Carta da Identidade da Ordem Hospitaleira

Assistência aos Doentes e Necessitados Segundo o Estilo de S. João de Deus

CARTA DE IDENTIDADE

 

CARTA DE IDENTIDADE

DA

ORDEM HOSPITALEIRA

DE S. JOÃO DE DEUS


 

 


ASSISTÊNCIA AOS DOENTES E NECESSITADOS

SEGUNDO O ESTILO DE  S. JOÃO DE DEUS

 

 

Roma, 8 de Março de 2000

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 



 


APRESENTAÇÃO

 

Tenho a honra e o prazer de vos apresentar o documento «A Carta de Identidade da Ordem». Quisemos que fosse um documento capaz de enfrentar todos os pontos necessários para iluminar a hospitalidade que estamos chamados a realizar hoje como Ordem Hospitaleira de São João de Deus, na perspectiva do Terceiro Milénio, para continuar a incarnar o profetismo de São João de Deus.

O documento estava nas previsões do Plano do Governo Geral para o sexénio. Para a sua elaboração foram nomeados três diferentes grupos de trabalho, que se reuniram em duas ocasiões em Roma, e que, por sua vez, nomearam entre si uma comissão restrita que elaborou, em várias passagens com as sugestões e propostas dos três grupos, o texto que agora tendes em mão.

O Plano do Governo Geral para o sexénio previa uma série de actividades de acompanhamento à «Carta de Identidade» que, no entanto, não se puderam realizar, porque não foi possível elaborar o texto dentro do tempo previsto.

O Conselho Geral julgou oportuno que, em vez de realizar um novo documento expressamente para o Capítulo Geral, as Comunidades e grupos escolhidos de Colaboradores estudassem no decurso de 1999-2000, a Carta de Identidade, tendo por base as orientações dadas pela Comissão Preparatória do Capítulo.

As conclusões deste estudo deveriam servir para preparar o programa a discutir e a aprovar no LXV Capítulo Geral para o próximo sexénio. Esta ideia foi partilhada, quer pelos membros da Comissão que elaborou o texto, quer pelos Superiores Maiores da Ordem, na reunião havida em Roma, de 30 de Novembro a 04 de Dezembro de 1998.

O documento encara e analisa vários capítulos importantes para a nossa missão:

§         O tema da hospitalidade, que é desenvolvido num quadro filosófico e teologico-bíblico, para iluminar os traços fundamentais de São João de Deus e da tradição da Ordem, até chegar aos princípios com os quais desejamos realizar hoje a nossa hospitalidade;

§         A dimensão ética do ser humano e da assistência. A este propósito são descritos os princípios gerais em que se fundamenta a nossa ética e as situações concretas a que, transformando-nos em hospitalidade vivida, somos chamados a responder segundo o estilo de São João de Deus;

§         O tema da cultura da hospitalidade que nos recorda incessantemente a importância da formação e da investigação para responder aos desafios do Terceiro Milénio;

§         A necessidade de por em prática nas nossas estruturas uma gestão carismática. Devemos aplicar as regras da gestão moderna, mas façamo-lo de modo carismático, isto é, com os valores qualificantes que o seguimento de Cristo e de São João de Deus trazem à gestão, ancorados à doutrina social da Igreja.

Procedendo desta maneira pensamos sair do Capítulo Geral com um programa prático que nos ajudará a viver no próximo sexénio de modo a responder às exigências do nosso carisma no século XXI.

     Damos a conhecer este documento oficialmente no dia de São João de Deus, no Ano Jubilar, no dia da reconciliação, para sublinhar a sua importância em ordem a viver hoje a hospitalidade.

     Que São João de Deus nos ajude a reconciliar o nosso ser para que sejamos capazes de transmitir a reconciliação com o nosso «ser hospitalidade».

 

Fr. Pascual Piles

   Superior Geral

 


 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

1

PRINCÍPIOS,

CARISMA

E MISSÃO

DA ORDEM HOSPITALEIRA

DE S. JOÃO DE DEUS

 

 

 

 

 

 

 

 


 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

1. 1. Projectar o futuro com base nos nossos princípios

 

1.      A Humanidade aproxima-se do Século XXI ao mesmo tempo cheia de temores e de esperanças.

Conseguimos progredir impressionantemente na compreensão e domínio do nosso mundo, que hoje nos aparece como uma grande aldeia – a aldeia global – mas, ao mesmo tempo, persistem ou intensificam-se sofrimentos individuais e colectivos, provocados pelas guerras, pelo egoísmo de classe ou de grupo e pela limitação da natureza humana, que nos recorda a presença permanente da dor, da doença e da morte.

 

A Ordem Hospitaleira de S. João de Deus faz parte desta «aldeia global». Somos 1.500 Irmãos, 40.000 colaboradores, entre empregados e voluntários, e cerca de 300.000 colaboradores-benfeitores.

Estamos presentes nos cinco Continentes,

§         em 46 nações,

§         com 21 Províncias religiosas,

§         1 Vice-Província,

§         6 Delegações Gerais

§         e 5 Delegações Provinciais.

 

     Realizamos o nosso apostolado a bem dos doentes, dos pobres e dos que sofrem, através de 293 Obras Apostólicas.

Sendo membros de um mesmo corpo, a Ordem, vivemos, no entanto, realidades bem diferentes:

·        há quem viva em Obras e sociedades altamente tecnicizadas e quem viva em Obras e sociedades em vias de desenvolvimento;

·        há quem viva em nações envolvidas num clima de paz, e quem, ao contrário, viva em países dilacerados pela guerra e pela violência, ou que sofrem ainda as consequências de um passado recente, caracterizado pela violência;

·        há quem goze de plena liberdade na sociedade em que vive, e quem, ao contrário, veja a sua liberdade e os seus direitos fundamentais severamente limitados;

·        há quem se dedique ao apostolado propriamente hospitalar e quem, ao contrário, se empenhe nos temas sociais ou nos sectores de marginalização;

·        há quem tenha como missão a de ajudar a viver, enquanto para outros o seu campo de acção é o de garantir à pessoa humana o morrer com dignidade;

·        ainda que todos trabalhemos na perspectiva de uma assistência integral, holística, há matizes que nos orientam umas vezes para a saúde física, outras para a saúde mental, ou então para o melhorar das condições para uma vida digna, etc.;

·        finalmente, há uns que vivem no Norte e outros que vivem no Sul, uns nas culturas do Oriente e outros nas do Ocidente.(1)

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(1)   Cfr. PILES FERRANDO, Pascual, Superior Geral da Ordem Hospitaleira de S. João de Deus, Carta Circular para o sexénio 1994-2000, Roma, 1994, n. 1

Ao iniciar o terceiro milénio da nossa era, homens e mulheres de todas as latitudes se interrogam sobre o futuro da nossa sociedade, das nossas instituições, de nós mesmos.

 

Do mesmo modo todos nós, que tornamos possível a obra da

Ordem Hospitaleira de São João de Deus no mundo, nos interrogamos sobre o futuro que a Ordem será capaz de construir no próximo milénio ao serviço do homem que sofre, do homem que se encontra em situação de necessidade e que pede a nossa ajuda, para reconstruir o seu projecto pessoal.

 

     Em alguns casos, ao projectar o futuro, pode-se cometer o erro de deixar de lado o passado, não por má vontade, mas simplesmente por descuido, por escassa ponderação, pelo desejo de incorporar realidades novas.

Noutros casos, a necessidade de fazer mudanças profundas e de enfrentar situações de rotura, exige deixar de lado acertos do passado, pois os tempos novos exigem respostas novas, e considera-se oportuno libertarmo-nos do lastro do passado, para haver mais liberdade de construir criativamente o futuro.

É necessário projectar o futuro a partir do presente, tendo em conta toda a tradição positiva do passado: pensamos que seja esta a situação em que se encontra a Ordem Hospitaleira que quer projectar o seu futuro com uma reflexão actualizada dos seus princípios e valores.

 

     Provavelmente haverá lugares e formas de actuação por parte da Ordem que exijam uma mudança e poderá acontecer que em alguns casos essa mudança deva ser radical, se queremos estar presentes neste terceiro milénio a prestar um serviço à população e a transmitir uma mensagem que seja actual. Por isso, não há dúvida nenhuma de que toda a Ordem Hospitaleira de São João de Deus deverá fundamentar-se nos valores que têm caracterizado esta nossa Instituição.

 

     Estes valores deverão ser inculturados, actualizados na sua expressão, realizados em harmonia com a diversidade dos lugares do mundo, pois só deste modo poderão ser conhecidos e aceites pelas pessoas que venham a ter contacto com as nossas Obras.

 

     Apresentamos, em seguida, o n. 43 dos Estatutos Gerais da Ordem, no qual são enunciados os seguintes princípios:

«Como consequência da sua identidade confessional católica, os princípios fundamentais que orientam e caracterizam a assistência nas nossas obras são:

 

§         ter como centro de interesse, para todos os que vivemos e trabalhamos no hospital ou em qualquer outra obra assistencial, a pessoa assistida;

§         promover e defender os direitos do doente e necessitado, tendo em conta a sua dignidade pessoal;

§         empenhar‑se decididamente na defesa e promoção da vida humana;

§         reconhecer à pessoa assistida o direito de ser convenientemente informada sobre o seu estado de saúde;

§         observar as exigências do segredo profissional, fazendo que sejam igualmente respeitadas por todos os que se aproximam dos doentes;

§         defender o direito de morrer com dignidade, respeitando e satisfazendo os justos desejos e as necessidades espirituais daqueles que estão prestes a morrer, conscientes de que a vida humana tem um termo temporal e é chamada à sua plenitude em Cristo;

§         respeitar a liberdade de consciência das pessoas que assistimos e a dos nossos colaboradores, mas exigindo com firmeza que seja aceite e respeitada a identidade dos nossos centros hospitalares;

§         valorizar e promover as qualidades e a profissionalidade dos nossos colaboradores e estimulá-los a participar activamente na missão da Ordem e, em função das suas capacidades e âmbitos de responsabilidade, torná-los participantes no processo de decisão das nossas Obras Apostólicas;

§         opor‑se à procura do lucro, observando e exigindo que se não lesem as normas económicas justas.» (2)

 

Consideramos que nós, Irmãos e Colaboradores, somos o «capital» mais importante da Ordem para levar a cabo a sua missão.

Por isso, nas nossas relações, empenhamo-nos em respeitar e promover os princípios da justiça social.

Nós, Irmãos Hospitaleiros, desejamos partilhar o nosso carisma com quantos se sentem inspirados pelo espírito de S. João de Deus.

 

Sempre que forem respeitados os nossos princípios, estamos abertos à colaboração e promovemo-la com organismos tanto da Igreja como da sociedade civil, no campo da nossa missão, com uma atenção preferencial pelos sectores sociais mais abandonados. (3)

 

 

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(2)  ORDEM HOSPITALEIRA DE S. JOÃO DE DEUS, Estatutos Gerais, Salice Terme, 1997, n. 43.

(3) Cfr. LXIII CAPITULO GERAL, A Nova Evangelização e a Hospitalidade no limiar do terceiro milénio, Bogotá, 1994, § 5.6.3.

Os princípios referidos têm a sua raiz no nosso Fundador e foram sendo estruturados ao longo dos anos com a reflexão e o bem fazer dos seus sucessores.

 

Também nós, de modo semelhante, tendo em conta a tradição, de-vemos reflectir sobre a definição da missão da Ordem Hospitaleira.

 

     O princípio chave subjacente à obra de João de Deus é o seu desejo de «fazer o bem, bem feito; isto é, não se limitar a uma assistência sem vida, descuidando a qualidade, mas unindo o sentido de caridade cristã ao de justiça, para oferecer aos doentes e aos necessitados um serviço eficiente e científica e tecnicamente qualificado». (4)

 

1. 2. O Carisma  da Ordem

 

2.      João de Deus era um homem carismático: o seu modo de agir atraiu a atenção de quantos o conheceram e a sua influência expandiu-se para além de Granada às aldeias e cidades de Andaluzia e Castela.

 

     Este seu carisma transcendia a sua pessoa: não se tratava só de atitudes e gestos humanos que, exprimindo-se em amor aos doentes e necessitados, suscitavam a admiração e moviam à colaboração com a sua Obra.

    

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(4)   ORDEM HOSPITALEIRA DE S. JOÃO DE DEUS – CÚRIA GERAL, Irmãos e Colaboradores unidos para servir e promover a vida, Roma, 1992, § 13

Em sentido teológico, Carisma é toda a forma de presença do Espírito que enriquece o crente e o capacita para um serviço em favor dos outros.

 

     O religioso consagra-se a viver um carisma particular, como dom recebido do Espírito Santo, mediante a esmerada atenção à graça, o encontro vital com Deus e a abertura e o serviço à Humanidade.

 

     O carisma da Hospitalidade com que João de Deus foi enriquecido pelo Espírito Santo, encarnou-se nele como gérmen que continuaria a viver em homens e mulheres que no decurso da história prolongaram a presença misericordiosa de Jesus de Nazaré, servindo aos que sofrem, segundo o seu estilo.

 

     As Constituições da nossa Ordem definem assim o Carisma:

     «Em virtude deste dom, somos consagrados pela acção do Espírito Santo, que nos torna participantes, de maneira singular, do amor misericordioso do Pai.

Esta experiência transmite-nos atitudes de benevolência e de dedicação, torna-nos capazes de cumprirmos a missão de anunciar e realizar o Reino entre os pobres e os doentes; transforma a nossa existência e faz com que, através da nossa vida, se torne manifesto a amor especial do Pai pelos mais fracos, que nós procuramos salvar, segundo o estilo de Jesus.» (5)

    

O Irmão de S. João de Deus consagra-se e vive em comunhão com outros o chamamento a expressar o mesmo carisma.

 

 

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(5)  ORDEM HOSPITALEIRA DE S. JOÃO DE DEUS, Constituições, Roma, 1984, 2b

Mas o amor para o interior (comunhão) deve exprimir-se para o exterior na exigência de uma missão que se compreende como ajuda libertadora em favor dos restantes membros da Igreja e, em geral, de todas as pessoas necessitadas.

 

     Participam directamente no Carisma de João de Deus, os Irmãos Hospitaleiros do seu nome, consagrados em Hospitalidade; e, a modo de irradiação do mesmo, também dele são participantes os Colaboradores:

 

«Aquele que conhece João de Deus (...) chega a experimentar que na sua vida surge uma espécie de Luz, que suscita nele o convite a viver a Hospitalidade, imitando João ou os seus Irmãos (...) Os fiéis leigos que se sentem convidados a viver a Hospitalidade, participam do carisma de João de Deus quando se abrem à espiritualidade e à missão dos Irmãos, encarnando-a na sua vocação pessoal.

     Os níveis desta participação são, obviamente, vários: há pessoas que se sentem particularmente ligadas à Ordem através da sua espiritualidade; outras, ao contrário, vivem a participação através do desempenho da sua missão.

 

     O importante, porém, é que o dom da Hospitalidade, recebido de João de Deus estabeleça entre Irmãos e Colaboradores um vínculo de comunhão que seja para uns e outros impulso e estímulo para desenvolver a própria vocação, a fim de serem para o pobre e o necessitado manifestação do amor misericordioso de Deus para com os homens.» (6)

 

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(6)   Irmãos e Colaboradores unidos ..., Op. cit., nn. 115-116

1. 3. A missão da Ordem

 

3.      No texto das nossas Constituições a missão é definida da seguinte forma:

«Encorajados pelo dom que recebemos (...) dedicamo-nos ao serviço da Igreja na assistência aos doentes e aos necessitados, com preferência pelos mais pobres». (7)

 

     Esta disposição geral, válida para toda a Ordem, deve, assim, concretizar-se em cada sua Obra apostólica.

 

Se partimos do facto de que cada Obra é específica e procura dar resposta às necessidades de algumas pessoas, num lugar e tempo concretos, e se pretendemos que a nossa missão seja EVANGELIZAR O MUNDO DA DOR E DO SOFRIMENTO, ATRAVÉS DA PROMOÇÃO DE OBRAS E ORGANIZAÇÕES DE SAÚDE E/OU SOCIAIS, QUE PRESTEM UMA ASSISTÊNCIA INTEGRAL À PESSOA HUMANA, segue-se daí que em cada situação concreta se dê resposta aos seguintes quesitos:

§         Qual a razão de ser desta Obra?

§         A quem é dirigido o nosso serviço?

§         Quem somos nós que o realizamos?

§         Quais são as estruturas mais idóneas?

 

Este será o caminho para podermos concretizar os princípios que queremos promover e a missão que queremos realizar na sociedade.

    

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(7)  Constituições, Roma, 1994, 3

Só quando encarnarmos estes princípios, ou seja, quando o nosso serviço ao homem doente e necessitado do lugar mais recôndito deste mundo for iluminado por estes valores a que nos estamos a referir, só então estaremos a tornar possível uma Obra da Ordem Hospitaleira de S. João de Deus.

 

     Por isso, um outro passo muito importante será o de descrever em cada Obra quem deve ser o usuário da mesma, o homem doente e necessitado a quem estamos atendendo.

     Além disso, ao dedicarmos a nossa atenção ao usuário interno deveremos incluir também nas nossas considerações o usuário externo: não só o doente, mas também os seus familiares.

Deverá haver idêntica actuação no que se refere à sociedade e ao meio onde estamos situados, às pessoas e às estruturas relacionadas  com o funcionamento da Obra.

     Os serviços que a Obra presta devem constituir uma realidade dinâmica e em evolução, visto que assim o é a nossa sociedade e em contínua mudança está o homem a quem assistimos.

 

 

 

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Para a reflexão:

 

 

1)          Descreve sinais que evidenciem como se está a viver o carisma, a missão e os princípios fundamentais da Ordem.

2)      Descreve o que está a tornar difícil ou a ofuscar o pôr em prática o carisma, a missão e os princípios fundamentais da Ordem.

3)      Indica as linhas de acção que podem garantir o pôr em prática o carisma, a missão e os princípios fundamentais da Ordem.

4)      Indica os sinais que evidenciem os laços de comunhão na hospitalidade entre Irmãos e Colaboradores.

5)      Que é necessário fazer para promover o crescimento destes laços de comunhão na hospitalidade?

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 


 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

2

FUNDAMENTOS

BÍBLICO-TEOLÓGICOS

DA HOSPITALIDADE

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 


 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

2. 1. A aproximação filosófica e religiosa ao sofrimento

 

2.1.1. O homem perante a dor

 

4.      «O que é o homem? Qual é o significado do sofrimento, do mal, da morte, que subsistem apesar de tantos progressos? (...) Que acontecerá depois da vida presente?» (1)

 

A realidade do sofrimento humano tem colocado uma inquietante pergunta fundamental à qual os vários sistemas filosóficos e crenças religiosas têm procurado responder com diferentes modalidades, mas sem conseguir eliminar de todo o véu de mistério que a envolve.

 

Globalmente podemos sintetizar em cinco perspectivas as respostas fundamentais a tão preocupante pergunta.

 

A primeira é, digamo-lo assim, mágica ou misteriosa e faz referência à radical inelutabilidade e incompreensibilidade da dor.

 

Com frequência esta realidade é ligada a um mito de carácter «punitivo» por parte da divindade, ou à superioridade de divindades maléficas sobre outras benéficas.

 

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(1)  CONCÍLIO VATICANO II, Constituição Pastoral Gaudium et Spes, n. 10, 1964

De qualquer modo, tudo é projectado numa dimensão sobrenatural, razão por que podem ser também sobrenaturais os remédios capazes de libertar o homem do sofrimento (bruxos, médiuns, ritos esotéricos, etc.).

Este conceito, presente até agora entre os denominados «povos primitivos», subsiste também como substrato ancestral em muitas outras concepções religiosas.

 

Uma segunda resposta, que a partir da antiga filosofia epicúrea atravessou a história até chegar ao hedonismo individualista deste século, é a que podemos chamar a negação.

Todas as realidades dolorosas da vida constituem um limite à conquista do prazer e, por conseguinte, é bom não se preocupar com isso, procurando gozar o tempo presente até que seja possível.

Trata-se, na verdade, como diriam os psicanalistas, de «remover» a dor e a angústia criada pela presença daquela.

Neste substrato cultural mergulham as suas raízes muitas formas de «desespero» contemporâneo que, ao negar a realidade dolorosa, chegam logo a negar a própria vida, quando não se consegue suportar o seu peso existencial.

 

Outra atitude, oposta à anterior, consiste na aceitação heróica da dor.

Pelo facto de ter sido sistematizada filosoficamente pelo estoicismo, o correspondente adjectivo «estóico» tornou-se sinónimo daquele que aceita grandes sofrimentos, sem se queixar.

 

Tão corajosa aceitação foi muito bem considerada pelo cristianismo, que na elaboração teológica daquela introduziu elementos de derivação estóica que pareciam harmonizar-se bem com a aceitação da Cruz por parte de Cristo e com a atitude dos mártires.

Na realidade tal contaminação não foi de todo positiva e converteu-se numa das matrizes daquela exaltação pseudo-cristã do sofrimento, a que foi dado o nome de «dolorismo», e da qual ainda estamos a libertar-nos com dificuldade.

