Hernández com os seus cinco companheiros, a fim de se encarregarem dos hospitais de Cartagena, Nome de Deus e Panamá. Ao fim da longa viagem, chegaram ao porto de Cartagena das Índias, em Abril de 1596, e tomaram posse do hospital desta cidade, colocado sob a protecção de S. Sebastião.

 

A partir do seu estabelecimento permanente, nas primeiras três décadas do séc. XVII, a acção dos Hospitaleiros estendeu-se rapidamente pelo continente americano. Tendo em vista regulamentar a nova situação, chegaram algumas disposições do Conselho Real das Índias, emanadas para os Irmãos e os hospitais da América, e que foram inseridas nas Constituições de 1640.

 

Por volta de 1780, as estatísticas das três Províncias americanas, sem considerar as Filipinas, apresentam os seguintes dados: Província de S. Bernardo, 11 hospitais e 70 Irmãos;  Província do Arcanjo S. Rafael, 20 hospitais e 245 Irmãos; Província do Espírito Santo, 26 hospitais e 255 Irmãos.

 

As causas que favoreceram a presença e expansão da Ordem na América foram, em primeiro lugar, a caridade e dedicação dos Irmãos, a disponibilidade para atender quaisquer necessidades que surgissem, e a universalidade no acolhimento, a sua preparação humana e científica, que garantia uma maior qualidade assistencial, a que devemos acrescentar ainda o apoio das autoridades civis e eclesiásticas. 

 

A boa fama dos Hospitaleiros perante as autoridades e o povo fez com que, em muitos casos, os Irmãos fossem chamados a tomar conta dos hospitais e facilitou a aceitação dos pedidos que eles mesmos dirigiam às autoridades no sentido de se encarregarem da direcção de outros hospitais já existentes.

 

A simpatia do povo e das autoridades manifestava-se sobretudo na generosidade em colaborar economicamente na obra dos Irmãos, pois a maioria dos hospitais não podia funcionar com as rendas atribuídas e eram necessárias esmolas para a sua sustentação. Existiam também muitas Irmandades e Confrarias nos hospitais que lhes garantiam um verdadeiro apoio espiritual, assistencial e económico.

 

 

3.1. Contribuições para a evangelização

 

Sinteticamente, referimos as seguintes contribuições para a evangelização naquele continente:

 

·      A chegada dos espanhóis à América implicou também a entrada da fé cristã: sacerdotes e religiosos acompanhavam os colonizadores, com o fim de assistir espiritualmente as tropas e difundir o Evangelho.

·      A evangelização, mediante o serviço aos doentes e necessitados, foi e continua a ser a grande contribuição da Ordem para aquele continente: a assistência corporal e espiritual – hoje diríamos “integral” – foi, como se disse, de qualidade e muito apreciada. Tivemos bons e ilustres médicos, cirurgiões, enfermeiros e sacerdotes.

·      Embora a evangelização através da pregação não seja o fim da missão da nossa Ordem, na América, os Irmãos realizaram uma grande obra nas igrejas e nos centros, nalgumas paróquias e também através da dedicação de Irmãos à catequese e à formação, num continente tão precisado dela.

·      A acção de caridade e abnegação dos Hospitaleiros com os doentes e a dedicação de muitos deles à esmola, foram ocasiões para a evangelização mediante palavras simples, apoiadas na coerência de vida. Destacou-se nesta louvável acção o Ven. Francisco Camacho, em Lima.

·      É também para destacar a inserção real dos nossos Irmãos na América. Viveram próximos da realidade das pessoas do Novo Continente e trabalharam incansavelmente em favor dos mais desfavorecidos. Na altura em que se iniciaram os processos de independência, houve o compromisso de alguns, reconhecido pelo povo, na luta, apoio e serviço ao lado dos que procuravam conseguir a independência. O seu testemunho foi quase sempre dado a partir da hospitalidade. Vários Irmãos foram por isso desterrados e presos. Poderíamos dizer que, juntamente com outros religiosos, sacerdotes e leigos, foram autênticos pioneiros e antecessores das testemunhas de hoje da teologia da libertação. Alguns exemplos são-nos fornecidos pelas vidas dos Irmãos Agostinho de la Torre, José Rosauro Acuña y Pedro Domínguez, no Peru, pelo Ir. Santiago Monteagudo, no Chile, e pelo Ir. José Olallo Valdés, em Cuba.

 

 

4. Presença dos Irmãos na Ásia, África e Oceânia

 

Os primórdios da presença da Ordem na Ásia, África e Oceânia estão relacionados com a expansão das Coroas portuguesa e espanhola nos séculos XVI e seguintes. 

 

A colonização de novas terras e/ou a defesa de outras, precisavam do envio constante de frotas da Armada, em cujos barcos cedo embarcaram Hospitaleiros para prestar serviço aos feridos de guerra e às populações dos lugares onde chegavam; isso fez com que em breve chegassem Irmãos aos novos continentes. No entanto, o estabelecimento permanente só alguns anos mais tarde é que viria a ser efectuado, assumindo a responsabilidade de hospitais fundados pelos Reinos de Portugal e Espanha, umas vezes a pedido da Ordem, outras chamados pelas autoridades locais.

 

Ao lado de religiosos de outros Institutos, encontramos a nossa Ordem a exercer a caridade e a praticar a hospitalidade segundo o carisma de S. João de Deus.

 

Até ao século XIX, quando os Irmãos deixaram de estar presentes em muitos lugares pelas mesmas razões por que deixaram de poder trabalhar na Europa e na América, as características e as contribuições para a evangelização são muito parecidas com o que aconteceu na América.

 

 


a) Ásia

 

Embora não tenha havido fundações permanentes no continente asiático, até vários anos mais tarde, no contínuo ir e vir das armadas portuguesa e espanhola, os Irmãos estabeleceram postos de assistência nas costas da China, seja em casos de epidemias e contágios, seja pelo grande número de feridos que viajavam nos barcos após algumas batalhas.

 

O primeiro hospital onde os Irmãos se estabeleceram na Ásia foi Cavite (Filipinas), no ano de 1620. Os Irmãos procedentes da Espanha chegaram pela primeira vez às Filipinas em 1617, com autorizações do rei Filipe III para realizarem fundações. Posteriormente (1621), a partir do México, chegaram o Ir. João de Gamboa e outros  religiosos para fundar o hospital de Bagumbaya (Manila). Novas fundações foram realizadas posteriormente. As vicissitudes políticas e sociais da Espanha no século XIX marcaram a vida da Ordem nas Filipinas que, em finais desse século, acabou por desaparecer, permanecendo esse arquipélago sem a presença dos Hospitaleiros até à chegada dos Irmãos italianos, em 1988.

 

Os Irmãos portugueses fundaram vários hospitais nas costas da Índia: Goa em 1685, Baçaím em 1686, Diu em 1687, e Damão em 1693. Estes hospitais tiveram a mesma sorte da Província portuguesa quanto ao seu desenvolvimento e desaparecimento.

 

 

b) África

 

Desde 1573 até 1834, mais de uma centena de Irmãos acompanharam as campanhas dos soldados espanhóis na conquista e defesa de praças africanas pertencentes à Coroa Espanhola. Na qualidade de médicos, cirurgiões e enfermeiros, missionários e catequistas, mereceram os mais altos elogios das autoridades, e até mesmo do rei Filipe III de Espanha (que dirigiu uma carta neste sentido ao Padre Egipcíaco). Entre outros, podemos destacar a presença do Padre Pedro Soriano na conquista de Tunes e Biserta, sob a chefia de D. João de Áustria, em 1573, assim como os vinte Hospitaleiros que, em 1843, se deslocaram a Ceuta para combater o “contágio maligno”; nesse apostolado, morreram treze Irmãos.

 

A primeira fundação estável em terras africanas foi levada a cabo pelos Irmãos de Portugal em Moçambique (1681), mas um decreto de Maio de 1834 suprimiu a presença da Ordem naquelas terras.

 

 

c) Oceânia

 

Em Maio de 1606 chegou às costas da Austrália a primeira expedição que tinha partido do porto de Callao (Peru), meio ano antes. Na expedição iam quatro Hospitaleiros com o fim de cuidar dos doentes e feridos da expedição e com autorização para fundar e administrar hospitais. No entanto, não dispomos de notícias de que ali tenham permanecido ou fundado hospitais, provavelmente porque os espanhóis não chegaram a estabelecer-se.

 

 

 


5. Valores da Hospitalidade e factores que influíram na difusão da Ordem

 

São essencialmente três, as razões que originaram a expansão e o esplendor da Ordem nesta época:

·      Vivência alegre e entusiasta do carisma e do espírito do fundador e disponibilidade e entrega incondicional para cuidar dos doentes e dos pobres mais necessitados, tanto dentro como fora dos hospitais. Os Irmãos foram verdadeiras testemunhas de hospitalidade na atenção aos doentes de pestes, contágios e epidemias, muito frequentes naquela época, tanto nos seus próprios hospitais, como deslocando-se aos lugares onde se verificavam as catástrofes, assistindo e servindo com amor e competência os afectados. Além disso, é preciso sublinhar a acção dos nossos Irmãos em muitas guerras e campos de batalha, tanto em terra como no mar.

·      Preocupação e esmero em fornecer um serviço qualificado na assistência aos pobres e doentes, bem como o acolhimento e a atenção prestada a quem quer que batesse à porta dos seus hospitais. Destacamos aqui o interesse na formação, tanto espiritual como profissional dos Irmãos, entre os quais se contaram médicos, cirurgiões e enfermeiros ilustres que, juntamente com o tratamento excelente e cheio de caridade, atingiram um alto grau de qualidade, difícil de encontrar naquela época.

·      Tudo isto fez com que a Ordem adquirisse a simpatia das autoridades eclesiásticas e civis, incluindo a dos reis, merecendo assim atenções e favores sob forma de concessões e autorizações para novas fundações na Espanha, na América e também nas Filipinas. E assim também se implantou a Ordem no Centro da Europa.

 

 

6. Fiéis à Hospitalidade até ao martírio

 

Em tantos anos de história que a Ordem tem, e na sua ampla expansão em todos os continentes do mundo, é fácil supor a existência de uma longa lista de testemunhas de Cristo misericordioso e verdadeiros mártires da hospitalidade. A preocupação de difundir o Evangelho mediante o exercício da caridade e do serviço aos doentes e necessitados, comportou para muitos Hospitaleiros a perseguição e o sacrifício da própria vida, até ao derramamento do próprio sangue. Trata-se de uma característica constante na história da Ordem, que novamente desejamos sublinhar:

 

·      Brasil, 1636: no porto de S. Salvador, pela mão de piratas holandeses, sofreram o martírio os Irmãos Jesus Arana e Acosta, português, e os espanhóis Francisco Esforcia e Sebastião.

·      Colômbia, 1637: os Irmãos Diego de S. João, espanhol, e António de Almazán, colombiano, morreram pela mão dos índios xocós. Em 1646, o Ir. Miguel Romero e um religioso franciscano foram martirizados pelos mesmos índios xocós.

·      Chile, 1656: os índios aucas martirizaram o Ir. Gregório Mejía, em Valdívia. Em 1795, foi a vez de o Ir. Bernardo Lugones encontrar a morte, morto pelos índios araucanos.

·      Polónia, 1656: no hospital de Lublin foi martirizado o Ir. Eustáquio Biescekierski, dado por morto, mas que posteriormente se curou. Em Varsóvia, foram assassinados o Ir. Nicolás Orkieska, sacerdote, e o Ir. Melchor Moreti. Outros Irmãos, como Hipólito Ciarnowski, foram maltratados e feridos, podendo embora salvar a própria vida. Em Lowiez, encontraram a morte os Irmãos Norberto Gotkoswiez e Hilário. A causa fundamental destas mortes foi a invasão da Polónia por povos vizinhos que perseguiam os cristãos.

·      Filipinas 1725: pela mão de um grupo de indígenas instigados por bonzos procedentes da China, morreu o Ir. Lorenzo Gómez. Em S. João de Buenavista, em 1715, foi morto pelos indígenas o Ir. António de Santiago, que se distinguiu pelo seu espírito missionário e pelo zelo na difusão da mensagem de Cristo. Em 1731, e no mesmo lugar, sofreu o martírio o Ir. António Guemez.

·      França: com a chegada da Revolução e a supressão da Ordem, os Irmãos foram perseguidos e presos, e alguns deles sofreram o martírio: o Ir. Vomerange, em Bordéus, o Ir. Felicien Citet, em Paris, os Irmãos Marcet Clémont e Modesto Bernard, nos pontões de Rochefort; este último foi desterrado posteriormente para a Guiana Francesa e morreu na miséria.

·      Espanha: durante a Guerra da Independência (1808 e seguintes), após a invasão das tropas de Napoleão, muitos Irmãos foram perseguidos e expulsos dos hospitais, à força. Alguns encontraram a morte servindo como enfermeiros, médicos e cirurgiões nas tropas espanholas: entre eles, contam-se os Irmãos Pedro Pérez e António Pérez, Manuel Groizar e Nicolás de Ayala.

 

Em todos os casos, o serviço hospitaleiro e a pregação da mensagem evangélica foram as causas do martírio.

 

 



 

Capítulo IV

 

 

 

RESPOSTA APOSTÓLICA E MISSIONÁRIA DA ORDEM

DESDE MEADOS DO SÉC. XIX ATÉ AOS NOSSOS DIAS

 

 

A partir da Renascença, as autoridades civis começam a considerar a assistência aos doentes e aos pobres como um dever baseado no imperativo da justiça. Após um longo processo, que culmina no século XVIII, os hospitais vão-se secularizando e passam a depender a jurisdição civil.

 

A segunda metade do século XVIII marca uma nova época na vida europeia, que se caracteriza pelo racionalismo e pela luta contra as formas estabelecidas, concretamente contra a monarquia e a Igreja.

 

 

1. Extinção da Congregação Espanhola

 

a) Decadência e restauração da Ordem em Espanha

 

No mês de Setembro de 1807, as tropas francesas penetram no solo espanhol. A estes antecedentes junta-se o período conhecido como Triénio Constitucional (1820-1823). Uma das primeiras medidas dos liberais (Setembro de 1820), foi a aprovação pelas Cortes de um projecto de lei que suprimia os conventos de ordens monásticas e reformava as Ordens mendicantes. Com essa lei, permitia-se a secularização dos religiosos, proibia-se a admissão de novos noviços e a profissão de novos candidatos, e suprimia-se a maior parte dos conventos, enquanto se ordenava o encerramento daqueles cujas comunidades não atingisse o número de 24 professos. Esta última medida comportou a supressão de quase todos os conventos hospitalares da Ordem Hospitaleira existentes em Espanha.

 

A 9 de Março de 1836 foi emanado o Real Decreto de supressão total das ordens religiosas e mosteiros. Como consequência, permaneceram abertos na Espanha apenas os de Sevilha e Madrid. Em Madrid, no convento do hospital de Antón Martín, ficou uma comunidade formada por 14 Irmãos, cujo prior era o Ir. António Albors.

 

Em Maio de 1830 realizou-se aquele que seria o último Capítulo Geral da Congregação Espanhola, sendo eleito como seu último Superior Geral o Ir. José Bueno y Villagrán: vendo tudo perdido e sem possibilidade de outra solução, antes que todo o edifício hospitalar fosse derrubado, tomou as medidas convenientes para pôr a salvo o que restava de maior valor entre as suas ruínas. Assim, enviou parte da documentação do Arquivo Geral para o hospital de Sevilha (o único que sobrevivia quando chegou o Beato Bento Menni). Por carta, recomendou ao Geral da Congregação italiana, Ir. Bento Vernò, as causas de beatificação do Ven. Francisco Camacho e de S. João Grande “a fim de que não se extraviem”, e concluía a sua carta nestes termos: “A Você, como único Responsável Superior actual da Ordem, cumpre cuidar de quanto 51

à Congregação pertencia; em virtude disso, tomará as medidas que julgar prudentes para o conservar”. Morreu a 11 de Março de 1850, em Madrid; com ele, extinguia-se formalmente a Congregação Espanhola da Ordem Hospitaleira de S. João de Deus.

 

Às causas extrínsecas que motivaram a extinção formal da Congregação Espanhola (invasão francesa e a guerra sucessiva, o triénio liberal, a política de exclaustração e secularização das ordens religiosas) haveria que acrescentar as intrínsecas da própria Congregação, sendo muitas delas consequência das primeiras. Também se pode falar de impreparação por parte da Congregação Espanhola para enfrentar as novas circunstâncias políticas, sociais e económicas.

 

 

b) Restauração da Ordem em Espanha

 

O P. João Maria Alfieri envidou todos os esforços para restaurar a Ordem em Espanha. Procurou restaurá-la a partir dos poucos Irmãos que sobreviviam quando faleceu o Ir. José Bueno, mas tal não foi possível, de modo que ele mesmo se deslocou à Espanha, conseguindo da Rainha Isabel II autorização para estabelecer comunidades Hospitaleiras.

 

·      Depois de várias tentativas sem resultado, enviou para tão difícil tarefa o Ven. Bento Menni, há pouco ordenado sacerdote, que chegou a Barcelona na Semana Santa de 1867 e , em Dezembro do mesmo ano, fundou o Asilo S. João de Deus para crianças fisicamente deficientes. Foi o início da restauração da Ordem em Espanha, que passou por dificuldades de todo o género, superadas graças ao amor a Deus, aos pobres doentes e à Ordem.

 

·      A 21 de Junho de 1884 era aprovada a erecção canónica da Província S. João de Deus em Espanha, com 120 Irmãos e cinco casas. Os hospitais fundados pelo Beato Menni, na sua maioria, foram destinados à assistência de doentes mentais e crianças paralíticas e escrofulosas, que eram os mais abandonados.

 

·      As características que marcaram a obra de restauração levada a cabo pelo Beato Menni foram a prática da vida espiritual, a disponibilidade para responder a todas as necessidades urgentes (pestes, guerras) e, principalmente, o fervor da caridade dos Irmãos, cujo testemunho atraiu numerosas vocações.

 

 

c) Extinção e restauração da Ordem em Portugal

 

Portugal também não se viu livre das perturbações socio-políticas e culturais que afectaram a Europa a partir do século XVIII. Em Maio de 1834, pelo Decreto de Exclaustração do ministro Aguiar, foram supressas em Portugal e nas suas colónias todas as Ordens e Congregações religiosas sem excepção, ficando assim totalmente extinta a nossa Ordem em Portugal.

 

A restauração foi igualmente obra do Beato Bento Menni, o qual, também a pedido do P. João Maria Alfieri, uma vez consolidada a Ordem em Espanha, enviou vários Irmãos com o encargo de restaurar a casa onde tinha nascido João de Deus. Em Agosto de 1893 ficou estabelecida a comunidade da Casa de Saúde de Telhal para doentes mentais.

 

Os primeiros anos não foram fáceis, quer devido às dificuldades económicas, quer às de carácter socio-políticas. Como religiosos, estavam fora da lei e não gozavam da protecção das autoridades civis, o que causou muitos problemas até se poderem resolver estas dificuldades.

 

 

2. Decadência e restauração da Congregação Italiana

 

As dificuldades socio-políticas e culturais vividas pela Europa tiveram repercussões também na Congregação Italiana. A Revolução Francesa suprimiu a Ordem em França; o josefismo teve como consequência a separação da jurisdição da Cúria Geral de Roma das Províncias de Áustria, Polónia, Lombardia, Nápoles, Sicília e Toscana.

 

 

a) Itália

 

Em 1810 era decretada a supressão das Ordens religiosas em Itália. Embora com dificuldades, os Irmãos conseguiram permanecer nos hospitais até que, em 1814, cessou a perseguição contra a Igreja e foi possível a reintegração da Ordem.

 

Realizada a unificação italiana (7 de Julho de 1866), foram declaradas extintas as Congregações religiosas e os seus bens nacionalizados pelo Governo. Os Irmãos puderam permanecer nos seus Hospitais, sob a designação de “Associações Hospitaleiras laicas”, como enfermeiros e/ou administradores. Nesta altura, a Ordem contava 50 hospitais e 352 religiosos.

 

O P. João Maria Alfieri, nomeado Superior Geral em 1862, foi sem dúvida o grande artífice da restauração da Ordem em Itália. Bateu-se de forma extraordinária para manter os Irmãos nos centros que tinham pertencido à Ordem e, a pouco e pouco, foi preparando com habilidade a recuperação dos hospitais. Também se esforçou por manter vivo o espírito religioso e moral dos Irmãos. O seu sucessor, o P. Cassiano Maria Gasser, consolidaria a restauração nas suas dimensões religiosa, espiritual e apostólica.

 

 

b) Decadência e restauração na França

 

Quando se deu a Revolução Francesa, foi publicado o Decreto do Directório (15.II.1790), pelo qual eram supressos todos os institutos religiosos da nação. Pela Lei de 18.X.1792, decretava-se a venda dos bens dos hospitais, desaparecendo assim a Ordem.

 

A restauração, difícil e laboriosa, foi iniciada por Paul de Magallón, figura profética cheia do Espírito de Deus, que transbordava de hospitalidade e amor à Igreja e à Ordem, juntamente com um grupo de companheiros. Querendo ficar sob a tutela do Superior Geral, em 1823 foram para Roma, para fazer o noviciado e emitir a profissão religiosa. Regressaram à França e, em 1825, fundaram o Hospital Psiquiátrico de Lyon.

 

Não sem dificuldades – em 1880 foi emanado um novo Decreto de supressão – manteve-se o crescimento em França, graças à firmeza e ao espírito joandeíno dos Irmãos, que efectuaram fundações também na Irlanda (Tipperory 1877), Inglaterra (Scorton 1880) e Bélgica (Leuze 1906).

 

 

c) Província Germânica de S. Rafael Arcanjo

 

Durante o governo do imperador José II (1765-1790) foram emanadas leis em virtude das quais os Hospitaleiros ficavam separados da jurisdição de Roma e outras normas que tornavam difícil o bom funcionamento da Província, pois as casas que estavam fora do território austríaco separaram-se dela. Os Irmãos dessas casas erigiram em 1781 outra Província, denominada Provincia per Imperium, dedicada a S. Carlos Borromeu, com sede em Munique.

 

Não menos deletérias foram as leis ditadas por Napoleão, cujo resultado foi o desaparecimento da Ordem, com excepção dos hospitais de Breslávia e Neustadt.

 

A partir de 1831, durante o reinado de Luís I da Baviera, foi tornando a calma: restaurou-se a união com Roma e a erecção de novas Províncias: Baviera, em 1851; Silésia, em 1853; Hungria , em 1856.

d) Polónia

 

O desaparecimento da Província da Anunciação começou com a repartição do Reino da Polónia, nos anos 1772-93-95, entre a Rússia, a Prússia e a Áustria, e consumou-se durante a ocupação napoleónica  em 1806,  mantendo-se apenas o hospital de Cracóvia, que passou a depender juridicamente de Viena.

 

Visto que, a partir da Segunda Guerra Mundial, pertencia à Polónia, recordamos aqui a evolução da Ordem na Silésia. Em 1710 foi fundado o hospital de Breslávia que, juntamente com o de Neustadt, fundado em 1764, foram os únicos que superaram os tristes acontecimentos políticos e militares da época. Realizadas algumas outras fundações, as casas da Silésia foram constituídas em Província regular, a 14 de Janeiro de 1883.

A Província Polaca não foi restaurada até 1922.

 

 

3. Decadência e desaparecimento da Ordem nas Províncias Ultramarinas

 

a)  Decadência e desaparecimento da Ordem na América

 

O século XIX caracteriza-se pelo desejo de emancipação política da América Latina, que afectou também os religiosos. As medidas de exclaustração e desamortização dirigidas contra os religiosos na Europa tiveram repercussões nas colónias dos países europeus. As ideias iluministas, os movimentos de independência e a distância relativamente às metrópoles, foram preparando o clima favorável. Alguns Irmãos, influenciados pelo clima então dominante, promoveram a separação dos conventos-hospitais americanos da Congregação Espanhola. Para conseguir o seu objectivo, recorreram às autoridades civis e eclesiásticas; para obter o apoio dos Ordinários não viram inconveniente em renunciar aos privilégios da isenção, submetendo-se novamente à jurisdição dos Bispos e, com a ajuda das autoridades civis, conseguiram que o rei pedisse ao papa Pio VII o Breve de emancipação da obediência ao Superior Geral espanhol, em virtude do qual passavam a sujeitar-se aos presidentes das Câmaras e aos mordomos nomeados pelo rei para regerem os hospitais. Em 1810 pediram também a supressão dos comissariados, sendo a Província do Espírito Santo da Nova Espanha a que mais se distinguiu para conseguir o Breve e, à sua frente, o Ir. João Nepomuceno Abreu.

 

As Províncias do Espírito Santo e de S. Bernardo, logo que receberam o Breve, realizaram um Capítulo, presidido pelos delegados dos Ordinários, no qual elegeram Provinciais, Conselheiros, Priores e preencheram os outros cargos. A Província de S. Rafael manteve-se até 1816, obedecendo ao Geral e, nesse ano, realizou também um Capítulo. No México, foi nomeado Provincial o Ir. João Nepomuceno Abreu: com ele viria a extinguir-se a Província do Espírito Santo da Nova Espanha. Sobreviveriam apenas os Irmãos de Cuba, postos em contacto com o Geral, em 1824. É como se a Providência divina tivesse querido premiar esta fidelidade ao espírito de universalidade da nossa Ordem no Servo de Deus Ir. José Olallo Valdés, religioso cubano que, até à sua morte (1889) permaneceria fiel aos votos no hospital de Puerto Príncipe (Cuba): foi o último Hospitaleiro da Congregação Espanhola em terras americanas.

 

Embora a assistência na América tenha sido predominantemente realizada pelos Hospitaleiros espanhóis, é necessário mencionar aqui também a presença de Irmãos portugueses e franceses naquelas terras.

 

Os Irmãos portugueses tinham estado no Brasil, acompanhando expedições das Armadas portuguesa e espanhola, e fundaram diversos hospitais a partir de 1724, ano em que abriram o hospital de Pernambuco. A sua presença viria a terminar em meados do século XIX.

 

Os Irmãos franceses fundaram hospitais nas colónias do seu país, concretamente nas Antilhas (Guadalupe 1685) e no Canadá (1716). A presença no Canadá foi muito breve, e nas outras partes extinguiu-se após a Revolução francesa.

 

 

b) Restauração da Ordem na América Latina

 

A restauração da Ordem na América Latina foi obra do Beato Bento Menni. A ausência dos Hospitaleiros no Continente latino-americano foi breve. Efectivamente, em 1892, o P. Cassiano Maria Gasser, Geral da Ordem, e o Beato Menni, Provincial de Espanha, deslocaram-se à Argentina para estudar a possibilidade de uma fundação. As diligências não obtiveram êxito e foi necessário aguardar até 1901, quando a Ordem se restabeleceu na América com a fundação do hospital de S. Martín, em Guadalajara de Jalisco (México).

 

Deste modo, a árvore da Hospitalidade tornou a brotar das profundas raízes que o amor misericordioso de tantos Irmãos tinha implantado no Continente que chamamos da Esperança. Voltaremos a falar da presença actual da Ordem na América noutro capítulo.



 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

III PARTE

 

COMPROMETIDOS NA HOSPITALIDADE

Capítulo V

 

 

DOUTRINA DA ORDEM SOBRE A EVANGELIZAÇÃO

 

 

Ao longo dos mais de 450 anos de vida da Ordem, a literatura sobre o trabalho missionário por ela realizado é abundante, apesar de ser uma Instituição que se dedica mais à prática da caridade, e portanto à acção, do que à escritura. Não obstante isso, a lista das obras escritas é muito ampla: na bibliografia em anexo passamos em revista algumas das mais importantes.

 

 

1.    Íter histórico das Constituições da Ordem

 

Ao longo da história, diferentes textos recolhem o espírito e a missão evangelizadora da Ordem fundamentada no carisma da Hospitalidade. Nas nossas Constituições podemos distinguir dois grandes períodos: desde as origens até ao mandato de Superior Geral do P. Alfieri, e desde o P. Alfieri até aos nossos dias.

 

 

a) Desde as origens até ao mandato de Superior Geral do P. Alfieri

 

É preciso notar, em primeiro lugar, que durante 35 anos (1550-1585), os Irmãos viveram sem normas escritas reconhecidas pela Igreja.

 

Nos 31 anos seguintes (1585-1616) foram promulgadas as seguintes Constituições:

 

·      Tentativa de formular Constituições, em 1583, promovida pelo Ir. Baltasar de Herrera. Tratou-se, porém, de um esforço não autorizado em si mesmo, pois o Papa S. Pio V tinha colocado os Irmãos sob a obediência dos Ordinários, não podendo eles, por isso, elaborar constituições para todos os hospitais existentes.

·      Constituições para o Hospital de Granada, outorgadas pelo Arcebispo de Granada, D. Juan Méndez de Salvaterra, em 1585. Embora se destinassem expressamente ao Hospital de Granada, foram acolhidas e seguidas pelos Irmãos dos outros hospitais.

·      Constituições para toda a Ordem, fruto do primeiro Capítulo Geral, celebrado em 1587, depois de a Ordem ter sido aprovada por Sisto V, com o Breve “Etsi pro debito” (1.X.1586).

·      Constituições do segundo Capítulo Geral (1589). Neste Capítulo não participaram os Irmãos de Espanha. Embora no prólogo se diga tratar-se de uma tradução para italiano das Constituições de 1587, são nelas introduzidas algumas alterações significativas.

·      Primeiras Constituições da Congregação Italiana (1596), depois da parcial reintegração da Ordem em Itália.

·      Constituições para a Congregação Espanhola (1611), depois da total reintegração da Ordem em Espanha. Começa aqui juridicamente a separação das duas Congregações, que durará até 1867, com a restauração da Ordem em Espanha pelo Beato Bento Menni. Com algumas novas edições e variantes em 1640 e 1741, viriam a ser as Constituições definitivas até à extinção da Ordem em Espanha.

·      Novas Constituições da Congregação italiana (1616). Na realidade, são as Constituições definitivas até à reunificação da Ordem, embora tenha havido algumas correcções da tradução do latim, em 1718.

 

 

b) Desde o mandato de Superior Geral do Padre Alfieri até aos nossos dias

 

·      Constituições para toda a Ordem, em 1885. Foram elaboradas adaptando as anteriores.

·      Constituições novas, em 1926. São muito diferentes, estruturadas e normativas, fruto da adaptação ao novo Código de Direito Canónico de 1917. Foram reimpressas em 1950.

·      Constituições “ad experimentum”, em 1971, segundo o espírito do Concílio Vaticano II e procurando recolher as novas orientações sobre a Vida Consagrada que dele derivaram. Pela primeira vez, os aspectos normativos são recolhidos e publicados separadamente, nos Estatutos Gerais.

·      Constituições de 1984. Recolhem a nova teologia da Vida Consagrada e recuperam o sentido original da hospitalidade, com grande enriquecimento doutrinal e pastoral. A maior parte das normas são publicadas nos Estatutos Gerais.

 

 

2. Princípios sobre a evangelização

 

As Constituições, com diversos estilos conforme as épocas, recolhem os princípios fundamentais que inspiram em cada momento a missão evangelizadora de nossa Ordem. Deter-nos-emos agora a analisar os mais importantes:

 

 

a)    A hospitalidade: missão apostólica da Ordem

 

A hospitalidade é o núcleo central da vida da nossa Ordem, o carisma que S. João de Deus recebeu e de cuja experiência basilar participa desde então toda a Família Hospitaleira; é também o núcleo essencial da nossa espiritualidade, como muito bem afirmam as Constituições e os escritos da Igreja e da Ordem; por fim, é o núcleo central da nossa missão apostólica:

       “Tanto importa a vossas consciências e ao aumento deste hospital e santa casa, a cura e o alívio dos pobres, que é o fim do vosso Instituto e o que vós mais pretendeis” (Const. 1585, Intr.).

 

       “Encorajados pelo dom que recebemos, consagramo-nos a Deus e dedicamo-nos ao serviço da Igreja na assistência aos doentes e aos necessitados, com preferência pelos mais pobres (Const. 1984, 5a).

 

 

b)       Consagrados em hospitalidade,

       exercemos na Igreja o ministério da misericórdia

 

Embora seja verdade que os primeiros seguidores de S. João de Deus viveram unidos pelo espírito do Fundador, sem necessidade de normas canónicas para desempenhar a sua missão, em breve viriam a ser reconhecidos pela Igreja para exercer a missão hospitaleira, consagrados na hospitalidade.

 

       “Em virtude deste dom (hospitalidade) somos consagrados pela acção do Espírito Santo, que nos torna participantes, de maneira singular, do amor misericordioso do Pai... Este amor de Deus, “difundido nos nossos corações”, (...) leva-nos a consagrar ao Pai (...) toda a nossa pessoa” (Const. 1984, 2b;10a).

 

As citações poderiam ser infinitas, pois seria necessário recolher os diferentes aspectos que a este respeito contêm as diferentes edições das Constituições. No entanto, o conteúdo fundamental é o mesmo.

 

 

c)    Missão de curar que a Igreja exerce mediante o apostolado da Ordem

 

Seguindo Jesus Cristo, que passou por este mundo fazendo o bem a todos e curando toda a espécie de doenças e enfermidades (Act 10, 38; cf. Const. 1984, 2a), a Ordem, desde o tempo do seu Fundador, colocou o homem que sofre e se encontra em estado de necessidade no centro da sua missão. Para ele dirigiu todos os cuidados, prolongando desta forma a acção do Senhor que cura ao longo do tempo.

 

Com palavras, com gestos e com a entrega da própria vida, nós os Irmãos de S. João de Deus procuramos atender integralmente as pessoas necessitadas. A dimensão espiritual mereceu sempre uma atenção especial e esmerada porque, juntamente com os cuidados físicos, psíquicos e sociais, sabemos que a fé, vivida com maturidade, é fonte de vida e de saúde no meio da enfermidade:

 

       “Como Irmãos de S. João de Deus fomos chamados para realizar na Igreja a missão de anunciar o Evangelho aos doentes e aos pobres; atendendo aos seus sofrimentos e assistindo-os integralmente” (Const. 1984, 45a).

 

d)        Acolhimento universal

 

Inspirados em Jesus Cristo e a exemplo de S. João de Deus, nós os Irmãos nunca praticámos qualquer tipo de discriminação no exercício da nossa missão apostólica. Assim o prescrevem as Constituições e confirma a prática ao longo da história:

 

       “Neste Hospital de João de Deus curam-se todas as enfermidades, tanto de homens como de mulheres que a ele se dirigem” (Const. 1585, 10,1).

 

       “Em cada homem vemos um irmão nosso: acolhemos e servimos, sem qualquer discriminação, quem se encontra em necessidade” (Const. 1984, 45b).

 

 

e)    Dimensão profética da missão hospitaleira

 

A acção de curar própria da Igreja compreende a promoção, o cuidado e a defesa da vida. A Ordem sempre apostou na vida e proclamou a sua firme decisão de a defender e lutar por ela, muitas vezes através do testemunho humilde e exemplar do serviço diário prestado aos doentes; outras, mediante gestos de denúncia e, por vezes, com o testemunho do martírio de muitos Irmãos. Tudo isso, nas diferentes circunstâncias, tal como fez S. João de Deus, constitui a trajectória profética seguida pela Ordem e recolhida, por vezes nas entrelinhas, nas Constituições:

 

       “Recordem-se os nossos Irmãos que na assistência corporal dos enfermos estão obrigados a fazer tudo o que a saúde dos mesmos exige... mesmo pondo em perigo a própria vida” (Const. 1926, 225).

 

       “A hospitalidade que professamos compromete-nos a estar atentos e a defender os direitos que a pessoa tem a nascer, a viver decorosamente, a ser assistida na doença e a morrer com dignidade (Const. 1984, 23a).

 

 

f)     Assistência técnico-profissional e humanização

 

É certo que nos últimos anos a medicina registou progressos como nunca tinha acontecido, até chegar a níveis inimagináveis há apenas algumas décadas atrás. A Ordem de S. João de Deus, desde o próprio Fundador, foi pioneira neste campo, não só pela sua entrega caritativa e hospitaleira, mas também pelo nível técnico e profissional que oferecia nos seus hospitais. A preparação na Medicina, Cirurgia, Enfermagem, Farmácia e outras especialidades, foi uma preocupação constante, de tal forma que em muitos hospitais da Ordem se fundaram escolas de Medicina, Cirurgia e Enfermagem, onde se formaram muitos Irmãos: em Madrid, Paris, La Rochelle, Roma, Veneza, Nápoles, Milão, Viena, Feldsberg, Straubing, Praga, etc. Outros formaram-se em universidades de prestígio. Nas áreas mencionadas, os Irmãos distinguiram-se não só nos hospitais da Ordem, mas também junto dos exércitos dos diversos países e em hospitais civis: por exemplo, os Irmãos Chaparro, Ferrara, Bueno, etc.

 

A organização hospitaleira e os cuidados assistenciais foram outros aspectos em que os Irmãos revelaram grande intuição e criatividade, tornando-se pioneiros nestas áreas. Actualmente, a Ordem conta com obras de diferentes géneros, entre as quais grandes hospitais dotados dos mais modernos equipamentos técnicos, onde se aplicam as técnicas mais avançadas da Medicina.

 

Ao longo da sua história, juntamente com a preocupação por uma assistência de qualidade profissional e técnica, a Ordem quis manter um estilo cheio de caridade e carinho, muito humano, na assistência aos pobres e aos doentes. Amor e ciência, humanização e técnica, são o binómio que sempre procurou manter, fiel ao estilo de S. João de Deus e traduzindo em prática a missão da Igreja de exercer a caridade e curar os doentes:

 

       “A caridade, apesar disso, não deve estar separada do progresso, mas deve estar na vanguarda, isto é, deve ser antiga na caridade e moderna nos meios. Caridade antiga, meios modernos” [15].

 

       “Os enfermeiros dormirão nas salas dos referidos enfermos para acudir rapidamente às suas necessidades” (Const. 1585, 9,8).

 

       “O médico e o cirurgião devem ser tais em ciência e caridade como se requer para curar tantas enfermidades de tantos enfermos como no dito hospital se curam” (Const. 1585, 11,1).

 

       “Com a nossa missão hospitaleira realizamos e desenvolvemos o melhor de nós mesmos... Isto pressupõe... a preparação humana, teológica e profissional, como requisitos indispensáveis, para proporcionar aos doentes e a qualquer pessoa necessitada o serviço eficiente que merecem e que, com razão esperam de nós”. “No ambiente dominado pela técnica e pelo consumismo da sociedade moderna... nós somos chamados a realizar a nossa missão com atitudes e modos humanizantes” (Const. 1984, 43 e 44a).

 

 

g)    Colaboração com a Igreja e outras Instituições

 

A Ordem esteve sempre aberta à colaboração com outras Instituições no exercício da sua missão evangelizadora. Trata-se de uma atitude constante que continua hoje a manter-se e demonstra o espírito de solidariedade e de serviço da Ordem.

       “Fim segundo da Ordem o cuidado ou assistência corporal e espiritual dos enfermos... nas casas próprias da Ordem ou noutras a ela confiadas” (Const. 1926, I.3).

 

       “As atitudes de serviço e de abertura próprias da nossa missão levam-nos a cooperar com outros organismos da Igreja ou da sociedade no campo do nosso apostolado específico” (Const. 1984, 45e; cf. 47).

 

 

h)    Missão “Ad gentes” 

 

A Ordem nasceu quase simultaneamente com a “descoberta” do continente americano e muito cedo se juntou à missão evangelizadora no exercício da hospitalidade.

 

Aquele início marcou a vocação missionária da Ordem que, dentro das suas possibilidades, ao longo da sua história se tornou presente nos cinco continentes, levando a mensagem do amor misericordioso do Pai aos pobres, doentes e necessitados:

 

       “Conscientes da nossa responsabilidade na difusão da Boa Nova, mantemos sempre vivo o espírito missionário. Exercemos o apostolado hospitaleiro incrementando constantemente a nossa presença em terras de missão, particularmente nos países menos favorecidos...” (Const. 1984, 48).

 

Seguindo esta orientação, que é também a da Igreja (cf. Vaticano II “Ad gentes”), a Ordem realizou um grande esforço para se tornar presente na África, na América Latina e na Ásia.

 

 

i)     O apostolado da esmola

 

A esmola tornou-se uma prática apostólica ao longo da história da Ordem. “Irmãos, fazei o bem a vós mesmos”: era o apelo lançado por S. João de Deus ao pedir esmolas para o seu hospital. Até há poucos anos, e ainda hoje nalguns lugares, os hospitais viviam das esmolas dos benfeitores da Ordem. Actualmente, embora com meios mais modernos e na maioria dos casos, como apoio à obra social que a Ordem realiza, continua a fazer parte da sua missão evangelizadora. Conforme a entendeu S. João de Deus, trata-se de uma verdadeira forma e apostolado em favor das pessoas que, com os seus bens, colaboram na acção caritativa da Ordem:

 

       “Fiéis ao nosso espírito, promovemos o exercício da esmola como forma de apostolado. Consideramo-la não apenas como obra de misericórdia que nos possibilita dispor de meios para ajudar os necessitados, mas ainda como um bem que faz a si mesmo aquele que a pratica; além disso, como anúncio da justiça e da caridade, contribui para desfazer as barreiras existentes entre as classes sociais” (Const. 1984, 49b).

 

 

j)     Unidos aos Colaboradores

 

A presença de Colaboradores na missão foi uma característica permanente na Ordem. É verdade que, até há poucos anos atrás, eram os Irmãos que realizavam a maior parte das tarefas hospitaleiras. No entanto, e desde o tempo do próprio Fundador, a Ordem contou sempre com Colaboradores nos centros: médicos, cirurgiões, sacerdotes, auxiliares, benfeitores e numerosas confrarias e irmandades.

 

Nos nossos dias, dada a modernização da Medicina e da assistência, nas nossas obras foi-se integrando um grande número de profissionais com os quais partilhamos a missão. Além disso, a Ordem conta com muitas pessoas que, integradas em formas de Voluntariado associado, oferecem o seu tempo e a sua existência ao serviço dos doentes e necessitados.

 

       “Conscientes das nossas limitações, procuramos e aceitamos a colaboração de outras pessoas, profissionais ou não, voluntários ou colaboradores, aos quais nos esforçamos por comunicar o nosso espírito na realização da nossa missão” (Const. 1984, 46b; cf. 51a).

 

 

k)    Sacerdócio ministerial a título de hospitalidade

 

João de Deus chamava a todos irmãos, e considerava-se ele mesmo como o irmão mais pequeno. Os seus seguidores constituíram uma Irmandade dedicada ao serviço dos pobres e dos doentes e, quando a Ordem foi aprovada pela Igreja, foi-o como Ordem de Irmãos, conforme escreve João Paulo II na Exortação apostólica Vita consecrata (cf. VC 60). Não obstante isso, desde a sua aprovação, a Ordem teve alguns Irmãos sacerdotes para a assistência espiritual e pastoral dos hospitais e das comunidades joandeínas:

 

       “Que cada um dos Hospitais existentes então, ou que venham a ser fundados no futuro, possa ter um Irmão sacerdote, cuja função será dizer missa, celebrar os outros ofícios divinos, administrar os sacramentos tanto aos Irmãos como aos pobres de Cristo...” (Bula Licet ex debito, San Pio V, 1572).

 

       “A nossa Ordem é um Instituto laical; contudo, desde a sua aprovação, foi concedido que alguns Irmãos pudessem ser ordenados sacerdotes, para exercer o sagrado ministério entre os doentes e nas nossas comunidades e obras hospitaleiras” (Const. 1984, 1e).

 

 

3.    A dimensão apostólica e missionária da Ordem

       nos escritos dos nossos Irmãos

 

A dimensão missionária constitui um valor essencial na vida dos Hospitaleiros. A nossa história e tradição estão cheias de testemunhos que a documentam. Faremos seguidamente referência a alguns dos testemunhos escritos mais significativos, que revelam a preocupação, o encorajamento e a dedicação quanto à promoção da acção missionária na nossa Ordem. Por razões de brevidade, tomaremos em consideração apenas os escritos dos Irmãos a partir do P. João Maria Alfieri.

 

 

a) P. João Maria Alfieri

 

Nomeado Superior Geral em 19 de Maio de 1862, manifestou esta responsabilidade até à morte, em 1888. Figura notável na vida da Ordem, a sua profunda vocação hospitaleira, o amor pelos pobres e os doentes, pela Igreja e à sua Ordem, juntamente com as qualidades de inteligência e espírito empreendedor, fizeram dele a pessoa de que havia necessidade naqueles anos difíceis da segunda metade do séc. XIX.

 

Deu impulso à restauração da Ordem em Espanha, Portugal e na América; encorajou os Irmãos na Itália a manter-se fiéis e firmes na missão da caridade com os doentes, sobretudo quando sobreveio a supressão das Ordem religiosas neste país (7.VII.1866). Fez o mesmo em relação aos Irmãos das outras Províncias.

 

Escreveu muitas cartas (entre as quais 26 circulares), para reavivar o espírito de caridade e para inculcar a rigorosa observância e formação dos jovens religiosos. Transcrevemos, a título de exemplificação, algumas passagens dos seus escritos:

 

       “Exorto e mando que todos, e em todos os lugares onde se encontram os vossos hospitais, prestem ao povo toda a ajuda que seja possível, também na prevenção de calamidades e por meio dos vossos superiores, ofereçam às autoridades competentes, eclesiástica e civil, a vossa obra e também os vossos locais, conservando sempre vós a direcção e a assistência” [16].

 

       “Este nosso muito querido filho (Bento Menni) em Cristo, enviamos agora à França e à Espanha, onde ele permanecerá pelo tempo que dispusermos para que promova o incremento e o bem da nossa Ordem, de acordo com as nossas Constituições e as Instruções Nossas e da Santa Sé. Por isso, muito encarecidamente recomendamos no Senhor aos Veneráveis Bispos e Superiores Eclesiásticos e Regulares e com grande empenho lhes rogamos que lhe prestem em tudo eficaz protecção” [17].

 

 

b) Beato Bento Menni

 

Nasceu em Milão, em 1841, foi o restaurador da Ordem em Espanha, Portugal e na América Latina, fundador da Congregação das Irmãs Hospitaleiras do Sagrado Coração de Jesus, e Superior Geral da Ordem Hospitaleira. Faleceu em Dinán, em 1914.

 

Podemos dizer que a sua acção hospitaleira foi sobretudo missionária. Aos 26 anos de idade saiu de Itália para desempenhar a sua missão que iria marcar a sua vida: restaurar a Ordem em Espanha, Portugal e na América. Demonstrava da seguinte forma a sua disponibilidade:

 

       “Escrevia ao reverendíssimo P. Alfieri, então Superior Geral da nossa Ordem, dizendo-lhe que de tal modo me sentia encorajado pelo desejo de trabalhar para o bem do nosso Instituto hospitaleiro que me oferecia à sua paternidade reverendíssima para que me mandasse para onde julgasse mais oportuno, a fim de praticar a santa hospitalidade” [18].

 

As cartas escritas pelo Beato Menni foram numerosas: 463 aos Irmãos, 870 às Irmãs Hospitaleiras e muitas outras, sobretudo nos primeiros anos que passou em Espanha. Recolhemos apenas alguns fragmentos que testemunham a sua vocação e entrega missionárias:

 

       “Dentro de poucos dias eu mesmo acompanho o primeiro grupo de religiosos nossos que hão-de ir para a América... Empresa árdua e difícil, superior às nossas forças, que porém, confiando nos auxílios de Deus, esperamos levar a bom termo” [19].

 

Além disso, tentou expandir a Ordem até ao Rio Muni e às Filipinas:

 

       “Recebi a sua carta do dia 30 e também o mapa do Rio Muni, pelo qual vejo que este país foi adquirido para a Espanha. Talvez não houvesse inconveniente em enviar alguns Irmãos; mas seria preciso que o Governo considerasse os indivíduos da nossa Ordem como Missionários, ou seja, que os declarasse isentos do serviço militar. Assim, espero que a sua bondade me informe se Você poderia influir para o conseguir” [20].

 

       “Graças à vontade do Senhor, será um facto a chegada dos Irmãos da nossa Ordem Hospitaleira a essas Ilhas Filipinas, porém não irão encarregar-se de hospitais..., mas fundar nesse arquipélago um asilo para dementes...” [21].  

 

Seguindo a tradição da Ordem, mostrou o seu espírito hospitaleiro e missionário na permanente disponibilidade em cuidar dos doentes e necessitados, onde quer que se encontrassem, especialmente no caso de epidemias e catástrofes naturais:

 

      “Ex.mo Sr. As gravíssimas notícias publicadas pelos periódicos sobre o estado sanitário do Manicómio de S. Baudilio de Llobregat induzem o abaixo assinado... a oferecer a V. Ex.cia, em nome da dita Corporação de Irmãos Hospitaleiros de S. João de Deus e das Irmãs Hospitaleiras de N. S. do Sagrado Coração de Jesus, o pessoal necessário para a assistência dos coléricos no referido Manicómio de San Baudilio” [22].

 

Nos seus numerosos escritos encontramos recomendações e orientações dadas aos Irmãos sobre o serviço e a hospitalidade para com os doentes e os pobres:

 

       “Por isso, em virtude do voto de Hospitalidade, cada um dos indivíduos professos da nossa Ordem está obrigado a prestar aos enfermos, sejam eles pobres ou ricos, dos quais a obediência, em conformidade com os fins do nosso Instituto os encarreguem, aqueles serviços corporais e espirituais de que necessitem, e segundo as suas atitudes e faculdades lhes possam prestar”[23].

 

 

c)    S. Ricardo Pampuri

 

Nasceu a 2 de Agosto de 1897, em Trivolzio (Pavia). Após um infância e juventude exemplares, em Junho de 1921 doutorou-se em Medicina e Cirurgia e, a partir de 1922 até à sua entrada na Ordem, exerceu a profissão de médico em Morimondo. Entrou para a Ordem como postulante, em 22 de Junho de 1927, e emitiu os votos temporários a 24 de Outubro de 1928. Morreu em Milão, no dia 1 de Maio de 1930.

 

Distinguiu-se pela sua bondade, simplicidade, candura e profunda vida espiritual. Das suas obras (146 cartas) e em relação ao tema em análise, evidenciamos a sua grande sensibilidade religiosa e missionária.

 

No seu zelo pelas missões, teve grande influência a sua irmã, Ir. Longina. Pertenceu à Congregação das Franciscanas Missionárias do Coração Imaculado de Maria e permaneceu no Egipto durante mais de 60 anos. A relação epistolar que manteve com ela foi extensa, 66 cartas cheias de ternura e profundidade espiritual. S. Ricardo manifestava-lhe os seus anseios de amar e servir a Deus e de encontrar a melhor forma de responder à sua vocação:

 

       “Terás compreendido como, na minha busca do caminho pelo qual o Senhor quer que O sirva, não poucas vezes se me deparou esse tão glorioso do missionário; porém, demasiadas vezes a pequenez física, e ainda mais a moral, me dissuadiram disso. E, no entanto, com quanta veemência gostaria de abraçar esse estado, se a providência divina mo indicasse como o mais conveniente para mim!” [24].

 

       “No dia 3 tive oportunidade de falar com o Rev. P. Provincial da Ordem de S. João de Deus, para a qual tinha sido aconselhado a entrar há uns anos; ele disse-me que aceitaria com prazer (se tivesse essa ocasião), apesar da minha pouca saúde e da dúvida de pleurisia. Conforme já sabes, desde há muito que sentia a necessidade de uma Regra para poder perseverar na vida digna sem perigo de graves caídas. Por isso, aceitei tão fraterna oferta e no dia 6 apresentei o pedido de admissão, confiando unicamente na bondade e misericórdia de Deus” [25].

S. Ricardo desempenhou a sua acção apostólica e missionária na assistência aos doentes e necessitados. A sua diligência e o seu profissionalismo não conhecia limites, apesar da sua saúde frágil:

 

       “Reza também pelos meus doentes, para que, com a ajuda de Deus, eu lhes possa proporcionar um verdadeiro alívio” [26].

 

A Ordem acolheria o médico Santo, chamado por Deus a viver a consagração hospitaleira. Viveu nela apenas três anos, mas foram três anos cheios de amor, humildade, doação e testemunho de hospitalidade. Serviu como formador de jovens religiosos que se preparavam para serem enfermeiros e como médico em Brescia. Foi amado por todos, doentes e religiosos, devido à sua vida exemplar:

 

       “Rezo tanto pelos nossos queridos doentes, para que possam encontrar nos nossos hospitais a saúde espiritual e também abundantemente a material, desde que seja para a maior glória de Deus e a salvação dos mesmos” [27].