 

Uma quarta modalidade de aproximação à dor consiste na sua anulação, mediante um caminho interior que conduz progressivamente ao abandono de toda a paixão e de todo o sofrimento, quer físico quer psíquico.

 

Levado à sua mais alta expressão pelo Budismo, verifica-se igualmente a sua presença em outras filosofias e religiões orientais, que hoje exercem o seu fascínio também no mundo ocidental.

A atenção aos que sofrem é particularmente evidente na religião budista, que converte a «compaixão» num dos sentimentos universais que aproximam o homem da divindade, embora a ajuda que se dá à pessoa que sofre consista mais em superar os desejos que estão na origem dos problemas, mesmo materiais, do que na solução do que pode ser a sua causa.

 

A última modalidade, de que falamos com mais pormenor no parágrafo seguinte, é a que encontramos na mais alta expressão no Cristianismo e que podemos chamar a valorização.

Sem descobrir completamente o mistério e sem querer transformá-la numa realidade positiva em si mesma, o Cristianismo oferece «razões» à dor, transformando-lhe o seu absurdo em possível instrumento de bem para quem sofre e para os outros.

Um tal processo é possível verificá-lo também como simples sublimação psicológica do indivíduo, quando encontra uma racionalização para a experiência dolorosa ou, então, algumas compensações de comportamento.

 

Em qualquer caso e para além destas interpretações, não podemos deixar de considerar uma dimensão absolutamente pessoal do sofrimento, cujo significado escapa a qualquer generalização, já que só tem sentido no universo existencial de cada indivíduo.

Nesta perspectiva o sofrimento converte-se em elemento biográfico cujo mistério mais profundo nunca poderá ser descoberto, nem remetido para uma desejada racionalidade.

 

2.1.2. O sofrimento e os sofredores no Cristianismo

 

5.      Na visão judaico-cristã a dor, assim como o mal de que é expressão, não pertence ao projecto originário da Criação.

Por outras palavras, não provém de Deus.

Por isso, ao contrário do que acontece noutras religiões, não há uma divindade do mal na origem deste.

A dor, e o mal que dela é expressão, pertence à condição humana, mas, ao mesmo tempo, expressa o mistério de uma realidade que Deus não quer e com a qual não se alegra, ansiando ela mesma por ser redimida.

Uma realidade negativa, uma «ausência» mais que presença, como já intuía Santo Agostinho.

 

Para fazer isto a Sagrada Escritura recorre à imagem mítica de uma condição humana isenta de qualquer sofrimento e na qual entra a dor porque o homem não obedece a uma ordem de Deus, quer dizer, na verdade afasta-se do seu amor.

A imagem da serpente converte-se em símbolo de idolatria, isto é, do «não fiar-se em Deus» para lhe preferir uma realidade criada, fazendo dela a sua divindade.

 

Durante muitos séculos este nexo «ontológico» entre a culpa, por um lado, e o sofrimento como sua punição, por outro lado, foi entendido por Israel em sentido «pessoal», vendo em cada dor o castigo por um pecado (mentalidade que ainda hoje é frequente encontrar-se).

Os sábios de Israel, embora não evidenciando apenas o paradoxo entre a «felicidade do ímpio» e o «sofrimento do justo», deduziram que o ímpio iria ser castigado na sua descendência e que o justo estava a expiar em si mesmo as culpas dos seus pais.

 

O primeiro dramático grito contra esta visão do problema está contido no livro de Job.

Com uma sensibilidade que ainda hoje surpreende pela sua modernidade, Job insurge-se contra tal conceito e pede contas a Deus do porquê um «justo» como ele tenha que sofrer de modo tão desproporcionado às suas possíveis culpas. A resposta de Deus, contudo, não é explícita, mas concretiza-se fundamentalmente no convite a acolher o mistério sem pretender explicá-lo e sem renunciar à fé num Deus que apenas quer o bem dos seus filhos.

 

Esta grande tipologia do «justo sofredor» é representada solenemente na figura do «servo sofredor de JAVÉ (JHWH)», um personagem no qual a sucessiva tradição foi identificando a imagem de Cristo que «carrega» os sofrimentos do povo libertando-o deles.

Uma tal «expiação vicária», densamente identificada por Paulo em Rom. 3, 25, mais que como «castigo» de um único homem em lugar de todo o povo, deve ser entendida no sentido dos antigos sacrifícios  de expiação, mediante os quais o holocausto da vítima se tornava instrumento do perdão de Deus.

O sacrifício de Cristo e, em virtude do seu corpo místico, a dor dos crentes (e segundo a perspectiva de Rom. 8, 19 e Ef. 1, 7-10, também do mundo inteiro) converte-se assim em instrumento do perdão de Deus.

 

2.1.3. A mensagem evangélica da libertação

 

6.      A dimensão subjectiva de libertação, pela qual Jesus Cristo na sua carne liberta o homem do pecado e, por isso, de todas as suas consequências, adquire também uma incidência prática nas obras por Ele realizadas.

As curas dos doentes, o acolhimento ao marginalizado, a defesa do pobre constituem uma parte essencial da sua missão. Melhor, a sua acção em favor dos pobres e dos últimos é até sinal específico da sua messianidade. (Cf. Mt. 11, 3-5).

Assim é plenamente recuperada a força da libertação integral do homem por parte de Deus, da qual o Êxodo já tinha sido uma experiência histórica e um testemunho simbólico.

 

A atitude de Jesus perante o doente é não só significativa mas, para nós, também exemplar.

Jesus participa profundamente no infortúnio do doente e dos seus parentes (Cf. Mt. 14, 14; 15, 32; Lc. 7, 13; Jo. 11, 36); não contesta, nem critica, nem desaprova a sua vontade de cura; com frequência é Ele que toma a iniciativa (Cf. Mc. 10, 49; Lc. 8, 49); Jo. 5, 6); nega qualquer conexão entre pecado individual e doença actual (Cf. Jo. 9, 1-3); cura integralmente a pessoa doente (Cf. Mt. 9, 1-7).

Quer dizer, as suas obras não se limitam a simples gestos taumatúrgicos, mas têm como finalidade o bem integral da pessoa, a sua saúde (salus) e não só a sua sanidade (sanitas).

O cuidado do necessitado carrega-se, assim, de múltiplos significados e converte-se antes de mais num novo sinal da aliança entre o homem e Deus.

O pacto entre o Criador e a Criação é de novo proposto pelo amor de Deus «ao curar» o pobre, o doente, o excluído que, de posse deste amor, volta a viver de novo.

Ao confiar aos «fiéis de Cristo» (christifideles) a continuidade deste cuidado, encontramos assim o fundamento «carismático» da Hospitalidade, sobre cujas raízes bíblico-teológicas é oportuna uma reflexão mais orgânica.

 

2.2. A Hospitalidade no Antigo Testamento

 

2.2.1. O Deus hospitalidade

 

7.      Hoje em dia, ao falar de hospitalidade referimo-nos, em geral, ao acolhimento que dispensamos a outra pessoa em nossa casa.

Mas, se quisermos ir ao mais profundo sentido teológico desta atitude humana devemos, antes de mais, captar a dimensão ontológica da Hospitalidade.

 

Não será temerário ver na própria realidade trinitária a raiz mais profunda de uma vida divina que se faz hospitalidade: a hospitalidade do Pai que, desde a eternidade, «faz espaço» na sua essência para gerar o Filho, mas também a hospitalidade do Filho que acolhe em si o dom geracional do Pai; por último, a hospitalidade do Espírito Santo que se faz reciprocidade do dom paterno-filial e, por conseguinte, identidade pessoal de um amor que acolhe (= hospitaleiro).

Esta dimensão trinitária da Hospitalidade não se refere só à essência divina, mas também à sua morada na pessoa humana, que se torna sujeito hospitaleiro da divindade (Cf. Jo. 13, 20).

A própria participação eucarística, no antigo cânon latino, era assemelhada ao receber Jesus debaixo do próprio tecto, enquanto o ser «hóspede da alma» era denominação mais atribuída ao Espírito Santo. (2)

Depois, a nível da imanência, a própria Criação revela-se como fruto desta primordial Hospitalidade divina que na sua essência gera e ao mesmo tempo acolhe um projecto que realiza para fora de si.

É a Hospitalidade que, no próprio acto de ser tal, agarra a eternidade descendo-a à dimensão histórica e, por conseguinte, ainda antes de hóspede do homem, faz-se hóspede do tempo.

 

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(2)  Cfr. Hino Veni Sancte Spiritus

No entanto, é na criação do homem que Deus manifesta mais cabalmente o seu ser Hospitalidade, deixando espaço na sua criação para a presença e o domínio do homem, hospedando-o, ainda antes da sua criação, na sua mente criadora, da qual traz a marca.

 

E à criação segue-se logo a Aliança, nas suas múltiplas expressões, simbolizadas pelo relato bíblico. Precisamente por ser encontro entre Deus e o ser humano, a aliança de que a Sagrada Escritura nos fala converte-se não só em encontro entre Deus e o seu hóspede, mas também entre o ser humano e o seu hóspede divino.

 

Embora expressa por realidades ontologicamente diferentes, na aliança a hospitalidade faz-se reciprocidade, dádiva recíproca. E todas as vezes que – na história individual ou colectiva – esta aliança se rompe, o perdão divino e a consequente reconciliação com o ser humano dão testemunho dos inesgotáveis recursos de um acolhimento sempre novo.

 

2.2.2. O conceito de hospitalidade

 

8.      contexto cultural subjacente ao Antigo Testamento é o do mundo semítico, marcado por uma tensão entre o acolhimento ao hóspede e, ao mesmo tempo, por uma certa desconfiança em relação a ele como elemento de «ameaça» para a identidade do povo.

Em tudo isto, o que unifica a atitude de Israel para com o outro é o considerá-lo como estrangeiro.

A este respeito há três termos, pelo menos, que nos dão a entender diferentes atitudes.

O primeiro é zar e indica o que pertence a uma outra estirpe ou tribo, que é forasteiro no próprio país, por vezes também o inimigo (Dt. 25, 5; Jb. 15, 19; Is. 61, 5; 25, 2.5).

O segundo é ger e indica o estrangeiro residente no país (os Israelitas no Egipto ou os Cananeus em Israel).

O terceiro é tosab e indica o estrangeiro residente noutro país temporariamente (Gen. 23, 4; Dt. 14, 21).

 

Esta multiplicidade terminológica testemunha a diversidade da atitude perante o estrangeiro em relação com a específica condição em que este venha a encontrar-se.

 

Em síntese, podemos dizer que Israel distinguia entre os povos estrangeiros, os estrangeiros residentes no país e os estrangeiros de passagem.

Precisamente com estes é que era exercitada a hospitalidade na sua forma mais nobre.

Pensemos no relato de Gén. 19, 1-8, no qual Lot está disposto a oferecer as suas filhas aos homens da cidade, na condição de que estes não toquem nos hóspedes.

De facto, na origem desta disparidade de comportamento talvez houvesse uma mesma finalidade: a de vencer a ameaça que o estrangeiro constituía para a sua comunidade e identidade, quer hostilizando-o e considerando-o inimigo, quer rodeando-o de atenções.

 

Encontramos, na verdade, um indício desta ambivalência nas tardias interpretações latinas deste conceito com a raiz comum do termo hóspede (hospes) e inimigo (hostis).

Naturalmente que se esta era a visão mais específica e pertinente em Israel, não devemos esquecer aquilo que o mesmo Israel vivia e praticava para com os seus próprios concidadãos.

Em rigor de termos, o «próximo» (cujo conceito será totalmente reexplicado por Jesus) era o compatriota, o correligionário.

 

Praticar a hospitalidade para com ele era um dever fundamental, precisamente enquanto membro daquele povo cuja identidade era não só étnica, mas também e, sobretudo, religiosa.

 

No comum sentir descobria Israel as exigências de hospitalidade para com todas as categorias de pessoas (basta pensar nos órfãos e nas viúvas) que dela tinham necessidade.

 

 

2.2. 3. As razões da hospitalidade

 

9.      A Hospitalidade no contexto do Antigo Testamento, assim como em todas as culturas antigas, não deve ser entendida nos termos modernos de um simples acolhimento ao hóspede, com cama e mesa, mas antes como uma radical «inclusão» do hóspede no âmbito da própria roda de afazeres do hospedeiro, na sua tutela contra os inimigos, na sua protecção, no seu profundo respeito existencial, no cuidado da sua pessoa perante todas as possíveis necessidades.

 

As razões desta atenção (juntamente com as dos compatriotas supra referidas) são várias.

 

Em primeiro lugar há uma razão cultural que Israel partilha com os povos vizinhos. Trata-se da ideia segundo a qual na aparência do estrangeiro que procura hospitalidade pode esconder-se uma divindade. Na elaboração monoteísta as divindades transformam-se em anjos.

 

Há um claro indício disto em Heb. 13, 2: «Não vos esqueçais da hospitalidade porque, por ela, alguns, sem o saberem, hospedaram anjos».

 

Uma segunda motivação é mais específica e refere-se claramente à história de Israel.

O «arameu errante» que foi Abraão, pai do povo eleito, viveu como estrangeiro e como estrangeiro viveu Israel na terra do Egipto.

Israel compreende, pois, muito bem a condição do estrangeiro e sabe como ele necessita de hospitalidade.

 

Se se sentisse tentado a desprezá-lo, a advertência da Sagrada Escritura é muito clara: «O estrangeiro que reside convosco será tratado como um dos vossos compatriotas e amá-lo-ás como a ti mesmo, por que fostes estrangeiros na terra do Egipto» (Lev. 19, 34; cf. também  Êx. 22, 20; 23, 9).

 

Por último há uma motivação religiosa (que será desenvolvida no Novo Testamento), isto é, o exemplo divino. É Deus Hospitalidade, antes de mais, a acolher o estrangeiro e a pedir para serem hospitaleiros com ele (cfr. Deut.10, 18), a querer que lhe sejam dados parte dos bens a Ele mesmo consagrados (cfr. Deut. 26, 12).

O facto de que Israel também se comporte assim não é senão a actuação de um querer de Deus, um dos caminhos de fidelidade à Lei (cfr. Lev. 16, 29; 18, 26; 19, 10.33).

 

2.2.4. As referências mais importantes

 

10.    De entre os episódios mais significativos recordemos a visita dos três homens a Abraão, próximo do carvalho de Mambré.

 

Para lá das interpretações patrísticas relativas à Trindade, que certamente não correspondem à primeira intenção do autor, é de notar como Abraão reconhece no hóspede o seu «Senhor».

Ainda antes de conhecer os motivos de tal visita e entre a multiplicidade dos interlocutores ele capta a «visita» de Deus.

Todos os seus gestos são consequentes e podem ser lidos numa chave abertamente teológica: prostra-se por terra (culto), prepara pessoalmente o cordeiro e o leite (oferenda), acredita nas palavras dos três personagens (fé), suplica-lhes que não destruam Sodoma (oração).

Por outras palavras, a hospitalidade torna-se ocasião de encontro com Deus.

Exemplar e pedagógico, na intenção do autor sagrado, é o episódio da viúva de Sarepta que não deixa de praticar os seus deveres de hospitalidade para com Elias, partilhando com ele o último pedaço de comida que tinha só para ela e o seu filho.

Não só isto, mas em razão desta hospitalidade este é curado pelo profeta (cfr. 1 Re. 17, 20).

Uma situação análoga, em certo sentido, podemos encontrá-la no relato que se refere à prostituta Raab, que esconde os esploradores enviados por Josué a Jericó, e recebe deles, em troca, a incolumidade para si e para a sua família (cfr. Jos. 2, 1-12).

Uma relação entre a vida da pessoa que acolhe e a vida das pessoas acolhidas podemos vê-la também no livro de Tobias em que se refere que deu o dízimo dos seus bens às viúvas, aos órfãos e aos estrangeiros (cfr. Tob. 1. 8): a Hospitalidade, que é gesto de acolhimento à vida do outro, é recompensada com o próprio dom da vida.

 

O Sirácida convida poeticamente à hospitalidade para com todas as categorias de necessitados: «Sê como um pai para os órfãos e como um marido para as viúvas, e serás filho do Altíssimo; e Ele amar-te-á mais do que a tua mãe» (Sir. 4, 10)

 

A hospitalidade a que a Sagrada Escritura nos chama torna-nos de certo modo «familiares» da pessoa acolhida e, ao mesmo tempo, faz-nos experimentar a ternura materna de Deus.

Não esqueçamos a forte carga de feminilidade encerrada no conceito de misericórdia.

O termo hebraico rachamîm relaciona-se, de facto, etimologicamente, com as entranhas maternas que se dilatam para acolher a nova vida.

Hospitalidade e misericórdia encontram-se, assim, unidas num binómio que se converte em ícone do Deus misericordioso, «amante da vida» (cfr. Sab. 11, 26).

 

Precisamente nesta perspectiva se coloca a hospitalidade com o doente, isto é, a atitude e os gestos concretos de acolhimento em relação com ele.

É exemplar a este respeito a figura do arcanjo Rafael que, enquanto «medicina de Deus» é presença que acolhe e sara. A sua figura converte-se em metáfora não só da «resolução médica» do problema, se assim nos podemos expressar, mas também do acompanhamento do doente, do marginalizado, do moribundo, do pobre cujo único medicamento é só, por vezes, uma presença amiga.

 

Destinatário desta atitude hospitaleira é também o morto, como o manifesta o livro de Tobias, pondo-a em estreita relação com a hospitalidade tradicionalmente entendida (Tob. 2, 1-4).

Tobias, na verdade, manda o filho procurar um pobre para convidá-lo a almoçar; mas ele só encontra um compatriota morto, abandonado na praça.

Perante isto não tem dúvida: deixa o alimento e vai sepultá-lo.

Em certo sentido, este gesto converte-se no seu acolhimento de convívio com o pobre.

 

Por último, não podemos deixar de ter em conta um relato que inclui a dimensão da hospitalidade na ascendência histórica do Messias.

É a história de Rut, mulher estrangeira que acompanha a sua sogra Noemi à sua terra de origem, acabando por casar-se com Booz, em cujo campo de trigo tinha ido respigar.

Desta união nascerá o avô de David. Os dois serão «premiados» com o tornar-se antepassados de Jesus, porque recíproca tinha sido a sua hospitalidade: o acolhimento de Booz à mulher estrangeira e, por parte de Rut, o acolhimento de um pais estrangeiro pelo qual deixa o seu.

Quer dizer, a hospitalidade, como dom de mútuo acolhimento, abandona as próprias certezas para encontrar na novidade do encontro uma nova segurança.

 

2.2.5. A hospitalidade institucional

 

11.    Uma realidade de particular interesse é constituída pela escolha de seis cidades que «servirão de refúgio aos filhos de Israel, aos peregrinos e a qualquer outro que viva no meio de vós, para ali encontrar asilo quem quer que tenha morto alguém involuntariamente» (Num. 35, 15).

 

A instituição destas cidades-refúgio constitui o momento em que a hospitalidade individual e/ou comunitária se converte em estrutural.

 

Já não é chamada só a pessoa a ser hospitalidade nem o povo com gestos individuais, mas toda a comunidade se faz «instituição acolhedora».

 

A cidade torna-se quase um ícone de qualquer futuro organismo, inteiramente dedicado a acolher o outro em situação de necessidade e a dar-lhe tudo o que precise, não somente uma hospitalidade momentânea, mas uma cidade, um completo sistema de coordenadas biográficas em que possa voltar a viver.

 

 

 

 

2.3. A hospitalidade no Novo Testamento

 

2.3.1. A perspectiva evangélica

 

12.  Antes de examinar os gestos concretos de hospitalidade da parte de Jesus, deverá reflectir-se sobre o acontecimento «hospitaleiro» que está na base da própria fé cristã, isto é, a Encarnação.

 

Maria torna-se a grande «hospedeira de Deus», acolhendo-o no seu seio, enquanto o Emanuel, o «Deus Connosco», se converte no Hóspede da humanidade inteira.

Não é por acaso que deste acolhimento de Maria, poeticamente expresso na Anunciação, brota de imediato um gesto delicadamente hospitaleiro como a visita a Isabel e o acolhimento desta à mãe de Jesus.

 

Aos conteúdos e às motivações da hospitalidade, referidos ao Antigo Testamento, o Novo Testamento junta a inovadora contribuição da mensagem e das obras de Jesus.

O acolhimento ao outro, sobretudo se necessitado, adquire, à luz do Evangelho uma tríplice perspectiva.

 

A primeira depreende-se da identificação do próprio Cristo com o pobre (cfr. Mt. 25, 31-45). Acolhendo ao pobre acolhe-se a Cristo, para amar a Cristo tem que se amar o pobre, o que fazemos (ou não fazemos) ao pobre o fazemos (ou não fazemos) a Cristo.

É uma verdadeira e própria transfiguração do pobre em Cristo, não menos emblemática que aquela que nos recorda o célebre episódio da vida de S. João de Deus. (3)

 

A segunda perspectiva é a do juízo escatológico. Exclusivamente baseado na caridade (e não na observância formal dos mandamentos) este encontra na hospitalidade, em si mesma entendida,  um dos parâmetros de avaliação.