 

 

d)    P. Efrén Blandeau

 

Nomeado Superior Geral por Decreto da Sagrada Congregação para os Religiosos, no dia 15 de Janeiro de 1939, o seu serviço de governo e animação durou até 26 de abril de 1953. Foi uma pessoa simples, dotada de grande bondade e inteligência, o que fez com que todos o amassem.

 

Teve que realizar este serviço durante a Segunda Guerra Mundial, distinguindo-se pela sua preocupação em acompanhar os diversos acontecimentos que marcaram a vida das Províncias e dos centros afectados pela Guerra. Em duas das suas cartas dá a conhecer à Ordem a situação em que se encontravam os Centros e o número de religiosos mortos, desaparecidos e presos.

 

Numa das suas cartas dirigida a toda a Ordem, valorizava da seguinte forma o nosso apostolado:

 

       “Sejamos apóstolos pelo nosso testemunho pessoal, no cumprimento dos deveres quotidianos, por muito humildes e modestos que possam ser. Agindo assim, responderemos aos sentimentos do Santo Padre que, falando à Acção Católica, declarou que os Hospitaleiros são, pela sua vocação de caridade, os pioneiros da acção católica” [28].

 

 

e) P. Moisés Bonardi

 

Foi eleito Superior Geral da Ordem em 26 de Abril de 1953, desempenhando esse cargo até 1959. Mostrou uma especial sensibilidade e preocupação pelas obras missionárias e pela formação dos religiosos a elas destinados. Sublinhamos alguns parágrafos dos seus escritos:

 

       “S. João de Deus sonhou com a vida de missionário no meio dos desertos da África; nós, os seus filhos, neste Ano Mariano, como homenagem à Virgem Santíssima, traduzimos em prática o desejo do Santo Fundador e levamos a sua obra de evangelização, confiada à caridade, até às populações que ainda estão longe da fé e da civilização” [29].

 

       “O ideal missionário vai-se difundindo e toma consistência e força nas fileiras da nossa Ordem. Nós acolheremos de bom grado todas as iniciativas que surjam do fervor missionário e, unificando-as, apresentá-las-emos a todas as províncias para que tomem parte e nos dêem o contributo da sua colaboração. Nesta carreira de fé e de generosidade, todas as Províncias, mesmo as mais pequenas e pobres em pessoas e recursos económicos, poderiam encontrar o seu lugar de honra e de trabalho”. “Por isso, é indispensável que os religiosos que se destinam às terras de missão, sejam antes preparados convenientemente” [30].

 

 

f)     P. Higínio Aparício

 

Foi nomeado Superior Geral da Ordem no dia 26 de Abril de 1959, mantendo esta responsabilidade até 1971. Em continuidade com o P. Moisés Bonardi, promoveu a extensão da Ordem por terras de missão e mostrou um interesse especial na formação e na inserção adequada dos Irmãos nos países de missão e nas sua culturas. Pomos em destaque os seguintes textos das suas cartas circulares:

       “Temos que agradecer ao Senhor o momento e a expansão que actualmente a Ordem conhece através das Províncias espanholas, tanto na Península como, mais recentemente, em terras de América e África” [31].

 

       “Aproveito a oportunidade para vos informar que a Ordem tem já um hospital missionário na Índia..., no estado do Kerala e diocese de Chanagacherry, de rito malabar. Esta nova fundação foi realizada pela Vice-Província Renana” [32].

 

       “O religioso que reside numa terra estrangeira deve considerar, como um dos seus deveres primordiais, o de se esforçar para se adaptar ao ambiente cultural do país onde reside. Por parte dos religiosos, procure-se a adaptação aos costumes do país, ao seu género de alimentação, às formas sociais e até às formas típicas da linguagem que lá são específicas... Nos Centros de formação..., deve-se ir predispondo o espírito dos jovens para viver o dia de amanhã em qualquer lugar onde a obediência os possa colocar..., criando neles uma mentalidade de universalidade cristã para que saibam amar, respeitar e comprometer-se com a nação para onde forem destinados” [33].

 

 


4.    A acção missionária

       segundo o pensamento dos nossos missionários

 

Nesta secção recolhemos o pensamento e o testemunho de vários Irmãos que actualmente exercem o seu apostolado em diferentes lugares do mundo. As suas palavras acrescentam realismo e vida a esta reflexão.

 

 

a) Ir. António Leahy, Pápua Nova-Guiné [34]

 

     O chamamento a trabalhar nas obras missionárias da Ordem é uma dádiva e uma herança que todos nós, os Irmãos, recebemos de Jesus e do nosso Pai S. João de Deus. A nossa missão consiste em levar a Boa Nova de Jesus, segundo o estilo de S. João de Deus, àqueles com quem nos encontramos todos os dias.

 

     Nós, os Irmãos, estamos na Pápua Nova-Guiné desde 1971. O nosso desejo é continuar a obra de S. João de Deus, respondendo às necessidades específicas do país, dedicando-nos especialmente ao cuidado dos deficientes físicos e psíquicos.

 

     A pequena semente converteu-se num pequeno, mas saudável bosque. O húmus que ajudou o crescimento foi a aceitação de candidatos autóctones como postulantes e, depois, como Irmãos. Hoje, a missão na Pápua Nova-Guiné abrange dois campos:

 

            1.- Atendimento dos necessitados, especialmente dos doentes e dos pobres;

            2.- Ajuda no discernimento das vocações indígenas.

                

     Agora, a esperança e o sonho da Ordem é que o povo da Pápua Nova-Guiné possa conhecer o amor de Deus através do conhecimento e da obra de João de Deus, para que eles mesmos se tornem missionários no meio das pessoas com as quais trabalham e vivem.

 

 

b) Ir. Fortunatus Thanhauser [35], os Irmãos de S. João de Deus na Índia

 

     Depois das fundações dos Irmãos de Portugal em Goa, há muitos séculos, a missão voltou novamente à Índia após o Concílio Vaticano II, na sequência da visita que um Bispo indiano realizou à Alemanha, em 1964. Este prelado tinha estado outras vezes no hospital da Ilha Tiberina, em Roma, e ficou impressionado com a dedicação dos Irmãos aos pobres doentes. Isso fê-lo pensar: “Quem me dera ter estes Irmãos na minha diocese, na Índia!”. Finalmente, os Irmãos dispuseram-se a ir para a Índia.

 

     Vencendo toda a espécie de dificuldades, três Irmãos conseguiram o visto de entrada na Índia. Os primeiros a chegar, provindo da Alemanha, foram o Ir. Fortunatus e o Ir. Prakash. Chegaram a Kattappana a 19 de Novembro de 1969 e abriram um pequeno dispensário, com a ajuda de um médico indiano e de algumas religiosas. Este dispensário, com 20 camas, foi-se desenvolvendo ao longo de 25 anos, até se converter num hospital com 275 camas e 18 médicos, incluindo os especialistas.

 

     Tendo em conta as necessidades, e com o conselho dos médicos, foi construído o Long-Time-Hospital, com uma capacidade de 150 camas para doentes crónicos, idosos, e uma secção para crianças deficientes.

 

     No hospital quase não se registam conversões, enquanto que no Long-Time-Hospital (a Casa dos Pobres) elas acontecem frequentemente, embora ninguém seja orientado nem forçado. O mesmo acontece com as crianças da escola, onde estudam 56 crianças externas. No hospital de Kattappana fizemos várias tentativas para realizar uma pastoral da saúde mais organizada, dado que ela é entendida, principal ou unicamente, como administração dos últimos sacramentos.

    

     Dado que Kattappana se encontra num lugar isolado, era difícil dispor de sacerdotes e mestres para o Noviciado, de forma que ele foi criado em Madras-Poonamallee, perto do Seminário dos Padres Salesianos. Junto à casa do Noviciado, desde 1981, há uma pequena Casa do Pobre (Poor Home) e um dispensário.

 

     Chamados pelo Bispo de Kandwa, no Estado de Madhya Pradesh, em 1986 deu-se início a uma nova obra, em Deshgaon, perto de Kandwa, com a abertura de um centro de saúde e um dispensário. Nesse Estado, as conversões estão proibidas pelo Governo.

 

 

c) Ir. Sávio Tran Ngoc Tuyen [36], Bién-Hóa (Vietname)

 

     Os  Irmãos do Canadá chegaram ao Vietname em Janeiro de 1952, aí permanecendo até ao mês de Setembro de 1975. Durante a guerra, tiveram de superar muitas provações para poder transmitir o espírito de S. João de Deus aos Irmãos vietnamitas. Através da sua acção hospitaleira, deram um grande testemunho de evangelização.

 

     Graças à perseverança e ao sacrifício de que deram provas, conseguiram formar os Irmãos vietnamitas, sendo esta a razão pela qual a nossa Ordem existe até aos nossos dias, não obstante, desde há vinte anos, não tenham chegado outros Irmãos missionários.

 

     Desde 1975 até aos nossos dias, os Irmãos vietnamitas esforçam-se por se adaptarem às circunstâncias do regime socialista para continuar a viver segundo o espírito de S. João de Deus e a espiritualidade da nossa Ordem, apesar das tantas dificuldades existentes. Pode-se dizer que “S. João de Deus continua vivo no nosso tempo”.

 

A acção missionária no Vietname:

·      Objectivo: as pessoas pobres das povoações isoladas e afastadas.

·      Acção: formar as pessoas na prevenção e higiene, curar as doenças no início das mesmas e efectuar curas a domicílio.

·      Meios: os económicos e financeiros necessários. Irmãos, de dois a quatro em cada povoação.

·      Utilidade: para a Ordem seria fácil abrir uma casa na qual se poderiam fazer muitas coisas. Seria um sinal tangível, um testemunho; para as populações, isso tornaria possível servir muito mais pessoas, que passariam a conhecer a nossa Ordem; os custos seriam baixos e a assistência mais cuidada.

 

 

d) Ir. Manuel Nogueira [37], Nampula (Moçambique)

 

     A nossa oportunidade missionária: sabemos bem que toda a Igreja é missionária, e que missionários são todas as entidades e os organismos que compõem a Esposa amada, continuando assim o ministério do mesmo Cristo. Também é certo que todos estes organismos devem assumir a tarefa missionária de acordo com a sua própria natureza e carisma, servindo-se dos meios apropriados. Por isso, a nós cumpre sermos missionários da caridade hospitaleira, pois é este o nosso carisma, e nisto consiste a nossa tarefa: manifestar o amor do Pai para com os necessitados de todas as espécies.

 

     Torna-se portanto evidente como é oportuno e apropriado o nosso modo de colaborar para a construção do Reino de Deus nas actuais circunstâncias. Com efeito, quanto mais diferenciadas forem as vozes e os apelos do mundo em que vivemos, mais evidente se tornará a urgência do testemunho através das obras, como entrega ao serviço das misérias humanas.

 

     Mas se são grandes as nossas possibilidades, é igualmente enorme a nossa responsabilidade. Não serve uma preparação qualquer das nossas obras e dos nossos Irmãos para conseguirmos uma acção missionária eficaz.

 

Algumas condições para o sucesso da acção missionária: obras adaptadas às condições – sabemos que, actualmente, a actividade hospitaleira, como qualquer outra, pode converter-se numa actividade apostólica baseada em interesses, e até mesmo exploradora. Isto deve significar para nós uma advertência no momento de decidir que tipo de obras devemos organizar, ou devemos abandonar, conforme as circunstâncias. É óbvio que as nossas obras devem estar particularmente abertas aos mais necessitados, que são rejeitados por outros organismos e que só podem contar connosco. Daqui se depreende que a rigorosa selecção dos doentes que acolhemos nas nossas obras pode ser sinal de um trabalho bem organizado, mas poderá não corresponder a um sentido de caridade desenvolvido. O verdadeiro homem de caridade, como o nosso Fundador, tem um coração sensível para com todos os necessitados e não apenas a uma parte deles. Por isso, se uma obra se deve especializar num determinado sector ou aspecto da assistência médica, seria também muito conveniente que nela funcionasse uma unidade de atenção aos casos urgentes ou que necessitam de ajuda urgente. Um pobre nunca deve ficar excluído. Deve haver uma porta aberta e um raio de esperança também para os menos afortunados.

 

Abertura e colaboração com todos e em relação a cada um: uma outra preocupação deverá consistir na abertura e na colaboração com todos os organismos, especialmente se trabalham no nosso mesmo campo da saúde. Quando, vindos de longe, se chega a um determinado lugar, e se teve uma formação distante da vida real, corre-se o perigo de se considerar a si próprio como modelo e senhor, interpretando mal aqueles que pensam ou agem de forma diversa da nossa. Devemos vencer esta tentação e cultivar o espírito de abertura e de colaboração com todos e em relação a cada um.

 

O apostolado da esmola: o apostolado da esmola, tão querido ao nosso Santo Fundador e aos seus primeiros seguidores, não estará porventura em crise entre nós, como consequência da tendência a abrirmo-nos preferencialmente àqueles que podem pagar ou têm quem pague por eles? E numa época em que todos os dias os ricos se tornam mais ricos e os pobres ficam mais pobres, que poderemos fazer melhor (do que a esmola), no âmbito do nosso carisma, para nos aproximarmos tanto de uns como dos outros, e até mesmo para prevenirmos as revoltas sociais, na medida das nossas possibilidades?

 

A nossa identidade eclesial e de pessoas consagradas: finalmente, uma referência à conveniência de mostrarmos na nossa acção de caridade o que somos, isto é, membros da Igreja e pessoas consagradas. Tanto num ambiente cristão como muçulmano, oriental ou animista, somos sempre eleitos por Cristo, consagrados e enviados pela sua Igreja para a difusão do seu Reino de amor compassivo e misericordioso. As pessoas devem saber e aperceber-se disto. Devem poder constatar que o nosso estilo de vida e o amor com que as tratamos provêm de Deus e se baseiam na doutrina e no exemplo de Senhor Jesus.

 

Em síntese, que as nossas obras e as nossas relações com todos, especialmente com os mais desfavorecidos,  sejam testemunho da nossa adesão a Cristo. Assim, seremos para todos um raio da Caridade de Deus, preenchendo a falta de amor de que tanto carece a sociedade.

 

 

e) Ir. Ricardo Botifoll [38], Lunsar (Serra Leoa)

 

     Obviamente, o objectivo imediato da actividade da Ordem nos países em vias de desenvolvimento tem de ser de natureza médico-sanitária: tanto ao nível de hospitais, como de dispensários ou de centros de cuidados primários da saúde. É necessário cada vez mais ter em conta que a actividade médica não pode ser confiada à livre iniciativa de cada instituição, funcionando desligada da rede de saúde pública, mas que necessita de uma coordenação, para não dizer de uma integração com os organismos estatais ou internacionais (OMS, sociedades de luta contra a tuberculose, a lepra, etc.). Os resultados impressionantes conseguidos mediante a imunização de crianças (contra o sarampo, o tétano, a poliomielite), e os que já se vislumbram com a vacina contra o paludismo, apontam nesta direcção.

 

     Um perigo contra o qual é preciso precaver-se consiste em pretender fazer as coisas demasiado bem feitas, isto é, pretender que os nossos centros hospitalares nestes países tenham um nível técnico e de qualidade comparáveis ao dos hospitais europeus. Dessa forma, esses centros seriam frequentados maioritariamente por pessoas ricas e ficariam fora do alcance da maioria absoluta das pessoas pobres, às quais, teoricamente, temos vindo a assistir. Trata-se de um perigo real.

 

     Muitos outros comentários seriam possíveis, mas não entram no breve espaço deste trabalho. Apenas mais uma reflexão, que vivo quase como uma obsessão: a nossa acção missionária deve ter também como objectivo melhorar o mundo europeu de onde provimos. Trabalhamos na África, persuadidos de que, a partir daqui, ajudamos também o velho continente europeu.“Irmãos, fazei bem a vós mesmos dando aos pobres...”: este pregão joandeíno, tão simples como incisivo, continuamos a proclamá-lo a partir dos nossos simples hospitais da selva, voltados para o Norte, saciado mas insatisfeito. O trabalho das nossas mãos propõe-se ser uma oração para que a Europa acredite, verdadeiramente, no sermão da Montanha, em obras e em verdade. É esta a nossa esperança e mais uma razão na qual baseamos o nosso compromisso missionário.

 

 

f) Ir. Rafael Teh [39], Monróvia

 

     A África é um continente de povos marginalizados, em crise devido ao tribalismo ou a rivalidades étnicas. Violência, golpes de estado, problemas com os refugiados das guerras civis, violações dos direitos humanos, exploração por parte dos poderosos, fome, pobreza, doenças, desespero e morte. A ausência de paz e de justiça foram a causa principal deste conjunto de problemas na África. A injustiça está profundamente radicada em muitas estruturas de pecado do continente. É esta a realidade. Por um lado, um punhado de ricos que têm em seu poder vastas propriedades; por outro, o exército de deserdados sem terra, a viver em extrema pobreza. O poder de uns poucos e a impotência e escravidão da maioria.

 

     Os desafios da África relativamente à saúde são a subnutrição crónica, doenças diarreicas associadas às más condições domésticas da água e sanitárias, malária e outras doenças contagiosas. A SIDA e o financiamento da saúde. O elevado índice de mortalidade infantil é causado pela subnutrição crónica e pela falta de higiene, males que podem ser prevenidos a partir dos cuidados primários.

 

     A crise económica e a diminuição das verbas orçamentais estão a contribuir para uma situação mais pobre na assistência médica. O custo proibitivo dos medicamentos e do internamento hospitalar tornam impossível o acesso de muita gente aos cuidados de saúde, especialmente no mundo rural. A doença e a pobreza formam um círculo vicioso: as pessoas adoecem porque são pobres e tornam-se mais pobres por estarem doentes.

 

     A situação que acabo de referir é aquela em que se desenvolve diariamente a nossa missão hospitaleira. É o que se vê: o nosso centro hospitalar é como que um oásis no meio do deserto. Disso posso dar testemunho, especialmente aqui em Monróvia, onde o nosso hospital permaneceu activo no meio do fragor e da violência da guerra, como uma “casa de Deus”, na qual se recebem todas as pessoas. É muito gratificante ver as manifestações de alívio e o sorriso dos doentes e necessitados que podem chegar a este oásis, ainda que seja apenas para apagar a sede ou para passar o derradeiro dia nesta vida a caminho da eternidade. Vêm contentes, graças ao tratamento humano que recebem, porque têm uma cama e lençóis limpos para dormir, mesmo que seja apenas durante alguns minutos. Como gostaria que este oásis hospitaleiro se pudesse estender através de todo este deserto, especialmente na periferia!

 

     Algumas vezes tenho vontade de gritar, devido à frustração e impotência que sinto por não ser capaz de mudar as estruturas de pecado da sociedade. Todos os dias descobrimos o rosto do Servo Sofredor, ao ver tanta gente oprimida na pobreza, explorada e sem instrução, vivendo em situações verdadeiramente infra-humanas. Por outro lado, tenho a alegria de constatar que a acção realizada pelo missionário hospitaleiro é Missio Dei, realidade de Deus e mistério eterno. Quando atingimos os nossos limites humanos, Ele conduz-nos através das fronteiras criadas pela voracidade humana. O espírito hospitaleiro de generosidade e magnanimidade é que nos motiva a permanecer abertos para explorar novos caminhos que nos aproximem mais do serviço das pessoas marginalizadas e torne mais eficaz a nossa missão. A nova hospitalidade convida-nos a passar do centro para a periferia, a procurar novos métodos para a transformação do mundo do pobre e do ambiente que o envolve, ou das perniciosas estruturas sociais que provocam estas condições humilhantes.

 

 

g) Ir. Juan Bautista Carbó [40], Lomé (Togo)

 

     Numa perspectiva africana, posso afirmar que a acção missionária desempenhada pela Ordem através da sua história, e de modo especial nos últimos cinquenta anos, foi fecunda e mais vasta do que pode parecer à primeira vista.

 

     A missão hospitaleira esteve desde o princípio em consonância com o que a Redemptoris Missio nos propõe no n. 42: “O homem contemporâneo acredita mais nas testemunhas do que nos mestres, mais na experiência do que na doutrina, mais na vida e nos factos do que nas teorias. O testemunho da vida cristã é a primeira e insubstituível forma de missão”.

 

     Quando hoje em dia vemos os lugares em que a Ordem está presente, constatamos na maioria dos casos que ao redor do centro hospitaleiro se desenvolveram centros habitados, tendo a presença joandeína contribuído para o desenvolvimento social, económico e religioso (nalguns lugares, os Irmãos precederam a chegada dos “missionários” oficiais).

 

     Isto não significa que não houve lacunas, devidas porém mais ao ímpeto do querer fazer e satisfazer tantas necessidades do que à falta de vontade ou desejo.

 

     O futuro do carisma hospitaleiro tem em África uma grande base de implantação e desenvolvimento, fundamentalmente para os Irmãos africanos, mas, ao mesmo tempo, representa também um desafio para toda a Ordem. O futuro é de esperança, mas é necessária a colaboração de todos para apoiar este crescimento, que é bastante rápido e pode transcender-nos.

 

     A Ordem tem de especificar a maneira de estar presente nestas terras, pois as suas necessidades são muitas e, no futuro, a Igreja africana terá um grande peso na Igreja universal.

 

     Além disso, temos uma grande responsabilidade, por sermos um dos poucos Institutos masculinos dedicados inteiramente ao serviço dos pobres e dos doentes, devendo por isso abrir novos sulcos e ajudar a implantar o carisma da misericórdia nestas novas igrejas, tão ricas em conteúdo, vida, mulheres e homens abertos ao além.


 

 


 

 

Capítulo VI

 

 

ORGANISMOS DA ORDEM AO SERVIÇO DA EVANGELIZAÇÃO

 

 

 

Toda a estrutura jurídica e organizativa da Ordem está orientada para animar, apoiar e incrementar o sentido apostólico dos Irmãos e a acção evangelizadora, mediante o serviço aos enfermos e necessitados que, juntamente com os Colaboradores, realizam na Igreja.

 

No presente capítulo, limitamo-nos a enumerar os meios que a Ordem destinou expressamente ao apoio da acção da Ordem nos países em vias de desenvolvimento, distinguindo os que têm uma dimensão universal, por terem sido ou serem promovidos pela Cúria Geral, dos que foram ou são promovidos e mantidos por apenas uma ou várias Províncias da Ordem.

 

 

1. Organismos da Cúria Geral ao serviço das missões

 

a) Secretariado das Missões

 

Enquanto foi Superior Geral o P. Moisés Bonardi, várias Províncias da Ordem destinaram Irmãos e recursos à acção evangelizadora em África e procuraram também estender à Índia essa mesma acção. Esse período coincidiu com o ressurgir das vocações em várias partes que, como é natural, suscitava e encorajava o compromisso missionário dos Irmãos.

 

Com o fim de “estimular, incrementar, desenvolver e regulamentar o promissor movimento orientado para fazer resplandecer a chama da caridade hospitaleira do nosso Pai S. João de Deus também junto das ovelhas que ainda não pertencem ao redil de Cristo, para que possam escutar a Sua voz e, deste modo, “haverá um só rebanho e um só pastor”” (Jo 10, 16)[41], na sessão de 19 de Outubro de 1957, o Definitório Geral aprovou os Estatutos para as Missões da Ordem.

 

A partir de então, a Cúria Geral procurou realizar o objectivo indicado, promovendo não só a ajuda económica, mas especialmente dando orientações e organizando meios que ajudassem os Irmãos a preparar-se devidamente antes de serem destinados aos países em vias de desenvolvimento, a manter vivo o espírito missionário em todos os Irmãos e, mais recentemente, a aplicar os critérios formativos da Ordem na África, América Latina, Ásia e Oceânia.

 

O Curso para Irmãos missionários, realizado em Roma de 5 a 13 de Fevereiro de 1980, foi um momento importante de reflexão e comunhão para os nossos Irmãos missionários que, além da oportunidade de se actualizarem do ponto de vista teológico, carismático e pastoral, serviu para que cada um dos participantes pudesse verificar, no diálogo com os outros Irmãos, a universalidade do compromisso missionário da Ordem. Era então Superior Geral o Ir. Pierluigi Marchesi.

 

 

A Carta da Animação Missionária, de que se fala no capítulo  VIII deste documento, também é fruto da reflexão e animação realizada durante o primeiro mandato de Superior Geral do P. Marchesi. Os esforços deste momento orientavam-se especialmente no sentido de coordenar a formação na África e criar uma cultura universal dos Irmãos missionários, cujos resultados seriam colhidos mais tarde.

 

 

b) Fundo para as Missões

 

Durante a Reunião de Superiores da Ordem, realizada em Roma, no mês de Outubro de 1989, foi aprovada a criação de um Fundo Comum para as Missões da Ordem, “destinado a assegurar a continuidade do apoio económico às actividades assistenciais que se realizam nos centros missionários da Ordem”, prevendo-se então que começasse a funcionar a partir de 1 de Janeiro de 1992.

 

A partir do momento da sua aprovação e entrada em funcionamento, previa-se:

 

·      enviar aos Irmãos Provinciais o projecto de constituição do Fundo Comum, solicitando opiniões, sugestões e a indicação das verbas que poderiam destinar a esse Fundo durante os dois primeiros anos;

·      constituir junto da Cúria Geral um grupo de trabalho para dirigir a fase preparatória;

·      aprofundar na medida do possível a coordenação das Organizações Não-Governamentais (ONG) promovidas pela Ordem e procurar relacioná-las entre si.

 

O Regulamento do Fundo para as Missões foi publicado em Fevereiro de 1992. Entre os seus objectivos, assinala:

·      A Ordem constitui um Fundo comum para as Missões, para sustentar e reforçar esta forma de apostolado;

·      Constitui-se fazendo valer o princípio da universalidade, propondo-se, a longo prazo, financiar todas as obras missionárias da Ordem.

 

A partir da sua entrada em funcionamento, em Janeiro de 1992, “terá uma primeira fase, cuja responsabilidade recairá fundamentalmente nas Delegações Gerais de África e do Vietname[42].

 

 

c) Escola de Missionologia de Roma

 

A formação dos Irmãos foi uma das principais preocupações e tarefas do P. Moisés Bonardi, que sentia muito especialmente as carências existentes no campo missionário:

 

     “Não podemos ignorar que a nossa Ordem empreendeu esta actividade – missionária – sem se preocupar muito com a preparação específica das pessoas”[43].