Não só isto, mas até que, numa mais ampla acepção do termo, podemos dizer que a hospitalidade, ou seja, o acolhimento ao outro, o fazer disso o objecto dos próprios cuidados, é a alma de toda a mensagem escatológica.

 

Por último, o Deus Hospitalidade mas invisível, do antigo Testamento que defendia o forasteiro, o órfão e a viúva, faz-se visível em Cristo cuja vida é inteiramente consumida ao serviço dos outros.

As suas palavras não são, assim, uma simples exortação, mas tomam corpo na sua própria actividade, que se converte em referência exemplar para todos os cristãos.

 

Seria impossível querer sintetizar os gestos de hospitalidade, isto é, de acolhimento ao outro, da parte de Cristo. Limitamo-nos a recordar, antes de mais, a atitude de benevolência com que se encontra com cada doente, não se limitando a curar-lhe a enfermidade, mas a abraçar todo o seu universo existencial.

 

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(3)   Tradição que se refere ao momento em que João de Deus lavava os pés a um necessitado, e este se transfigurou na pessoa de Jesus.

 

Toca o leproso, derrubando o muro da segregação que o marginalizava, devolve a vista ao cego abrindo os olhos a todos sobre a errónea crença de uma relação entre culpabilidade individual e doença, ressuscita o filho da viúva de Naim, sensibilizado pela situação desta mulher.

Depois, ainda acolhe as prostitutas e com isso as críticas dos bem-pensantes; faz-se hóspede dos publicanos comendo à sua mesa; aceita a hostilidade do seu povo, o suplício dos seus algozes, para os quais não hesita em pedir perdão; suporta a traição ou o medo dos seus amigos, a abjecção da Cruz.

 

Cristo, numa palavra, é o grande acolhedor da história e com Ele estão chamados a confrontar-se todos os que quiserem trilhar as sendas da hospitalidade.

 

2.3.2. A filoxenia

 

13.  A múltipla terminologia do Antigo Testamento, mesmo se traduzida no Novo com apropriados e diversificados vocábulos, é «superada», de algum modo, por um termo específico que designa especialmente a hospitalidade: filoxenia, isto é, o amor pela pessoa estrangeira.

Este nexo entre hospitalidade e caridade (filoxenia e agapé) é a característica específica que distingue a hospitalidade neotestamentária.

Podemos dizer, portanto, que a filoxenia constitui quase um termo «técnico» que entrou no vocabulário cristão para indicar uma particular atitude de acolhimento em relação aos cristãos em geral e aos mais necessitados em particular.

Não é por acaso que está incluída nos «exemplos» de Mateus sobre a caridade no que se refere ao já citado juízo escatológico (Mt. 25, 35); Paulo inclui-a nas exortações que derivam do exercício da caridade (Rom. 12, 13); Pedro faz o mesmo sublinhando o dever da reciprocidade (1 Ped. 4, 9); a carta aos Hebreus considera-a inseparável da filadelfia, isto é, do amor pelos irmãos.

Todos a devem praticar mas, ao mesmo tempo, é uma particular incumbência do Bispo (1 Tim. 3, 2; 5, 10; Tito, 1, 8).

 

Em resumo, a Sagrada Escritura deixa transparecer que aquela que é uma exigência genérica da Caridade pode transformar-se numa expressão carismática específica por parte de algumas pessoas a isso chamadas.

 

2.3.3. Hospitalidade e evangelização

 

14.  Aparte esta dimensão que põe em estreita correlação hospitalidade e caridade, há uma outra peculiar motivação neotestamentária para valorizar esta virtude: as exigências da evangelização nunca estão separadas do mandamento da cura: «curai os doentes que aí houver e dizei-lhes: está próximo o Reino de Deus» (Lc. 10, 9; cfr. Mt. 10, 7-8)

 

Um pouco como nas modernas «missões populares» as casas dos cristãos tornavam-se em autênticos «centros de escuta». Este dever de acolhimento está especificamente indicado em 3 Jo. 7-8:

«já que partiram em nome de Cristo, sem aceitar nada dos pagãos, nós temos o dever de acolher tais pessoas, para cooperarmos na difusão da verdade».

Sobre esta práxis temos vários testemunhos no Novo Testamento (Rom. 16, 4.23; Fil. 22) e em virtude desta estratégia de evangelização por vezes convertiam-se famílias inteiras (cfr. Act. 16). A hospitalidade faz-se assim instrumento de evangelização, tanto na perspectiva do testemunho como na palavra, e, para a comunidade, as estruturas de hospitalidade funcionam como sinal e lugar do anúncio da integral libertação evangélica.

 

2.3.4. O Bom Samaritano

 

15.  A grande parábola da hospitalidade é a do «Bom Samaritano», na qual é identificado o próprio Cristo e o ideal do cristão pela contínua tradição da Igreja. (4)

 

É por demais significativo o motivo que origina este relato parabólico, isto é, um pedido feito a Jesus sobre o que se devia entender por próximo.

 

Na concepção hebraica daquele tempo, era considerado «próximo» e, portanto, merecedor do amor de Israel, só o compatriota ou a pessoa vinculada por particulares laços (de sangue, de amizade, etc.).

 

Com um paradoxo inaudito para indicar quem é o «próximo» – o que está mais perto – Jesus escolhe «o mais afastado», o odiado inimigo samaritano.

 

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(4)   Cfr. JOÃO PAULO II in Salvifici Doloris, 1984, CapítuloVII.

 

A parábola tem interesse também porque oferece elementos para uma espécie de metodologia da hospitalidade que pode ser para nós de exemplar actualidade.

O samaritano põe o acolhimento do ferido acima dos seus interesses pessoais (estava de viagem, pára, adia os seus compromissos) e faz isto não se conformando ao comportamento dos outros (não só o sacerdote e o levita, mas também os próprios samaritanos). Cumpre, assim, o que considera ser o seu dever sem negar-se a fazê-lo porque «todos fazem assim».

Em seguida, utiliza o melhor que pode os recursos de que dispõe. Enfaixa as feridas como pode, limpa-as e trata-as com os únicos remédios que tem consigo, carrega o ferido na sua cavalgadura e procura encontrar para ele um alojamento adequado.

 

Por último, organiza uma estrutura assistencial e, ao fazê-lo, envolve a comunidade. O estalajadeiro converte-se assim no protótipo de qualquer realização social que, oportunamente solicitada por quem recebeu o carisma da hospitalidade, se converte em instituição de acolhimento.

 

Com um são pragmatismo o samaritano preocupa-se com encontrar fundos para a assistência ao doente, dá do seu próprio dinheiro, isto é, faz-se mediação de uma autêntica solidariedade social.

 

A conclusão da parábola é o perene convite feito história na vida de S. João de Deus e de todos aqueles que têm recebido como dom o carisma da hospitalidade: «vai e faz o mesmo»

 

 

 

 

 

 

 

 

Para a reflexão

 

 

1)     Ilustra com exemplos os actos mais comuns de aproximação que vemos entre nós (Irmãos, Colaboradores e assistidos) perante a dor humana (cfr. 2.1.1) [n. 2].

 

2)     Assinala a evolução progressiva da hospitalidade entre o Antigo e o Novo Testamento (diferenças, afinidades, superação de conceitos, etc.)

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 


 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 


 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

3

O CARISMA

DA HOSPITALIDADE

EM SÃO JOÃO DE DEUS

E NA ORDEM HOSPITALEIRA

 

 

 

 

 

 

 

 


 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

3.1.  O carisma da hospitalidade em S. João de Deus

 

 

16.    Carisma da hospitalidade significa um dom concedido pelo Espírito Santo para uma missão eclesial em  favor dos pobres e necessitados.

O nosso Fundador viveu este carisma e a consequente missão com um estilo próprio e tão característico que iniciou uma cultura hospitaleira original e de grande vitalidade.

A «cultura» hospitaleira joandeína constitui um original valor profético de renovação na Igreja e na sociedade.(1)

 

 

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(1)     A Ordem Hospitaleira dispõe hoje de uma rica documentação para estudar e aprofundar nas suas linhas gerais a vitalidade do carisma hospitaleiro. As fontes de documentação convertem-se assim num meio para chegar ao manancial do carisma hospitaleiro de S. João de Deus e às suas características.

Cronologicamente e por ordem de importância, dispomos de seis CARTAS DE S. JOÃO DE DEUS e de três CARTAS DE S. JOÃO DE ÁVILA dirigidas a ele. Estas cartas estão à nossa disposição em edições críticas e apresentam-nos um retrato directo de S. João de Deus. Fazem-nos ver e apaixonar por um personagem, um membro vivo seguidor do primeiro Hospitaleiro da história, Jesus Cristo. Fazem-nos entrever a sua paixão pelo homem necessitado e sofredor, pela Igreja sua mãe e por todos os seus filhos.

A segunda fonte por ordem de importância é, sem dúvida, a Biografia do Santo, escrita por FRANCISCO DE CASTRO e publicada em 1585: História de la vida y sanctas obras de Juã de Dios y de la Instituciõ de su Orden, y principio de su hospital, en Granada, en casa de Antonio Librixa, Año de MDXXXV.

Com um grande fundamento histórico, constitui um relatório profundo do percurso humano e espiritual do Santo em que se coloca em relevo a hospitalidade divina para com ele como fonte da sua hospitalidade sem fronteiras e para com todos os pobres e doentes.

 

Para a Família Hospitaleira deve continuar a ser um fermento de revitalização dos serviços da Ordem em todo o mundo.

Apresentamos as principais características.

 

3.1.1. Hospitalidade misericordiosa

 

17.  A Hospitalidade joandeína brotou da experiência cristã da misericórdia de Deus vivida pelo nosso Fundador, ao ser-lhe revelada a sua condição de pecador e a grandeza da misericórdia e do amor de Deus, que perdoa gratuitamente e quer a comunhão de vida com todos os seus filhos.

 

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A partir de 1995 a Família Hospitaleira dispõe de uma fonte de vida e hospitalidade de S. João de Deus, nova e preciosa. Trata-se da Documentação proveniente do Arquivo da Deputação Provincial de Granada, que fez parte do pleito «entre os Irmãos do Hospital de João de Deus e os Frades e Convento do mosteiro de S. Jerónimo». Esta documentação tem a data de 12.03.1570 (o processo, porém, começou em 1572) e consiste em 171 folhas manuscritas que foram transcritas por José SÁNCHEZ MARTINEZ no seu livro: Kénosis y Diakonia en el itinerário espiritual de San Juan de Dios, Madrid, 1995. Das 17 testemunhas que responderam às 26 perguntas, 10 tinham conhecido S. João de Deus. Esta e outra documentação é utilizada por Sánchez num outro trabalho sobre o mesmo processo, constituindo a terceira fonte por ordem de importância para estudar a hospitalidade de S. João de Deus.

 

Por outro lado, contamos com as primeiras Constituições do hospital de Granada e três Bulas fundamentais:

 

1.     Licet ex debito, de Pio V (1 de Janeiro de 1572).

2.     Etsi pro debito, de Sisto V (1 de Outubro de 1586).

3.     Piorum Virorum, Breve de Paulo V (12 de Abril de 1608).

Têm um valor decisivo porque estes documentos aproximam-nos de S. João de Deus e dos princípios teológicos e jurídicos da nossa hospitalidade. A estes devemos acrescentar as petições dos Superiores Gerais, de graças e aprovações, que deram lugar a essas bulas. Ambas são consideradas como fontes da nossa hospitalidade.

 

Das primeiras Constituições recordamos:

Esta experiência constitui a característica fundamental e a fonte de onde brota a riqueza da hospitalidade de S. João de Deus: «Se considerássemos como é grande a misericórdia de Deus, nunca deixaríamos de fazer o bem enquanto pudéssemos».(2)

 

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1.     Regla y Constituciones para el Hospital de Ioan de Dios, desta ciudad de Granada... 1585.

2.     Constituciones hechas en el primer Capitulo General en Roma año de 1587.

3.     Costitutioni et ordini da osservarsi dagli Frati dell’Ordine di Giovanni di Dio ... 1589.

4.     Costitutioni del devoto Giovanni di Dio – d´Italia, 1596.

5.     Regla del Bienaventurado Padre San Agustín y Constituciones de la Orden de Iuan de Dios, Madrid, 1612.

 

A documentação moderna é abundante; para não exagerar, recordamos apenas alguns títulos de entre os mais significativos, publicados depois do Capítulo Geral de 1976 e que citamos aqui por ordem cronológica:

-   P. Marchesi, As bases da renovação (1982).

-   P. Marchesi, A Humanização (1981).

-   A Dimensão apostólica da Ordem de S. João de Deus (1982).

-   Constituições da Ordem Hospitaleira de S. João de Deus, (1984).

-   P. Marchesi, A Hospitalidade dos Irmãos de S. João de Deus rumo ao ano 2000 (1986).

-   Declarações do LXII Capítulo Geral (1988).

-   Brian O’Donnell, Servo e Profeta, (1990).

-   João de Deus continua vivo (1991).

-   Irmãos e Colaboradores unidos para servir e promover a vida (1992).

-   A Nova Evangelização e a Nova Hospitalidade (1994).

-   P. Piles, A força da caridade (1995).

-   P. Piles, João de Deus: chamada para a nova hospitalidade (1996).

-   P. Piles, Deixai-vos guiar pelo Espírito (1996).

-   A Dimensão Missionária da Ordem Hospitaleira. Profetas no mundo da saúde (1997).

Os estudos e investigações feitos ao longo dos séculos e recentemente, sobre a vida, a espiritualidade e a hospitalidade de S. João de Deus, representam contributos de grande importância para aprofundar o tema tratado nesta «Carta de Identidade». Para não sobrecarregá-la, remetemos para os títulos mais significativos da bibliografia.

(2)  1.ª Carta de S. João de Deus à Duquesa de Sesa (1DS), 13. Relativamente a este tema cfr. GAMEIRO, Aires, in Koinonia, filoxenia e martírium em S. João de Deus e na sua Ordem nascente. Tese de doutoramento, Roma, 1996.

 

Costumamos considerar S. João de Deus como fundamentalmente misericordioso, compassivo, capaz de compreender, de perdoar, e temos razão; mas isto é uma consequência da sua consciente e permanente vivência em relação à misericórdia e ao perdão de Deus e de Cristo para com ele.

 

Ele via a vida e as coisas da vida como dons divinos gratuitos da misericórdia divina: «... devemos dar graças a Nosso Senhor Jesus Cristo, por usar para connosco de tanta misericórdia, dando-nos de comer, de beber e de vestir, e todas as coisas sem o merecermos».(3)

 

O bem mais desejado e pedido pelo nosso Fundador durante a sua conversão foi o perdão e a misericórdia divina, como podemos ler nos capítulos VII, VIII e IX da sua Biografia, em Castro.

 

Suspirou pela misericórdia do Senhor e pediu-a, e tendo-a recebido fez-se intermediário dela para todos os necessitados.

A hospitalidade misericordiosa de S. João de Deus é, sem dúvida, o que mais impressiona o leitor, atento às suas acções extraordinárias em favor de todas as categorias de necessitados e sofredores.

Podemos afirmar de maneira absoluta que a experiência profunda da hospitalidade misericordiosa de Deus para com ele o transformou em hospitaleiro misericordioso para com todos sem excepção e quase, podemos dizê-lo sem limites.

Nas suas acções não conhecemos limites de necessitados e sofredores que não tenha socorrido.

 

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(3)  2.ª Carta de S. João de Deus à Duquesa de Sesa, (2DS), 18.

A lista dos necessitados de Granada e dos arredores, socorridos por S. João de Deus, que Castro nos apresenta no capítulo XII, e a que o mesmo Santo apresenta na Segunda Carta a Guterres Lasso, coincidem e abrangem quase todas as categorias existentes na cidade de Granada, no seu tempo.

 

3.1.2. Hospitalidade solidária

 

18.  Esta experiência e revelação da misericórdia de Deus para com ele provocou duas respostas: uma de aniquilamento (Kénosis)(4) ou humilhação penitencial, bem visível nas fontes; depois, uma resposta de hospitalidade misericordiosa para com todos os necessitados, sofredores e pecadores.(5)

 

Francisco de Castro descreve-nos como João de Deus, no dia da sua conversão, de livreiro pobre que era, se desfez de tudo o que tinha para se fazer um seguidor de Jesus Cristo.

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Diz ainda:

 

 

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(4)   Cfr. SANCHEZ MARTINEZ, José, in Kénosis y Diaconia en ele itinerário espiritual de San Juan de Dios. Madrid, 1995.

(5)   Cfr. 2ª Carta de João de Deus a Guterres Lasso (2GL), 5. Estas listas não são exaustivas.

Castro, no capítulo XVI, tem intenção de acrescentar outros necessitados. O Santo assistiu pessoas sofredoras de males morais mais agudos. Conhecemos a sua solicitude e misericórdia para com as prostitutas, os presos, os marginalizados, os mouros e, provavelmente, os «cristãos novos», de origem judia, os escravos e outros excluídos sociais, como os doentes incuráveis.

 

«Andava sempre descalço, tanto na cidade como em todas as suas viagens, com a cabeça descoberta, com a barba e o cabelo rapados à navalha, sem camisa nem outro vestido mais do que um capote de burel apertado com um cinto e uns safões de estamenha.

Andava sempre a pé, sem nunca usar cavalgadura, tanto nas viagens como fora delas, por mais cansado e ferido dos pés que estivesse. Quer chovesse quer nevasse, nunca cobriu a cabeça, desde o dia em que começou a servir a Nosso Senhor, até que Ele o chamou para Si.

Contudo, compadecia-se dos mais ligeiros sofrimentos dos seus próximos e procurava remediá-los, como se ele próprio vivesse em grandes comodidades» .(6)

A sua primeira casa começou por ser muito pobre para acolher outros pobres como ele.

Castro conta-nos isso em poucas palavras:

«Resolvido João de Deus a procurar deveras o alívio e remédio dos pobres, falou com algumas pessoas devotas, as quais o tinham ajudado nos seus trabalhos e, com a sua ajuda e entusiasmo, alugou uma casa na Peixaria da cidade, por ser perto da praça de Bivarrambla, de onde recebia, como doutras partes, os pobres desamparados, doentes e entrevados, que encontrava.

Comprou algumas esteiras de junco e algumas mantas usadas, para dormirem, porque ainda não tinha dinheiro para mais, nem outro remédio a fazer» .(7)

 

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(6)   CASTRO,  op. cit., Capítulo XVII

(7)    Ibid., Capítulo XII.

Podemos afirmar que S. João de Deus se encarnou nos pobres e nos doentes como qualquer um deles, acolhendo-os e acudindo às suas necessidades. Curou-os, apesar das suas limitações, com as riquezas do carisma da hospitalidade que Deus lhe deu. Nunca se negou a ajudar os necessitados com tudo o que podia dispor na sua pobreza.

 

3.1.3. Hospitalidade de comunhão

 

19.  Intermediário entre ricos e pobres, entre categorias de opulentos e necessitados e desprezados, S. João de Deus praticou a hospitalidade de comunhão.

Com S. João de Deus a recolha de esmolas converteu-se num património e numa riqueza espiritual da Ordem, da qual não se pode prescindir, embora esta tenha adaptado os seus métodos a cada época e cultura.

É necessário considerá-la como circulação de bens para a construção solidária e espiritual da sociedade.

Quando gritava de noite pelas ruas «fazei o bem, irmãos, a vós mesmos, por amor de Deus», queria inquietar e provocar as consciências a não dormir sobre as misérias dos seus irmãos; pedia e dava numa reciprocidade dinâmica.

Convidava a praticar a comunicação cristã de bens.

Quando escrevia cartas agradecendo as ofertas recebidas e contando a dor que sentia pelos sofrimentos dos miseráveis que não podia assistir sozinho, e quando pedia continuamente dinheiro emprestado que pagava com dificuldade, queria construir uma comunidade de comunhão na qual todos se sentissem irmãos – amados, ajudados e perdoados por Deus, como ele se sentia.

Sabia que se todos tivessem tido uma experiência profunda da misericórdia de Deus, como ele a queria, a Igreja e a sociedade ter-se-iam tornado realmente na família dos filhos de Deus habitados pela vida e pela comunhão divina, superando as necessidades dos necessitados.

 

3.1.4. Hospitalidade criativa

 

20.           Numa cidade com quase dez hospitais e casas para os pobres, é incrível como a sensibilidade de S. João de Deus tenha descoberto tantos necessitados e doentes abandonados. E surpreende ainda mais como conseguiu abrir um espaço novo na maneira de praticar a hospitalidade. Antecipou-se aos que tinham a responsabilidade de o preceder na resolução dos problemas dos doentes, dos pobres e dos necessitados.

A sua hospitalidade era uma resposta dada aos que não a encontravam (abandonados) e às necessidades novas que não despertavam a sensibilidade da sociedade (sofredores devido a culpas, ódio ou vinganças).

S. João de Deus via todo o sofrimento, o do corpo e o do espírito.(8)

 

3.1.5.  Hospitalidade integral

 

21.       Podemos afirmar que um dos valores característicos da hospitalidade joandeína é o carácter integral dos cuidados dirigidos a toda a pessoa que sofre. Para João de Deus, o doente e o necessitado não eram apenas um corpo e uma alma, pecador ou pecadora, mentiroso ou indigno.

 

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(8)  Cfr. 2.ª Carta de S. João de Deus a Guterres Lasso (2GL), 8

Todos eram pessoas, seus irmãos e irmãs, todos dignos de serem ajudados e perdoados por ele e pelos seus colaboradores. E porquê? Porque o mesmo faz Deus providenciando cada dia às necessidades de todos,(9) perdoando e salvando.(10)

E porque vê-los sofrer lhe despedaçava o coração.(11)

 

A hospitalidade de S. João de Deus, diríamos hoje, era ao mesmo tempo preventiva e de emergência, curativa e reabilitadora; curava os curáveis e acompanhava os incuráveis.

Além disso, era pedagógica e formativa para os órfãos, as crianças expostas e as prostitutas e para aqueles que ajudava a libertar-se das suas culpas, a construir e levar por diante um projecto de formação e de inserção social. No seu hospital oferecia cama e comida, calor e locais para acolher os peregrinos, medicamentos, médicos, capelães  e ajudas espirituais para os doentes.(12)

A prática hospitaleira de S. João de Deus mostra-nos que o provérbio chinês – se deres a um homem um peixe, sacia-lo por um dia; se lhe deres uma cana de pesca, ele terá de comer para toda a vida – é uma questão falsa, quando se interpreta como dilema exclusivo (ou... ou...).

A hospitalidade para socorrer os que sofrem e os necessitados tem de ser sempre e... e..., segundo as circunstâncias do lugar, do tempo e das pessoas.

 

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(9)    1.ª Carta de S. João de Deus a Guterres Lasso (1GL), 2.

(10)  Carta de S. João de Deus a Luís Baptista (LB), 19.

(11)  1DS, 15

(12) Desde o Capítulo XII até ao Capítulo XX da sua Biografia, CASTRO ilustra bem estas diversas dimensões da hospitalidade joandeína

3.1.6.  Hospitalidade reconciliante

 

22.    S. João de Deus era compreensivo e tratava a todos – pecadores, opressores e oprimidos – como Deus o tratava a ele: perdoava e ajudava, assistia e curava as feridas físicas e morais.

Muitas vezes cuidava primeiro das feridas morais e espirituais, como condição para alcançar a harmonia e a cura das enfermidades do corpo.

Num mundo tão dividido e dilacerado por tantas ideologias, por fundamentalismos e discriminações étnicas que geram ódio, ressentimentos e desejos de vingança, a capacidade de S. João de Deus de perdoar, de reconciliar e de construir pontes de fraternidade merece ser estudada e vivida pela Família Hospitaleira.

Entre todos os seus assistidos e os seus colaboradores, ele era um verdadeiro médico de feridas, de tensões e de conflitos.

Como Cristo, também ele curava as chagas.

 

Os seus biógrafos fazem notar como ele se sentia ferido pela separação dos seus pais, pela saudade e pelas frustrações da vida militar; mas, principalmente, pelas suas culpas, pelas injúrias sofridas, pelo sofrimento causado por tantas dívidas contraídas para ajudar os pobres e os doentes, seus irmãos.

Estas experiências de feridas existenciais convertiam-no num hospitaleiro especializado em curar e reconciliar entre si inimigos que, depois, chegavam a tornar-se seus colaboradores, como aconteceu com Antão Martim e muitos outros.

À sua benfeitora, a Duquesa de Sesa, dizia que se curava com as feridas de Cristo crucificado e aconselhava-a a que fizesse o mesmo:

 

«Não encontro melhor remédio nem consolação, para quando me encontro aflito, do que olhar e contemplar a Jesus Crucificado».(13)

«Recorrei à Paixão de Nosso Senhor Jesus Cristo e... sentireis grande consolação».(14)

 

Foi assim que conseguiu que Antão Martim perdoasse e se reconciliasse com Pedro Velasco e pôde conquistá-los a ambos para que fossem colaboradores directos da sua hospitalidade, como primeiros Irmãos da Ordem.

E unido à paixão de Cristo, nas sextas-feiras, cuidava das feridas da prostituição de muitas mulheres destruídas por aquele género de vida.

Pelo seu carisma de hospitalidade misericordiosa perdoou à mulher que tirou da prostituição e que o injuriava: «Cedo ou tarde, tenho que te perdoar. Por isso, perdoo-te desde já».(15)

E assim converteu-a uma segunda vez, como ela mesma deu testemunho durante o funeral do santo.

Quando o acusavam perante o arcebispo de acolher gente indigna na sua «Casa de Deus», declarou ser ele o único indigno e que «já que Deus tolera maus e bons, e, diariamente faz nascer sobre todos o seu sol, não haverá razão para despedir os desamparados e aflitos, da sua própria casa».(16)

 

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(13)    2DS., 9.

(14)   1DS, 10

(15)   CASTRO, ibid. , Capítulo XV.

(16)   CASTRO, ibid., Capítulo XX.

3.1.7. Hospitalidade geradora de voluntários e colaboradores

 

23.    O amor misericordioso sem fronteiras de S. João de Deus tinha uma vitalidade tão forte que gerava amor, caridade cristã e colaboração; era uma hospitalidade luminosa, um carisma cada vez mais participado.

 

Esta força carismática recebida de Deus, à qual S. João de Deus foi fiel, converteu o santo num facho de luz hospitaleira em diversos níveis de solidariedade e colaboração com ele na ajuda aos pobres e doentes.

 

Podemos distinguir vários níveis de colaboradores: os que ajudavam com acções ou esmolas pontuais, e os que se converteram em colaboradores permanentes, como Angulo e muitos outros citados nas suas cartas, por Castro, e na documentação do Processo contra os frades Jerónimos.

 

Alguns abraçaram o voluntariado joandeíno até à total pertença na identificação com o seu carisma.

 

Entre os mais estreitos colaboradores contam-se os primeiros companheiros ou Irmãos de hábito, os benfeitores mais identificados com o seu carisma que fizeram própria a obra de S. João de Deus.

E este sentimento de pertença ao hospital e à sua obra joandeína gerava, por sua vez, uma forte dinâmica de solidariedade.

 

 

Esta identificação com o carisma levava muitos dos seus colaboradores a defenderem a sua originalidade com bens e pessoas.(17)

Esta identidade de pertença à Família de S. João de Deus continua a ser um modelo válido para o presente e o futuro.

 

3.1.8. Hospitalidade profética

 

24.    Uma das características mais originais da Hospitalidade de S. João de Deus foi a profecia.

Sem meios, um estrangeiro imigrante com fama de louco, entregando-se totalmente a Jesus Cristo e aos que sofrem, abriu caminhos novos na Igreja e na sociedade.

As suas atitudes hospitaleiras surpreenderam, desconcertaram, mas funcionaram como faróis para indicar caminhos novos de assistência e humanidade para com os pobres e doentes.

A partir do nada, criou um modelo alternativo de ser cidadão, cristão, hospitaleiro a favor dos mais abandonados.

Esta hospitalidade profética foi um fermento de renovação na assistência e na Igreja.

O modelo joandeíno funcionou também como consciência crítica e guia sensibilizadora para atitudes novas e práticas de ajuda aos pobres e marginalizados.

 

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(17)  Esta solodariedade identificadora é bem visível nas CARTAS a Guterres Lasso e à Duquesa de Sesa, na Biografia de CASTRO e nos testemunhos do Processo e refere-se a dezenas de colaboradores.

 

3.2. A hospitalidade ao longo da história da Ordem

 

 

3.2.1. A hospitalidade joandeína desde os primeiros companheiros e através dos séculos

 

25.    Os primeiros Irmãos(18), que foram companheiros de S. João de Deus, participaram no seu carisma hospitaleiro, praticaram-no e difundiram-no. O acto de fundação do hospital Antão Martim de Madrid fala do estado de necessidade de «doentes com chagas contagiosas».

Antão Martim, no seu testamento, afirma que João de Deus o deixou como guia do seu hospital, no seu lugar, como ele mesmo.(19)

Os seus companheiros são recordados pelas testemunhas como hospitaleiros muito próximos no seu serviço aos pobres e aos doentes que assistem.

A pessoa de João, humilde, pobre e humilhada no seu esvaziamento voluntário (kénosis), renunciando a toda a grandeza para se situar ao nível dos pobres e para os servir, continua a ser o modelo para os seus companheiros e colaboradores.

 

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(18)  No Processo contra os Jerónimos (Cfr. SANCHEZ, op. cit.), anterior à biografia de CASTRO, fala-se muito das atitudes hospitaleiras dos Irmãos de hábito de S. João de Deus.

João de Ávila (Angulo) dá-nos os seus nomes: Antão Martim, Pedro Pecador, Alonso Retigano e Domingos Benedicto.

(19)  ORTEGA LÁZARO, L. Antón Martín ... pp. 17-18 e 31

As testemunhas dos primeiros anos da Ordem são unânimes em declarar que «os Irmãos recebiam com muita caridade e abertura a todos os pobres sem excepção, quer fossem estrangeiros quer gente do lugar, curáveis ou não, loucos ou sãos de mente, crianças e órfãos.

E faziam isto imitando o seu fundador, João de Deus. Recebiam a todos, tanto os mouros como os cristãos velhos». (20)

 

Depois desta primeira etapa da Ordem Hospitaleira, ao longo de quase cinco séculos de história os Irmãos e colaboradores joandeínos, os que já faleceram e os que vivem ainda hoje, uns famosos e outros que passaram despercebidos, deram um precioso testemunho de fidelidade ao carisma da hospitalidade.(21)

Por outro lado, desde as primeiras décadas da existência da Ordem, a assistência nos campos de batalha, nos exércitos e entre os militares, mesmo em tempo de paz, converteu-se numa presença constante de serviço hospitaleiro da Ordem em Espanha, Itália, Portugal e França.

 

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(20)  Declarações no Pleito entre os Irmãos do «hospital de João de Deus» e «os frades e convento do mosteiro de S. Jerónimo, 1572-73, in SANCHEZ MARTINEZ, José, op.cit. pp. 181-188 e 285 ss.

 

(21)  Consideramos importante dar a conhecer, mesmo só em parte, algumas fi-guras de Irmãos que se notabilizaram nos valores da hospitalidade.

Os santos, beatos e veneráveis merecem ser recordados em primeiro lugar: S. João Grande, S. Ricardo Pampuri, S. Bento Menni e muitos Beatos mártires. Entre os veneráveis e os que têm as suas causas de beatificação já iniciadas, contam-se: Francisco Camacho, Antão Martim, José Olallo Valdés, Eustáquio Kugler e um grupo de mártires, além de muitos outros que na história de Ordem sofreram o martírio e a perseguição por Cristo e pela Hospitalidade no Brasil, Colômbia, Chile, Polónia, Filipinas, França, Espanha e, recentemente, também noutros países.

A acção da Ordem articulou-se em outras duas expressões de hospitalidade: uma o serviço de emergência, em caso de epidemias e nos hospitais em territórios de missão – alguns deles converteram-se em «hospitais-escolas» (22); a outra, que se desenvolveu em vários países, foram as escolas de medicina e cirurgia e os cursos para enfermeiros, com o fim de preparar os membros e os colaboradores da Ordem.

Nos séculos XIX e XX, com a psiquiatria que se converteu num ramo especializado da medicina, a Ordem sensibilizou-se em fundar e administrar Obras Apostólicas específicas para doentes mentais.

 

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Muitos Irmãos «fundadores» e «restauradores» de comunidades e obras da Ordem merecem ser mais conhecidos como figuras vivas de vitalidade e de valores do nosso carisma, como os Irmãos João Bonelli (França); Gabriel Ferrara e João Baptista Cassinetti (Itália e Alemanha); Francisco Hernández (América). Em épocas mais recentes vale a pena recordar os seguintes nomes: Pe. João Maria Alfiei (Itália), Paulo de Magallon (França), Eberhard Hacke e Magnobon Markmiller (Alemanha), e S. Bento Menni  (Espanha, Portugal e México).

A nível de investigação histórica têm um papel destacado alguns Irmãos, que com amor pela Ordem e com espírito científico, nos permitem conhecer hoje o passado do nosso carisma.

Outros Irmãos ilustres destacaram-se como médicos, cirurgiões, farmacêuticos, botânicos, dentistas; mas seria impossível mencioná-los a todos. Neste mesmo documento, dedicado ao tema da formação e à investigação na Ordem, referimos alguns outros nomes, no capítulo sexto, nota 11.

A estes Irmãos que foram profetas da Hospitalidade, deveríamos acrescentar os colaboradores que, ao longo da história, colocaram os seus valores e capacidades ao serviço da Ordem.

(22)       ANTIA, Juan Grande, in: Labor Hospitalario-Missionera de la Orden de S. Juan de Dios en el mundo, fuera de Europa», AA.VV., Madrid, 1929.

«Os Irmãos Hospitaleiros, desde Filipe II até Fernando VII, foram automaticamente responsáveis pela saúde dos militares, especialmente nas expedições à Índia e no tempo de guerras e epidemias.

Na França este desenvolvimento foi notável graças a Paul de Magallon, no século XIX, com a restauração da Ordem depois da Revolução de 1798; e, em Portugal, Espanha e América, graças a S. Bento Menni.

Depois das restaurações do século XIX, outras Províncias (alemã, polaca, austríaca e italiana) fundaram obras exclusivamente para doentes mentais e deficientes psíquicos – crianças, jovens e adultos.

As Províncias da Irlanda, Inglaterra e Ásia-Austrália especializaram-se em promover serviços para deficientes psíquicos e deram um importante contributo ao diferenciá-los das pessoas diagnosticadas como doentes mentais e ao mudar a terminologia aplicada aos mesmos, com o fim de sublinhar a sua dignidade e os seus direitos como pessoas.

 

A assistência às crianças e aos jovens deficientes físicos foi uma resposta de S. Bento Menni na Espanha, tão urgente até há poucos anos e que encontra hoje expressões nalguns hospitais gerais pediátricos de vanguarda e em Centros de reabilitação.

Uma expressão do carisma de S. João de Deus que se desenvolveu nas últimas décadas são: os abrigos nocturnos para pessoas sem abrigo; os Centros para pessoas idosas; e os Centros para pessoas com dificuldades de aprendizagem ou deficientes psíquicos.

 

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Mais de cem Hospitais-Escolas que tinham na América, nos quais se curavam espanhóis, militares e indígenas, e que em cada um deles tinham uma numerosa e bem servida Escola de índios, tinham também farmácias e clínicas ou dispensários para socorro e remédio de todos.

Nos seus Hospitais-Escolas os índios encontravam, além disso, não só a saúde para o corpo, mas também para a alma; os fervorosos Filhos de S. João de Deus foram sempre fiéis ao axioma herdado do seu Fundador e dos seus antepassados, e que sempre continua válido para  um bom hospitaleiro: pelos corpos às almas».

Um dos aspectos que a Ordem sempre desenvolveu foi a dimensão missionária.

Pode-se dizer que a expansão missionária da Ordem começou quando ela surgiu.

A fundação em Cartagena (Colômbia), em 1596, foi a primeira das muitas que se foram criando na América, África e Ásia até ao século passado.

Depois da época em que a Ordem foi extinta, restauraram-se as missões na América, África, Ásia e Oceânia.

A Ordem quer levar por diante hoje a evangelização do mundo da saúde tal como fez S. João de Deus e como Jesus Cristo nos ensina.

 

3.2.2. Presença actual

 

26.    As exigências da Nova Evangelização que a Igreja manifesta no início do III milénio, levaram a Ordem a responder com a apresentação de uma Nova Hospitalidade. A «nova hospitalidade» deve expressar-se em dois sentidos: em obras de inovação na comunidade e em novas respostas às carência existentes.

A partir do Capítulo Geral de 1976 e, mais ainda, a partir do Capítulo Geral Extraordinário de 1979, a Ordem realizou um esforço considerável para renovar a assistência. Foram diversas as áreas de desenvolvimento e vale a pena recordar as principais.

A humanização e a pastoral conheceram nestes últimos vinte anos uma revitalização muito necessária para complementar os grandes progressos técnicos dos hospitais e para responder aos sofrimentos concretos dos doentes e dos seus familiares.

A assistência joandeína foi sempre integral (holística), incluindo sempre a solicitude pastoral e espiritual, actualizada.

A dimensão humanizadora e pastoral juntamente com a necessária formação permanente dos Irmãos e dos colaboradores, pode renovar a presença da Ordem nos Centros tradicionais, tornando-se elementos de apoio para uma nova hospitalidade e uma nova evangelização.

Nos últimos anos completou-se a humanização com a formação em bioética, em ética da saúde e com a sua aplicação ao serviço dos doentes.

A modernização da estruturas com base nas novas necessidades e exigências técnicas e humanas, juntamente com novos critérios de gestão, estabelecendo a prioridade dos recursos e seguindo programas bem definidos, contribuíram para renovar muitos dos nossos hospitais e Centros.

A evolução verificada nos nossos Centros tradicionais afectou todas as áreas.

As inovações tecnológicas no âmbito das ciências da saúde reflecte-se nas mudanças contínuas que se realizam nos nossos Centros. As suas estruturas materiais registaram muitas mudanças devido à introdução de equipas técnicas, à evolução das técnicas assistenciais e aos novos métodos de trabalho, sobretudo o trabalho em equipa, com várias especialidades.

Tudo isso tem por fim atender melhor e de uma forma mais global o doente como pessoa.

A mudança mais significativa foi a da integração dos colaboradores.

Até há pouco tempo a comunidade dos Irmãos, com o apoio de alguns leigos, tornava possível o serviço aos doentes. Hoje em dia, os colaboradores são as actores principais nas obras e não há áreas em que eles não estejam presentes, desempenhando mesmo cargos de grande responsabilidade na direcção e na gestão.

Juntamente com os colaboradores-empregados, nos nossos Centros está a ser integrado um número cada vez maior de voluntários que desenvolvem tarefas de humanização e de serviço pastoral.

Esta presença renovada e actualizada nos Centros está a dar excelentes resultados, sobretudo graças à formação.

Desta maneira, o futuro das obras passa, em parte, pela actualização constante dos instrumentos técnicos, dos métodos de trabalho e de direcção e gestão, mas também pelos meios técnicos de comunicação e informatização mais modernos.

Também se está a desenvolver a área da investigação científica com programas que às vezes se levam a cabo com a colaboração de departamentos universitários competentes.

Os Irmãos deverão ser guias ético-morais, tornar-se consciência crítica, antecipação criadora e inovadora, e sinal profético da boa nova para os pobres, os doentes e os necessitados de hoje, de todas as culturas e religiões.

 

3.2.3. Novas formas de presença

 

27.    Desde há vários anos as expressões inovadoras na Ordem derivam da sensibilização para as novas necessidades da sociedade e para respostas inovadoras para as novas necessidade existentes a partir do nosso carisma.

Nalguns casos recorre-se a expressões já presentes na prática de S. João de Deus: uma maior abertura à comunidade social, às famílias e às suas necessidades.

 

A nossa hospitalidade sai cada vez mais dos hospitais e dos Centros assistenciais e estende-se à prevenção e educação da saúde, à reabilitação, à reinserção social e à saúde comunitária.

S. João de Deus ocupava-se com zelo dos órfãos, da sua educação e formação, da reinserção social das prostitutas, etc.

 

Deste modo a Ordem está hoje alargando o seu campo de acção aos centros abertos ou hospitais de dia (day-hospital), à assistência ao domicílio, aos poli-ambulatórios. Procura também encontrar soluções assistenciais para ajudar os novos doentes: drogados, doentes de SIDA, doentes terminais, etc.

 

Os sofrimentos causados pela solidão, pelo abandono, pelo desespero e pelo vazio existencial encontram recursos nos «telefones da esperança», na publicação de boletins e folhetos de mensagens humanas e cristãs, em revistas sobre temas de reflexão, de formação ética e hospitaleira.

 

Um dos caminhos através do qual a Ordem tenta responder às novas necessidades da sociedade é a integração de Irmãos e colaboradores em obras, projectos e iniciativas da Igreja e de outros organismos nacionais e internacionais no campo da saúde, da investigação científica e da assistência.

Estas realizações verificam-se entre grupos de uma ou mais Províncias, entre as suas fundações ou associações, em colaboração com Organizações Não-Governamentais (ONG), com governos de outros países, sobretudo em vias de desenvolvimento.

 

O carisma de S. João de Deus é tão rico e tem tanta vitalidade que quando a Ordem, os Irmãos e os colaboradores se deixam guiar pelo Espírito de Deus e se sensibilizam para as necessidades que emergem na sociedade, a hospitalidade torna-se uma presença eficaz, mesmo quando os recursos humanos e espirituais parecem insuficientes.

 

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Para a reflexão:

 

Como é que a Ordem (Irmãos e Colaboradores) está a recriar as características principais da hospitalidade?