 

A Escola de Espiritualidade, com o Departamento anexo de Missionologia, foi fundada em Roma em 1955, sendo os seus Estatutos aprovados em 17 de Novembro do mesmo ano pelo Definitório Geral e confirmada plenamente no Capítulo Geral de 1959. Inaugurou a sua actividade em 14 de Outubro de 1956.

 

Os objectivos e os fins da Escola de Missionologia encontram-se definidos no art. 31 dos seus Estatutos:

 

     “Considerada a actividade missionária que algumas Províncias da Ordem desempenham e as exigências especiais deste apostolado, em desenvolvimento crescente, à Escola Internacional de Espiritualidade acrescenta-se uma SECÇÃO MISSIONÁRIA especial, cujo fim é o de preparar espiritual, moral e culturalmente os religiosos destinados às missões”.

 

O Padre Bonardi expunha os fins da Escola da seguinte forma:

 

     “A Escola que será aberta em Roma no ano lectivo de 1956-57, destina-se a dar aos missionários todos aqueles conhecimentos de carácter jurídico, canónico, linguístico, médico e profiláctico que lhes permitam assumir os seus deveres de apostolado e profissionais, com a segurança e serenidade garantidos por uma adequada preparação” [44].

 

Relativamente aos destinatários, o art. 33 dos Estatutos estabelecia os requisitos para frequentar a Escola de Missionologia:

 

     “As Províncias que desejem o prevejam desempenhar no futuro actividades missionárias, devem enviar para esta Secção missionária aqueles religiosos professos de votos solenes que desejem destinar às missões. Os religiosos devem possuir os requisitos físicos, intelectuais e morais necessários para o apostolado hospitaleiro nas terras de missão”.

 

Os critérios fundamentais do programa de estudo para a Secção de Missionologia estavam definidos nos artigos 34 e 35 dos Estatutos:

 

     “Os alunos missionários participarão durante um ou dois anos nos cursos do Instituto Pontifício Missionário científico, situado no Pontifício Ateneu de Propaganda Fide, e num curso anual de Medicina Missionária, para conseguir o diploma de enfermeiro internacional” (art. 34).

 

     “Num regulamento especial para eles, indicam-se outros cursos especiais, com o fim de conseguir melhor a sua idoneidade na futura actividade missionária a que se hão-de dedicar, segundo o espírito da Ordem” (art. 35).

 

A Escola de Espiritualidade e Missionologia, estabeleceu-se inicialmente no hospital de S. João Calibita, em Roma, até ser inaugurado, em 1963, o Centro Internacional de Formação, na Via della Nocetta.

 

Quanto aos resultados, a Escola de Espiritualidade e Missionologia, ao longo dos anos e nas várias etapas da sua existência, tornou possível a formação de um grande número de Irmãos de toda a Ordem que frequentaram os diversos Cursos de Teologia, Espiritualidade, Hospitalidade e Missionologia, facilitando e elevando o nível de preparação espiritual, religiosa e apostólica da Ordem nos anos que precederam e seguiram o grande acontecimento eclesial do Concílio Vaticano II.

 

Pelo que diz respeito à Secção de Missionologia, permitiu duas realidades muito positivas:

 

·      A formação e preparação adequada de numerosos Irmãos que desempenharam o seu apostolado em terras de missão, e contribuíram para a expansão da Ordem, mediante novas fundações missionárias na África, na América e na Ásia.

 

·      A Escola, através dos irmãos nela formados – alguns foram para as missões, outros não –, e do empenhamento dos Superiores, foi criando uma sensibilidade especial pelas missões, impulsionando muitas Províncias a fundar e sustentar novas obras nos países em vias de desenvolvimento. Trata-se, sem dúvida, de frutos que se mantêm nos nossos dias, dado que muitos dos Irmãos nela formados ainda continuam a trabalhar em obras missionárias.

 

Desde há alguns anos, a Escola de Espiritualidade e Missionologia deixou de funcionar enquanto tal, essencialmente porque as circunstâncias e as necessidades são hoje diferentes e é mais fácil a formação directamente nas Províncias. Não obstante isso, o Centro continua aberto aos Irmãos que realizam a sua formação em Roma.

 

c) Secretariado Geral de Pastoral

 

Foi fundado durante o mandato de Superior Geral do P. Pierluigi Marchesi, com o objectivo de impulsionar e promover a evangelização e a pastoral.

 

Embora o seu objectivo principal não fosse o campo das missões, as suas iniciativas imprimiram um impulso à acção evangelizadora da Ordem. Entre os documentos publicados por este Secretariado, destacamos os seguintes:

·     O que é a Pastoral Sanitária?” (1980): o seu conteúdo faz uma aplicação da Evangelii nuntiandi à realidade da Ordem.

·     “Dimensão apostólica da Ordem Hospitaleira de S. João de Deus” (1982), que recolhe as raízes e a projecção evangelizadora da Ordem.

 

 

2. Organismos Interprovinciais ou Provinciais

 

As Províncias que já tiveram e as que ainda têm comunidades em países de missão contam com uma organização própria para a animação da vida de toda a Província, mas sempre se esforçaram por apoiar especialmente as comunidades, os Irmãos e as obras apostólicas dos países em vias de desenvolvimento. Todavia, como se disse, a Cúria Geral procurou abrir horizontes de universalidade que se traduzissem em projectos e actividades nos quais a comunhão e a colaboração entre as Províncias fosse efectivo. Desta forma, foram surgindo Secretariados Interprovinciais que, actualmente, abrangem todas as realidades da Ordem. Devido à sua relação directa com o tema deste documento, referir-nos-emos seguidamente ao CIAL (Secretariado Interprovincial da América Latina) e ao CIPPA (Comissão Interprovincial Ásia-Pacífico).

 

 

a) CIAL OH: Comissão Interprovincial de Animação Latino-americana

 

A actual Comissão Interprovincial de Animação Latino-americana surgiu com a finalidade de coordenar neste continente a resposta ao apelo lançado pelo Concílio Vaticano II à renovação da Vida Consagrada que, durante o ano de 1979, foi para todas as Províncias da Ordem um ano especial de graça: o ano da Renovação.

 

Na América Latina, após uma minuciosa campanha de sensibilização, motivação e preparação a todos os níveis, deu-se início e concluiu-se felizmente o conjunto de programas que visavam dar a conhecer e motivar todos os Irmãos da América Latina sobre o que era necessário viver depois como motivação religiosa na hospitalidade joandeína.

 

À medida que se avançava em cada um dos programas dos quatro cursos realizados em Bogotá (Colômbia), em todas as avaliações efectuadas ia-se sentindo a necessidade de um organismo que desse continuidade à animação.

 

A ideia de prosseguir com um organismo de animação para todas as comunidades da América Latina foi então promovida pelo Superior Geral, Ir. Pierluigi Marchesi, promotor da renovação, pelos Irmãos Provinciais da Colômbia e da Espanha e pelos seus Delegados Provinciais.

 

Foi assim que, a 17 de Outubro de 1979, se constituiu o Secretariado Latino-americano da Renovação (SELARE), surgido como serviço de animação da Ordem Hospitaleira na América Latina, com um projecto de Estatutos que viriam a ser posteriormente aprovados.

 

SELARE define-se como um organismo sem fins de lucro, ao serviço da existência e da missão da Ordem e dos Agentes da pastoral na Saúde da América latina. O seu objectivo consiste em “coordenar e animar o processo de Renovação, nos diferentes campos, para uma presença mais viva da Ordem Hospitaleira na América Latina”.

 

Das actividades desenvolvidas pelo SELARE , podemos destacar as seguintes:

 

No âmbito da Ordem:

·      Levou a efeito a animação mediante visitas programadas às comunidades das diferentes nações, tendo em vista a apresentação dos documentos da Igreja e da Cúria Geral.

·      Organizou Cursos para Animadores e Formadores das Comunidades, Cursos de preparação para a Profissão Solene, de Pastoral da Saúde e para Irmãos Maiores.

·      Em Dezembro de 1979 foi publicado o primeiro número do Boletim SELARE, com o fim de informar e animar as comunidades, bem como para apresentar documentos e trabalhos de interesse para a Vida Consagrada, a Formação Permanente e a Pastoral da Saúde.

·      Quase ao mesmo tempo começaram as publicações da Colecção SELARE que, até agora editou mais de meia centena de títulos sobre temas indicados no ponto anterior.

·      Elaborou e promoveu um Plano de Formação em Pastoral da Saúde por correspondência, em colaboração com a Universidade de S. Boaventura, de Bogotá.

Para fora da Ordem:

Todos os subsídios indicados são promovidos por SELARE para facilitar a vida espiritual, comunitária e a missão evangelizadora a partir da Pastoral da Saúde. Muitos deles estão à disposição das Igrejas locais das diferentes nações, que os apreciam e utilizam, constituindo praticamente os únicos meios existentes ao seu alcance no campo da Pastoral da Saúde.

 

SELARE também promove, organiza e participa em toda a espécie de eventos relacionados com a ética sobre a vida humana, a Pastoral da Saúde, a Teologia e a espiritualidade da doença e do sofrimento.

 

A 30 de Outubro de 1989 foram aprovados na Cúria Geral os Estatutos, mediante os quais se constituía, tal como acontecia noutras áreas geográficas da Ordem, o Secretariado Interprovincial da América Latina da Ordem Hospitaleira (SALOH). A partir de então, SELARE passava a constituir um departamento do mencionado Secretariado Interprovincial. Na reunião realizada em Cochabamba (13 de Setembro de 1996), era criado o CIAL-OH (Comissão Interprovincial de Animação Latino-americana), que assumia as linhas de acção do LXIII Capítulo Geral, celebrado em Bogotá, e continua a desenvolver todas as actividades mencionadas através do SELARE, sempre aberto à criatividade e à possibilidade de novas iniciativas em favor da Ordem e da Igreja na América Latina.

 

 

b) Comissão Interprovincial da Ásia-Pacífico

 

Em 1979 as comunidades e as obras da Ordem na Ásia foram reconhecidas como entidades próprias, quando os Irmãos da região escolheram representantes para participar no Capítulo Geral Extraordinário, realizado naquele ano. Do mesmo modo, a região esteve representada no Capítulo Geral de 1982.

 

A 25 de Fevereiro de 1991, o Governo Geral da Ordem, depois de consultar os Superiores responsáveis pelas comunidades e pelas obras da Ordem na Ásia, erigiram o Secretariado Interprovincial Asiático (SIPA). A 15 de Fevereiro de 1996, o Governo Geral aprovou uma alteração aos Estatutos Gerais, apresentada na reunião que a Comissão efectuara em Manila (Outubro de 1995), depois de a Província Australiana se ter unido à Região Asiática. A decisão de se unir à Comissão Asiática foi tomada pela Província Australiana com o fim de reflectir melhor as realidades culturais que existem actualmente naquela parte do mundo. A partir desse momento, a Comissão passou a denominar-se Comissão Inter-Provincial Ásia-Pacífico (CIPPA).

 

O objectivo da Comissão CIPPA é coordenar as actividades das diferentes comunidades e obras da Ordem na Região da Ásia-Pacífico, em zonas de interesse mútuo. A Comissão conta com um Comité Executivo, integrado pelo Presidente, Secretário/Ecónomo e outro membro eleito, que actua em nome dos membros da Comissão, tomando determinadas decisões relativamente às questões de que seja incumbido pela Comissão.

 

Os fins da Comissão são:

 

·      Cooperar nos seguintes campos: pastoral, missão, estilo de vida, formação, leigos, centros e administração.

·      Estimular uma maior tomada de consciência relativamente a quanto é pedido à Ordem na área da Ásia e do Pacífico, de forma a poder garantir uma presença mais eficaz, que consistiria em implantar a Ordem na Ásia e no Pacífico através de expressões de Hospitalidade novas e inovadoras.

·      Promover e coordenar pedidos de ajuda às organizações internacionais.

·      Desenvolver programas apropriados de formação e estilo de vida.

·      Facilitar o intercâmbio de experiências e pessoal entre as comunidades e as obras da Ordem na Ásia e no Pacífico.

 

A Comissão CIPPA, na sua reunião de Manila (Outubro de 1995), decidiu criar um Instituto Asiático de Formação Hospitaleira, com o fim de promover a formação espiritual, cultural e profissional das pessoas envolvidas na assistência médica e nos serviços sociais na Ásia. A orientação especial do Instituto consiste na preparação para a liderança que todos os Irmãos e um grande número de Colaboradores leigos deverão assumir no desempenho da missão de Hospitalidade. A Comissão Inter-Provincial Ásia-Pacífico publica um Boletim trimestral.

 

 

c) Fundação “Juan Ciudad” (ONG)

 

As Províncias espanholas, com o fim de promover e canalizar as ajudas destinadas aos centros da África que dependiam delas, integraram na estrutura do Secretariado Interprovincial de Espanha um organismo de carácter interno que, graças a um constante crescimento, tanto na programação orientada para angariar fundos através de organismos públicos e particulares, como nas crescentes exigências dos centros de África, a partir do dia 1 de Novembro de 1991, foi inscrita no Registo de Fundações Docentes e de Investigação do Ministério da Educação e Ciência e no Ministério de Economia e Finanças da Espanha.

 

Dedica-se ao desenvolvimento e Promoção da Saúde no chamado Terceiro Mundo e a suprir, na medida do possível, as muitas necessidades dos 33 centros e 15 dispensários, com um total de 4.000 camas, aproximadamente, que a Ordem tem na África e na América Latina. Tendo embora como principal orientação colaborar com os centros da Ordem, nada impede que, em momentos concretos, possa também colaborar com outras entidades e organismos.

 

A sede da Fundação Juan Ciudad encontra-se em Madrid e tem Delegações nas diferentes Comunidades Autónomas da Espanha. Desde Junho de 1994, está integrada no organismo estatal Coordenador das Organizações Não-Governamentais para o Desenvolvimento.

 

São os seguintes, os objectivos da Fundação:

·      Contribuir para a consciencialização da sociedade sobre as carências e necessidades do Terceiro Mundo, especialmente no campo da Saúde.

·      Fornecer, na medida do possível, aos centros da Ordem na África e na América Latina, os recursos humanos, técnicos e económicos que solicitem.

·      Canalizar para organismos públicos e entidades particulares que se ocupam da Cooperação Internacional e do Auxílio, com o fim de angariar a necessária ajuda financeira, os projectos apresentados pelos centros.

·      Colaborar na educação para o desenvolvimento das populações que se encontram junto dos centros da Ordem.

·      Formar a nossa sociedade desenvolvida relativamente a possíveis intervenções no sector da Saúde, tanto de carácter preventivo como assistencial, nos países menos desenvolvidos.

·      Fazer com que os centros da Ordem no Terceiro Mundo funcionem, por sua vez, como “centros distribuidores e multiplicadores” dos recursos que recebem, para que deles possa beneficiar toda a zona sob a sua influência.

 

As actividades, como é lógico, estão directamente relacionadas com os objectivos e os fins:

·      gestão e financiamento de Projectos de Desenvolvimento,

·      envio periódico de ajuda humanitária,

·      promoção, formação e orientação de Voluntariado internacional,

·      organização de cursos e seminários orientados para a sensibilização da sociedade espanhola,

·      publicação periódica de uma revista de sensibilização e divulgação das actividades dos centros da Ordem na África e na América Latina.

 

 

d)             Associação com os Irmãos de S. João de Deus para os Doentes distantes

(Associazione con i Fatebenefratelli per i Malati lontani) – AFMAL

 

A AFMAL, Associação com os Irmãos de S. João de Deus para os Doentes distantes, é uma Organização Não-Governamental (ONG) e, como tal, sem fins de lucro, comprometida no campo das necessidades médico-sanitárias e no desenvolvimento de iniciativas de solidariedade internacional. Foi fundada a 30 de Outubro de 1979, como sociedade orientada para trabalhar no sector do Voluntariado civil, reconhecida como tal pelo Ministério dos Negócios Estrangeiros, em Itália, a 17 de Julho de 1987; reconhecida desde 1995 como Organização Não-Governamental pela União Europeia, é patrocinada e apoiada nas suas actividades pela Ordem Hospitaleira.

 

Desenvolve actividades de auxílio para o desenvolvimento no campo da saúde. De modo particular, promove, organiza e dirige projectos de desenvolvimento no campo sócio-sanitário. Nalguns casos, no âmbito da prevenção, cura e reabilitação; noutros, realiza projectos integrados, desenvolvidos em colaboração com outras ONG e associações humanitárias nos sectores da saúde, agrícola, educativo, etc.

 

A AFMAL selecciona e forma pessoal voluntário e contratado. Organiza programas de formação profissional em Itália e no estrangeiro.

 

Desenvolve programas concretos e específicos nas Filipinas. Além disso, desenvolve uma acção de sensibilização da opinião pública no que se refere aos problemas do subdesenvolvimento, da fome, saúde, marginalização, especialmente nos países mais pobres do mundo. Para este fim, organiza seminários e conferências, promove campos de trabalho e de estudo, produz material informativo e didáctico e publica um opúsculo de coordenação.


 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

PARTE IV

 

A HOSPITALIDADE NOS DIAS DE HOJE

Capítulo VII

 

NOVA DIFUSÃO DA HOSPITALIDADE

 

 

1. Europa: força dinamizadora da presença da Ordem

 

A crise que a Igreja, e por conseguinte também a nossa Ordem, viveu na primeira metade do séc. XIX, que implicou o desaparecimento da mesma em lugares de tão grande tradição, como Espanha, Portugal e França, foi sendo superada a pouco e pouco. Graças ao apoio da Itália, a Ordem foi-se reorganizando, como vimos antes.

 

Si  fizermos o mapa da Ordem no ano de 1900, damo-nos conta de que a sua presença se limitava à Europa, com a única excepção das casas fundadas no actual estado de Israel, em finais do séc. XIX. Quer isto dizer que a Europa, ao longo deste século, foi a grande dinamizadora da presença da Ordem no resto do mundo, incluindo alguns países da própria Europa, como sucedeu com a ex-Jugoslávia. A expansão concretizou-se da seguinte maneira: as Províncias espanholas fundaram Casas na América Central e Meridional e na África; a Província francesa, na África e no Canadá que, logo depois, realizou fundações nos Estados Unidos e no Vietname; a Província irlandesa, na Austrália, Nova Zelândia, Coreia do Sul e uma casa nos Estados Unidos e na África; a Província de Baviera, no Japão; a Província Renana, na Índia; a Província inglesa, em África; a Província portuguesa, no Brasil e na África; a Província lombardo-véneta, em África; e a Província romana, nas Filipinas.

 

Constata-se assim a vitalidade do carisma hospitaleiro, o espírito eclesial, apostólico e missionário da Ordem, o testemunho simples e profundamente evangélico dos Irmãos, o grande trabalho social realizado, bem como a aceitação e o apoio que encontrou nos diversos lugares onde se tornou presente.

 

O constante apelo da Igreja à evangelização de novas terras, o desejo da Ordem de restaurar a sua presença em lugares onde já estivera noutros tempos, a própria vocação missionária, a preocupação de servir os pobres e doentes segundo o estilo de S. João de Deus e o testemunho evangélico-hospitaleiro, em ocasiões de martírio, de muitos Irmãos, foram as motivações profundas desta expansão, que torna hoje possível a presença da nossa Instituição nos cinco continentes e em mais de meia centena de nações.

 

 

a) A acção apostólica realizada nos centros

 

Ao longo do séc. XX, a nossa Ordem na Europa desenvolveu a sua acção apostólica principalmente em centros assistenciais próprios, procurando responder, nos diferentes lugares onde se encontrava, às necessidades mais urgentes.

 

Os doentes mentais, os deficientes físicos e psíquicos e as crianças vítimas de diversas doenças, especialmente deficiências físicas e psíquicas, foram os destinatários da missão caritativa da Ordem. Hospitais gerais, centros para pessoas idosas, viandantes e outros novos necessitados, completam o trabalho dedicado da Ordem na Europa até aos nossos dias.

 

Nós, os Irmãos, temos desempenhado a nossa missão apostólica seguindo o espírito de S. João de Deus. Procurámos sempre os melhores e mais modernos meios técnicos que a ciência proporcionava para curar os doentes. Além disso, tentámos atingir cuidadosamente um elevado nível de humanização da assistência e uma esmerada atenção religiosa. O acolhimento a quantos batiam às nossas portas e os esforços envidados a favor da dignificação dos pobres e dos doentes, constituem as características principais do serviço realizado pela Ordem neste século.

 

O velho continente atravessou uma época difícil. A conservação dos centros exigiu grandes esforços. Durante grande parte deste século, eles puderam ser mantidos graças às esmolas de numerosíssimos benfeitores; esta forma de financiamento permitiu que muitos Irmãos dedicados a esta tarefa realizassem um meritório trabalho apostólico. A luta pelos direitos dos pobres e dos doentes permitiu manifestar a atitude profética da Hospitalidade perante as administrações públicas, exigindo o respeito por esses direitos. Neste sentido, a Ordem foi pioneira e, nos nossos dias, grande parte dos seus centros encontram-se integrados nos serviços de saúde e sociais das diferentes nações.

 

A pastoral da saúde e a bioética constituem outro contributo fundamental da Ordem para a acção evangelizadora da Igreja no mundo da saúde. Acima de tudo e de maneira mais sistemática e organizada nas últimas décadas deste século, está a fazer um grande esforço para desenvolver e impulsionar estas dimensões nos seus centros, colaborando activamente com a Igreja.

 

No decurso do séc. XX foram grandes as mudanças que se verificaram na sociedade, no mundo da saúde e também dentro da Igreja e da Ordem. É necessário sublinhar a capacidade de adaptação, de resposta e criatividade que temos tido para reorientar os centros de acordo com as novas exigências, para mudar o que é necessário mudar, acabar com o que não correspondia às novas situações e para iniciar novas formas de presença apostólica. Tudo isto foi possível graças ao permanente desejo de renovação e de abertura ao Espírito, seguindo as raízes mais profundas da nossa Tradição. 

 

 

b) Implicações das situações de violência e perseguição

 

A instabilidade social e política foi a característica que marcou a Europa no início do séc. XX. As duas Guerras Mundiais, a Guerra Civil em Espanha, a implantação dos regimes totalitários, que perseguiram as Instituições religiosas e os seus membros, e a Guerra dos Balcãs, é o triste balanço violento da Europa neste século, caracterizado também por descobertas e progressos técnicos de toda a ordem.

 

Excepto no caso da guerra na ex-Jugoslávia, a Ordem viu-se implicada no resto dos conflitos e perseguições. No meio dessas circunstâncias, os Irmãos dedicaram-se ao serviço abnegado dos pobres e dos doentes, seu único e verdadeiro partido.

 

Durante a Guerra Civil em Espanha (1936-1939), 98 dos nossos Irmãos encontraram a morte no exercício da Hospitalidade; desses 98, João Paulo II beatificou 71, a 25 de Outubro de 1992. De outros 19 Irmãos continua a decorrer o processo de beatificação.

 

As duas Guerras Mundiais comportaram para os países por elas afectados a destruição dos nossos centros, calamidades e penúrias, bem como a prisão e a perseguição de muitos Irmãos que, na sua grande maioria, se mantiveram junto dos doentes até ao derradeiro momento da sua vida.

 

Alemanha e Áustria: as duas Guerras Mundiais marcaram a vida destas Províncias. Os Irmãos passaram por grandes dificuldades e sofreram perseguições. Destaca-se a figura do P. Eustáquio Kugler, da Província da Baviera, cujo processo de beatificação está actualmente a decorrer.

 

Tal como aconteceu nestas duas nações, as casas da Ordem sofreram as devastações da guerra. Mesmo assim, conseguiram progressivamente restabelecer-se. Actualmente, estas duas Províncias realizam a sua missão em centros bem equipados e garantem um elevado nível de qualidade assistencial, do ponto de vista técnico e humano.

 

Países da Europa Central: o fim da Guerra comportou para estes países a implantação de regimes políticos totalitários, com dramáticas consequências para a Igreja e para a Ordem: a ordem de supressão das instituições religiosas em muitos destes países implicou praticamente a extinção da Ordem. Muitos Irmãos foram perseguidos e presos devido unicamente a terem permanecido fiéis ao carisma de João de Deus. Destacamos a figura do Ir. Celestino Sule, Provincial da Província da Boémia-Morávia, que morreu na cadeia de Brno, em Maio de 1951. Províncias como a jugoslava, romena, húngara, boémio-morávia e eslovaca, ficaram reduzidas a um pequeno grupo de Irmãos já idosos que se mantiveram fiéis até à queda dos regimes totalitários. Apoiando-se nos poucos Irmãos que conseguiram sobreviver no meio de tamanho sofrimento, a Ordem está a procurar revitalizar a sua presença nestes territórios e reavivar a pouco e pouco estas Províncias com o apoio de toda a Ordem, especialmente das Províncias da Alemanha e Áustria.

 

Província da Silésia: os poucos Irmãos que sobreviveram à II Guerra Mundial pertencentes à Província da Silésia, na sua maioria alemães, não puderam regressar a essa Província por ela ter passado a pertencer politicamente à Polónia. Estes Irmãos foram os fundadores daquela que, inicialmente, foi designada como “Delegação Geral de Francoforte”, depois “Província Renana” e, a partir de 1997, novamente “Delegação Geral ”.

 

Na Polónia, os efeitos do regime político não foram tão dramáticos. Embora o governo tenha confiscado as casas, os Irmãos tiveram a possibilidade de viver e exercer a hospitalidade.

 

Como se vê, as consequências foram graves e provocaram grandes perdas para a Ordem. Nestes tempos tão difíceis, a resposta foi exemplar: dedicação, fidelidade, vivência profunda da vida religiosa e hospitaleira por parte dos Irmãos que, numa época marcada por uma crise tão grave, permaneceram fiéis a Deus, à Igreja, à Ordem e aos doentes.

 

Terminada a II Guerra Mundial, a nossa Ordem cresceu e difundiu-se novamente, sobretudo nos países da Europa ocidental. A semente do martírio e o testemunho de muitos Irmãos tornou possível esta realidade. A generosidade da Ordem foi tão grande que entregou os seus bens mais preciosos, do mesmo modo que Cristo entregou a sua vida na Cruz: é nessa oferta que se baseia o ressurgir de uma nova vida abundante para a Ordem. Hoje, continuamos a acreditar que essa semente do martírio continuará a dar novos frutos e a confiar que o Senhor encontre em nós a mesma generosidade e capacidade de entrega.

c) A crise industrial e a necessidade da nova evangelização

 

As sucessivas crises políticas, sociais e económicas que a Europa viveu ao longo deste século foram dando lugar a um maior nível de desenvolvimento e progresso material dos países.