 

 

PONTOS

FORTES

PONTOS

FRACOS

CARÊNCIAS,

SUGESTÕES

1)       Hospitalidade misericordiosa

 

 

 

2)       Hospitalidade solidária

 

 

 

3)       Hospitalidade de comunhão

 

 

 

4)       Hospitalidade criativa

 

 

 

5)       Hospitalidade integral

 

 

 

6)       Hospitalidade reconciliante

 

 

 

7)       Hospitalidade geradora de Vo-luntariado e Colaboradores

 

 

 

8)       Hospitalidade profética

 

 

 

 


 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

4

PRINCÍPIOS

QUE ILUMINAM

A NOSSA HOSPITALIDADE

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 


 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

28.    Acolhendo o chamamento da Igreja a ser cada vez mais consciente da missão evangelizadora de todos os grupos e obras eclesiais, ao projectar a nova Hospitalidade, a Ordem sente-se comprometida a desenvolver claramente a sua identidade, à luz do que denominamos a «Cultura da Ordem».

Nesta cultura hospitaleira estamos comprometidos todos, Irmãos e Colaboradores, encarnando na nossa acção os princípios que iluminam a nossa hospitalidade. Vamos seguidamente desenvolver cada um destes princípios.

 

4.1.  A dignidade da pessoa humana

 

4.1.1. O respeito pela dignidade da pessoa humana como característica essencial da atitude verdadeiramente cristã

 

29.    O facto de o homem e a mulher terem sido criados à imagem de Deus (Gn 1, 27) confere-lhes uma dignidade indiscutível.

De todos os seres vivos, o ser humano é o único semelhante a Deus, chamado à comunicação com Ele, que pode ouvir e responder a Deus.

A dignidade de todo o ser humano perante Deus é o fundamento da sua dignidade diante dos homens e de si mesmo.

É esta a razão última da igualdade e fraternidade fundamental entre todos os homens, independentemente da sua raça, povo, sexo, origem, formação e classe social. É esta a razão pela qual um ser humano não pode utilizar um outro ser humano como uma coisa; pelo contrário, deve tratá-lo como um ser autónomo e responsável por si mesmo e demonstrar-lhe respeito.

Da dignidade do ser humano perante Deus deriva também o direito e o dever da auto-estima e do amor a si próprio.

Por conseguinte, devemos considerar-nos um valor para nós mesmos e assumir responsavelmente o cuidado da nossa saúde.

Da dignidade de todo o ser humano perante Deus deriva também o dever de amar o próximo como a nós mesmos e que a vida do ser humano é sagrada e inviolável, principalmente porque no rosto de todo o ser humano resplandece a glória de Deus (Gn 9, 6).

 

4.1.2. O respeito tem de ser universal.

 

30.    O respeito da dignidade da pessoa humana criada à imagem de Deus exige que todos, sem excepção, devem considerar cada uma das outras pessoas como um «outro eu», cuidando em primeiro lugar da sua vida e dos meios necessários para que possam vivê-la dignamente.(1)

Exige também que se afirme a dignidade de todo o ser humano, quaisquer que sejam as anomalias de que padeça, as limitações que tenha ou a marginalização social a que se veja reduzido.

O respeito da dignidade da pessoa humana criada à imagem de Deus está latente na filosofia e na crescente consciência internacional relativamente ao amplo leque dos direitos humanos.

 

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(1)  VATICANO II, Constituição Pastoral Gaudium et Spes (GS), n. 27

O carácter universal de respeito pela dignidade humana explicita-se na afirmação de Kant, segundo a qual as pessoas têm um valor absoluto, são fins por si mesmas, dotadas de dignidade e não intercambiáveis por um preço.

O corolário ético seria que, enquanto pessoas, todos os homens são iguais e merecem a mesma consideração e respeito. A dignidade é inerente ao ser humano pelo facto de ele ser sujeito de direitos e deveres.(2)

 

4.1.3. Atitude profunda e conduta eficaz de acolhimento para com os doentes e os necessitados

 

31.    Dado que o valor e a dignidade humana ficam mais facilmente questionados e comprometidos no sofrimento, na debilidade ou na morte, a Ordem Hospitaleira, ao atender o doente como tal e os necessitados, dá um testemunho do que significa e vale o ser humano e transmite a todos os homens a maravilhosa herança de fé e esperança que recebeu do Evangelho.

As atitudes de Jesus em favor dos mais fracos e dos marginalizados da sociedade, são para a Ordem Hospitaleira, segundo o exemplo de S. João de Deus, uma chamada permanente ao compromisso na defesa e promoção dos seus direitos fundamentais, baseando-se no respeito da dignidade humana.

 

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(2)  O conceito de dignidade humana e dos direitos das pessoas aparecem intimamente unidos à Declaração Universal dos Direitos Humanos, 1948; no Pacto Internacional sobre os Direitos Económicos, Sociais e Culturais, 1996; no Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos, 1996; e no recente Congresso sobre Direitos Humanos e Biomedicina, 1997.

Tendo em conta a variedade de formas através das quais a Ordem exprime actualmente o seu carisma, parece-nos que existem alguns campos que, na perspectiva da nova Hospitalidade, são sinais evangélicos especialmente significativos, nomeadamente:

§         As pessoas «sem-abrigo»: como expressão da dimensão de gratuitidade, quase negada na nossa sociedade da eficiência e da produtividade.

§         Os doentes na fase terminal da vida: acolhidos e acompanhados nos «hospícios» ou Estabelecimentos de cuidados paliativos, como lugares que marcam o valor da vida no momento da morte.

§         Os doentes de SIDA: para contrastar medos e preconceitos irracionais.

§         Os tóxicodependentes: para amar o homem que não sabe amar.

§         Os emigrantes: para acolher Jesus estrangeiro como genuína expressão da Hospitalidade.

§         Os idosos: para afirmar o valor da vida na sua globalidade.

§                  As pessoas doentes e as sujeitas a limitações crónicas: como expressão do valor e da dignidade da Pessoa humana.

 

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Se bem que nestas declarações não esteja bem claro em que consiste e em que se baseia a dignidade humana, todas elas a reconhecem como inerente a todo o ser humano e reconhecem também os direitos iguais e inalienáveis de todos os membros da família humana como fundamento da liberdade, da justiça e da paz no mundo.

Todos os lugares onde exista a pobreza, a doença ou o sofrimento são privilegiados para que nós, Irmãos e Colaboradores de S. João de Deus, exercitemos e vivamos o Evangelho da misericórdia.(3)

 

4.2.  Respeito pela vida humana

 

4.2.1.   A vida como bem fundamental da pessoa e condição prévia para desfrutar dos outros bens

 

32.    Não pode estar subordinada a nenhum outro bem, e toda a pessoa deve ser reconhecida com direitos iguais aos das outras pessoas.

O dever de realizar-se, característico de todo o homem – pressupõe que se conserve o bem radical da vida, como condição sine qua non para poder cumprir o dever de conservar a missão recebida com o ser, independentemente da maneira como este princípio ético for formulado: conseguir o fim para o qual fomos criados, tender para a própria perfeição ou realização solidária de si mesmo em sociedade.

A vida humana que, para os crentes, é um dom de Deus, deve ser respeitada desde o seu começo até ao seu fim natural.

 

Sendo o direito à vida inviolável e o fundamento mais sólido tanto do direito à saúde como dos outros direitos pessoais, nenhuma consideração justifica o recurso ao aborto ou à eutanásia activa.

 

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(3)  Cfr. LXIII CAPÍTULO GERAL, A Nova Evangelização e a Hospitalidade no limiar do terceiro milénio, Bogotá, 1994, § 5.6.1.

 

4.2.2. Protecção e promoção das pessoas com deficiências físicas, mentais e psicológicas

 

33.    Em toda a pessoa deficiente, física ou mentalmente, havemos de ver um membro da comunidade humana, um ser que sofre e que, mais do que qualquer outro, necessita do nosso apoio e dos nossos sinais de respeito que a ajudem a acreditar no seu valor de pessoa.

 

Isto é muito importante nos nossos dias porque a nossa sociedade se demonstra cada vez mais intolerante para com os deficientes, incapazes ou inválidos (diminuídos).(4)

 

A Ordem Hospitaleira deve esmerar-se e distinguir-se na disponibilidade e no serviço para obter, na medida do possível, a realização prática e efectiva dos princípios de integração, normalização e personalização.

O princípio de integração opõe-se à tendência para isolar, segregar ou descuidar os deficientes.

O princípio de normalização implica o esforço de reabilitação das pessoas deficientes, criando o ambiente mais normal possível.

 

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(4)   A OMS indica como deficiência a perda ou a anomalia de uma estrutura ou função psicológica, fisiológica ou anatómica. Uma incapacidade é a diminuição ou a falta da capacidade de levar a cabo uma actividade de maneira, ou com o rendimento, que se consideram normais. Uma diminuição física é uma desvantagem que tem um determinado indivíduo, produzida por deficiência ou incapacidade, ou que limite ou impeça o desempenho de uma actividade normal por parte desse indivíduo – tendo em conta a idade, o sexo e os factores culturais e sociais. (Alastair Anderson, Simplesmente outro ser humano, Saúde Mundial, 34, Janeiro 1981: 6).

O princípio de personalização sublinha que, na atenção aos deficientes, a dignidade, o bem-estar e o desenvolvimento da pessoa em todas as suas dimensões ocupam o primeiro lugar, devendo-se proteger e promover as suas faculdades físicas, psíquicas, espirituais e morais.

 

4.2.3. Promover a vida, criando ou colaborando na criação de instâncias que ajudem a superar a miséria, a fome, a doença

 

34.    Na nova evangelização da Ordem Hospitaleira tem de ser visível o Evangelho da vida, reforçando todos os esforços que se fazem para eliminar estruturas injustas e desumanizadoras, e para criar possibilidades de vida digna onde existem a pobreza, a doença, a marginalização ou o abandono.

 

Em virtude do seguimento de Cristo segundo o carisma de S. João de Deus, o apoio e a promoção da vida humana devem realizar-se mediante o serviço de caridade que se manifesta no testemunho pessoal e institucional, nas diversas formas de voluntariado, na animação social e no compromisso político.

O serviço de promoção da vida deve estender-se desde a protecção da vida nascente até ao acompanhamento fraterno de todo aquele que sofre devido à sua doença, marginalização ou necessidade, respeitando, defendendo e promovendo a sua dignidade de pessoas.

 

Uma atenção especial merecem as pessoas na fase final da vida.

 

O serviço de promoção da vida deve ser manifestado no desenvolvimento de actividades no campo da prevenção, no tratamento da invalidez e da reabilitação de pessoas deficientes.

 

Neste sentido, nunca será suficiente o que se faz para ajudar os deficientes a participarem plenamente na vida e no desenvolvimento da sociedade a que pertencem, para criar um ambiente social que os aceite plenamente como membros da comunidade, embora com necessidades especiais que devem ser satisfeitas.

 

4.2.4. Obrigação e limites na conservação da própria vida

 

35.    A vida é um bem fundamental da pessoa e a condição preliminar para desfrutar dos outros bens, mas não é, porém, um bem absoluto.

A vida pode ser sacrificada em favor dos outros, ou de ideais nobres, que dão sentido à mesma vida.

A vida, a saúde, e todas as actividades temporais, estão subordinadas aos fins espirituais.

 

Negamos o domínio absoluto e radical do homem sobre a vida.

     Não podemos realizar actos que pressupõem um domínio total e independente, como seria, por exemplo, o de destruí-la.

Paralelamente, podemos afirmar o domínio útil sobre a própria vida, conservando-a, mas não a qualquer preço.

 

A vida é sagrada, certamente; mas é importante a qualidade da vida, isto é, a possibilidade de viver humanamente com sentido.

Não existe o dever de conservar a vida com métodos artificiais, em condições particularmente penosas.

Nem todos os tratamentos que prolongam a vida biológica resultam humanamente benéficos para o doente como pessoa.

Os indivíduos não têm o dever de aceitar meios desproporcionados para preservar a vida.

Em cada caso poder-se-á ponderar se os meios são proporcionados ou desproporcionados para esse fim, tendo em conta as condições físicas ou morais do doente, e pondo em comparação o tipo de terapia, o grau de dificuldade e de risco que ela comporta, se existe uma razoável confiança no êxito, e ainda o nível de qualidade humana (na perspectiva do doente) da vida conservada, o tempo de sobrevivência, as incomodidades (próprias e familiares) que o tratamento acarretar e os custos.

 

4.2.5. Obrigação de não atentar contra a vida dos outros

 

36.    A vida humana é sagrada, porque desde o seu início é fruto da acção criadora de Deus e mantém-se sempre numa relação especial com o Criador, que é o seu único fim.

Deus é o Senhor da vida, desde o seu começo até ao seu termo.

Ninguém, em nenhuma circunstância, pode arrogar-se o direito de matar de modo directo um ser humano.(5)

 

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(5)  Cfr. JOÃO PAULO II, Evangelium Vitae (EV), 5.

 

Tendo presente que no carisma hospitaleiro toda a pessoa deve ser acolhida, a Ordem manifesta-se contra a pena de morte em qualquer circunstância.

A eutanásia, em sentido propriamente dito – isto é, como acção ou omissão que, pela sua natureza provoca intencionalmente a morte, com o fim de eliminar qualquer dor –, é uma grave violação da Lei de Deus.

«A tentação da eutanásia aparece como um dos sintomas mais alarmantes da ‘cultura de morte’ que se difunde sobretudo nas sociedades do bem-estar».(6)

 

4.2.6. Obrigações em ordem aos recursos da biosfera

 

37.    A protecção da integridade da criação está latente no crescente interesse pelo meio ambiente.

 

O equilíbrio ecológico e um uso sustentável e equitativo dos recursos mundiais são elementos importantes de justiça para com todas as comunidades da nossa actual «aldeia global»; e são também matéria de justiça para com as futuras gerações, que herdarão a Terra que lhe vamos deixar.

A exploração desenfreada dos recursos naturais e do meio ambiente degrada a qualidade de vida, destrói culturas e leva os pobres à miséria.(7)

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(6)   Cfr. Ibid. EV, 64-65.

(7)   Cfr. PAULO VI, Octogesima Adveniens, 21; JOÃO PAULO II, EV, 27, 42.

Devemos promover atitudes estratégicas que criem relações responsáveis com o meio ambiente do mundo que partilhamos e do qual não somos mais do que administradores.

. 

Sendo as nossas estruturas lugares de consumo dos mais variados materiais, podemos dar sinais concretos e significativos de atenção ao ambiente instituindo comités para esse fim, privilegiando a utilização de materiais biodegradáveis e recicláveis, e sensibilizando-nos a todos, Irmãos, Colaboradores e agentes da saúde, através de cursos ou seminários.(8)

 

4.3.  Promoção da saúde e luta contra a dor e o sofrimento

 

4.3.1. Dever de velar pela promoção da saúde da população

 

38.    Entre as actividades que promovem a saúde da população há que destacar a informação ao público e os programas de educação que favoreçam estilos de vida sãos e diminuam os riscos evitáveis para a saúde, como sejam o consumo de tabaco, álcool e outras drogas, actividades sexuais que aumentam o risco de contágio da SIDA e doenças transmitidas sexualmente, má dieta e inactividade física, e níveis de imunização inadequados na infância.

 

 

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(8)   A Nova Evangelização e a Hospitalidade ..., op. cit., § 5.6.3, Situações concretas.

Em muitos países, a educação para uma vida saudável constitui um dos meios utilizados para diminuir a morbilidade e mortalidade infantis, através da amamentação e da informação aos pais sobre os riscos da água contaminada e de uma nutrição adequada.(9)

 

4.3.2. Dever ético de velar pelos melhores interesses dos doentes

 

39.    Todos quantos trabalhamos no campo da saúde temos o dever ético de velar pelos melhores interesses dos doentes em todas as circunstâncias, e de integrar esta responsabilidade com uma maior preocupação e compromisso para promover e assegurar a saúde da população.(10)

 

4.3.3. Colocar-se ao lado dos pobres, marginalizados e sofredores como imperativo evangélico de justiça

 

40.    No mundo do sofrimento e da pobreza (em que vive a maioria da população mundial) a missão de tornar presente João de Deus revela-se particularmente importante pelo facto de a pobreza que oprime – devido a estruturas sociais injustas, que excluem os pobres – gerar uma violência sistemática contra a dignidade dos homens, mulheres, crianças e seres por nascer, que é intolerável no Reino querido por Deus.

 

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(9)   Associação Médica Mundial, Projecto de declaração sobre a promoção da saúde, 10.75/94, Agosto 1994.

(10) Associação Médica Mundial, Ibidem.

«A nossa Ordem existe para evangelizar os pobres, para os acompanhar e aliviar as pessoas que sofrem, segundo o estilo de S. João de Deus. (...). Notaram-se alguns esforços para adequar a nossa vida e as nossas estruturas ao serviço dos marginalizados: hospitais de dia, hospícios, assistência a doentes de SIDA, toxicodependentes e terminais, promoção de zonas marginalizadas a partir dos Centros já existentes... Sem dúvida, estes esforços requerem uma acção mais coerente na perspectiva do pobre, de maneira que a Ordem, no seu estilo de vida, se identifique claramente com esta opção e tenha uma incidência maior, através da sua forma de viver, do seu serviço, do seu anúncio e denúncia, na Igreja e nas estruturas da sociedade».(11)

 

4.3.4. Tratamento correcto do doente perante o encarniçamento terapêutico

 

41.    Mesmo orientados para a promoção da saúde, os nossos hospitais não podem encarar a morte como um fenómeno extremo que deve ser marginalizado, mas como uma parte integrante da vida, especialmente importante para a realização plena e transcendente do doente.

Por conseguinte, todo o doente deve ver satisfeito em si mesmo o seu direito a que não se lhe impeça, e inclusive a que se lhe facilite, o assumir responsavelmente o transe da própria morte, de acordo com a sua religião e com o seu sentido da vida.(12)

 

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(11)  A Nova Evangelização e a Hospitalidade..., op. cit., § 3.6.3.

(12)  Cfr. JOÃO PAULO II, EV, 15.

Isso não aconteceria se lhe fosse ocultada a verdade ou ele ficasse isolado, sem uma verdadeira e urgente necessidade, sem poder manter as suas relações habituais de amizade e os contactos com a família ou com a comunidade religiosa e ideológica.

Só assim se tornará realidade, nesses momentos definitivos da existência, a humanização da Medicina.

 

4.3.5.  Cuidados paliativos

 

42.    As instituições da Ordem Hospitaleira que atendem pacientes em estado avançado da doença têm de dispor, na medida do possível, de unidades de cuidados paliativos, destinadas a tornar mais suportável o sofrimento na fase final da doença e, ao mesmo tempo, assegurar ao doente um acompanhamento humano adequado.(13)

 

4.4.  A eficácia e a boa gestão

 

4.4.1. Dever de consciencializar a população de que os recursos da saúde não podem ser considerados como um mero consumo

 

43.           Em todos os países, a procura de serviços de saúde é superior à capacidade de a nação os oferecer. É um dever importante colaborar no despertar da consciência da sociedade para o facto de os custos dos serviços de saúde não poderem ser considerados como um mero consumo.

 

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(13)  Cfr. Ibid., EV, 44.

Representam também um investimento dos recursos humanos, o que permite diminuir o sofrimento individual e oferecer oportunidades às pessoas de voltarem ao trabalho produtivo ou de viverem nos seus próprios lares ou com custos mais baixos em termos de assistência médica. Por isso, os encargos com os serviços de saúde têm um efeito positivo na diminuição de outros encargos sociais.

 

4.4.2. Administração e gestão eficazes e eficientes dos recursos

 

44.    A profissão médica deve assumir a responsabilidade de uma administração eficaz dos recursos destinados aos serviços de saúde, o que inclui a utilização de métodos de diagnóstico e terapêuticas eficientes, que compreendam também a implementação de índices de qualidade e de parâmetros de exercício aplicáveis e reais.

 

4.4.3. A instituição hospitaleira empresarial deve orientar-se para a recuperação da pessoa globalmente considerada

 

45.           Toda a instituição hospitalar empresarial deve orientar-se, ou reorientar-se, para a recuperação da pessoa integralmente considerada, ou seja, nas suas dimensões somato-psíquicas, sociais e espirituais que, consideradas no seu conjunto, interagem para a humanização na assistência no campo da saúde. No hospital-empresa, o investimento para criar um clima humano e humanizador, como ajuda à rentabilidade dos recursos, favorece a produtividade e a eficácia do próprio trabalho.(14)

 

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(14)   Cfr. JOÃO PAULO II, Centesimus Annus, 40; 20; 32.

 

4.4.4. O investimento para criar um clima humano e humanizador como ajuda à rendibilidade dos recursos

 

46.    Do mesmo modo que noutras empresas, o investimento para criar um clima humano e humanizador no hospital, ajuda a rendibilidade dos recursos para melhorar as condições dos profissionais e dos outros profissionais da saúde.

 

Todos eles podem, por sua vez, ajudar a criar as condições mais humanizadoras para os doentes se humanizarem a si mesmos.(15)

 

Entre os melhoramentos que é preciso incrementar merece um relevo particular a actualização de conhecimentos e habilitações por meio da formação permanente adaptada às circunstâncias de cada tempo e lugar.

 

4.4.5. Direitos e deveres dos trabalhadores

 

47.    O pessoal contratado tem direito ao trabalho de acordo com a lei vigente.

Compete ao especialista em Direito Laboral encontrar as soluções técnico-jurídicas capazes de coordenar o direito de objecção de consciência e o direito ao trabalho na formulação do contrato de trabalho, nas sucessivas revisões do mesmo e na entrada em vigor de novos acordos colectivos de trabalho.

 

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(15)  Cfr. MARCHESI, Pierluigi, A Humanização, 1981.

A máxima atenção que a Ordem deverá prestar aos direitos do trabalhador, no respeito da mais estrita justiça social, não deve realizar-se à custa da sua própria existência, o que iria contra a própria justiça social.

 

 

4.5. Nova hospitalidade e novas exigências: III e IV Mundos

 

48.    Cada vez é maior o abismo que separa os países do chamado Norte desenvolvido dos do Sul, em vias de desenvolvimento.

A abundância de bens e serviços disponíveis em algumas partes do mundo, sobretudo no Norte opulento, corresponde no Sul a um inadmissível atraso e é precisamente nesta zona geopolítica que vive a maior parte da população mundial.

 

Ao olhar para o leque dos diversos sectores do chamado Terceiro Mundo: produção e distribuição de alimentos, higiene, saúde e habitação, disponibilidade de água potável, condições de trabalho, especialmente feminino, esperança de vida e outros indicadores económicos e sociais, o quadro geral é desolador, quer seja considerado em si mesmo, quer em relação aos dados correspondentes dos países mais desenvolvidos do mundo.(16)

 

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(16)  Cfr. JOÃO PAULO II, Sollicitudo Rei Socialis, 14.

Também nos países desenvolvidos as forças económicas e sociais excluem dos benefícios sociais milhões de pessoas que constituem o chamado Quarto Mundo:

 

pobreza ou miséria de «homens, mulheres e crianças que, além de viverem em condições de gravíssima precariedade física e psicológica, perderam a legitimação de sujeitos de direito, não estando garantidos os seus direitos mediante a devida protecção jurídica e social.

Exemplos mais concretos são os desempregados durante anos, jovens sem qualquer possibilidade de emprego, meninos da rua explorados e abandonados à sua sorte, idosos na solidão e sem protecção social, ex-presos, vítimas de abusos de drogas, doentes de SIDA, imigrantes em geral, e clandestinos, em particular... todos condenados a uma vida dura de pobreza, marginalização social e precariedade cultural».(17)

 

4.5.1. Solidariedade e cooperação

 

49.    O evangelho de Jesus Cristo é uma mensagem de liberdade e uma força de libertação.

 

A libertação é antes de mais e principalmente libertação da escravidão radical do pecado.

 

 

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(17) MARTINI, Card. Carlo Maria, Carta para o Biénio Pastoral 1992-1993.

 

Logicamente reclama a libertação das diversas formas de escravidão de ordem cultural, económica, social e política – que, em última análise, derivam do pecado e constituem outros tantos obstáculos que impedem aos homens de viverem segundo a sua dignidade.(18)

«A solidariedade é uma virtude eminentemente cristã. É exercício de comunicação dos bens espirituais, mais do que comunicação de bens materiais.

O princípio da solidariedade é uma exigência directa da fraternidade humana e cristã. A solidariedade manifesta-se em primeiro lugar na distribuição de bens e na remuneração do trabalho.

Os problemas socio-económicos só podem ser resolvidos com a ajuda de todas as formas de solidariedade: entre os pobres entre si, entre ricos e pobres, entre os trabalhadores, os empresários e os empregados, solidariedade entre as nações e os povos.

A solidariedade é uma exigência de ordem moral. Em grande parte, a paz do mundo dependa dela».(19)

 

4.5.2. Cooperação e Colaboradores: direitos e deveres

 

50.    O Documento do LXIII Capítulo Geral afirma com suficiente clareza aquilo que se exige dos Irmãos e Colaboradores de S. João de Deus.(20)

 

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(18) Cfr. INSTRUÇÃO DA CONGREGAÇÃO PARA A DOUTRINA DA FÉ, Liberdade cristã e libertação, Roma, 1986

(19) C.C. 1939-1942.

(20) A Nova Evangelização e a Hospitalidade..., op. cit., 4.4.

 

Destacamos os seguintes aspectos:

§         Humanizar-se para humanizar e ser testemunhas de santidade, partindo do radicalismo das bem-aventuranças segundo o exemplo de S. João de Deus, pobre entre os pobres, servo e profeta.

§         A promoção das pessoas sob todos os aspectos: cuidados prestados aos doentes, acolhimento afectuoso dos doentes crónicos, uma atenção especial para os mais débeis e os mais pobres, acompanhamento dos que vivem a última etapa da sua vida, transformando os gestos de cura em gestos de evangelização.

§         Temos que apresentar a nossa cultura de hospitalidade como alternativa à cultura de hostilidade, que não só predomina nas relações entre os povos, as nações e as etnias, mas até mesmo nas relações interpessoais.

Temos que demonstrar uma nova capacidade de acolhimento, criar comunidades de fé abertas, que sejam um convite a todas as pessoas com as quais nos relacionamos: doentes, seus familiares, colaboradores, amigos.

Cada  Obra Apostólica deveria ser uma pequena Igreja doméstica capaz de criar a comunhão cristã em que a alegria de um seja a do outro, e a dor de um a dor do outro.

Hoje, mais do que nunca, nas relações humanas, o Irmão de S. João de Deus é chamado a ser testemunha de Deus «amante da vida» (Sb 11, 26), que se mistura entre as pessoas e com a sua presença torna acolhedora a terra, e o homem verdadeiramente homem.

§      Valorizar e promover as qualidades dos profissionais e voluntários que colaboram com a Ordem, e torná-los partícipes no serviço e na evangelização das pessoas assistidas nas nossas obras e em alguns momentos da vida da Comunidade.

§      Preparar os profissionais identificados com a filosofia e os valores da Ordem para que assumam funções de direcção e animação nas nossas obras.

 

4.5.3. O voluntariado. Gratuitidade e identificação

 

51.    «É voluntário aquele que, além dos seus deveres profissionais e dos deveres próprios do seu estado, de modo continuado e desinteressado, dedica uma parte do seu tempo a actividades, não em favor de si mesmo nem dos associados (diferencia-se por isso do associativismo), mas dos outros ou de interesses sociais colectivos, segundo um projecto que não se esgota na própria intervenção (distinguindo-se assim da beneficência), mas que tende a erradicar ou modificar as causas de necessidade e da marginalização social».(21)

 

A nossa filosofia é idêntica à de outros tipos de voluntariado. Só que o que é básico para todos está matizado pelo facto de ser uma acção hospitaleira ou social, realizada nos Centros da Ordem, segundo o espírito de S. João de Deus.

 

No nosso voluntariado vivem-se os seguintes princípios:

§         Princípio da voluntariedade: os voluntários aderem livremente, porque querem.

 

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(21) CÁRITAS. Cfr. DEL CARMEN FUÉS, M.: O voluntariado na nossa sociedade, in: Labor Hspitalaria, 1985; 198(4): 206.

 

§         Princípio da gratuitidade: a sua entrega é fruto de uma exigência interior, de um compromisso pessoal. Não há exigência externa que os obrigue.

§         Princípio da solidariedade: surge da exigência de se tornar presente na necessidade do outro, de partilhá-la.

§         Princípio da complementariedade: assumem-se as tarefas de que a nossa sociedade é carente, enriquecendo-a e promovendo a justiça social.

§         Princípio da integração pessoal: planeia-se quase sempre para dar, embora muitas vezes possamos constatar que é mais aquilo que se recebe.

§         Princípio da preparação: exige uma formação adequada, que lhe proporcione os conhecimentos históricos, a dimensão apostólica e os valores da Instituição, e ainda a capacidade de saber estar em cada circunstância.

§         Princípio da coordenação: trabalha-se de forma coordenada, em grupo, sem individualismos.

§         Princípio evangélico: o nosso voluntariado é a-confessio-nal e fundamenta-se no Evangelho e na forma como João de Deus viveu a sua dedicação aos pobres, doentes e necessitados.

Os lugares onde se exerce o voluntariado são Estabelecimentos confessionais; a gratuitidade no serviço e a identificação com o carisma da Ordem resumem os fundamentos do nosso voluntariado.(22)

 

 

4.6. Evangelização, inculturação e missão

 

4.6.1. Visão de conjunto

 

52.  Evangelizar constitui a vocação própria da Igreja, a sua identidade mais profunda. Ela existe para evangelizar, isto é, para testemunhar, ensinar e pregar a Boa Nova de Jesus Cristo. Como núcleo e Centro da sua Boa Nova, Jesus anuncia a salvação, o grande dom de Deus que é a libertação de tudo o que oprime o homem; no entanto, é sobretudo libertação do pecado.(23)

 

A evangelização parte do mandato missionário de Jesus Cristo:

«Ide pois, ensinai todas as nações. E Eu estarei sempre convosco até ao fim do mundo».

(Mt 28, 18-20; cf. Mc 16, 15-18; Lc 24, 46-49; Jo 20, 21-23).

 

 

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(22)  PILES F. Pascual, Origen y Trayectoria del Voluntariado en la Orden Hospitalaria de S. Juan de Dios, Congreso Nacional de Voluntarios de S. Juan de Dios, 18-20 de Outubro de 1995.

(23) Cfr. PAULO VI, Evangelii Nuntiandi (EN) 9, 14.

 

Para cumprir este mandato, o Evangelho deve-se encarnar, «traduzir-se» (sem trair-se) nas diferentes culturas.(24)

 

A evangelização não é possível sem a inculturação.

 

A ruptura entre o evangelho e a cultura é, sem dúvida alguma, o drama do nosso tempo, como o foi também noutras épocas.(25)

Por outro lado, a secularização desembocou, de facto, no estabelecimento de uma cultura da não-crença, que reduz o mundo à imanência, na qual as afirmações relativas à transcendência se tornam cultural e socialmente irrelevantes.

 

Nesta situação, quem se dispõe a ser cristão sem renunciar ao seu tempo, sem ter que isolar-se da cultura em que vive, precisam de realizar o esforço de inculturar o cristianismo nas culturas surgidas da modernidade.

 

A inculturação permite encarnar a Boa Noa a partir do interior de cada cultura, levando assim a sua própria riqueza à encarnação histórica do Evangelho. Isto significa que o Evangelho, ao encarnar-se concretamente, sofre fortes transformações em relação às suas anteriores formas de inculturação.

 

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(24)  Cultura significa a maneira como um grupo de pessoas vive, pensa, sente, se organiza, celebra e partilha a vida. Em toda a cultura sobressai um sistema de valores, de significados, de visões do mundo, que se expressam no exterior através da linguagem, de gestos, símbolos, ritos e estilos de vida.

(25) PAULO VI, Ibid., 20; Gaudium et Spes 43.

Assim, a inculturação permite «alcançar e transformar com a força do Evangelho os critérios de avaliação, os valores determinantes, os pontos de interesse, as linhas de pensamento das fontes inspiradoras e dos modelos de vida da humanidade, que estão em contraste com a Palavra de Deus e com o desígnio de salvação».(26)

 

No seu processo linear, a inculturação deve ser dirigida por dois princípios: a compatibilidade com o Evangelho das várias culturas a assumir, e a comunhão com a Igreja Universal.(27)

 

4.6.2.      Evangelização, Inculturação e Missão da Ordem

 

53.  Num mundo em que o homem contemporâneo crê mais nos testemunhos do que nos mestres, em que acredita mais na experiência do que na doutrina, na vida e nos factos do que em teorias,(28) a Ordem encontra-se numa situação privilegiada para a evangelização e a inculturação da fé, pelo facto de estar presente em muitas culturas, em 46 países, nos 5 continentes.

 

A cultura da técnica, provavelmente a menos permeável aos valores cristãos, também é sensível ao testemunho vivido através do compromisso concreto pelo homem.

 

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(26) EN, 19.

(27) Cfr. JOÃO PAULO II, Redemptoris Missio, 54.

(28) Ibidem, 42.

 

O carisma da Ordem conduz-nos directamente a este compromisso, dado que a nossa missão consiste na promoção do homem sob todos os aspectos: cuidar do homem doente, acolher afectuosamente doentes crónicos, atender de modo especial os mais fracos e os mais pobres, ou acompanhar os que vivem os seus últimos momentos de vida terrena.

 

Só a fidelidade ao carisma tornará possível a evangelização e a inculturação do mundo da técnica: nesse processo deverão confrontar-se a «cultura da hostilidade» e a nova hospitalidade.

 

A pergunta à qual temos de responder no futuro é:

§      como transformar os gestos de cura em autênticos gestos de evangelização;

§      como transformar os lugares em que trabalhamos em lugares significativos de evangelização.

 

Humanização e evangelização devem formar para nós uma unidade indivisível, porque «onde não há caridade não há Deus, embora Ele esteja em todo o lugar».(29)

 

 

 

 

 

 

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(29)  S. JOÃO DE DEUS, Carta a Luís Baptista, 15. Cfr. A Nova Evangelização e a Hospitalidade ..., 4.3. 

 

Para a reflexão:

 

1)        Descreve os sinais que evidenciem como se está a viver nas Obras Apostólicas e nas Comunidades da Ordem os princípios da hospitalidade nos âmbitos seguintes:

 

§         Dignidade da pessoa humana

§         Respeito pela vida humana

§         Promoção da saúde e luta contra a dor e o sofrimento

§         Eficácia e boa gestão

§         Nova Hospitalidade

§         Evangelização, inculturação e missão.

 

2)        Descreve o que está a tornar difícil ou a ofuscar o pôr em prática estes princípios:

 

§         Dignidade da pessoa humana

§         Respeito pela vida humana

§         Promoção da saúde e luta contra a dor e o sofrimento

§         Eficácia e boa gestão

§         Nova Hospitalidade

§         Evangelização, inculturação e missão.

 

3)        Como se está a promover a difusão dos princípios que iluminam a nossa hospitalidade e a respectiva formação entre Irmãos, Colaboradores e assistidos?

4)        Que é necessário fazer para garantir uma melhor difusão e formação em relação aos princípios que iluminam a nossa hospitalidade?


 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 


 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

5

APLICAÇÃO

A SITUAÇÕES

CONCRETAS

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 


 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

5.1 Assistência integral e Direitos do Doente

 

 

54.  O nosso contributo à sociedade será credível na medida em que nele soubermos incorporar os progressos da técnica e a evolução das ciências.

Daí a importância de que a nossa resposta assistencial mantenha a inquietação de estar continuamente actualizada, quer no aspecto técnico, quer no profissional.

 

Disto decorre que deveremos dar uma assistência que considere todas as dimensões da pessoa humana – sob o aspecto biológico, psíquico, social e espiritual.

Só uma atenção que cuide de todas estas dimensões, pelo menos como critério de trabalho e como objectivo a alcançar, poderá considerar-se uma assistência integral.

 

Talvez tenha sido este o campo em que as obras da Ordem cultivaram uma maior tradição; o seu nível assistencial foi uma característica que as distinguiu ao longo dos anos.

 

As primeiras Constituições já insistiam na forma de tratar os doentes e assim se fez depois, sublinhando sempre este aspecto através da história.

 

5.1.1. A aproximação ao doente, ao necessitado e ao seu ambiente familiar

 

55.  A atenção às necessidades da pessoa – incluindo as necessidades do espírito e de carácter transcendental e religioso – é um elemento fundamental em todo o serviço médico e social.

O ser humano é um ser relacional.

Na medida em que entramos em contacto com os outros vamo-nos consolidando como pessoas. Quando conseguimos que esse contacto se transforme em encontro, estamos então a atingir a plenitude da nossa dimensão relacional.

Daí a importância do encontro, da escuta, da aceitação, do acolhimento, do saber canalizar os aspectos positivos e negativos que estão presentes em cada pessoa que vive e adverte que precisa dos outros.

 

A doença, seja qual for a sua manifestação exterior, é uma expressão da limitação, da debilidade do homem, e é nessa circunstância especial que as pessoas fazem um pedido explícito ou implícito de apoio.

 

Toda a pessoa, nas suas limitações e no sofrimento, procura alguém com quem partilhar o seu estado, em quem descarregar o peso que leva consigo.

 

Daí que todos quantos constituímos a Ordem Hospitaleira, Irmãos e Colaboradores, adquiramos e desenvolvamos as qualidades indicadas nas alíneas seguintes.

 

5.1.1.1. Abertura

 

56.  A abertura entende-se em relação

§         às novas contribuições da sociedade,

§         aos novos critérios de actuação,

§         às novas inquietações do homem,

§         às outras culturas,

§         a outros mundos.

É aberta a pessoa que sabe acolher o que a sociedade e o mundo lhe vão oferecendo, e sabe discernir o que considera ser positivo nessa oferta, para o tornar seu.

É aberta a Instituição que sabe adoptar uma idêntica postura; porém, neste caso, é necessário o diálogo entre as pessoas, para se poder discernir de forma conjunta o que é positivo para todos.

 

5.1.1.2. Acolhimento 

 

57.       Receber quem aparece, com um gesto de afecto e de esperança, que lhe permita confiar na pessoa e na Instituição que o tomam a seu cargo.

O primeiro contacto é muito importante: pode abrir ou fechar as portas.

Numa situação de necessidade para o doente, esse primeiro contacto tem ainda mais importância.

Na dificuldade, sentir-se aceite e acolhido é o elemento essencial para viver um estado de segurança e confiança nas pessoas que cuidam de alguém.

 

5.1.1.3. Capacidade de escuta e de diálogo

 

58.  Deixar que a pessoa manifeste a sua situação, as suas ansiedades, os seus temores e receios, e que possa sentir em nós um eco de confiança e de serenidade; tanto nos momentos de alegria como nas situações mais difíceis.

 

Que o doente se aperceba de que as suas manifestações não caem em saco roto, que são acolhidas, consideradas, tidas em consideração.

Estará a dizer a única coisa que se sente capaz de dizer nesse momento; muito provavelmente, até, estará a revelar-nos o seu interior.

 

Haverá situações nas quais aquilo que o doente pede ou pretende, não seja o mais conveniente para ele. Partindo da nossa reflexão, deveremos ser capazes de nos fazer entender e de fazer compreender ao doente a nossa actuação, mesmo naqueles casos em que ele discorde dos nossos critérios de actuação.

 

5.1.1.4. Atitude de serviço

 

59.  Sempre à disposição do doente e dos seus amigos e familiares, sempre dispostos a colocar ao serviço do seu bem integral os nossos saberes técnicos, a nossa ciência e a nossa pessoa.

 

Por vezes não poderemos fazer aquilo que o doente quer ou pede, mas a atitude com que fizermos as coisas revelar-lhe-á se estamos a procurar o seu bem ou a nossa comodidade.

 

5.1.1.5. Simplicidade

 

60.  A humildade de quem sabe que está a dar uma ajuda a quem está em necessidade e que se propõe como objectivo fundamental evitar uma situação de dependência.

 

Simplicidade de quem caminha procurando encontrar a verdade, o bem para todos, inclusivamente em estruturas tão complexas como as dos hospitais.

 

5.1.2.  Direitos do doente

 

61.  Os direitos do doente inscrevem-se no vasto campo dos direitos fundamentais do homem.

Do ponto de vista dos direitos humanos, o direito à saúde coloca-se entre os chamados de segunda geração, isto é, os direitos de tipo económico e social.

Com o desenvolvimento da consciência relativamente a este tema, nos anos sessenta foi-se ampliando o interesse pelos direitos dos doentes, tendo em conta que, como pessoa, o doente é titular dos mesmos direitos universais, que nele adquirem, porém, algumas particularidades, devido à sua situação que requer uma maior sensibilidade e solidariedade.

A este respeito foram elaboradas declarações nacionais, regionais e locais.

 

A Ordem assume os direitos reconhecidos ou proclamados e, na perspectiva de uma assistência integral, sublinha os seguintes:

 

5.1.2.1. Confidencialidade

 

62.  A confidencialidade inclui três valores intimamente ligados à relação assistencial: a intimidade, o segredo e a confiança.

O respeito pelas pessoas exige o respeito pela intimidade(1) do doente, isto é, por aquela esfera particular em que alguém se abre a si mesmo, se reconhece, afirma e vincula à própria identidade.

O respeito pela intimidade de cada um torna possível a convivência social na pluralidade dos indivíduos.

O véu do segredo tutela o respeito mútuo e abre o caminho à confiança, via de acesso ao mais íntimo do outro.

 

O respeito mútuo e a confiança abrem a porta ao direito de comunicar os próprios segredos com a garantia de que não serão revelados.

Nisto consiste a obrigação do segredo profissional em que se aceita e se torna implícito o compromisso de não revelar quanto se vem a conhecer no exercício de uma profissão.

A obrigação do segredo coexiste com o dever de o revelar quando não houver outra maneira de evitar que uma outra pessoa, e/ou a sociedade, sejam vítimas de um dano injusto, por exemplo para evitar o contágio, ou outro mal, que ameacem a colectividade.

A progressiva especialização e o carácter cada vez mais técnico da Medicina multiplicam os casos em que esta se exerce em equipa.

 

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(1)   Alguns preferem usar o termo «privacidade», que constitui um conjunto mais amplo e global de aspectos da personalidade. Se forem considerados isoladamente, podem carecer de significação intrínseca; no entanto, se forem coerentemente ligados entre si, reflectem uma imagem da personalidade do indivíduo que este tem direito a manter reservada.