 

Os avanços da ciência e da técnica, a macroeconomia, as instituições internacionais, as multinacionais, as novas indústrias e as novas formas de emprego foram proporcionando progressos sociais que, nalguns períodos e lugares, nos permitiram experimentar o chamado Estado do bem-estar social (Welfare State). Pertencemos a uma sociedade de direitos e deveres.

 

No campo da saúde e a nível assistencial, a segurança social fez com que actualmente a assistência médica seja um direito gratuito na maioria dos países, normalmente equipados com os melhores sistemas e progressos técnicos da ciência médica.

 

Tudo isto produziu também uma sociedade de contrastes, com grupos marginalizados e bolsas de pobreza importantes, a que se convencionou chamar “Quarto Mundo”. Da mesma forma, assistimos a uma forte transformação no mundo dos valores, entre os quais o da transcendência foi relegado pouco a pouco para segundo plano. Além disso, difundiu-se na sociedade o relativismo no campo da ética e da moral.

 

Embora já Paulo VI tivesse reconhecido que a Europa era terra de missão para a Igreja, foi João Paulo II quem, frequentemente, lançou um apelo à nova evangelização em todo o mundo e, concretamente, nesta Europa dos finais do II Milénio. Não se trata de anunciar um novo Evangelho, mas de o tornar presente hoje com novas formas e um novo entusiasmo. Trata-se de tornar presente o Deus da vida como valor supremo do homem e do mundo, dando testemunho disso não só por palavras, mas sobretudo com a vida; lutar pela defesa do nome e dos direitos invioláveis a nascer, viver e morrer dignamente, constituem os pilares do Evangelho que também hoje a Igreja deve tornar presente no mundo.

 

A Ordem na Europa procura responder a este chamamento para a nova evangelização a partir da sua vocação e missão hospitaleira, apoiada nos pilares da vida do Irmão de S. João de Deus: uma vida centrada em Deus e alimentada na oração pessoal e comunitária, na comunidade de vida fraterna  reunida em nome do Senhor, e na entrega aos pobres e aos doentes no serviço apostólico.

 

As motivações da Ordem para dar uma resposta adequada à nova evangelização, a partir do seu carisma, são a sensibilidade para captar e responder às novas necessidades (doentes mentais, crónicos, viandantes, toxicodependentes, SIDA, doentes terminais); a abertura à participação e integração dos Colaboradores na vida e missão da Ordem; a colaboração com outras instituições e grupos; a promoção da pastoral da saúde e a bioética.

 

Para a Europa dos nossos dias, é muito importante que Instituições religiosas como a nossa realizem com simplicidade gestos que testemunhem os valores do Evangelho: demostrar sensibilidade perante os necessitados, abertura, disponibilidade e proximidade para cuidar especialmente dos grupos mais desprotegidos. Por outro lado, é necessário que os centros da Ordem cresçam em qualidade assistencial segundo o estilo de S. João de Deus, procurando sempre aplicar as melhores técnicas no campo da Medicina, cuidando simultaneamente da humanização, da defesa dos direitos dos doentes e dos necessitados, promovendo a atenção religiosa e os valores éticos, apostando sempre na vida em todas as suas fases.

 

d) Países em que nos encontramos

 

Alemanha: a Ordem conta com a Província da Baviera, que tem 50 Irmãos e 8 centros, e com a Delegação Geral Renana, com 12 Irmãos e 3 centros. Nos últimos decénios, a Ordem na Alemanha experimentou uma diminuição progressiva do número de Irmãos, numa altura em que as obras, especialmente na Baviera, viviam o processo de modernização tecnológica da sociedade alemã. Os Irmãos souberam reagir perante a realidade e conseguiram envolver no apostolado dos centros um elevado número de profissionais, que mantiveram vivo o espírito de João de Deus em centros altamente evoluídos do ponto de vista técnico.

 

Áustria: a Província austríaca é formada por 35 Irmãos e conta com dez centros, sete dos quais são hospitais gerais altamente qualificados. A Ordem, por tradição, goza na Áustria de grande prestígio. O reduzido número de Irmãos estimulou o Governo da Província a realizar um interessante processo de abertura aos Colaboradores, aos quais soube transmitir os valores da Hospitalidade. Várias obras dependem praticamente deles.

 

Espanha: a Ordem na Espanha seguiu e consolidou a orientação iniciada pelo Beato Bento Menni. Em 1934, quando era Superior Provincial o Beato Guilherme Llop, procedeu-se à divisão nas actuais três Províncias: Nossa Senhora da Paz (Andaluzia), S. Rafael (Aragão) e S. João de Deus (Castela).

 

     Acabada a guerra civil, e no meio de penúrias de todo o tipo, as Províncias espanholas experimentaram um ressurgimento vocacional e uma expansão que se traduziu em novas fundações, incluindo, a partir de 1956, o continente africano. Em fidelidade ao carisma, procuraram responder criativamente às novas necessidades, abrindo centros de vincado cunho social, em que se tenta oferecer uma assistência de qualidade, segundo o estilo de S. João de Deus, se promove a pastoral, os comités de ética, o Voluntariado, etc., a fim de harmonizar o progresso e a humanização da assistência. Actualmente, a Ordem na Espanha tem 46 centros e 396 Irmãos.

 

França: na primeira metade do séc. XX, devido às duas guerras mundiais, a vida foi difícil para os Hospitaleiros franceses. Irmãos e doentes sofreram as consequências de ambos os conflitos bélicos, sendo especialmente de destacar, durante o primeiro conflito, a acção desenvolvida pelos Irmãos nos serviços de ambulâncias e nos hospitais militares.

 

    Actualmente, a Ordem continua a responder, segundo as suas possibilidades, às necessidades dos doentes e necessitados deste país. Tem 8 centros, todos constituídos juridicamente como Sociedades Civis, de acordo com a legislação francesa, aos quais é necessário acrescentar uma residência para pessoas idosas na Ilha Maurício (Pamplemousses) e um centro para deficientes psíquicos na Ilha de Reunião. A Província tem 80 Irmãos.

 

Hungria: a Província da Hungria, fundada em 1856 e colocada sob a protecção da Imaculada Conceição, é actualmente uma Delegação da Província austríaca. São três os Irmãos que sobreviveram à opressão sofrida durante o regime totalitário; as vocações actuais formam-se nos centros interprovinciais de formação das Províncias da Áustria e da Alemanha. A Ordem tem cinco centros.

 

Inglaterra: os Irmãos franceses chegaram à Inglaterra em 1877, e fundaram o Hospital de Scorton. Depois de terem constituído uma Província juntamente com a Irlanda, desde 1934 até 1953 tornou-se Província, sob a protecção de S. Beda, Venerável. A Província inglesa, tendo em conta a diminuição do número de Irmãos e a falta de vocações, realizou um período de discernimento para continuar na linha de fidelidade ao carisma da Ordem e abandonou a direcção de grandes centros. Tem um hospital geral (Scorton), um centro diurno para deficientes psíquicos, onze serviços, que são vivendas para grupos de deficientes psíquicos, na sua maioria adultos, fundados em 1989 e 1993, e um centro pastoral em Hemlington, fundado em 1992. No ano de 1961 fizeram uma fundação em Lusaka (actual Zâmbia), passando em 1982 para Monze. Os Irmãos são 19.

 

Irlanda: a presença da Ordem começou com a chegada dos Irmãos franceses a Tipperory, onde fundaram um lar para crianças lesionadas. Acompanhou o processo que já vimos no caso da Inglaterra e, em 1953, foi constituída a Província da Irlanda, sob a denominação da Imaculada Conceição. A partir de então experimentou um processo de crescimento e expansão, com novas fundações na Irlanda, na Coreia do Sul (desde 1959), na Austrália (até 1956) e um centro para deficientes psíquicos em New Jersey, nos Estados Unidos. Actualmente tem 9 centros, serviços e pequenas residências para deficientes psíquicos e um centro na África (Malawi). Tem 65 Irmãos.

 

Itália: as duas Guerras Mundiais e as suas consequências afectaram muito directamente a primeira metade deste século da Ordem em Itália: medidas governamentais que comportaram o encerramento e o fim de muitos hospitais, falta de vocações, etc. Apesar das dificuldades, fizeram-se novas fundações durante este período nas duas Províncias que haviam superado a crise de finais do séc. XIX: romana e lombardo-véneta.

 

    Nesta época, é de destacar a figura de S. Ricardo Pampuri, médico da Província lombardo-véneta, falecido a 1 de Maio de 1930 em Milão, beatificado por João Paulo II a 4 de Outubro de 1981 e canonizado no dia 1 de Novembro de 1989.

 

     Os Irmãos da Itália procuraram responder com criatividade às necessidades dos pobres, dos doentes e dos marginalizados, com critérios de universalidade. Dispõem de centros destinados a doentes crónicos, mentais, pessoas idosas, hospitais gerais, etc., e expandiram-se fora da Itália, concretamente na África (lombardo-véneta) e Filipinas (romana). Actualmente são 23 os centros e 125 os Irmãos de ambas as Províncias. Completam a presença da Ordem em Itália o Hospital de S. João Calibita, na Ilha Tiberina, e o Centro Internacional da Via della Nocetta, ambos dependentes da Cúria Geral.

 

Polónia: Na Polónia, a Ordem é constituída pela Província Polaca e pela Delegação Geral da Silésia. Ainda antes de o país ter saído do regime político totalitário, a Ordem dirigia alguns centros, na sua maioria dedicados à medicina homeopática e alguns à assistência de doentes mentais e diminuídos psíquicos. Embora com dificuldades, os Irmãos vão superando as marcas produzidas pelo longo isolamento do resto da Ordem e, graças ao esforço que está a realizar ao nível da formação inicial e permanente, a Ordem está a recuperar o prestígio que mereceu desde que, em 1853, foi fundada a Província da Silésia e, em 1922, se restaurou a Província polaca. A Ordem tem actualmente 14 centros e 90 Irmãos na Polónia.

 

Portugal: até 1927, as casas portuguesas estiveram integradas na então única Província espanhola existente. Nesse ano, sendo Superior Geral o P. Rafael Meyer, tornou-se uma Delegação Geral e, a 27 de Março de 1928, foi constituída canonicamente a Província de S. João de Deus de Portugal.

 

     A missão dos Irmãos desde a restauração da Ordem esteve muito centrada na atenção e nos cuidados aos doentes mentais: todos os centros, excepto o de Montemor-o-Novo, que é um Hospital geral, se dedicam a eles. Juntamente com as Irmãs Hospitaleiras, abrangem grande parte da assistência psiquiátrica existente em Portugal, realizando um trabalho apostólico muito hospitaleiro e reconhecido. Actualmente, a Província portuguesa tem treze casas, três das quais no Brasil, e 86 Irmãos.

 

República Checa: a florescente Província da Boémia-Morávia, fundada em 1919 com o título de S. Rafael Arcanjo, tem actualmente nove Irmãos que sobreviveram ao anterior regime político e recuperou, com o apoio das Províncias de Áustria e da Baviera, três dos sete centros que a Ordem possuía no fim da II Guerra Mundial. As novas vocações recebem a formação nos centros interprovinciais da Alemanha e da Áustria.

 

República Eslovaca: com a morte do Ir. Fabian Macej, em Março de 1997, a Vice-Província eslovaca passou a ser, desde Maio do mesmo ano, uma Delegação Provincial da Áustria. A razão dessa decisão é que os Irmãos professos solenes que superaram o período da opressão do regime totalitário são apenas três, e os novos candidatos preparam-se para a vida religiosa nos centros interprovinciais já referidos da Alemanha e da Áustria.

 

Cidade do Vaticano: desde 1874 que a Ordem dirige a prestigiosa Farmácia do Vaticano, na qual uma Comunidade internacional directamente dependente da Cúria Geral, se encarrega das tarefas que a direcção desta Farmácia implica, bem como do serviço de assistência nos ambulatórios médicos da Cidade do Vaticano.

 

 

2. Actualidade da Ordem na América

 

a) Início da nova presença

 

A partir da restauração da Ordem na América, realizaram-se novas fundações na América Central e Meridional, auspiciadas pelas Províncias espanholas e portuguesa. No dia 5 de Dezembro de 1994, o Definitório Geral decidiu erigir canonicamente três novas Províncias na América Latina, depois de, durante alguns anos, terem sido Vice-Províncias: Setentrional, dedicada a Nossa Senhora do Patrocínio e Venerável P. Francisco Camacho; México e América Central, sob a protecção de Nossa Senhora de Guadalupe; e Sul-americana Meridional, sob a protecção de S. João de Ávila.

 

Os Irmãos da Província francesa chegaram ao Canadá em 1927, fundando em 1933 o Hospital de Nossa Senhora das Mercês, em Montreal. Em 1941, os Irmãos canadianos passaram a integrar a Província dos Estados Unidos e, em 1953, tiveram a sua primeira casa na Av.ª West Adams (Los Angeles). Por outro lado, os Irmãos portugueses voltaram a estar presentes na América com uma fundação em Divinópolis (1963), constituindo as casas hoje existentes no Brasil uma Delegação da Província portuguesa.

 

 

b) Orientação dos nossos centros

 

A Ordem procurou orientar a sua missão neste século para a assistência aos doentes e aos pobres, especialmente os mais necessitados, missão essa que se foi desenvolvendo, essencialmente, em centros próprios; nalgumas ocasiões, aceitou a direcção de centros da administração pública e da Igreja.

 

A beneficência foi o principal recurso para a economia dos centros. Ainda hoje, em vários países da América do Sul, a esmola continua a ser o suporte de muitas obras, embora os acordos com entidades públicas e particulares se vão afirmando cada vez mais em função do desenvolvimento económico dos diversos países.

A assistência psiquiátrica é o serviço de maior alcance que a Ordem realiza actualmente no continente americano: todas as Províncias dedicam uma boa parte dos seus recursos à assistência e aos cuidados com os doentes mentais, e em quase todos os Países da América Central e Meridional em que a Ordem está presente, existem centros para a assistência a estes doentes. Esta foi uma constante desde o início da restauração da Ordem na América, do mesmo modo que se verificou também em Espanha e em Portugal. Não há dúvida de que os doentes mentais eram, e continuam a ser hoje em muitos lugares, os mais desfavorecidos e abandonados pelos serviços públicos de Saúde. Por isso, o Beato Bento Menni e os seus companheiros dirigiram os seus esforços especialmente para eles. Com o passar do tempo, e perante as novas necessidades que iam surgindo, a Ordem procurou responder com generosidade. Assim, foram abertos centros para crianças paralíticas, pobres e abandonados, e ainda clínicas ortopédicas.

 

A Ordem, particularmente na América Latina, dedica a maior parte dos seus recursos humanos e económicos a estes dois grupos de pessoas. Além disso, sempre atenta à realidade, procura responder às novas necessidades, dedicando outros recursos à assistência aos viandantes e marginalizados, às pessoas idosas, através de dispensários e centros de assistência primária e de Educação Especial.

 

Além de dar uma resposta coerente, evangélica e de acordo com as exigências da Igreja e dos necessitados, a Ordem na América procura impulsionar os valores próprios do carisma joandeíno, plasmando-os em acções concretas que caracterizam um estilo próprio. A promoção da Pastoral da Saúde, o Voluntariado, os princípios da ética católica, a humanização e a adequada formação profissional e humana, juntamente com a aplicação das técnicas mais modernas da Medicina, vão configurando a orientação e a linha de acção assistencial em sintonia com o espírito e a obra de S. João de Deus.

 

Mesmo assim, há ainda muito que fazer e, provavelmente, será necessário tomar em consideração a possibilidade de uma maior diversificação das obras e privilegiar a presença nalguns países mais do que noutros, com o fim de responder melhor às necessidades dos doentes, dos pobres e dos marginalizados na sociedade actual.

 

 


c) Países em que nos encontramos

 

No continente americano, a Ordem está presente em países onde já tinha estado antes do seu desaparecimento, no séc. XIX, e noutros países novos, sobretudo na América do Norte. Concretamente, nos seguintes países:

 

Argentina: Sanatório S. João de Deus (Ramos Mejía), hospital geral. Hospital Psiquiátrico S. João de Deus (Luján). Consultório S. João de Deus (Hurlingham), com carácter aberto.

 

Bolívia: Instituto Nacional de Psiquiatria Gregório Pacheco (Sucre) e Instituto Psiquiátrico S. João de Deus (Cochabamba). Centro Especial de Investigação Psicopedagógica (Sucre).

 

Brasil: Hospital S. João de Deus (Divinópolis), hospital geral. Residência S. João de Deus (Itaipava), para pessoas idosas. Hospital S. João de Deus (Pirituba), para doentes mentais.

 

Canadá: a Província do Canadá foi constituída como Província canónica em 1940, sob a protecção de Nossa Senhora das Mercês. Posteriormente, os Irmãos expandiram-se até ao Vietname e aos Estados Unidos. Actualmente, a Província do Canadá conta com três comunidades em Montreal e uma no Quebec. Os Irmãos trabalham num centro para toxicodependentes, noutro para viandantes, mantêm diversas formas de colaboração em hospitais e outros serviços. Os Irmãos são 20.

 

Colômbia: Hospitais gerais: Casa de Saúde S. Rafael (Santafé de Bogotá), Casa de Saúde S. João de Deus (La Ceja), Hospital Paroquial Beato Bento Menni (Machetá). Serviço a doentes mentais:  Hospital S. Rafael (Pasto), Casa de Saúde S. João de Deus (Chía), Casa de Saúde S. João de Deus (Manizales), Casa de Saúde Nossa Senhora da Paz (Santafé de Bogotá). Outras obras da missão hospitaleira, na capital: Escola de Enfermagem San Rafael, Instituto San João de Deus (Colégio), Centro de Saúde S. João Grande.

 

Cuba: Sanatório S. João de Deus (La Habana), para doentes mentais. Lar-Casa de Saúde S. Rafael (La Habana), originariamente para crianças com problemas derivados da poliomielite e agora Lar da Terceira Idade. Actualmente está em construção um outro Lar para idosos em Camagüey.

 

Chile: Sanatório Marítimo S. João de Deus (Viña do Mar), para crianças deficientes físicas. Hospital Psiquiátrico Nossa Senhora do Carmo (Santiago de Chile).

 

Equador: Centro de Repouso S. João de Deus (Quito), para doentes mentais. Albergue nocturno S. João de Deus (El Tejar-Quito), para marginais e viandantes.

 

Estados Unidos: em 1941, os Irmãos do Canadá fundaram a casa de Los Angeles. Em 1950 as casas dos Estados Unidos constituíram-se em Vice-Província e, alguns anos depois, em Província, sob a protecção de Nossa Senhora Rainha dos Anjos. Tem actualmente três obras: Los Angeles, Ojai e Apple Valley. A Ordem está presente, além disso, em New Jersey, um centro para deficientes psíquicos, da Província irlandesa.

 

México: Sanatório Psiquiátrico S. João de Deus (Zapopan), Sanatório Psiquiátrico de Nossa Senhora de Guadalupe (Cholula) e Casa de Saúde S. Rafael (Tlalpan). Os três centros prestam assistência a doentes mentais.

 

Peru: Lar-Casa de Saúde S. João de Deus (Lima), Lar-Casa de Saúde S. João de Deus (Arequipa) e, perto deste Lar, a Paróquia S. João de Deus e o Centro de Educação Especial. Lar-Casa de Saúde S. João de Deus (Chiclayo) e Lar-Casa de Saúde S. João de Deus (Cuzco), para crianças doentes e deficientes físicos. O Centro de Repouso S. João de Deus (Piura) é um centro psiquiátrico.

 

Venezuela: Hospital S. João de Deus (Caracas) e Lar-Casa de Saúde S. Rafael (Maracaibo), hospitais infantis, de traumatologia, ortopédicos e de reabilitação. Hospital S. João de Deus (Mérida), para a assistência psiquiátrica.

 

 

3. África: seiva nova na árvore da Hospitalidade

 

a) Fidelidade ao carisma em situações difíceis

 

O princípio fundacional da Ordem, de assistir sempre os mais necessitados, foi na África um critério seguido sem grandes dificuldades, dado que em todos os centros onde trabalhamos, a nossa presença é necessária e apreciada: de facto, há que ter em conta que, no campo da saúde, há muito trabalho a fazer, podendo-se dizer que quase todas as realidades com que deparamos assumem um carácter de urgência.

 

A Ordem não tem estrutura nem recursos para estar presente em situações de emergência, nem julgamos que seja essa a sua missão. Não obstante isso, quando estas situações se verificam onde existe uma obra joandeína, os Irmãos continuam a prestar os seus serviços a favor dos doentes e necessitados.

 

Nos últimos anos, a instabilidade social, política e económica tem vindo a provocar nos países africanos verdadeiras situações de violência e guerra, muitas vezes de carácter tribal, que ocasionam numerosos mortos e provocam perseguições. Embora ainda nenhum Irmão de S. João de Deus tenha sofrido a morte devido a tais situações, vale a pena referir aqui três países que vivem esta situação e nos quais estamos presentes:

 

·      Moçambique:  o movimento independentista (FRELIMO), de cariz totalitário, conseguiu os seus objectivos em Junho de 1975 e, nesse mesmo ano, foi decretada a nacionalização de todas as instituições ligadas aos sectores da educação, assistência social e da saúde, incluindo as da Igreja e, por conseguinte, também as que a Ordem tinha em Moçambique desde 1943.

 

     Pouco a pouco, os Irmãos foram regressando a Portugal. Permaneceu o Ir. Manuel Nogueira que, além da sua entrega aos doentes, se dedicava à evangelização, e que em 1979 foi preso por duas vezes. Actualmente, e não sem dificuldades (os centros continuam confiscados), os Irmãos vivem em Nampula num clima de maior tranquilidade.

 

·      Libéria: Em 1990, grupos rebeldes levantaram-se em armas contra o regime em vigor. Travou-se uma dura luta, que provocou muitos mortos, incluindo a do presidente do país. O nosso hospital foi um bom lugar de assistência e serviu de refúgio a muitas pessoas que fugiam da guerra sangrenta. Os Irmãos estiveram presentes e realizaram um grande obra humanitária e evangélica, até ao último momento em que foram evacuados. O nosso hospital de Monróvia foi saqueado e ficou praticamente destruído.

     Quando acabou a guerra, e embora a situação se mantivesse ainda muito instável, os Irmãos regressaram, a 7 de Junho de 1991, para reconstruir o hospital e retomar a actividade missionária e hospitaleira. Novamente, em Abril de 1996, o conflito recrudesceu, com dramáticas consequências para a população civil. Mesmo assim, os Irmãos, por vontade própria, decidiram permanecer no hospital da capital liberiana.

 

·      Serra Leoa: a situação tem características muito semelhantes às da Libéria, país com o qual a Serra Leoa tem fronteiras comuns. No início de 1995 surgiram com violência grupos de rebeldes para se confrontar com o governo desta nação. Quando parecia que a paz se iria consolidar, depois de terem sido realizadas eleições democráticas, em Março de 1997, deu-se um novo golpe de estado. As consequências estão a ser o medo, o terror e a morte de muitas pessoas inocentes.

 

     Os Irmãos, que desempenham a sua missão no hospital de Lunsar, situado no interior do país, vivem afectados por esta situação e, em diversas ocasiões, foram surpreendidos pela chegada dos grupos armados ao hospital e por recontros nos arredores. Até ao momento tudo não passou de um susto e os Irmãos continuam a dedicar-se aos doentes, aos necessitados e aos refugiados que recorrem a eles.

 

 

b) O esforço de implantação

 

O Ordem Hospitaleira reinicia a sua presença em África no séc. XX, com uma fundação em Moçambique (1943), à qual se seguiram outras na Somália (1955), no Ghana (1956), Togo (1961), na Zâmbia (1962), no Oceano Índico (Ilha Reunião 1962), na Libéria (1963), Serra Leoa (1967), nos Camarões (1968), Benim (1970), Senegal (1975) e Malawi (1992). Algunas delas viriam a ser estáveis, outras acabariam por ser encerradas e reiniciar em outros lugares. Este forte impulso missionário deve-se, por um lado, ao aumento das vocações nas Províncias europeias (Portugal, Espanha, Itália, Inglaterra, França) e, por outro, ao desejo de responder à chamada da Igreja, especialmente a partir do Concílio Vaticano II. A Ordem mobilizou um grande número de Irmãos e recursos para estar neste continente tão necessitado da nossa presença. Mesmo quando nas Províncias mães se começava a sentir o declínio vocacional, o sector missionário continuou a ser privilegiado.

 

 

c) Acções realizadas neste sentido

 

A nossa Ordem sentiu-se sempre chamada a difundir o Reino de Deus em todos os cantos da terra, mediante a sua missão hospitaleira. Neste século, e concretamente na África, tem vindo a realizar grandes esforços para consolidar a sua presença. As principais acções empreendidas para o conseguir podem-se assim sintetizar:

 

·      Iniciativa de algumas Províncias que se sentiam chamadas a expandir a Ordem no continente africano. A primeira foi Portugal que, em 1943, realizou a sua primeira fundação em Moçambique. Posteriormente, outras Províncias seguiram o mesmo caminho.

·      A Escola de Missionologia de Roma. Como se disse noutro capítulo, foi criada em 1955, como secção anexa à Escola de Espiritualidade. O P. Moisés Bonardi, Superior Geral, foi o seu impulsionador, e o P. Higínio Aparício, seu sucessor, reforçou esta iniciativa.

 

     Foi-se criando assim em toda a Ordem uma grande sensibilidade pelas missões, e muitos Irmãos puderam aceder à Escola e receber uma formação apropriada para a sua posterior integração nas casas de missão. Muitos outros que se formaram nela não chegaram a partir para as missões, mas contribuíram para criar uma mentalidade e sensibilidade muito importantes. Sem dúvida, pode-se afirmar que esta Escola foi uma das principais acções levadas a efeito para reforçar a nossa presença missionária.

 

·      O esforço de muitas Províncias que, a partir dos anos 50, contribuíram generosamente com muitos recursos materiais e, sobretudo, com Irmãos. Em poucos anos foram feitas muitas fundações nas quais a Ordem continua a desempenhar o seu trabalho apostólico, no campo social e no sector da saúde.