Verifica-se então o segredo partilhado, o qual exige um cuidado especial por parte de todos para que não fique prejudicado o devido respeito à intimidade do doente.

 

O pessoal que trabalha em hospitais ou residências sócio-sani-tárias deve sensibilizar-se para perceber os diversos modos em que os direitos de confidencialidade e intimidade são violados, nomeadamente: conversar sobre os doentes em lugares públicos e o acesso fácil aos relatórios clínicos por pessoas não autorizadas.

 

Uma atenção especial merecem todas as listas de doentes com diagnósticos e/ou tratamentos produzidos pelos modernos sistemas informatizados.

 

Para facilitar o respeito pela intimidade dos doentes, os Estabelecimentos deverão dispor, na medida do possível, de uma estrutura fixa ou móvel, (como são, por um lado, os quartos individuais e os ambientes reservados, por outro, as cortinas e os biombos) que permitam o isolamento do doente de acordo com as suas necessidades.

 

É necessário ter em conta também a idade e gravidade das doenças dos que partilham um mesmo quarto.

 

O doente poderá pedir para estar só, ou com alguma pessoa determinada, quando é visitado pelo seu médico, ou quando recebe cuidados de enfermagem.

 

Deve-se ter em conta, todavia, que qualquer hospital, e especialmente se é de tipo docente ou universitário, é um lugar de formação e que a sua colaboração é imprescindível neste aspecto.

5.1.2.2. Veracidade

 

63.  O direito do doente a conhecer a verdade está em paralelo com o já referido direito ao segredo.

São direitos complementares e prestam o mais firme apoio à necessária confiança no médico, mas ambos podem entrar em conflito em relação ao motivo primordial da relação médico-doente: a recuperação da saúde.

Em qualquer das hipóteses, a decisão concreta deve prestar atenção ao bem da pessoa do doente, considerada na sua integridade, sem descuidar por isso a causa da saúde como bem social.

 

O direito de cada homem a conhecer a verdade sobre as coisas que lhe dizem respeito e a correspondente obrigação de o informar, estão na base da convivência humana.

Não é só a mentira, mas também a falta de sinceridade, que destrói a confiança, tão necessária para a relação interpessoal, tendo em conta a ambiguidade (janela-máscara) da nossa exterioridade corporal.

A confiança é, porém, particularmente importante na relação do doente com o médico. Daí a importância que adquire a veracidade deste, veracidade sempre acompanhada de responsabilidades, pois que não se refere a factos meramente objectivos, mas a realidades com um grande impacte subjectivo, sobretudo quando o prognóstico se refere ao futuro aspecto físico do doente e à sua funcionalidade (liberdade e capacidade de movimento), à perda da vida, ou ainda a outras possíveis verdades difíceis de assimilar.

 

Em princípio deve considerar-se como prioritário o direito a conhecer a verdade sobre o estado da sua saúde por parte do doente, mas não à custa daquilo que lhe convém como pessoa.

 

Algumas vezes há motivos de verdadeiro amor para não revelar as coisas: provocar-lhe-íamos um dano inútil. No entanto, não é honesto ficar calado simplesmente para fugir da própria dificuldade.

Se há tacto no modo de dizer as coisas, a verdade pode quase sempre ajudar.

O médico não deve ater-se à obrigação geral de dizer a verdade sem, ao mesmo tempo, prestar atenção ao possível conflito com outros interesses particulares do doente e, de modo muito especial, com o da sua saúde, que é o motivo da relação estabelecida entre ambos.

 

Os princípios de solução não permitem estabelecer receitas estereotipadas de aplicação universal. O médico deve dizer a verdade, mas sem com isso prejudicar, inutilmente, a saúde ou outros valores do doente.

O seu objectivo último é o bem do doente, considerado na sua globalidade.

 

Influem naquilo que convém dizer: a estabilidade de ânimo do doente e a sua força de espírito, as suas convicções pessoais e o equilíbrio psíquico, assim como o tipo de relação existente entre o médico e o doente.

Não se devem também ignorar as circunstâncias económicas e familiares, ou sociais, que rodeariam o doente depois da consulta médica.

Adquirem, porém, um relevo especial o diagnóstico e o prognóstico.

No caso de doenças objectiva e subjectivamente inócuas, é tranquilizador para o doente a certeza de que nada lhe é ocultado. Sempre que a doença tiver cura, impõe-se uma informação adequada para mobilizar a colaboração do doente, e é absolutamente indispensável quando, sem a sua colaboração, o decurso da doença pudesse ter um desenlace fatal.

O direito do doente a conhecer a verdade urge, sobretudo, quando ele tiver de tomar uma decisão responsável.

Compete ao médico facilitar-lhe tal decisão; não pode ser ele a decidir pelo doente e deve ter o cuidado de não projectar no doente os seus próprios complexos ou inibições. Deve socorrer-se do tempo necessário para encontrar o melhor modo de comunicar a verdade, de modo que o doente compreenda os factores mais significativos  para tomar uma decisão acertada. Por vezes, também o doente precisa de tempo para interiorizar os dados.

 

O conhecimento certo de uma morte inevitável e próxima deve ser comunicado ao doente, para que este possa estar consciente no último acto da sua vida. Este dever pressupõe a capacidade do sujeito para assumir e representar bem o seu papel nesse momento decisivo.

Deixar-lhe alguma esperança («uma nesga de céu aberto», como a denominam alguns) costuma ser útil, não esquecendo, porém, que, ajudando o doente a enfrentar a realidade sem falsidades, podemos abrir caminho a outro tipo de esperança, que lhe permite assumir a verdade com mais coragem, e realizar-se assim plenamente como pessoa humana.

Isto acontece também no caso de pessoas que não acreditam na vida futura, mas que foram capazes de dar algum sentido à sua vida e à relação com os outros.

A expressão ambígua «direito do doente a morrer» tem um sentido verdadeiro: nenhum ser humano deve ser privado do direito que lhe assiste de viver a sua própria morte, coroando assim a sua realização pessoal através dela.

 

Deixaremos, por conseguinte, de comunicar a verdade somente quando nos conste que ela seria insuportável para o doente.

O direito à verdade cede quando a revelação daquela levasse ao desespero fatalista e à anulação do ser pessoal.

Numa palavra, quando fosse apenas recebida como uma condenação à morte, sem razão nem sentido.

 

O titular do direito a conhecer a verdade é o próprio doente, quando adulto e senhor de si.

Quando não for capaz de assumir a própria responsabilidade por não ter alcançado a maturidade necessária, ou devido a qualquer outra causa, a informação requerida deve ser comunicada a quem tiver o dever ou o poder de tomar decisões em seu nome, como seu representante de confiança e interessado no bem dele.

 

Só se deve dizer aos seus familiares e pessoas mais chegadas, segundo o nosso critério razoável, aquilo que ele desejaria comunicar-lhes, se fosse capaz.

 

Tanto ao satisfazer o direito à verdade como ao cumprirmos o dever do segredo deveremos ter em conta o devido respeito pela liberdade de consciência própria do doente, e também do médico.

 

Teremos aqui em consideração apenas os imperativos derivados da liberdade de consciência do doente.

«A consciência é o núcleo mais secreto do homem, o santuário onde ele está a sós Deus, cuja voz ressoa no seu íntimo».(2)

 

Até mesmo o ateu se sente interpelado por ela em relação ao absoluto, quando quer compreendê-lo e explicá-lo.

Merece um respeito absoluto.

Tal como o sacerdote, também o médico, no desempenho das suas funções, pode mover-se nas imediações desse santuário e deve ter muito cuidado para não o violar.

Mesmo em áreas de um pretenso bem comum, nem o Estado, nem sequer a Igreja podem atentar contra a liberdade de consciência.

O médico nunca deve coagir a consciência do doente.

É seu dever  procurar com esmero a sua saúde, embora possa desaprovar a conduta que tenha causado a sua perda (no caso de doenças venéreas, infecções provocadas por um aborto mal praticado, etc.), e não é lícito aproveitar-se da situação de dependência para «moralizar» o doente.

Nada impede, contudo, – se isso favorecer o processo de cura ou a humanização da fase final da vida – que o médico ajude o doente a pôr em paz a sua consciência; mas deve fazer isso com o maior respeito à liberdade do doente, mesmo que considere erradas as suas ideias.

Facilitará ao doente, além disso, o acesso dos ministros religiosos ou de outras pessoas que ele considere que o podem ajudar a viver com sentido a sua doença, e até mesmo a própria morte, seja qual for a ideologia ou confissão religiosa.

 

_____________________________

 

(2)   CONCILIO VATICANO II, Gaudium et Spes (GS), 16

 

5.1.2.3. Autonomia

 

64.  A valorização e o respeito pela autonomia, sobretudo no âmbito sanitário, é uma conquista da modernidade.

De facto, até há poucos decénios atrás, existia um grande paternalismo nas relações entre o médico e o doente, de modo que, em geral, era o médico quem decidia e o doente confiava nele, consciente de não possuir nem os conhecimentos nem as competências necessárias para poder escolher o que melhor lhe convinha. Por outro lado, estava totalmente convencido de que o médico agia sempre para o seu bem.

 

O «doente pós-moderno» já não pensa da mesma maneira.

Tem consciência dos seus direitos, entre os quais se encontra o direito à vida e à tutela da sua saúde, sendo estes prioritários.

Além disso, tem consciência de ser o único titular destes direitos, cuja defesa não pode delegar noutros, pelo menos enquanto tiver o uso da razão.

 

Esta mudança de perspectiva substituiu o paternalismo do passado por um contratualismo exasperado, que faz com que a relação entre o médico e o doente seja entendida como um simples «contrato», no qual ambos devem respeitar todas as cláusulas.

É evidente que a superação destas posições deverá conduzir a uma autêntica aliança terapêutica na qual o médico coopera com o doente, para realizar o seu maior bem, respeitando as escolhas de cada um.

Para que tudo isto se possa levar a cabo da melhor forma possível, é fundamental entender o que é a autonomia do doente.

 

Segundo a interpretação clássica, a escolha é considerada como autónoma quando se respeitam três condições.

A primeira é a intencionalidade. Deve tratar-se portanto de uma escolha totalmente «voluntária» e não apenas desejada.

Em segundo lugar deve existir um conhecimento daquilo que se decide.

Por fim, a escolha deve manifestar-se sem controlo externo.

Isso significa que não deve haver qualquer forma de coacção (nem sequer a que poderia derivar da influência que o médico exerce sobre o doente, ou a que provém do medo de uma possível interrupção do tratamento por parte dele), e muito menos de manipulação (como por exemplo o facto de se alterar ou distorcer a verdade, mesmo que isso seja feito pelo suposto bem do doente).

Frequentemente acrescenta-se a estes critérios ainda a ausência de «persuasão», embora acreditemos que, de uma forma mais prudente, uma tentativa de persuasão, equilibrada e respeitosa, deveria ser considerada como algo devido, se se faz pelo bem do doente.

 

É evidente que estes critérios, que dizem respeito à autonomia do doente, se realizam concretamente no consentimento dado ao acto médico, quer como diagnóstico, quer como terapêutico.

 

Disso se falará mais adiante.

 

5.1.2.4. Liberdade de consciência

 

65.  O direito à liberdade de consciência, afirmado no artigo 18 da Declaração Universal dos Direitos do Homem, foi assumido pela maioria das Constituições dos Estados modernos e é exigido para a autocompreensão da sua existência como dom e como projecto a realizar.

Deste âmbito não se exclui a dimensão religiosa da existência.

Neste caso devemos recordar que a Declaração Dignitatis Huma-nae, do Concílio Vaticano II, começa precisamente por afirmar que «a pessoa tem direito à liberdade religiosa».

 

A realização desta liberdade está evidentemente condicionada pe-lo princípio geral da responsabilidade pessoal e social, isto é, pelo facto de que cada homem, ou grupo social, tem obrigação de respeitar os direitos dos outros e os deveres para com os outros, e tudo isso em razão do bem comum.

Estes limites concretizam-se na necessidade de uma regulamentação jurídica que salvaguarde concretamente esta liberdade religiosa e defenda de um injusto proselitismo.

 

Cada pessoa e todas as Igrejas têm o direito de manifestar a sua fé.

O direito à liberdade religiosa inclui o direito a dar testemunho, respeitando a justiça e a dignidade da consciência dos outros.

O «proselitismo» é, sem dúvida, a corrupção deste testemunho, pois consiste numa conduta abusiva e impertinente que atenta contra a liberdade religiosa do próximo.

Segundo o Conselho Mundial das Igrejas, e de acordo com o Secretariado para a Unidade dos Cristãos, as principais atitudes reprováveis são as seguintes:

§      Qualquer espécie de pressão física, moral ou social que conduza à alienação ou privação do discernimento pessoal, da livre vontade e de uma plena autonomia e responsabilidade do indivíduo;

§      Qualquer benefício material ou temporal, oferecido abertamente ou de forma indirecta, em troca da aceitação da fé por parte de quem é sua testemunha;

§      Qualquer benefício que provenha do estado de necessidade no qual se poderia encontrar quem recebe o testemunho, ou da sua condição de debilidade social, ou da falta de instrução em vista do o converter ao próprio credo;

§      Seja o que for que possa suscitar suspeitas sobre a boa fé da pessoa;

§      Qualquer alusão que denote falta de justiça ou de caridade para com os crentes de outras comunidades cristãs ou de outras religiões não cristãs, com o fim de conseguir adeptos;

§      Ataques ofensivos que firam os sentimentos de outros cristãos ou membros de outras religiões.

 

5.1.3. Programas de humanização e pastoral

 

5.1.3.1. Programa de humanização

 

66.  Se é certo que um hospital que não sabe acompanhar a evolução da ciência e da técnica pode ficar marginalizado e, por conseguinte, sem capacidade de intervenção, não é menos verdade que a ciência e a técnica implicam alguns perigos.

 

A constante evolução, o contínuo aparecimento de novas equipas e técnicas de trabalho, têm inerente o perigo de ir deixando de lado a pessoa humana, tanto a do profissional da saúde como a do doente.

De facto, em muitos processos de trabalho, podem passar de um papel fundamental que estavam a desempenhar para um secundário, ou até mesmo, conforme o tipo de técnicas, irrelevante.

 

Pensemos, por exemplo, em todos os serviços de diagnóstico, nos processos de informação, etc., onde outrora o profissional era imprescindível para uma correcta actuação e onde, actualmente, o seu papel passou a ser secundário ou inexistente.

 

Toda esta evolução não é neutra.

Não fica à margem da sensibilidade da pessoa e esta corre o risco de ser marginalizada. Quando se trata do doente, sujeito passivo de toda esta actuação profissional, com maior razão pode verificar-se esta evolução de isolamento, de segregação, de despotismo tecnológico: «Tudo pelo doente e para o doente, mas sem o doente».

 

Por isso, é imprescindível a incorporação de programas de humanização nos Estabelecimentos Hospitalares e noutras Obras. Estamos a referir-nos à incorporação de programas, não de serviços de humanização.

 

Temos de conseguir que todos os profissionais que tornam possível o serviço assistencial se sintam chamados a prestar serviço à pessoa, ao doente e a sua família.

Nisto consistirá a humanização das obras de S. João de Deus: em conseguir que todos os profissionais trabalhem pelo doente, para o doente e com o doente, aplicando os melhores meios técnicos ao serviço da pessoa atendida.

 

5.1.3.2. Pastoral da saúde e social

 

67.  O doente ou o necessitado têm a sua saúde debilitada, o que põe em crise a pessoa toda.

 

Estamos convencidos de que a fé em Jesus Cristo é uma fonte de saúde e de vida. Disto decorre que é possível levar uma pessoa em crise, porque doente, a encontrar-se com a sua dimensão de fé, se existir, para que, desse encontro, surja uma fonte de saúde integral.

 

Um dos grandes valores da nossa sociedade é a dimensão plural que ela adquiriu. Para trás ficaram os tempos em que se impunham os regimes políticos, se impunham as autoridades, e a fé e a religião também se impunham.

Hoje, reconhecemos que a fé é um dom e, como tal, pode ser recebido ou recusado; pode-se por de lado ou pode-se cultivá-lo, para que vá crescendo e amadurecendo.

 

Nas nossas Obras apostámos numa presença pluralista de profissionais; assim, temos pessoas que receberam o dom da fé e o foram amadurecendo, e outras que o não fizeram.

Da mesma forma, às nossas Obras vêm pessoas que receberam o dom da fé e o fizeram crescer e outras não. A todas queremos servir e a todas queremos ajudar. Com todas elas podemos percorrer um caminho que lhes permita recapitular a sua história pessoal, aproveitando esse momento de crise que a perda da saúde supõe.

 

Partindo da aceitação das limitações e da dependência que a doença ou a marginalização pressupõem, poderemos acompanhá-las a redescobrir a sua história, o seu ser e o sentido da sua vida.

Isto deverá ser feito com especial sensibilidade e respeito, ao ritmo que o doente ou o necessitado for capaz de seguir – ou melhor, ao ritmo que ele for imprimindo a isso. Com aquelas pessoas que sentirem o dom da fé poderemos celebrar de forma explícita este processo; mas sempre em função do grau de crescimento e maturidade que se for alcançando.

 

As nossas Obras, tanto sanitárias como de carácter social, são Obras da Igreja e, por isso, a sua missão consiste em evangelizar partindo do cuidado e da atenção integral aos doentes e aos necessitados, seguindo o estilo de S. João de Deus.

Falar de atenção integral implica atender e cuidar da dimensão espiritual da pessoa, como uma realidade essencial, organicamente relacionada com as outras dimensões do ser humano: a biológica, a psicológica e a social.

 

A dimensão espiritual vai mais além da esfera estritamente religiosa, embora também a inclua. Muitas pessoas encontram em Deus as respostas para as grandes questões da vida, mas outras não, devido ao facto de que o dado da fé em Deus não é significativo na sua vida e, por isso, procuram as respostas noutras realidades.

Deus não tem para todas as pessoas o mesmo significado, nem é o mesmo, nem a sua vivência se faz da mesma maneira.

 

Devemos aproximar-nos de todos os doentes e necessitados, salvaguardando o respeito e a liberdade, e atender as suas necessidades espirituais, deixando-lhes o protagonismo e dando-lhes o que precisarem na medida das nossas possibilidades.

 

É bem verdade que a doença, a marginalização e a pobreza são ocasiões propícias para abordar muitas questões sobre o sentido da vida e da presença salvífica de Deus.

Por isso, e de formas diferentes, temos de acompanhar e responder, oportunamente, a todas essas situações. Só então tem sentido a nossa preocupação pela pastoral da saúde e da marginalização.

 

A pastoral é a acção evangelizadora de acompanhar as pessoas que sofrem, oferecendo com a palavra e o testemunho a Boa Nova da salvação, tal como fazia Jesus Cristo, sempre respeitando as crenças e os valores das pessoas.

 

O Serviço de Pastoral tem como missão primordial atender as necessidades espirituais dos doentes e necessitados, as suas famílias e os próprios profissionais dos Centros. Isso requer uma estrutura adequada que inclui pessoal, meios e um programa que garanta o cumprimento da sua missão.

 

A Equipa de Pastoral é formada por pessoas preparadas e totalmente dedicadas ao trabalho pastoral da Obra Apostólica, as quais são apoiadas por outras pessoas comprometidas no projecto, seja a tempo parcial seja em regime de voluntariado. Deve existir um plano de acção pastoral e um programa concreto em função das necessidades do Obra e das pessoas nela assistidas.

Deverá haver linhas mestras de acção pastoral, tanto no seu conteúdo filosófico como teológico e pastoral. A partir dessas linhas deverá ser elaborado um programa de pastoral, procurando sempre responder às verdadeiras necessidades espirituais dos doentes, das suas famílias e dos próprios profissionais.

Deverão ser assinalados os seus objectivos, as suas acções e os critérios de avaliação, separando as diferentes áreas ou tipos de utentes da Obra Apostólica, programando para cada área a pastoral concreta e adequada.

 

A Equipa de pastoral deverá cuidar muito bem da sua formação, com o fim de estar actualizada, alimentar-se do ponto de vista profissional e espiritual, para poder servir melhor as pessoas.

Uma boa ajuda para a Equipa de Pastoral pode ser dada pelo Conselho de Pastoral composto, embora não exclusivamente, por profissionais do Centro, sensíveis à realidade pastoral: a sua função principal será a de reflectir e orientar o trabalho da equipa.

 

 

5.2.  Problemas específicos da nossa acção assistencial

 

5.2.1.   Sexualidade e procriação

 

5.2.1.1. Procriação responsável

 

68.  A procriação humana é o caminho mediante o qual Deus coopera com o homem que livremente se torna instrumento do seu acto criador através da geração.

Daí deriva o grande valor do acto humano de conceber que, por isso, é confiado à procriação responsável por parte do casal.(3)

 

Esta responsabilidade procriadora faz com que o casal esteja atento ao duplo significado, unitivo e procriador da sexualidade conjugal. Na realização desta tarefa tão importante, o casal orientar-se-á à luz da palavra de Deus e dos ensinamentos da Igreja adquiridos de forma responsável e segundo a própria consciência, única e pessoal.