 

·      Entre as preocupações mais importantes, esteve sempre o empenho na promoção das vocações autóctones e o cuidado posto na sua formação. Foi sobretudo no início dos anos 80 que começou um trabalho mais coordenado e sistemático, que coincidiu com a publicação do livro “A Formação do Irmão de S. João de Deus”.

 

·      A criação da Delegação Geral de África foi sem dúvida um facto significativo. Não era fácil reunir Irmãos, comunidades e centros de diferentes culturas e realidades; todavia, e depois de alguns anos em que um Irmão Coordenador fez um trabalho de relacionamento mútuo entre os centros de África, em 1989, quando era Superior Geral o Ir. Brian O’Donnell, foi possível erigir a Delegação, que constituiu assim uma demonstração de universalidade e abertura. A falta de tranquilidade surgiu alguns anos mais tarde, quando era Superior Geral o Ir. Pierluigi Marchesi.

 

     Nos anos em que funcionou a Delegação Geral da África, foram dados passos decisivos no sentido da consolidação neste continente em todas as áreas: formação, administração, estilo de vida, etc. Contudo, há ainda muito caminho a percorrer.

 

·      A acção desenvolvida em África é vasta e inestimável.

 

·      Evidenciamos, por fim, a disponibilidade de muitas comunidades e centros na África para receber e acolher pessoas voluntárias que, durante algum tempo, ajudam no trabalho hospitalar e partilham a vida dos Irmãos. Esta colaboração não só está a ser positiva para os Irmãos e os centros, como para as pessoas que os frequentam, ou contribuem com a sua ajuda e se sentem beneficiadas. Cumpre-se de maneira concreta o lema de S. João de Deus quando pedia esmola: “Irmãos, fazei o bem a vós mesmos”.

 

 


d) O carácter internacional dos Centros de Formação

 

Nos primeiros tempos, a Formação organizou-se como nas Províncias. Nalguns casos, os jovens com vocação eram levados para a Europa, pois os Irmãos missionários não se consideravam com capacidade para desempenhar a tarefa da formação. Essa decisão não deu bons resultados e, perante a pouca perseverança dos candidatos, abriram-se centros de formação nas casas de missão.

 

Como nos primeiros anos cada comunidade dependia de uma Província diferente e as distâncias entre elas eram muito grandes, cada centro tinha de assegurar todo o ciclo de formação, com as dificuldades que isso implicava.

 

Nos anos 70 realizaram-se os primeiros encontros de Irmãos que trabalham em África, com a finalidade de partilharem o trabalho que realizavam, as dificuldades encontradas e a maneira de colaborar entre as diferentes obras. Essas primeiras reuniões tiveram um momento forte com o curso de missionários, realizado em Roma em 1980, por ocasião dos Cursos de Renovação, no primeiro sexénio do Ir. Pierluigi Marchesi.

 

Apesar disso, as dificuldades continuaram a existir na prática e não se encontravam formadores suficientes para garantir a formação dos jovens que, cada vez mais numerosos, pediam para entrar nas comunidades. No início da década de 80, as Províncias de Castela e Aragão decidiram transferir os seus noviços para o Noviciado de Nguti (Camarões), pertencente à Província Bética, começando-se assim um novo caminho de colaboração. Em breve, os Escolásticos passaram para Afagnan (Togo), onde iniciaram os estudos profissionais, concretamente, de Enfermagem, em colaboração com a Escola de Enfermagem do hospital de S. Pedro, da Província romana.

 

Estes primeiros passos foram incertos e não sem dificuldades. Em vista de tudo isso, o Superior Geral convocou uma reunião em Afagnan (Togo), em Março de 1985, durante a qual se decidiu por unanimidade a implantação da Ordem em África, com o fomento e a formação das vocações indígenas, sendo necessário fornecer os meios humanos e económicos necessários para a levar a efeito. Como medidas concretas, decidiu-se construir o Noviciado em Lomé (Togo), visto que tinha mais possibilidades para a formação dos jovens, e o Escolasticado em Koforidua (Ghana). Os dois centros assumiam carácter internacional, para assegurar a formação homogénea dos candidatos. 

 

Em Novembro de 1986 realizou-se em Lomé (Togo), sede do Noviciado, o primeiro Curso para formadores de África, dirigido pelo Ir. Valentín A. Riesco. Participaram dez Irmãos e foram elaborados os programas e critérios a seguir, de acordo com o livro “A Formação do Irmão de S. João de Deus”, aplicados à realidade africana. Posteriormente, efectuaram-se dois encontros de avaliação e programação.

 

Também em 1986, o Governo do Togo autorizou a criação da Escola de Enfermagem S. João de Deus, no hospital do mesmo nome, de Afagnan, onde teria lugar a formação dos religiosos. A Escola só abriu as suas portas em 12 de Dezembro de 1989, com um primeiro curso para vinte estudantes. Desde o princípio, a Escola formou 44 médicos auxiliares e 36 enfermeiros com diploma. A promoção 1994-97 consta de vinte e sete estudantes. Trata-se do primeiro grupo que, ao concluir os seus estudos, obteve o reconhecimento oficial dos mesmos, dado que o Governo da República do Togo aprovou a Escola de enfermagem “S. João de Deus” de Afagnan, em 26 de Dezembro de 1996

 

O carácter internacional dos Centros de Formação foi uma medida acertada, tendo em vista a consolidação da Ordem em África. Também é um aspecto importante que enriquece, ao permitir aos jovens crescerem juntos na vocação hospitaleira; ao mesmo tempo, o facto de Irmãos de diferentes países, culturas e mentalidades e etnias poderem conviver num mundo tão dividido como o nosso, não deixa de ser um sinal de unidade.

 

 

e) A Delegação Geral da África

 

A Delegação teve a sua origem na reunião realizada em Afagnan, em 1985, na qual se decidiu criar a Coordenação Geral da África, abrangendo os seguintes países: Senegal, Serra Leoa, Libéria, Ghana, Togo, Benim e República dos Camarões. A finalidade consistia em ir unificando os critérios gerais a seguir, sobretudo ao nível da formação. O primeiro Coordenador foi o Ir. Justino Izquierdo, substituído em 1986 pelo Ir. Juan Bautista Carbó.

 

Durante os quatro anos em que a Coordenação funcionou, foram lançadas as bases para uma colaboração mais estreita entre os diferentes centros da África ocidental. Nesse período, tiveram lugar vários encontros na sede da Coordenação e do Noviciado de Lomé (Dezembro de 1986 e Janeiro de 1988), nos quais se foram confirmando as medidas adoptadas e se encorajou a prosseguir no caminho encetado.

Depois dos Capítulos Provinciais de 1989, realizou-se em Los Molinos (Madrid) uma reunião da Cúria Geral, com os novos Irmãos Provinciais e os Irmãos missionários que tinham participado nos Capítulos. Para esta reunião foram convidados os Irmãos Provinciais de Inglaterra e Portugal. Durante a mesma, concordou-se com a criação da Delegação Geral de África, uma decisão que os diferentes Conselhos Provinciais deveriam ratificar depois. A Coordenação converteu-se em Delegação Geral de África, sob o título canónico de S. Ricardo Pampuri, à qual se uniram a Zâmbia e Moçambique. Como primeiro Delegado Geral foi nomeado o Ir. Juan Bautista Carbó, que desempenhara até então o cargo de Coordenador Geral, e para Conselheiros, foram designados os Irmãos Justino Izquierdo, Benôit Lokossou e Ivo Tangwa Tatah.

 

Nestes anos de vida da Delegação foram-se concretizando os objectivos a seguir, unificando os critérios da Pastoral Vocacional e da admissão dos candidatos, fizeram-se progressos na criação de uma mentalidade comum e foram-se internacionalizando as comunidades.

 

Mas foi no campo vocacional que a Delegação realizou os progressos mais importantes. No início deste período, em 1986, embora as ideias fossem claras, na prática não se via a maneira de as concretizar. Mas a pouco e pouco, e graças à generosidade de muitos Irmãos, os Centros de Formação começaram a funcionar e foram-se aplicando os critérios estabelecidos, segundo o Livro da Formação da Ordem, e na reunião de Formadores de 1986. Como resultado desse trabalho, temos actualmente na Ordem 80 Irmãos africanos, o que representa sem dúvida uma esperança para o futuro.

 

 

 

f) Erecção de duas novas Províncias em África

 

A Delegação Geral da África correspondeu em grande parte aos desejos e expectativas de todos, e preparou os Irmãos para poderem constituir novas Províncias. Depois de consultar todos os Irmãos, na Assembleia da Delegação, realizada em Lomé (Togo), de 14 a 19 de Abril de 1997, e presidida pelo Superior Geral, Ir. Pascual Piles, depois de se terem estudado as opções possíveis sugeridas pelos Irmãos, a Assembleia chegou à conclusão de constituir duas Províncias na África, tendo em conta a distribuição geográfica e linguística. A parte de expressão oficial inglesa recebeu o título canónico de Nossa Senhora da Misericórdia, e compreende as Comunidades e Centros situados no Ghana, na Serra Leoa, Libéria, República dos Camarões e Zâmbia. A Província de expressão oficial francesa e portuguesa, sob o título de S. Ricardo Pampuri, é composta pelas Comunidades e Centros do Senegal, Togo, Benim e Moçambique.

 

O Definitório Geral, na sessão de 25 de Abril do mesmo ano, aprovou as decisões tomadas na Assembleia de Lomé e nomeou os Provinciais e Conselheiros das duas Províncias. Assim, para a Província de “Nossa Senhora da Misericórdia”, foram nomeados, para Provincial, o Ir. José Maria Viadero e, para Conselheiros, os Irmãos Raphael Ngong Teh, sac., Justino Izquierdo, John Oppong, sac., e Ngha Nicholas Mue. Os Irmãos Jesús Labarta, Leopoldo Gnami, José Maria Chávarri, Benôit Lokossou e Fiorenzo Priuli, foram nomeados, respectivamente, Provincial e Conselheiros da Província de “S. Ricardo Pampuri”.

 

O processo até se chegar a esta decisão não esteve isento de dificuldades, como decerto acontecerá com o caminho a seguir no futuro, dada a extensão, as distâncias e as diferentes línguas e culturas. Todavia, a grande generosidade dos Irmãos continuará a superar as deficiências e limitações e, decerto, esta decisão contribuirá para impulsionar o desenvolvimento da Ordem e a sua acção apostólica no continente africano.

 

 

4) Ásia: presença da Ordem numa cultura de contrastes

 

No continente asiático, e durante os últimos 35 anos, a Ordem contribuiu em grande medida para a missão da Igreja, evangelizando as populações dos países em vias de desenvolvimento. Na Ásia, os Irmãos responderam de maneiras muito diferentes às necessidades dos pobres e dos doentes. A Ordem contribui notavelmente para o desenvolvimento dos programas e serviços nacionais, não em competição com as estruturas estatais, mas oferecendo novos modelos de assistência.

 

Nos países asiáticos pobres em serviços no sector da saúde, a Ordem deu preferência a programas médicos comunitários, que exigem dos líderes a capacidade de saberem relacionar-se, e não só de comunicar e trabalhar com os grupos; deles exige, além disso, que sejam sensíveis ao próximo e tenham a capacidade de estabelecer um sentido de comunidade com os pobres e, o que é ainda mais importante, que estejam imbuídos pelo carisma de hospitalidade da Ordem.  

 

Israel: A Ordem chegou ao actual estado de Israel em 1891. Por iniciativa do Padre Alfieri, foram fundados dois hospitais: um em Tantur (Jerusalém) e outro em Nazaré, com duas comunidades dedicadas à assistência hospitaleira e ao apostolado missionário. Actualmente existe apenas o Hospital de Nazaré, ligado à Província lombardo-véneta.

 

Japão: a Província da Baviera fez uma fundação em Kobe, em 1951; actualmente é uma Delegação Provincial, com dois centros. No Japão, um país que valoriza a pessoa em termos da sua produtividade, o testemunho cristão da acção dos Irmãos tem uma grande importância para a Igreja. Isso é evidente no caso do seu interesse por pessoas que passaram muito tempo em hospitais psiquiátricos e necessitam de ajuda e assistência a longo prazo.

 

     O terramoto devastador de 17 de Janeiro de 1995 destruiu completamente a residência e a capela dos Irmãos, e provocou enormes prejuízos no Centro. Felizmente, não houve mortos nem feridos graves a registar. Após um primeiro momento muito difícil, os Irmãos e os seus Colaboradores, com a ajuda da Província da Baviera e uma certa colaboração por parte do Governo japonês, puderam reconstruir os edifícios. A casa de Kobe-Kita saíu ilesa do terramoto.

 

     O Centro de hospitalização a longo prazo de Kobe-Suma aceitou também residentes de breve permanência para convalescentes de doenças físicas, e oferece alguns tratamentos médicos, como a hidroterapia. Ao assistir muitos doentes não cristãos, além de um ambiente descontraído e acolhedor, os Irmãos oferecem também um programa pastoral ecuménico.

 

     O Centro de Kobe-Kita é uma residência para adultos com perturbações graves múltiplas. Os programas do Centro procuram satisfazer as exigências individuais dos residentes.

 

     Num país onde apenas 1% da população é cristã e os católicos são apenas 430.000, as vocações para a Vida Consagrada e, em particular, para a vida na Ordem, são proporcionais a esses números. Não obstante isso, temos felizmente vários Irmãos japoneses que já emitiram os votos solenes.

 

Vietname: os Irmãos da Província canadiana chegaram ao Vietname em 1952 e estabeleceram-se no norte do país. Com o início da guerra civil, o hospital dos Irmãos em Tan-Bien (Ben-Hoa City) foi ocupado pelo estado, assim como também a casa do noviciado de Da-Nang City. Os Irmãos canadianos viram-se forçados a abandonar o Vietname e, desde então, o contacto com os Irmãos vietnamitas foi indirecto e esporádico, através da Província francesa. Esta situação melhorou recentemente, e agora já é possível um contacto directo. No entanto, continua a ser difícil aos representantes eclesiais, incluindo os membros do Governo Geral da Ordem, permanecerem junto de uma comunidade local quando visitam o Vietname, para o que é necessária uma autorização especial das autoridades. Também é muito difícil os religiosos nativos serem autorizados a viajar fora do país.

 

     A capela dos Irmãos é um lugar de encontro para onde as pessoas entram e de onde saem constantemente para rezar diante do Santíssimo Sacramento e das imagens de Nossa Senhora, de S. João de Deus e de S. Ricardo Pampuri. Outro ponto de referência para os Irmãos e para a Igreja local, é o túmulo de um Irmão de origem americana, o venerado Ir. William Gagnon, sepultado no cemitério perto da casa dos Irmãos, em Tan-Bien. Este Irmão era membro da Província canadiana e foi um dos fundadores da Ordem no Vietname. Juntamente com outros Irmãos canadianos, primeiro trabalhou como missionário no Norte do Vietname, mas logo que rebentou a guerra, transferiu-se para a parte meridional do país, para se dedicar à assistência aos refugiados. O Irmão William é recordado como um Hospitaleiro exemplar e foi-se difundindo entre o povo uma grande devoção por ele. Todos os dias se vêem doentes do hospital e muitas outras pessoas a rezar diante do seu túmulo. Tanto na morte como durante a vida, ele está sem dúvida muito próximo dos seus Irmãos e do povo vietnamita, a quem amou de todo o coração e serviu com compaixão e imensa ternura.

 

     Alguns Irmãos estudaram e receberam um diploma para a prática da Medicina oriental tradicional e da agopuntura. Abriram dispensários, sobretudo para os pobres, e também um laboratório para produzir medicamentos tradicionais, que distribuem não só nos seus dispensários, mas também nos dispensários e hospitais das redondezas.

 

     Os Irmãos contam com a ajuda de muitos voluntários. Além disso, há pelo menos sete paróquias com mais de trinta afiliados de S. João de Deus em cada uma, que visitam os doentes e os moribundos nos seus domicílios. Estes grupos paroquiais, inspirados em S. João de Deus e no exemplo dos Irmãos, pediram a afiliação à Ordem para partilhar os seus benefícios e graças espirituais. A cerimónia de afiliação à Ordem teve lugar durante a visita do Superior Geral, em 1995.

 

     Apesar das inumeráveis dificuldades, os Irmãos souberam atrair muitas vocações e dar-lhes uma sólida formação, do ponto de vista religioso e hospitaleiro. Em finais de 1995 havia mais de 70 Hospitaleiros no Vietname. O aspecto mais promissor para o futuro da Ordem neste país é que o número de candidatos que solicitam a entrada na Ordem se mantém constante.

 

Coreia: em 1959 os Irmãos da Irlanda abriram uma casa na Coreia do Sul. Hoje é uma Delegação Provincial, com três Centros. Conseguiu humanizar o serviço aos doentes mentais, realizando uma missão profética neste âmbito da assistência. O futuro é encarado com esperança, devido ao número de vocações nativas.

 

     Desde a inauguração do hospital de Kwang-ju, em 1960, a Ordem prestou o seu serviço aos pobres que não tinham meios para pagar os serviços médicos existentes noutros centros. A este objectivo de servir os mais necessitados foi-se acrescentando a dimensão ecuménica, já que os Irmãos trabalham numa relação muito estreita com o hospital presbiteriano local no tratamento dos doentes pobres, estabelecendo-se assim relações pessoais estreitas entre os dois grupos.

 

     O hospital preparou um programa de ajuda às aldeias dos arredores. Por exemplo, numa aldeia em que havia pessoas doentes de lepra, foram realizadas visitas regulares, as crianças e os jovens de rua receberam assistência médica gratuita, bem como os residentes, num centro para pobres, administrado pelas autoridades civis. Durante mais de quinze anos, os Irmãos, Noviços e Postulantes, trabalharam como voluntários todos os dias nesse centro, onde mais de 400 pessoas viviam em condições infra-humanas. Dentro do centro, com a autorização das autoridades civis, a Ordem construiu um edifício para a assistência aos doentes mentais. Tratava-se, então, de um projecto piloto.

 

     Recentemente, o melhoramento do nível de vida garantido pelo êxito da economia coreana e a introdução do sistema de segurança social permitiram que os pobres e toda a população recebessem assistência médica em hospitais e dispensários. O estabelecimento dos Irmãos especializou-se em dermatologia, pediatria e medicina interna, e continua a ser procurado por muitos doentes. A Ordem considera o dispensário como um recurso válido e uma ajuda para um programa de assistência ao domicílio de doentes terminais ou incuráveis, um centro para doentes terminais de cancro, um programa para pessoas idosas e como um serviço de saúde mental.

 

     Graças à experiência do projecto piloto para pessoas com perturbações mentais acima mencionado, a Ordem na Coreia criou um serviço de saúde mental inovador, programado não como hospital psiquiátrico, mas como um centro para viver. Esta é uma obra muito apreciada no país e um centro de formação para os profissionais neste campo. O departamento de educação publicou vários livros sobre diferentes formas de doença mental e problemas psicológicos.

 

     Na cidade de Chun Cheon, a nordeste de Seúl, em 1984, e a convite das autoridades civis e do Bispo local – que, antes de morrer, em 1994, declarou que o facto de ter trazido os Irmãos para a sua diocese fora uma das coisas em que mais sentia orgulho como Bispo –, a Ordem assumiu a responsabilidade da administração de um albergue para 150 viandantes. Trata-se de um projecto baseado num acordo entre as autoridades civis e a nossa Ordem.

 

     Em 1990, a convite da arquidiocese de Seúl, a Ordem abriu um Centro para jovens adultos com dificuldades na aprendizagem. Devido à escassez dos recursos disponíveis, voluntários e especialmente estudantes universitários desempenharam um papel significativo no desenvolvimento e na implementação de programas de formação para quantos frequentam este Centro.

 

     A Ordem na Coreia tem consciência de que, para estar próxima das pessoas pobres e lhes oferecer os seus serviços de maneira regular, são necessários fundos provenientes de fontes diversas. Para este fim, foi criado um Gabinete de Desenvolvimento, com o objectivo de angariar fundos para as obras de caridade da Ordem. Tais recursos ficam à disposição do Superior Maior, que os pode utilizar segundo a sua discrição em projectos a favor dos pobres e para apoiar projectos não financiados pelo governo nem por outras entidades.

 

 

Índia: há duas características interessantes na fundação da Ordem na Índia. Em primeiro lugar, o facto de os Irmãos professos do país serem membros da equipa fundadora que chegou da Província Renana (Alemanha) em 1969; em segundo lugar, o Ir. Fortunatus, membro do mesmo grupo pioneiro, fundou uma nova Congregação de religiosas: as Irmãs da Caridade de S. João de Deus. As Irmãs, que realizaram o seu primeiro Capítulo Geral em 1992, trabalham em colaboração estreita com os Hospitaleiros.

 

     Embora a obra de maior envergadura dos Irmãos na Índia seja um hospital geral, a sua  actividade abrange um grande leque de actividades, desde um lar para pobres com doenças crónicas, passando por um centro de saúde, uma residência para pessoas idosas, e até um projecto de casas de habitação para mais de 1500 famílias pobres. O hospital geral dos Irmãos, em Kattappana, é independente do ponto de vista económico; porém, várias obras da Ordem na Índia são financiadas por benfeitores estrangeiros, especialmente alemães. Os Irmãos da Delegação Geral Renana apoiam a Associação “Indienhilfe des Hospitalordens vom Hl. Johannes von Gott, e.V.”, uma associação de auxílio da Ordem Hospitaleira, juridicamente reconhecida, que colabora com as obras da Ordem na Índia.

 

     Em Kattappana, primeira fundação, os Irmãos criaram um hospital geral, que inclui também uma Escola para enfermeiros/as, reconhecida pela Universidade Mahatma Gandhi. O hospital tem um programa de primeiros cuidados e um serviço oftalmológico gratuito, desempenhado por pessoal voluntário que visita regularmente as aldeias pobres.

 

     A obra “Pratheeksha Bhavan” (Casa da Esperança), perto do hospital, acolhe pessoas com doenças crónicas que recebem conforto, amizade e assistência por parte das Irmãs e dos Irmãos que ali trabalham. A “Casa da Esperança” acolhe também crianças de famílias pobres da zona. Serve como centro de assistência para as famílias que se encontram em circunstâncias difíceis.

 

     Poonomalle (Madras) é a sede da Delegação e do Noviciado. Nesta zona foi criado também um Lar da Terceira Idade, com um pequeno dispensário para famílias pobres.

 

     Deshgaon (Índia do Norte) é a fundação mais recente da Delegação na Índia. Trata-se de um serviço de assistência médica. Neste centro há um dispensário com algumas camas para casos especiais e, a partir dele, são também prestados serviços às aldeias vizinhas.

 

     A entrada de jovens para a Ordem é constante. Os Irmãos são formados para manter vivo o espírito de San João de Deus e os princípios, os valores e a filosofia da Ordem, e adquirem a preparação profissional de enfermeiros e noutros sectores médicos e assistenciais.

 

Filipinas: durante muitos anos, a Ordem manteve o desejo de voltar às Filipinas. Este sonho concretizou-se em 1987, quando a Província Romana criou um centro de formação e um dispensário em Manila. A Ordem pode dar muito a um país com grandes diversidades, onde existem tensões sociais e que dispõe de recursos limitados.

 

     Um dispensário numa zona carenciada da cidade de Manila oferece um serviço precioso à população local, com um programa para os doentes de tuberculose, que a Ordem iniciou desde que chegou ao país, e contribui notavelmente para o melhoramento da vida das pessoas que o acompanham. Além deste dispensário, os Irmãos desempenham trabalho pastoral em várias partes da cidade junto de doentes mentais, pessoas idosas e crianças com perturbações psíquicas e dificuldades de aprendizagem.

 

     O Noviciado foi construído em Amedeo, fora de Manila. Recentemente, a Ordem começou a implementar um programa para crianças com dificuldades na audição e na aprendizagem.

 

     As fundações nas Filipinas são as mais recentes da Ordem na Ásia. Juntamente com a Igreja local, a Ordem, neste País com a maior percentagem de população católica da Ásia, tem muito a dar à evangelização deste grande continente, respondendo assim ao desafio lançado pelo Papa à Igreja na Ásia, mas especialmente à Igreja nas Filipinas.

 

 

5) Oceânia: novos horizontes da Hospitalidade

 

A Austrália e a Nova Zelândia, tal como a Europa e os Estados Unidos, são actualmente sociedades pós-modernas, onde a religião se tornou numa questão de ordem pessoal, separada da comunidade; a liberdade individual, a justiça social, a ecologia e o feminismo, são considerados por muitos como questões mais importantes do que frequentar a Igreja. Em termos de apostolado, os religiosos vão abandonando as grandes instituições que, no passado, constituíram as cidadelas do apostolado das ordens religiosas, e optam por outras, mais pequenas, ou por formas de apostolado individual.

 

Austrália: quando os primeiros Irmãos de S. João de Deus chegaram, em 1947, à arquidiocese de Sidney (Austrália), integravam a última vaga de missionários irlandeses que chegavam ao continente australiano. Este facto verificou-se numa altura em que era muito baixo o índice de cuidados e a assistência prestados às crianças deficientes psíquicas. Os Irmãos dedicaram-se a estas formas de assistência com abnegação e competência. Abriram três escolas especiais e uma oficina protegida para crianças e adolescentes deficientes. O seu trabalho neste campo promoveu muito a evangelização da Igreja, devido ao seu testemunho de serviço e dedicação aos necessitados, que constitui uma parte essencial da mensagem cristã.

 

     Da mesma forma, os Irmãos dedicaram-se à assistência psiquiátrica, numa época em que o  tratamento dos doentes mentais se limitava à sua guarda. Nos hospitais psiquiátricos dos Irmãos adoptavam-se novos métodos: terapias de grupo e tratamentos farmacêuticos, superiormente controlados, a uma vasta gama de perturbações do foro psiquiátrico.

 

     A Ordem acaba de comemorar os primeiros 50 anos da sua presença na Austrália. Tem centros e serviços nos estados orientais de New South Wales e Victoria.

 

     Em New South Wales, a Ordem dirige uma residência para crianças com perturbações mentais, em Morisset, e dois hospitais psiquiátricos em Sidney. Em Melbourne, possui uma rede de serviços sociais e terapêuticos para pessoas inábeis.

 

Nova Zelândia: já o primeiro Superior da Ordem na Austrália, ao sair da Irlanda em 1947, recebera o mandato de difundir a Ordem na vizinha nação independente da Nova Zelândia. Este mandato concretizou-se em 1955, quando quatro Irmãos partiram para Christchurch, principal cidade de South Island, na Nova Zelândia, para abrir um internato especial para crianças com dificuldades na aprendizagem.

 

     A escola, chamada “Marylands”, tornou-se famosa em toda a Nova Zelândia, graças aos seus programas avançados de educação especial. Funcionou durante 28 anos, antes de ser assumida pelo estado. Entretanto, a Ordem abriu uma residência para deficientes psíquicos adultos na mesma cidade de Christchurch e uma “casa-lar” para adolescentes delinquentes, muitos deles da etnia maori. Em 1995, a Ordem assumia a responsabilidade de uma residência de pessoas idosas, dirigida antes pelas Irmãzinhas dos Pobres. Esta residência encontra-se em Hastings, North Island.

     Na Nova Zelândia, a nossa Ordem ocupa-se actualmente de pessoas idosas e de serviços de reabilitação para deficientes físicos. Presta também assistência a viandantes, sobretudo jovens. As suas obras principais são o hospital de S. João de Deus para pessoas idosas e o Albergue S. João de Deus-Sagrada Família, em Hastings. Em Christchurch há também uma obra dedicada à assistência a viandantes. Durante esse anos, alguns neozelandeses entraram para a Ordem e prestaram o seu serviço na Austrália e na Pápua Nova-Guiné.

 

Pápua Nova-Guiné: a população da Pápua Nova-Guiné ronda os três milhões de habitantes. Metade da população é cristã e metade dos cristãos são católicos. O relevo montanhoso do território obrigou a um estilo de evangelização por compartimentos, com diferentes denominações cristãs centradas numa zona do país. A maioria das confissões aceitaram esta situação durante o período colonial, mas recentemente as diferentes igrejas cristãs difundiram-se para além dos confins políticos e naturais originários. A cultura melanésia não tem história de qualquer espécie de vida religiosa ou sacerdotal.

 

     Os Irmãos de S. João de Deus chegaram à Pápua Nova-Guiné em 1971. Começaram a trabalhar com crianças com perturbações físicas e socialmente carenciadas, numa instituição da capital, Port Moresby. Em 1976 o trabalho da Ordem chegou à aldeia montanhosa de Kamina, onde os Irmãos abriram um dispensário, promovendo assim o desenvolvimento das pessoas através da educação, da agricultura e de outras iniciativas. Os Irmãos retiraram-se de Kamina em 1994 e passaram para o Noviciado de Port Moresby.

 

     Na Pápua Nova-Guiné a maioria dos Irmãos indígenas encontram-se em formação. Contudo, a Ordem tem uma residência para jovens carenciados em Hohola (Port Moresby) e um centro para alcoólicos e toxicodependentes em Goroka. Os membros da Ordem conduzem a pastoral no centro médico de Raihu (Aitape). Em Port Moresby os Irmãos dirigem e organizam um laboratório para pessoas afectadas pela lepra.

 

     Há vários Irmãos professos da Nova-Guiné e o número de candidatos nas fases iniciais de formação mantém-se constante. O Escolasticado fica em Aitape, onde os Irmãos se formam para trabalhar nos dispensários. Além disso, a Ordem ocupa-se de um centro para o tratamento de toxicodependentes e alcoólicos, centro que se encontra em Goroka e pertence à Conferência Episcopal.

 

     A expressão de Hospitalidade da Ordem na Pápua Nova-Guiné tem consistido no contributo original dado aos esforços de evangelização da Igreja, para apresentar toda a vasta gama dos valores cristãos, especialmente a misericórdia e o serviço aos doentes e a pessoas que manifestam dificuldades na aprendizagem ou deficiências físicas.



 

 

 

 

Capítulo VIII

 

 

EXIGÊNCIAS MISSIONÁRIAS ACTUAIS PARA A VIDA DA ORDEM

 

 

1. A vocação do Irmão de S. João de Deus vivida com espírito missionário

 

Todos os baptizados são chamados a ser evangelizadores e testemunhas do Reino de Deus. “Toda a Igreja é missionária, a obra de evangelização é um dever fundamental de todo o Povo de Deus” (EN 59). Todavia, existe diversidade de serviços na unidade da mesma missão (cf. EN 66).

 

João Paulo II, na Encíclica Redemptoris missio, sublinha a fecundidade e riqueza dos Institutos de Vida Consagrada ao serviço da evangelização. De maneira esplícita convida os Institutos de vida activa, quer prossigam finalidades especificamente missionárias quer não, a trabalhar para a expansão do Reino de Deus. “A Igreja deve dar a conhecer os grandes valores evangélicos de que é portadora; ora ninguém os testemunha mais eficazmente do que aquele que faz  profissão de vida consagrada” (RMi 69).

 

Para nós, Irmãos de S. João de Deus, “o sentido autêntico da nossa vida é tornar presente Cristo no nosso apostolado de caridade, que nos convida a dedicar toda a nossa existência à evangelização dos pobres e dos doentes” (DCG 5.6; cf. Const. 1984, 2b, 5). Por isso, somos chamados a manter sempre vivo o espírito missionário e a desenvolvê-lo também no anúncio “ad gentes”, impulsionando constantemente a nossa presença em terras de missão” (cf. Const. 1984, 48), para sermos testemunhas do amor misericordioso do Pai para com os doentes e necessitados em qualquer parte do mundo.

 

Manter vivo o espírito missionário seguindo a nosso Fundador, significa e exige:

 

a) Viver e manifestar com alegria a nossa identidade e a nossa consagração hospitaleira

 

A nossa missão manifesta-se, em primeiro lugar, através do estilo de vida. Plenamente identificados com a nossa consagração hospitaleira, manifestamos que Deus é o valor absoluto da nossa vida e, fazer a sua vontade é o nosso critério último. No acolhimento, na escuta e na assistência a toda a espécie de pessoas carenciadas, exprimimos a experiência do amor misericordioso do Padre e a nossa capacidade de amar. 

A nossa fé, alimentada todos os dias no encontro com Deus (oração pessoal, Eucaristia, Liturgia das horas, etc.) deve-nos levar ao compromisso na nossa missão hospitaleira (cf. DCG 5.4). “A vida consagrada mostra eloquentemente que, quanto mais se vive de Cristo, tanto melhor se pode servi-Lo nos outros, aventurando-se até aos postos de vanguarda da missão e abraçando os maiores riscos” (VC 76; cf. EN 69).

 

“A hospitalidade que recebemos como dom empenha-nos a viver a fraternidade com simplicidade” (Const. 1984, 36b). Somos chamados a ser:

 

·      comunidades de vida,

·      testemunho de comunhão num mundo dividido,

·      comunidades que vivem a fraternidade e irmanam os ambientes em que se encontram (cf. DCG 5.5.1).

 

Construir a fraternidade nas nossas comunidades é um compromisso prioritário da nossa missão hospitaleira.

 

 

b) Ser testemunhas de Cristo

 

“A contribuição específica dos consagrados e consagradas para a evangelização consiste, primariamente, no testemunho de uma vida totalmente entregue a Deus e aos irmãos” (VC 76). Os Irmãos de S. João de Deus, seguindo as pegadas de Jesus de Nazaré que passou pelo mundo fazendo o bem a todos (cf. Act 10,38) “e curando entre o povo todas as doenças e enfermidades” (Mt 4,23), e de S. João de Deus, “que se entregou inteiramente ao serviço dos pobres e dos doentes” (Const. 1984, 1), cooperamos para a salvação do homem e do mundo: com a nossa presença e proximidade, respeitando e velando para que se respeitem sempre os direitos da pessoa, proporcionando os meios necessários para uma assistência integral, fazendo da pessoa doente ou necessitada o centro de interesse do nosso apostolado hospitaleiro, anunciando o Evangelho explicitamente, e deixando-nos evangelizar pelos mais radicalmente pobres (cf. POE 37).

 

 

c) Doação total a Deus e plena disponibilidade para servir o homem e a sociedade

 

“Graças à sua consagração religiosa, eles são por excelência voluntários e livres para deixar tudo e ir anunciar o Evangelho até às extremidades da terra” (EN 69; cf. RMi 69). Efectivamente, a nossa vocação hospitaleira exige de nós plena disponibilidade para estarmos em todas as realidades onde alguma pessoa doente ou necessitada requer a nossa presença. Esta é uma exigência válida não só para trabalharmos nas chamadas terras de missão, mas em qualquer realidade em que a Ordem esteja presente.

 

 

d) Inculturação, ecumenismo e universalidade

 

São três elementos essenciais para mantermos vivo o nosso espírito missionário. Temos de nos aproximar das diferentes culturas com uma atitude de respeito, valorização e acolhimento, procurando assumi-las, superando posições de defesa e de imposição que são pouco evangélicas (cf. VC 79, 80). A universalidade deverá manter-nos sempre dispostos a promover a cultura do diálogo e da solidariedade entre os povos, as instituições e as pessoas, partindo do pluralismo e do respeito por todos. O ecumenismo, segundo o convite do Concílio Vaticano II, representa um apelo cada vez mais forte ao diálogo e à colaboração entre as diversas religiões. “O diálogo (inter-religioso) é um caminho que conduz ao Reino e seguramente dará frutos, mesmo se os tempos e os momentos estão reservados ao Pai” (RMi 57; cf. VC 101).

 

 

e) Preparação e formação adequadas

 

A nossa missão hospitaleira exige “a preparação humana, teológica e profissional, como requisitos indispensáveis para proporcionar aos doentes e a qualquer pessoa necessitada o serviço eficiente que merecem e que, com razão, esperam de nós” (Const. 1984, 43d). Evidentemente, esta exigência tem as suas características peculiares em função dos lugares onde se desenvolve a nossa missão e das pessoas concretas assistidas. Contudo, é desejável e necessário um nível apropriado de maturidade pessoal e uma sólida base espiritual, em sentido amplo, para se poder viver a consagração hospitaleira com entrega e espírito missionário.

 

 

f) Viver em comunhão com a Ordem e com a Igreja missionária

 

A sensibilidade, preocupação e comunhão com as obras missionárias da Ordem e da Igreja são uma expressão inequívoca e necessária do nosso compromisso missionário. A oração pessoal e comunitária, a solidariedade e colaboração com as obras missionárias e a promoção das mesmas, segundo as nossas possibilidades, são exigências que todos temos de assumir. Inseridos na nossa própria realidade e deixando-nos interpelar por ela, temos de encarnar o Evangelho, sentindo-nos unidos à Ordem inteira e em comunhão com a Igreja universal. “Só um amor profundo pela Igreja poderá sustentar o zelo do missionário. (...) Para qualquer missionário, “a fidelidade a Cristo não pode ser separada da fidelidade à Sua Igreja”” (RMi 89).

 

2. A animação missionária, um desafio para as nossas comunidades

 

As nossas comunidades, como sinal da presença do Reino de Deus no mundo, devem assumir a animação missionária e a sua projecção “ad gentes”, com a mesma solicitude requerida por toda a actividade primordial e imediata, desde a vivência profunda do mistério da encarnação e da redenção, como sinal e testemunho de serem enviadas a instaurar o Reino de Deus, fim último da sua acção evangelizadora.

 

·      Deus Pai envia o seu Filho unigénito para restabelecer as relações harmoniosas entre o homem e o seu Criador, e assim elevar os homens a participar da vida divina, segundo os desígnios do mesmo Deus (cf. Jo 12,49; 6-9; 1 Jo 4, 9-10).  “Cristo, a fim de cumprir a vontade do Pai, deu começo na terra ao Reino dos Céus, e revelou-nos o seu mistério, realizando, com a própria obediência, a redenção” (LG 3).

·      Cristo, por sua vez, envia o grupo que constitui em Igreja com a missão específica de transmitir a todos os homens a Boa Nova da salvação em todo o tempo e lugar (cf. Mc 16,15; Jo 20, 21; Lc 24,46; Hb 1,8). “Assim como o Filho foi enviado pelo Pai, assim também Ele enviou os Apóstolos... A Igreja recebeu dos Apóstolos este mandato solene de Cristo, de anunciar a verdade da salvação e de a levar até aos confins da terra” (LG 17).

·      A comunidade envia os seus membros em razão da sua pertença à Igreja, de que faz parte, a anunciar e tornar presente a Boa Nova de Cristo, segundo o carisma próprio, partilhando assim a sua missão. Desta forma, em fidelidade ao mandato que a Igreja recebeu do Senhor, mantemos o espírito e a animação como responsabilidade pessoal e comunitária (cf. Const. 1984, 48 e EE.GG. 58).

 

A animação missionária das nossas comunidades realiza-se na mesma atitude contínua de promover e fazer viver o espírito missionário da nossa Ordem mediante as chamadas “formas de cooperação missionária” (cf. RMi 77 e seg.; EE.GG. 59), que seguidamente passamos a sintetizar:

 

·      Testemunho de vida, mediante o radicalismo evangélico, em todas as expressões que configuram a vida comunitária (vida de fé e oração; vida de fraternidade e serviço apostólico);

·      Participação na missão mediante a oração, o sacrifício e a prática pastoral junto dos doentes e dos necessitados dos nossos centros, para os instruir no valor pascal do sofrimento unido ao de Cristo;

·      Informação, para conhecermos a realidade missionária da Igreja em geral e das missões próprias da Ordem;

·      Solicitude, promoção e ajuda na formação das vocações missionárias;

·      Colaboração na ajuda material e económica aos centros e comunidades de missão;

·      Convite aos nossos Colaboradores a participarem, com as suas competências no campo profissional e a sua vivência da fé, nas tarefas missionárias, de forma pontual ou permanente;

·      Cultivar a formação permanente, pessoal e comunitária, para tomarmos consciência das implicações e do desenvolvimento do compromisso missionário;

·      Coordenação das iniciativas, através dos meios previstos pela Ordem, para a animação e promoção missionárias.

 

A vivência da animação missionária nas nossas comunidades será um sinal de maturidade na fé, da nossa Vida Consagrada centrada em Cristo e comprometida na promoção e na salvação de todos os homens, construindo assim o Reino de Deus no mundo (cf. RMi 77).

 

 

3. A Carta da Animação Missionária

 

Este documento teve a sua origem na reunião do Secretariado das Missões, realizada em Roma no mês de Maio de 1984.

 

Na sua introdução, faz-se uma análise da história da Ordem em terras de missão e da necessidade de criar o Secretariado Geral das Missões. Refere depois quais devem ser as atitudes para a missão, nomeadamente: espírito de serviço, capacidade de adaptação e disponibilidade para a escuta. Recorda que todos estamos implicados nesta missão, de forma directa o indirecta, o que nos deve levar a rever as motivações vocacionais e, simultaneamente, a olhar para a realidade missionária como um espaço de evangelização e compromisso na promoção da pessoa humana.

 

Acompanhando os documentos da Igreja sobre a acção missionária, as Constituições e os Estatutos, a Carta assume os conteúdos e as linhas de acção para o desenvolvimento e a animação missionária dentro da Ordem. Recorda que o âmbito da animação missionária do Irmão de S. João de Deus se manifesta em duas actividades complementares, a saber: a missão "ad gentes" e a animação missionária dentro da Ordem. Isto será mais eficaz se os Irmãos que estão nas missões estimularem as comunidades e outras instâncias da Ordem através de visitas. Ao mesmo tempo, embora em virtude da consagração religiosa todos sejamos responsáveis por esta animação, convém que haja alguns Irmãos especialmente dedicados a promover a animação missionária e que as comunidades colaborem com eles de forma estreita.

 

Entre outras acções, assinala:

·      a realização de encontros anuais, provinciais e interprovinciais, a fim de manter vivo o interesse pelas missões;

·      a incluisão nos programas de formação inicial e permanente de temas de carácter missionário;

·      a sensibilização dos Colaboradores, da Igreja local e de outros organismos.

 

A Carta de Animação Missionária pressupôs para a Ordem:

·      O esclarecimento desta dimensão da vocação hospitaleira, dando pistas de reflexão para o futuro. Fruto da mesma, foi a Semana Missionária, que se começou a celebrar nalgunas Províncias e que, pouco a pouco, se estendeu a quase toda a Ordem;

·      Um crescimento na sensibilidade da Ordem em relação às realidades missionárias, que se traduz numa maior solidariedade, na comunicação de bens e no fornecimento de recursos;

·      O preenchimento de uma lacuna existente, pondo-se em evidência a necessidade de elaborar uma política missionária mais rigorosa para toda a Ordem.

 

 

4. Princípios basilares do nosso trabalho

 

No limiar do Terceiro Milénio, a Ordem, fundamentada nas suas raízes essenciais e tornando-se eco do chamamento da Igreja para a nova evangelização, olha com esperança para o futuro, procurando responder generosamente às necessidades do homem que sofre: “O seu campo de acção consiste em: ser testemunhas da atenção cristã prestada à pessoa na sua globalidade, que nós denominamos humanização; ser testemunhas da solidariedade para com os pobres, os doentes e os marginalizados; sermos irmãos daqueles que sofrem” (DCG 4.1).

 

Dado que toda a realidade em que estamos presentes tem as suas peculiaridades, na hora de concretizar a tarefa evangelizadora será necessário discernir a maneira de a desempenhar de forma inovadora, sempre na fidelidade ao nosso carisma (cf. Const. 1984, 6). Existem contudo alguns critérios fundamentais que passamos a indicar:

 

 

a) A hospitalidade: eixo central da nossa vida

 

     “O motivo da nossa existência na Igreja é viver e manifestar o carisma da hospitalidade, segundo o estilo de S. João de Deus” (Const. 1984, 1).

 

A Hospitalidade é o elemento essencial da nossa vida. Através dela, “o Espírito Santo torna-nos capazes de cumprirmos a missão de anunciar e realizar o Reino entre os pobres e os doentes” (Const. 1984, 2) e participamos da experiência fundante que o nosso Fundador viveu. É  um dom de Deus que devemos renovar todos os dias no encontro com Ele e na entrega aos irmãos. A hospitalidade mantém-nos alerta e encoraja-nos a viver constantemente em processo de conversão, para assumirmos e vivermos as atitudes e os gestos de Jesus e de S. João de Deus, que se encarnam no mundo dos doentes e dos marginalizados e lhes oferecem remédios eficazes para a sua libertação integral (cf. POE 63).

 

A experiência da misericórdia de Deus leva-nos à doação total a Deus e à disponibilidade plena no serviço a todas as pessoas necessitadas, em qualquer lugar, para lhe anunciar a Boa Nova do Reino de Deus.

 

 

b) Missão de curar que a Igreja exerce através da Ordem

 

Como seguidores de Jesus, comprometemo-nos a evangelizar e a sermos testemunhas da sua missão de curar e libertar o mundo do sofrimento, vivendo e praticando o evangelho da misericórdia. “A Igreja olha com admiração e reconhecimento para tantas pessoas consagradas que, assistindo os doentes e atribulados, contribuem de modo significativo para a sua missão” (VC 83).

 

Fiéis à tradição mais original da Ordem, temos de colocar o homem que sofre no centro dos nossos cuidados, assistindo-o integralmente, prolongando desta forma  no tempo a acção sanadora de Cristo. Juntamente com os cuidados físicos, psíquicos e sociais, devemos reservar uma interesse especial à assistência espiritual (cf. VC 83).

 

 

c) Evangelização, humanização e promoção humana

 

A verdadeira evangelização deve estar sempre acompanhada pelo compromisso concreto a favor do homem. Para nós, o desafio consiste em transformar os gestos de curar em autênticos gestos de evangelização. Humanização e evangelização devem constituir um todo indivisível, porque “onde não há caridade não há Deus, embora ele esteja em todo o lugar” (LB 15).

 

O nosso compromisso exige que prestemos uma assistência da máxima qualidade, utilizando as melhores e mais modernas técnicas, com um estilo cheio de caridade e carinho. É o binómio que,  desde o tempo S. João de Deus, a Ordem procurou conservar para realizar a missão de caridade e curar os doentes.

 

A promoção do homem representa sempre um desafio para a nossa missão. Em todos os lugares haverá peculiaridades concretas que será necessário ter em consideração. Nos sítios onde a pobreza é maior e os recursos são escassos, a nossa acção deverá ser solidária de acordo com essa realidade, servindo-nos dos recursos disponíveis e aplicando programas simples, mas eficazes.

 

No empenhamento a favor da promoção do homem, corremos o perigo de nos preocupar apenas, ou preferencialmente, com os problemas sociais, com a eficácia, descuidando a dimensão do testemunho do amor de Cristo, que é a razão fundamental da nossa vocação. Outro perigo consiste em não prestarmos a devida atenção à ciência e à técnica, quando, pelo contrário, devemos promover o diálogo entre ambas, para mostrar que a ciência e a técnica contribuem para a humanização do mundo, na medida em que estiverem impregnadas pelo saber e pela caridade de Deus (cf. DCG 4.3).

 

 


d) Acolhimento universal e inculturação

 

São dois princípios essenciais no exercício da nossa missão, que devemos cuidar e cultivar. A Ordem nunca fez discriminações de qualquer espécie no desempenho da sua missão apostólica: toda a pessoa doente ou necessitada é destinatária das nossas atenções. Não obstante isso, e conhecendo as nossas limitações, com S. João de Deus, dizemos: “ao ver padecer tantos pobres, meus irmãos e próximos, com tantas necessidades, tanto no corpo como na alma, fico muito triste, por os não poder socorrer” (2 GL 8).

 

Em qualquer lugar e em relação a todas as pessoas necessitadas, devemos procurar sempre aproximar-nos, tornando-nos solidários com as diferentes situações, imitando Jesus que, sendo Deus, se fez homem para partilhar a nossa própria realidade (cf. Fil 2,6). Devemos aproximar-nos com grande respeito das culturas, preparando-nos e formando-nos adequadamente, respeitando as ideias, os estilos e as crenças dos outros. Só assim poderemos manifestar a misericórdia e o amor que Deus tem para com todos os homens. “O Sínodo considera a inculturação uma prioridade e uma urgência na vida das Igrejas particulares, para que o Evangelho se radique realmente em África, uma exigência da evangelização, uma caminhada rumo a uma plena evangelização, um dos maiores desafios para a Igreja no continente no limiar do terceiro milénio” (EA 59).

 

 

e)  Em colaboração com a Igreja, com outras instituições e abertos ao diálogo inter-religioso

 

No mundo, e concretamente no âmbito da nossa missão, não estamos sós. Por isso, estamos abertos à colaboração com outras instituições, quer eclesiais quer não, que trabalhem a favor dos doentes e dos pobres, sempre que pudermos realizar a nossa missão em toda a sua plenitude. Grupos e entidades com as quais a colaboração é possível são as Congregações religiosas, as associações eclesiais ou de outras crenças, organizações sociais e as administrações públicas.

 

Devemos reforçar este espírito aberto e de colaboração, na medida do possível, com instituições de carácter eclesial. Da mesma forma, devemos favorecer o diálogo inter-religioso, pois ele “faz parte da missão evangelizadora da Igreja. Os Institutos de vida consagrada não podem eximir-se de se empenharem também neste campo, cada qual segundo o próprio carisma e seguindo as indicações da autoridade eclesiástica” (VC 102; cf. RMi 55). Sob este ponto de vista, os Irmãos que trabalham em terras de missão deverão preparar-se e formar-se de modo especial para desempenharem esta missão ecuménica.

 

 

f) Dimensão profética da nossa missão hospitaleira

 

“No nosso mundo, onde frequentemente parece terem-se perdido os vestígios de Deus, torna-se urgente um vigoroso testemunho profético por parte das pessoas consagradas” (VC 85). Os religiosos e as religiosas ocuparam sempre um lugar de vanguarda na missão da Igreja (cf. EN 69).

 

A nossa Ordem deu sempre sinais claros do testemunho profético, muitas vezes mediante a entrega humilde e generosa no serviço quotidiano aos doentes, e outras, através de gestos de denúncia e de reivindicação dos direitos dos pobres e dos doentes, perante situações de injustiça. A presença de tantos Irmãos em lugares de fronteira, ao lado dos doentes e dos marginalizados, e o testemunho do martírio de muitos deles, é a melhor expressão da realidade profética da Ordem.

 

No mundo actual, é necessário recolher essa herança e fazê-la frutificar, mediante o testemunho pessoal e comunitário de todos quantos formamos a Ordem. Assinalamos alguns pontos a ter em conta:

 

·      O nosso testemunho profético baseia-se no nosso estilo de vida, no modo de nos relacionarmos, nos valores que dão sentido à nossa existência e, em definitivo, na maneira de ser, para mostrar o valor central e absoluto de Deus como alternativa a uma sociedade que afasta Deus e o homem do centro da vida. Isto exige que se viva um estilo pessoal e comunitário simples e austero; que não se sucumba à tentação do que é fácil e ao hedonismo; que exercitemos a solidariedade e o compromisso com os mais fracos; que sejamos uma instância crítica perante os comportamentos, as estruturas e as instituições injustas. Trata-se de atitudes que devemos assumir e cultivar, tanto ao nível pessoal como comunitário, para sermos fiéis à nossa herança profética.

·      Sentimo-nos empenhados para que se respeitem sempre o direito da pessoa a nascer, viver decorosamente, ser curada na doença e a morrer com dignidade (cf. Const. 1984, 23), tornando-nos voz dos que não têm voz, para que em todo o lado a dignidade humana seja reconhecida e o homem se torne no centro de toda a actividade (cf. EA 70).

“A Igreja lembra aos consagrados e consagradas que faz parte da sua missão evangelizar os meios hospitalares onde trabalham, procurando iluminar através da comunicação dos valores evangélicos, o modo de viver, sofrer e morrer dos homens do nosso tempo. É compromisso seu dedicarem-se à humanização da medicina e ao aprofundamento da bioética ao serviço do Evangelho da vida” (VC 83).

·      Somos chamados a identificarmo-nos com os que sofrem, com os marginalizados, tal como fez Jesus com os mais fracos. Nas circunstâncias actuais, embora por tradição quase sempre os Irmãos tenham exercido a sua missão em centros próprios, temos de estar dispostos a realizar a missão fora das nossas obras, sobretudo em lugares onde a presença dos Colaboradores garanta a fidelidade aos valores essenciais da Ordem, e a estabilidade do centro não apresente dificuldades especiais.

·      Embora todos os lugares onde existe pobreza, doenças ou sofrimento sejam apropriados para vivermos e praticarmos o Evangelho da misericórdia, é necessário garantir um lugar privilegiado aos doentes mais pobres e abandonados (cf. VC 83), aos quais somos chamados a servir com mais urgência: pessoas “sem abrigo”, doentes na fase terminal da vida, doentes de SIDA, toxicodependentes, emigrantes, pessoas idosas, doentes crónicos. Se olharmos para as chamadas terras de missão, descobriremos novas situações de urgência, tais como: pobreza endémica, doenças ainda não erradicadas (paludismo, lepra, poliomielite, doenças parasitárias, etc.), doentes mentais abandonados, sequelas das guerras, refugiados e pessoas deslocadas.

 

 


g) Em comunhão com os Colaboradores

 

Seguindo as directrizes da Igreja, a nossa Ordem envida grandes esforços no sentido de conseguir uma boa relação com os nossos Colaboradores. O Documento “Irmãos e Colaboradores unidos para servir e promover a vida” (1992) contém as linhas doutrinais e pastorais para trabalhar neste projecto.

 

É uma dádiva para a Igreja e para a Ordem o facto de muitos dos nossos Colaboradores (funcionários, voluntários, benfeitores) participarem do nosso carisma e da nossa missão, formando a Família Hospitaleira. Em comunhão com eles, levamos por diante a nossa missão apostólica (cf. VC 54).

 

Trata-se de uma realidade destinada a desenvolver-se. As possibilidades são muitas, partindo do respeito pela identidade de cada um. No último Capítulo Geral, os Colaboradores consideraram a possibilidade da sua integração na missão da Ordem:

    

     “Os representantes dos Colaboradores, ao mesmo tempo que exprimem o seu apreço pelo compromisso da Ordem de reexaminar e renovar a sua própria forma de ser e de operar, para responder às exigências dos tempos, consideram que a integração dos Colaboradores na missão da Ordem é hoje em dia importante, necessária e imprescindível...” (Declarações do LXIII Capítulo Geral).

 

É necessário impulsionar com coragem os novos projectos e reforçar os existentes, em que os Irmãos sejam pioneiros e animadores dos mesmos, e os Colaboradores aceitem e promovam compromissos a favor dos mais necessitados. Existem experiências nesta linha que nos servirão de exemplo para outras.

 

 

h)  Missão “Ad gentes 

 

Na realidade, tudo quanto acima se afirma tem validade também para a presença da Ordem em terras de missão, com as apropriadas adaptações. Contudo, queremos frisar aqui o chamamento que a Igreja faz à Vida Consagrada para a missão “ad gentes”.

 

“É tarefa da vida consagrada trabalhar em todos os cantos da terra para consolidar e dilatar o Reino de Cristo, levando o anúncio do Evangelho a todo lado, mesmo às regiões mais longínquas” (VC 78; cf. LG 44). Respondendo a este chamamento, a Ordem está presente nos cinco continentes, e fez um grande esforço na segunda metade deste século para se implantar na África, na Ásia e na Oceânia.

 

A acção desempenhada é importante, e os Irmãos missionários são verdadeiras testemunhas para toda a Ordem. É necessário fomentar melhores relações no sentido da partilha, do intercâmbio e, em definitivo, do enriquecimento recíproco. São muitas as coisas que podemos fazer pelos nossos Irmãos missionários, e muito o que podemos receber deles e das pessoas com quem eles trabalham.

 

Todos os Irmãos devem sentir-se comprometidos na missão evangelizadora da Ordem, mediante a oração, a proximidade, e também com a disponibilidade a desenvolver o compromisso hospitaleiro em terras de missão.

 

 

5.  Nova hospitalidade: nova evangelização em chave joandeína

 

Podemos começar por recordar aquilo que o LXIII Capítulo Geral da Ordem nos disse acerca do que entendemos por Nova Hospitalidade:

 

     “A Nova Hospitalidade é, antes de mais, um movimento que tem em vista a própria Ordem, a sua mais íntima identidade. Em primeiro lugar, é a afirmação da primazia da evangelização sobre as outras tarefas da Ordem. Não é um “novo carisma”, nem a sua adaptação aos valores da nossa sociedade; a novidade não reside no conteúdo do carisma, que permanece invariável.

    

     Consiste em viver e manifestar nos dias de hoje o dom que herdámos de João de Deus com uma linguagem nova, através de gestos e métodos de apostolado que respondam às necessidades e expectativas do homem e da mulher que sofrem por causa da doença, da idade, da marginalização social, de deficiências, da pobreza e da solidão” (Declarações do LXIII Capítulo Geral).

 

 

Falar de nova hospitalidade leva-nos directamente a fazer a pergunta: como estamos hoje a responder, como Ordem, à nossa missão?

 

A nossa missão apostólica leva-nos a definir e aplicar um projecto de Hospitalidade segundo o espírito de João de Deus: pensado para os doentes e necessitados, vivido com os Colaboradores, em atitude de serviço à sociedade de hoje.

 

Historicamente e na actualidade, a nossa missão evangelizadora orientou-nos, e continua a guiar- -nos, para uma infinidade de pessoas doentes e marginalizadas, de quem procuramos cuidar: doentes de sempre e novos doentes, marginalizados sociais que não acompanham o ritmo da sociedade a que pertencem; países desenvolvidos e outros em vias de desenvolvimento, com muitos recursos ou com sistemas de saúde e assistência elementares.

 

A contribuição que a Ordem pode dar é plenamente actual em todos os lugares onde nos encontramos, seja como complementaridade e participação nos serviços que a sociedade tem organizados, seja como acção de suplência.

 

Nos últimos anos, temo-nos frequentemente interrogado sobre onde deveríamos estar presentes e, como resposta, a Ordem fez opções preferenciais.

 

No documento do nosso último Capítulo Geral, “A nova evangelização e a hospitalidade no limiar do terceiro Milénio”, no capítulo 5.6.1, são referidas as opções preferenciais: pessoas sem abrigo, doentes em fase terminal, doentes de SIDA, toxicodependentes, emigrantes, pessoas idosas e em condições de doença ou com limitações crónicas.

 

Pelo serviço em si e pela forma de o realizar, as nossas obras são espaços onde se vive e pratica a misericórdia de Jesus Cristo para com o doente e o necessitado, com um projecto assistencial baseado no Evangelho, no seguimento de S. João de Deus e na tradição da Ordem. Nele participam os Irmãos e outras pessoas crentes, leigos, religiosos e sacerdotes, e os Colaboradores que, como recorda o Concílio, têm em si as sementes do Reino, fazem-nas germinar, mesmo sem terem consciência disso: com eles, somos chamados a partilhar com alegria a nossa missão.

 

Daqui deriva uma série de conclusões que devemos ter presentes no exercício da nossa missão pastoral, nomeadamente:

1.    Aqueles que trabalham nos centros de S. João de Deus devem sentir-nos unidos no serviço e na promoção da vida, contribuindo cada um com os valores humanos, profissionais e espirituais que possui para o projecto comum.

2.    Os cristãos que trabalham e formam os nossos centros são chamados a enriquecer este projecto com a experiência espiritual do Deus que salva, que é amigo, que deseja o bem de todos, e que temos de transmitir como experiência aos nossos companheiros de trabalho e aos doentes e necessitados.

3.    Longe de constituirmos um grupo de pressão, nós os cristãos somos chamados a formar Igreja-Comunhão nos centros de S. João de Deus, nos nossos postos de trabalho, mediante a palavra e o testemunho de vida, mesmo tendo critérios diversos e pertencendo a sectores diferentes da Igreja. Não será fácil alcançar este sentido de Comunhão, mas temos de nos esforçar para constituir e viver a nossa realidade como Igreja doméstica.

4.    Uma grande tarefa da nossa missão pastoral será manifestar com simplicidade a nossa fé nos nossos companheiros, com a boa disposição que a experiência da fé confere à nossa vida, coerente com o Evangelho, abertos à amizade e à compreensão de quantos não pensam, ou não acreditam, como nós.

5.    Outra grande tarefa da nossa missão pastoral é procurar aproximar-nos de Cristo bom, misericordioso, Boa Nova, aproximar-nos do doente e do necessitado, que talvez esteja de costas viradas para Deus, e vive porventura uma situação que o leva a revoltar-se contra o rumo que a sua vida tomou.

 

Somos chamados a ser Boa Notícia. Devemos sê-lo ser numa atitude de respeito pela maneira de ser de cada um, em comunhão com a Igreja local e ecumenicamente abertos às diferentes confissões religiosas, a partir do nosso carisma.

 

Temos consciência de pertencer a um mundo no qual as pessoas se interrogam sobre o sentido da vida, as razões do seu destino e sobre a bondade de Deus.

 

A Ordem está presente em lugares onde nunca se ouviu falar de Jesus Cristo, partilhando a nossa vida com culturas muçulmanas, hinduístas, confucionistas e animistas. Pelo facto de a nossa missão não consistir no anúncio directo da Palavra, temos consciência do contributo que damos para a causa do Reino, realizando sinais da Igreja mediante o nosso serviço, embora por vezes esses sinais não sejam entendidos bem ou sejam mesmo mal interpretados.

 

O serviço aos doentes e necessitados e a acção pastoral que realizamos nos centros, em colaboração com religiosas, sacerdotes e crentes, é o nosso modo de colaborar com a Igreja local, completando com a acção caritativa aquilo que sacerdotes, religiosos, religiosas e catequistas fazem com a palavra, apoiando com os gestos da nossa vida a presença salvífica de Jesus Cristo:

     “A nossa vida hospitaleira na Igreja tem o seu fundamento na pessoa e nos gestos de Jesus que, durante a sua vida terrena, teve uma predilecção especial pelos doentes, pelos pobres e pelos humildes” (Const. 1984, 41b).


DOCUMENTAÇÃO E BIBLIOGRAFIA

 

 

1.      DOCUMENTAÇÃO

Concílio Vaticano II 

Ad Gentes.                Decreto sobre a actividade missionária da Igreja.

Dei Verbum.           Constituição Dogmática sobre a Revelação Divina.

Gaudium et Spes.         Constituição Pastoral sobre a Igreja no mundo actual.

Lumen Gentium.               Constituição Dogmática sobre a Igreja.

Nostra Aetate.             Decreto sobre as relações da Igreja com as religiões não-cristãs.

– Perfectae Caritatis.               Decreto sobre a renovação e adaptação da vida religiosa.

Sacrosanctum Concilium.      Constituição sobre a Sagrada Liturgia.

Paulo VI

Evangelii Nuntiandi.             Exortação apostólica sobre a evangelização no mundo actual.

João Paulo II 

Salvifici Doloris.                Carta apostólica sobre o sofrimento humano.

Redemptoris Missio.                  Carta encíclica sobre a validade permanente do mandato missionário.

Ecclesia in Africa.                  Exortação apostólica sobre a Igreja em África.

Vita Consecrata.          Exortação apostólica sobre a vida consagrada.

IV Conferência Geral do Episcopado Latino-americano

Santo Domingo, (12-28 de Outubro de 1992) – (Celam IV).

Ordem Hospitaleira de S. João de Deus

– Constituições da Ordem Hospitaleira de S. João de Deus. Telhal, 1985

– Declarações do LXIII Capítulo Geral. Santafé de Bogotá, 1994

– Dimensão Apostólica da Ordem Hospitaleira de S. João de Deus. Barcelona, 1982

– Irmãos e Colaboradores, unidos para servir e promover a vida. Telhal, 1992

– João de Deus continua vivo. Roma, 1991 (Telhal, s.d.).

– A nova Evangelização e a Hospitalidade no limiar do Terceiro Milénio. Roma, 1994.

– Presença da Ordem em Espanha. Madrid, 1986.

– Que é a Pastoral no campo da Saúde? Roma, 1980.

– Regra de Santo Agostinho. Cartas de San João de Deus. Telhal, 1985.

2.      BIBLIOGRAFIA SOBRE A OBRA MISSIONÁRIA DA ORDEM HOSPITALEIRA

 


2.1 –    Livros de carácter geral

CORENTIN, F.,  L´Oeuvre Hospitalière de Saint Jean de Dieu et son Ordre. Paris, 1937.

CRUSET, J., Crónica Hospitalaria, Ed. Hospitalaria, Barcelona 1971.

GAMEIRO, João,  Os Irmãos Hospitaleiros de S. João de Deus em Portugal. Lisboa, 1943.

GÓMEZ BUENO Bueno, João Ciudad, Historia de la Orden Hospitalaria de S. Juan de Dios. Granada, 1963.

GÓMEZ-MORENO y Martínez, Manuel, San Juan de Dios. Primícias Históricas Suyas. Organizadas e comentadas por Manuel Gómez-Moreno. Madrid, 1950.

Mc-MAHON, Norbert,  The Story of the Hospitallers of St. John of God. Dublim, 1958.

RUSSOTTO, Gabriele,  San Giovanni di Dio e il suo Ordine Ospedaliero (2 vols.) Roma, 1969.

SANTOS, Juan, Chronología Hospitalaria y Resumen Historial de la Sagrada Religión del Glorioso Patriarca San Ivan de Deus... Madrid, 2 vols. 1715 (Primeira parte), 1716 (Segunda parte). 2ª ed. (2 vols.) Madrid, 1977.

STROHMEYER, H., Der Hospitalorder des Hl. Johannes von Gott. Barmherzige-Brüder. Regensburg,               1978.

 

2.2 –      Escritos que descrevem a actividade missionária da Ordem fora da Europa

CLAVIJO y Clavijo, Salvador,  La Obra de la Orden Hospitalaria de San Juan de Deus en América y Filipinas. Madrid, 1950.

              San Juan de Dios en la Marina de Guerra Española. Presencia y Nexo. Madrid, 1950.

FILIPE, Nuno,  Irmãos de São João de Deus. 50  Anos de presença em África. Lisboa, 1994.

ORTEGA LÁZARO, Luis,  Para la Historia de la Orden Hospitalaria de San Juan de Dios en Hispanoamérica y Filipinas. Madrid, 1992.

AA.VV.,  Labor Hospitalario-Missionera de la Orden de San Juan de Dios en el mundo fuera de Europa. Madrid, 1929. 

 

2.3 –            Escritos de Superiores Gerais da Ordem

ANTÍA, Juan Grande, Cartas circulares de los Superiores Mayores de la antigua Congregación española. AIP, Granada.

              Cartas circulares dos Superiores Mayores da Congregação italiana. AGFR, Roma.

APARÍCIO Rojo, Higinio,  Carta circular aos Irmãos das Províncias espanholas. Roma, 1963.

              Carta circular e normas para os Centros de Formação da Ordem. Roma, 1960.

              Ecchi dei nostri missionari in Indochina e in Giappone, in: Vita Ospedaliera, ano VII, nº 2, Março-Abril, 1952.

BONARDI, Moisés, Carta aos religiosos da Ordem. Roma, 1954, 55 e 56.

LIZASO Berruete, Félix,  Perfil Juandediano del Beato Benito Menni (463 Cartas). Granada, 1985.

MAPELLI, Celestino e Brockhusen, P. Giovanni M. Alfieri, (3 vols.) Milão, 1988.

MARCHESI, Pierluigi, A Hospitalidade dos Irmãos de S. João de Deus rumo ao ano 2.000. Roma, 1986.

              La humanización. Respuesta del religioso de San Juan de Dios a una situación histórica. Madrid, 1981.

MEYER, Rafael,  Cenni biografici dei Superiori Generali dell’Ordine Ospedaliero di San Giovanni di           Dio. Roma, 1925.

MEYER, Rafael, e ANTÍA, Juan Grande, Apuntes Biográficos de los Superiores Generales de la Orden Hospitalaria de San Juan de Dios dada a la luz por el Rvmo. P. General de dicha Orden Rvmo. P. Fr. Rafael Meyer, Pbro. traducida del italiano y aumentada con las biografías de los Superiores Generales de la Congregación de Espaãa por el Rdo. P. Fr. Juan Grande Antía, Pbro. (de la misma Orden). Madrid, 1927.

RUSSOTTO, Gabriele,  Un grande animatore. Padre Giovanni Maria Alfieri, 1807-1888. Roma, 1968.

 

2.4 –            Figuras significativas de Irmãos, verdadeiras testemunhas de hospitalidade

ALVAREZ Sierra Manchón, José,  Antón Martín y el o Madrid dos Austrias. Madrid, 1961. 

              Il Venerable P. Pietro Soriano, Fatebenefratelli 17 (1952).

             El P. Menni y su obra. Ed. Hospitalaria. Barcelona, 1967. 

              P. Menni. Cartas del siervo de Dios. Roma, 1975.

COUSSON, J. Corestin,  Paul de Magallón d´Argens. Lyon, 1958.

GIL ROLDÁN, Carlos,  Glorias de los Hijos de S. Juan de Dios N. P. de la Congregación de España. Noticias históricas de los servicios que a Dios y al Rey han hecho desde su fundación en tiempo de calamidades públicas, de guerra y peste. Madrid, 1796.

GOMOLLON, Aurelio, Hospitalarios edificantes:

              M. R. P. Juan de Deus Magallón, in: La Caridad, 10 (1951), pp. 51-53. 

             – R. P. Braulio María Corres Díaz de Cerio, in: La Caridad, 11 (1952), pp. 367-371.  

              Rvdo. Padre Eliseo Talochon de la Orden de San Juan de Deus, médico cirujano de Luis XVIII Rey de Francia (1753-1817), in: La Caridad, 12 (1953), pp. 318-320. 

              R. Padre Gabriel, hijo de los Condes de Ferrara, in: La Caridad, 13 bis (1955), pp. 49-52.

LIZASO Berruete, Félix, Braulio Mª. Corres, Federico Rubio Y compañeros Mártires, Hospitalarios de San Juan de Dios. Madrid, 1992.

MARCOS Bueno, Octavio, Testimonio martirial de los Hermanos de San Juan de Dios en los días de la persecución religiosa española. Madrid, 1980.

POZO Zalamea, Luciano del, Caridad y Patriotismo. Reseña histórica de la Orden Hospitalaria de San Juan de Dios, escrita con ocasión del quincuagésimo aniversario de su reflorecimiento en España (1867-1917). Barcelona, 1917.

RUSSOTTO, Gabriele,  Immolati per amore di Dio. Roma, 1962.

              La guerra civile di Spagna (1936-1939) nell´Archivio General e dei Fatebenefratelli. Roma, 1987. 

              San Giovanni di Dio e il suo Ordine Ospedaliero. Roma, 1969. Especialmente: – Irmãos Mártires de Polonia, (pp. 117-118).

              Eustachio Kugler Fatebenefratello. L´uomo e la sua spiritualità. Roma, 1960.

SANTOS, Juan, Los cinco primeros compañeros de San Juan de Dios (con las vidas de otros venerables Padres). Barcelona, 1914.

SAUCEDO Cabanillas, Rafael María, – El descubrimiento de Australia y la Orden Hospitalaria de San Juan de Dios, em: “Paz e Caridad”,  1 (1950), pp. 16-19 e  2 (1950), pp. 83-87.

              – “Hasta el cielo”. Biografía y martirio de 54 Hermanos Hospitalarios de San Juan de Dios, Madrid, 1952.

              I nostri Martiri di Polonia, em: “Vita Ospedaliera”, 2 (1947), pp. 102-107. Publicado também in: “La Caridad”, 6 (1946) pp. 432-437.

              Il Servo de Dio P. Guglielmo Llop dei Fatebenefratelli, Roma, 1957. “Vita Ospedaliera”, 1 (1957). 

              Los Siervos de Dios R. P. Braulio Mª. Corres e compañeros mártires de la Orden Hospitalaria de San Juan de Dios. Barcelona, 1948.

SORIA, Domingo de,  Portento de la Gracia, Vida admirable y heroicas virtudes del Serafín del amor divino, esclarecido con el don de Profecías, el Venerable Siervo de Dios Fr. Francisco Camacho. Por Fr. Domingo Soria, OH., Fundador do Hospital de Coquimbo, Guánuco e Valdivia. Madrid, 1833.

VV.AA.,  – El Beato Ricardo Pampuri. Madrid, 1981.

              Labor Hospitalario-Misionera de la Orden de San Juan de Dios nel mundo fuera de          Europa. Madrid, 1929.

                        Especialmente:          – Mártires de Colombia  (pp. 65-86).

                                                              – Mártires de Chile (pp. 87-101).

                                                              – Mártires de Brasil (pp. 102-111).

                                                              – Mártires de Filipinas (pp. 111-129).

                                                              – Venerable P. Camacho (pp. 121-142).

                                                              – Fr. Cebrián de los Llanos (Fr. Cebrián da Nada), (pp. 143-157).

                                                              – Fr. Manuel Chaparro (pp. 158-163).

              Recordando una vida, una obra, un martirio en el Padre Juan Jesús Adradas, Pbro., OH.  Madrid, 1960.

 

2.5 –    Outros obras que testemunham a obra missionária da Ordem

ALVAREZ Sierra Manchón, José,  Influencia de San Juan de Dios y su Orden en el progreso de la medicina y de la cirugía. Madrid, 1950.

ESEVERRI Chaverri, Cecilio, Historia de la Enfermería Española y Hispanoamericana. Barcelona, 1984. 2ª ed. corrigida e aumentada em Madrid, 1995.

GONZÁLEZ Pinto, Rodrigo, La obra hospitalaria en la asistencia a los enfermos mentales. Madrid, 1950.

RUSSOTTO, Gabriele, Riflessi di un’anima. Roma, 1955.

VALENCIA, Justiniano,  Instrucciones sobre asistencia a los enfermos mentales. Madrid, 1931.

VENTOSA Esquinaldo, Francisco,  Historia de la Enfermería Española. Madrid 1984.

 

 

 

 



[1]            CASTRO, Francisco de, História da Vida e Obras de S. João de Deus, Tradução e notas de Fr. João Gameiro, O. H., co-edição de Editorial Franciscana (Braga) e Hospital Infantil de S. João de Deus, Montemor-o-Novo, 1980, Cap. VIII, pág. 60.

[2]           CASTRO, Francisco de, op. cit., Cap. IX, pág. 64.

[3]           CASTRO, Francisco de, op. cit., Cap. III, pág. 40.

[4]           CASTRO, Francisco de, op. cit., Cap. VI, pág. 47.

[5]                 CASTRO, Francisco de, op. cit., Cap. XIV, pág. 87.

[6]                 CASTRO, Francisco de, op. cit., Cap. XI, pág. 73.

[7]                 CASTRO, Francisco de, op. cit., Cap. XXI, pág. 125.

[8]                 CASTRO, Francisco de, op. cit., Cap. XX, pág. 119.

[9]                 CASTRO, Francisco de, op. cit., Cap. XVII, pág. 103.

[10]                 CASTRO, Francisco de, op. cit., Cap. XX, pág. 117.

[11]                 CASTRO, Francisco de, op. cit., Cap. XVI, pág. 97.

[12]                 CASTRO, Francisco de, op. cit., Cap. XII, pág. 78.

[13]                 CASTRO, Francisco de, op. cit., Cap. XIV, pág. 90.

[14]                 (N.do T.)  Região de vales alcantilados a Sul da serra Nevada, em Espanha, onde se revoltaram (1568-1571) os mouros ali refugiados após a conquista de Granada (1492). (Mini-enciclopédia, Círculo de Leitores, 1993)

15       Pio XI, Mensagem durante a audiência extraordinária concedida aos Irmãos Capitulares, na qual se falou, entre outras coisas, da transformação do Hospital S. João Calibita. Roma, 24 de Maio de 1930.

 

[16]       Padre João Maria Alfieri, Carta a toda a Ordem, 20.VIII.1865. Nesse momento grassava uma epidemia de cólera na Europa e o Padre Alfieri encoraja os religiosos a prodigalizar-se generosamente na assistência a estes doentes.

[17]       Idem, 15.I.1867.

[18]       CRUSET, J., Crónica Hospitalaria, Ed. Hospitalaria, Barcelona 1971, pág. 87-88.

[19]       LIZASO, F., Perfil joandeíno do Beato Bento Menni. Granada 1985, Carta 33 (25.XI.1900).

[20]     Idem, op. cit., Carta 79 (1.II.1888).

[21]   Idem, op. cit., Carta 76 (24.X.1887).

[22]   Idem, op. cit., Carta 83 (15.X.1885).

[23]   Idem, op. cit., Carta 42 (8.III.1911).

[24]         RUSSOTTO, G., Riflessi di un’anima, Roma 1955, Carta 28   (14.VIII.1923).

[25]   Idem, op. cit., Carta 80   (8.VI.1927).

[26]   Idem, op. cit., Carta 21,  (5.IX.1923).

[27]   Idem, op. cit., Carta 88,  (23.VIII.1927).

[28]         BLANDEAU, E., Carta Circular  (29.I.1941).

[29]      BONARDI M., Carta Circular  (15.VIII.1954).

[30]      Idem, Ibid., (28.XI.1955).

[31]       APARICIO H., Carta Circular (12.II.1967).

[32]      Idem, ibid., (28.XI.1969).

[33]      Idem, Carta Circular às Províncias espanholas  (2.II.1963).

[34]      O Ir. António Leahy pertence à Província da Austrália. Reside em Pápua Nova-Guiné desde há muitos anos e foi Mestre de Noviços.

[35]      O Ir. Fortunatus, além de ter sido um dos iniciadores da presença da Ordem na Índia, é o fundador das Irmãs da Caridade de S. João de Deus.

[36]      Irmão sacerdote vietnamita. Foi Mestre de noviços durante muitos anos.

[37]      Irmão sacerdote português. Permaneceu em Moçambique durante a revolução. É uma testemunha viva de fidelidade à Hospitalidade. Sofreu por duas vezes a humilhação de estar preso na cadeia.

[38]      Irmão médico da Província de Aragão. Dedicou os melhores anos da sua vida aos doentes da Serra Leoa, até que a idade e a doença o obrigaram a aceitar, por obediência, a ordem de regressar a Espanha.

[39]      O Ir. Rafael Teh é um Irmão sacerdote nascido na República dos Camarões.

[40]      Foi Delegado Geral da Delegação Africana da Ordem até 1 de Maio de 1997.

[41]       Estatutos para as Missões, Introdução, Roma 1957, pág. 3.

[42]      Cf. Regulamento do Fundo Comum para as Missões, Fevereiro 1992. Arquivo Geral da Ordem, Cart. Or. 51, Fasc.

         I., C.

[43]      BONARDI M., Carta Circular (28.XI.1955).

[44]      BONARDI M., ibidem.

 
 

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