 

Nas Obras Apostólicas da Ordem deverão ser fomentadas todas aquelas estruturas que, segundo as formas e as modalidades próprias das situações médicas e culturais dos diferentes países possam incentivar uma responsabilidade procriadora, mesmo mediante um adequado aconselhamento (conselling).

Estes mesmos critérios hão-de aplicar-se também aos serviços profissionais dos agentes de saúde, tanto a nível ambulatorial como nas intervenções em regime de hospitalização.

 

5.2.1.2. Interrupção da gravidez

 

69.  A vida humana é um valor universalmente reconhecido, embora seja entendido com diferentes sensibilidades históricas e culturais.

O respeito e a tutela da vida humana constitui o fundamento de todas as profissões e organizações de saúde.

 

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Cfr. JOÃO PAULO II, Evangelium Vitae (EV), 44.

A tutela da vida é levada a cabo desde o princípio até à extinção natural, independentemente

·      das modalidades e circunstâncias da fecundação,

·      do seu estado de saúde antes e depois do nascimento,

·      das suas expressões relacionais,

·      da sua aceitação social.

Mais ainda: qualquer situação de mal-estar existencial, segundo o exemplo de S. João de Deus, constitui um motivo de compromisso, individual e comunitário, para a salvaguarda do dom que Deus confia ao homem.

 

Ao considerar a vida humana como inviolável, estabelece-se um princípio ético que se deve respeitar, independentemente das complexas questões teológicas sobre o momento da «animação» (quer tenha lugar no momento da concepção, quer num momento posterior).

Segundo as equilibradas e prudentes posições manifestadas na Donum vitae e na Evangelium vitae, o ser humano deve ser respeitado «como pessoa» desde o momento da sua concepção.(4)

 

O carácter inviolável da vida humana exclui, por conseguinte, o facto de que nas Obras da Ordem Hospitaleira se possa praticar o aborto voluntário ou qualquer outra intervenção que, de facto, suprima a vida nas suas primeiras fases ou que impeça o seu desenvolvimento natural.

 

 

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(4)  SAGRADA CONGREGAÇÃO PARA A DOUTRINA DA FÉ, Instrução Donum Vitæ, 22 de Fevereiro de 1997,  § 2

Do mesmo modo, deverá ser feito tudo quanto for possível para que os procedimentos de diagnóstico pré-natal não tenham como única finalidade a interrupção da gravidez no caso de revelarem malformações no feto.

Pelo contrário, o compromisso positivo a favor da vida e o acolhimento do mais frágil e necessitado, como no caso de uma pessoa deficiente, exigem por fidelidade ao carisma de S. João de Deus um acolhimento mais concreto e efectivo.

Isto é agora ainda mais necessário, dado que a cultura predominante e as políticas de muitos Estados tendem a negar a vida às pessoas que, de alguma forma, forem «imperfeitas».

O facto de se efectuarem nas obras da Ordem tais diagnósticos requer que sejam as mesmas Obras a instituírem Centros de Aconselhamento (counselling) qualificados para os casais e as famílias com problemas provocados pelo nascimento de um filho com malformação.

 

É necessário que a reprovação do aborto voluntário, seguindo este mesmo critério, não implique o desprezo para com aqueles que o praticam. 

Ao contrário, com caridade cristã, as nossas Obras deverão converter-se em Centros de Acolhimento da vida e de «reconstrução» de uma existência que, frequentemente, está profundamente marcada pelo facto de se ter praticado uma interrupção da gravidez.

 

A condenação do erro não deve transformar-se em condenação de quem o comete mas deve sim, através do amor, transformar a pessoa que errou numa pessoa consciente  do seu erro mas confiante no perdão de Deus.

 

A ilicitude da prática da interrupção voluntária da gravidez não exclui que se possam realizar intervenções farmacológicas ou cirúrgicas para salvaguardar a saúde da mãe e que arrastem consigo inclusivamente a morte do feto, contanto que esta não seja querida directamente, não seja obtida através da própria intervenção, e que esta última seja inadiável.(5)

 

5.2.1.3. Reprodução assistida

 

70.  São muitos os casais estéreis que recorrem às técnicas de reprodução assistida, como recurso eficaz para ultrapassar um problema que não depende da sua vontade.

 

Nenhuma Obra Apostólica da Ordem pode, de forma alguma, oferecer este serviço, sem estar altamente qualificado e reconhecido para isso.

Neste caso, consideramos eticamente aceitável a ajuda aos casais por meio de técnicas de reprodução assistida, que permitam ao casal procriar na sua intimidade sexual,(6) utilizando gâmetas do casal, e no respeito da vida do embrião.

 

Se circunstâncias da política de saúde exigirem outras intervenções, será necessário arbitrarem-se soluções aceitáveis ou procurar alternativas.

 

 

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(5)   Cfr. PONTIFÍCIO CONSELHO PARA A PASTORAL DOS AGENTES DA SAÚDE, Carta dos Agentes da Saúde, Cidade do Vaticano, 1995, § 142

(6)   Ibidem, 21c

As Comissões de Ética e Bioética podem ser nestes casos uma excelente ajuda.

 

 

5.2.2.  Doação de órgãos e transplantes

 

5.2.2.1. Tipos de transplante

 

71.  As modernas possibilidades proporcionadas pelos transplantes constituem um dos maiores desafios éticos dos nossos tempos, visto que nos convidam a adquirir uma nova visão da solidariedade interpessoal.

 

A Ordem Hospitaleira, neste sentido, une-se aos esforços de toda a colectividade para encarnar e difundir a «cultura da doação».

 

Para além dos aspectos legislativos que podem fazer com que o consentimento para o transplante depois da morte seja mais ou menos explícito, a importância da doação nunca se deve perder de vista.

 

É evidente que é preciso realizar um trabalho de tipo cultural para vencer algumas resistências que ainda se encontram relativamente ao transplante de órgãos de um cadáver, devido a uma errónea concepção do carácter sagrado do mesmo.(7)

 

 

___________________________________

 

(7)   Ibidem, 87.

 

Neste sentido, a dupla posição da Ordem, como expressão de um organismo eclesial, por um lado e, por outro, como estrutura de saúde, poderia contribuir para vencer estas resistências.

Na realidade não devemos transformar o culto que é justamente devido aos mortos, em que a piedade cristã é tão rica, num culto dos cadáveres.

Coloca-se um problema diferente para os transplantes entre seres vivos. Sendo um gesto de enorme e por vezes heróica oblação, e devido às suas características extraordinárias, não se pode considerar como um dever ético, como acontece no caso da doação post-mortem.

Faz parte dos actos extraordinários a que não se está obrigado, mas que revelam uma grande e admirável generosidade.

 

5.2.2.2. A morte cerebral

 

72.  Para que se possam retirar os órgãos de um cadáver apresenta-se o delicado problema da certificação da morte cerebral.

É evidente que só a um sujeito que esteja efectivamente morto se pode retirar um órgão.

Precisamente por isso, nos dias de hoje, existem critérios rigorosos para a sua verificação.

Uma pessoa está morta quando, com base nalguns parâmetros clínicos e/ou instrumentais, já não houver nenhuma actividade, de forma irreversível, tanto no córtex cerebral como no tronco encefálico.(8)

 

 

_______________________________

 

(8)     Ibidem, 129.

 

Estes critérios são suficientes e estão reconhecidos pela comunidade científica internacional e não devem ser contraditos pelas notícias mais ou menos sensacionalistas divulgadas pelos meios de comunicação.

De facto, a morte é um processo e não um acontecimento. Por isso, o momento final  da existência terrena não constitui a morte da totalidade do organismo – que, nalgumas partes continua a viver, mesmo depois da interrupção da actividade cerebral –, mas a morte do organismo como uma totalidade.

 

5.2.2.3. Utilização dos tecidos embrio-fetais

 

73.  Nalguns casos, e de modo particular nos casos de doenças hematológicas ou neurológicas, desde há algum tempo utiliza-se o transplante de tecidos fetais (células hepáticas, cerebrais, etc.).

Dado que geralmente os sujeitos aos quais se retiram os tecidos são fetos abortados voluntariamente, isto apresenta um delicado problema de carácter ético

·      sobre a «utilização» destes sujeitos,

·      sobre a possível «instrumentalização» do acto abortivo

·      e sobre a validade do consentimento assinado pela mãe.

Em si mesmo, o uso dos tecidos embrio-fetais, depois de ponderar os riscos e as vantagens, não deveria representar um problema ético.

Não há dúvida de que se deverá evitar qualquer tácita instigação ao aborto ou ao facto de que se considerem estes fetos como «vidas desprezíveis» e sobre as quais se poderia, portanto, fazer o que se entendesse.

A sua dignidade de seres humanos deverá ser sempre respeitada e, do mesmo modo, esta utilização, embora possa salvar vidas humanas, não deverá servir para legitimar o aborto.(9)

 

 

5.2.3.  Doentes crónicos e terminais

 

5.3.2.1. Eutanásia

 

74.  O respeito pela vida, que começa desde o princípio, prolonga-se durante toda a duração da existência até ao seu fim natural.(10)

Com o termo eutanásia entendemos a morte provocada, ou procurada, tanto mediante procedimentos, que de maneira deliberada e voluntária, possam causá-la (eutanásia activa), como através da omissão de procedimentos que a possam evitar.

 

Esta segunda forma define-se impropriamente como «eutanásia passiva», uma expressão que é ambígua e imprópria: ou se trata de uma supressão deliberada da vida, – realizada quer cometendo-a quer abstendo-se –, ou se trata apenas de evitar um inútil encarniçamento terapêutica e, neste caso, não se trata de eutanásia.

 

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(9)   Ibidem, 146.

(10) Cfr. EV. 57

 

Aplicando o mesmo princípio do duplo efeito, já referido, ao aborto voluntário, não constitui um acto de eutanásia a intervenção que se proponha actuar para melhorar uma condição patológica do indivíduo (por exemplo, para eliminar a dor), mas que possa também implicar, de forma inevitável e não desejada, uma possível antecipação da morte.

 

O dever de garantir a todos uma morte digna do homem implica, em qualquer caso, o cuidado até ao último instante da vida.

A grande diferença que existe entre a cura (cure) e o cuidado (care), faz com que não haja doentes in-cuidáveis, embora haja alguns que são incuráveis.

A alimentação parenteral apropriada, a limpeza das feridas, a higiene corporal, as condições ambientais adequadas, são direitos iniludíveis dos quais não se pode privar nenhum doente até ao derradeiro instante da sua existência.

 

5.2.3.2. Testamento vital

 

75.  O «testamento vital» (living will) é um documento no qual uma pessoa exprime a sua vontade de que sejam respeitados os seus valores e as suas convicções no caso de algum dia, devido a qualquer lesão ou doença, ficar incapaz de manifestar a sua vontade.

Concretamente, pede que, nestas circunstâncias, se respeite o direito,

·        a não ser submetido a tratamentos desproporcionados ou inúteis;

·        a que não se alargue o processo de morrer de forma insensata

·        e a que se aliviem os sofrimentos com fármacos apropriados, mesmo se isso comportar uma vida mais breve.

Apresentado desta forma e como declaração de intenções, não há dúvida de que o testamento vital é bom e aconselhável. Manifesta, de facto, a vontade do doente sobre a forma como deseja ser tratado pelos médicos na fase final da sua vida.

Hoje em dia, o testamento vital não tem qualquer valor legal. Por isso, um amplo sector da sociedade, reclama de forma insistente e com razão, a sua tutela jurídica, de modo que, em caso de controvérsia, possa recorrer à justiça para resolver o litígio com base numa legislação específica.

A Igreja não pode aceitar de forma alguma que se provoque a morte de forma activa, mesmo que por vontade expressa livremente pelo interessado.

O limite de dispor da própria vida com a intervenção de terceiros, em caso de doença ou de invalidez incurável e permanente, até provocar directamente a morte, assinala a diferença entre o testamento vital aceitável para os católicos e os outros tipos de testamento.

Além do testamento vital, devemos tomar em consideração outras formas de garantir os direitos do doente quando, devido à sua incapacidade, têm que intervir terceiros.

 

Isto implica o reconhecimento jurídico da figura de um tutor encarregue de tomar as decisões médicas.

 

Esta pessoa, escolhida pelo doente, terá o poder de decidir, como se fosse o próprio doente, as acções que melhor possam tutelar o seu bem, considerado de forma integral.

 

5.2.3.3.  Proporcionalidade dos cuidados e encarniçamento terapêutico

 

76.  Os nossos hospitais, embora tenham como princípio fundamental a promoção da saúde, não podem considerar a morte como um fenómeno estranho, que se deva marginalizar, mas como uma parte integrante da vida, e fundamental para a realização plena e transcendente do doente.

Por conseguinte, todo o doente deve ser respeitado no seu direito a que não se ponham entraves à sua decisão de assumir de forma responsável, segundo a sua religião e a sua concepção da vida, o acontecimento da sua própria morte; antes pelo contrário, deverá ser apoiado nessa decisão.(11)

A isso se oporia o facto de ocultar-lhe a verdade ou de privá-lo, sem uma necessidade urgente ou real, das suas habituais relações com a família, com os amigos, com a comunidade religiosa ou ideológica. Só assim se poderá realizar, inclusivamente nos momentos definitivos da existência, a humanização da Medicina.

É evidente que isto comporta o facto de se viver com plena responsabilidade e dignidade o momento da própria morte. Se, por um lado, esta não pode ser provocada directamente, por outro lado, não se deve insistir com tratamentos que não tenham uma influência eficaz sobre a duração da vida e sobre a sua qualidade, prolongando simplesmente a agonia com um inútil encarniçamento terapêutico.

 

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(11)  SAGRADA CONGREGAÇÃO PARA A DOUTRINA DA FÉ, Declaração sobre a Eutanásia, 5 de Maio de 1980, .p. 549.  Cfr. Carta dos Agentes da Saúde, 119

Cada um tem o direito a morrer com dignidade e serenidade, sem tormentos inúteis, utilizando todos e apenas os tratamentos que sejam realmente proporcionados.(12)

 

5.2.3.4. Cuidados paliativos

 

77.  Podemos dizer que, desde sempre, o homem recorreu a cuidados paliativos quando se ocupou da fase «terminal» de um doente, apoiando-o com todos os remédios disponíveis e também ajudando-o, consolando-o, acompanhando-o até à morte.

 

Hoje em dia temos uma ideia mais elaborada destes cuidados, que estão estruturados a nível operativo (em lares e unidades de cuidados paliativos, etc.), que nos ajudam a não abandonar ao seu destino o doente que sofre de uma doença incurável.

Os cuidados paliativos apresentam-se, pois, como «cuidados totais», proporcionados à pessoa numa relação global de ajuda, encarregando-se de todas as necessidades assistenciais.(13)

 

Na realidade, os cuidados paliativos são exactamente o que se deve fazer no tratamento de um doente terminal. Não conduzirão à cura, visto que impossível, mas trta-se de realizar uma série de tratamentos (por vezes até mesmo tecnicamente complexos) para garantir uma boa qualidade de vida, durante o tempo que lhe resta para viver.

 

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(12)  Cfr. Carta dos Agentes da Saúde, 119-120.

(13)  Cfr. EV, 65

 

À luz destas considerações, as instituições da Ordem Hospitaleira que se ocupam do tratamento de doentes na fase terminal da sua doença, deverão adequar, na medida do possível, unidades de cuidados paliativos destinadas a tornar mais suportável ao doente a dita fase terminal e, ao mesmo tempo, deverão garantir um adequado acompanhamento humano.

 

5.2.4. Problemas relacionados com a pesquisa científica em seres humanos

 

5.2.4.1. Experimentação clínica

 

78.  A pesquisa científica sempre foi um dos principais motores com que se levou a cabo o progresso da Medicina. A esta, bem como a algumas descobertas fortuitas, como aconteceu com os antibióticos ou os raios X, devemos os êxitos actuais da ciência.

Nos dias de hoje, a investigação já não se realiza num laboratório fechado ou sobre animais, mas directamente no homem.

Este método experimental já não é só uma opção que alguns investigadores querem empregar, mas tornou-se hoje numa necessidade iniludível, sobretudo no que se refere aos novos medicamentos.

 

Depois do laboratório e do animal cobaia, todo o fármaco deve ser experimentado pela primeira vez no homem.

 

Não se trata evidentemente de utilizar o homem como cobaia, mas de aperfeiçoar uma terapia da qual o próprio sujeito, sobre o qual se experimenta, e/ou outros, poderão tirar proveito.

Isto só pode verificar-se respeitando algumas condições rigorosas que já foram definidas por várias Cartas e Declarações internacionais.(14)

E dado que este tipo de pesquisa se realiza sobretudo nas estruturas hospitalares, é importante que as nossas Obras Apostólicas estejam conscientes e atentas a estas condições.

 

A primeira condição é que qualquer tipo de experimentação parta de uma presunção de benefício: por exemplo, a introdução no mercado de um fármaco até então inexistente, ou de um melhor, em substituição de outro, por diversas razões –

·      maior eficácia,

·      riscos inferiores,

·      custo mais baixo,

·      maior facilidade de aplicação, etc.

 

Qualquer experiência deverá ser feita com o consentimento do interessado.

 

Para que o consentimento seja válido deve ser manifestado livremente.

Isto significa que não se deverá exercer nenhuma espécie de coacção, nem implícita nem de tipo «moral», como poderia acontecer no caso da influência da autoridade médica ou medo por parte do doente, receando não continuar a ser tratado de forma adequada.

 

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(14) A este respeito pode-se consultar: Código de Nurimberga, Declaração de Helsínquia, Declaração de Genebra, Good Clinical Pratice, etc. Além disso, partindo dos critérios do Magistério, ver Carta aos Operadores da Saúde, 75-82.

Além disso, o consentimento deverá ser «informado»: será necessário explicar ao doente que se trata de uma experiência clínica e esclarecê-lo sobre os riscos e as vantagens, as alternativas, as garantias de seguros, etc.

 

Como condição prévia para que o consentimento seja realmente informado, é indispensável que o doente saiba a verdade sobre o seu estado de doença. Isto não significa que a comunicação da verdade não se possa fazer progressivamente, diferida no tempo e partilhada com os seus familiares. Nem que se tenha de violar de forma obstinada a consciência do doente que tenha manifestado o desejo de não saber a verdade. Nem sequer que a verdade tenha de ser pormenorizada, incluindo todos os aspectos e os possíveis efeitos secundários: é suficiente que seja adequada.

 

Para conseguir uma uniformidade no momento de receber o consentimento seria oportuno que as diferentes Obras Apostólicas ou Províncias elaborassem um protocolo apropriado para ser utilizado nos casos clínicos das diferentes Obras. É fundamental que todos os agentes de saúde compreendam que a exigência do consentimento não é um procedimento legal para salvaguardar o médico, mas sim um direito do doente e, enquanto tal, comporta um dever ético específico por parte dos mesmos agentes.

 

5.2.4.2.  Investigação com pessoas deficientes e grupos vulneráveis

 

79.  Quanto acima fica dito refere-se evidentemente à experimentação clínica realizada em sujeitos jurídica e eticamente competentes, isto é, em condições de compreenderem perfeitamente o que se lhes diz e faz, e capazes de exprimir um consentimento plenamente consciente.

Mas a experimentação não abrange apenas estes sujeitos nem se pode restringir a eles. Desse modo ficariam excluídos alguns doentes, como por exemplo as crianças, os doentes mentais ou as pessoas em estado de coma, que também necessitam de novas descobertas terapêuticas.

Precisamente por este motivo será necessário pensar em formas oportunas de «tutela» confiadas a pessoas que, pelos seus vínculos afectivos com o doente ou pelas funções institucionais que desempenham, presumivelmente se preocuparão sempre com o bem do doente. Nestas condições e depois de avaliar os riscos que o doente corre, comparando-os com as potenciais vantagens, a experimentação poderá ser levada a cabo de forma lícita.

 

Um problema particular se apresenta ainda nas possíveis experiências realizadas em sujeitos sãos. Dificilmente qualquer um deles estaria disposto a submeter-se a este tipo de experimentação sem obter alguma coisa em troca.

 

Na maioria dos casos, de facto, estes sujeitos são presos a quem se oferece em troca uma redução da pena.

 

Por vezes justifica-se esta prática apresentando-a como uma espécie de «tributo» que, desta forma, os presos pagam à sociedade.

 

Noutros casos, estes sujeitos são estudantes que, de alguma forma, são remunerados pelo serviço prestado e, em muitos outros casos, trata-se de autênticas «cobaias humanas», recrutadas nos países do Terceiro Mundo em troca de uma retribuição insignificante.

Nestes casos, falta o requisito fundamental da liberdade no momento de aceitar submeter-se à experimentação, além de que tais comportamentos são lesivos da dignidade humana.

 

Nas nossas Obras Apostólicas, em razão disto, deverá haver sempre vigilância para que inclusivamente uma possível experimentação em sujeitos sãos seja realizada só depois do seu consentimento expresso de forma absolutamente livre e com uma adequada garantia de ausência de riscos significativos.

 

5.2.4.3. Fetos e embriões

 

80.  Pelo que se refere à experimentação pré-natal, podem verificar-se dois casos fundamentais.

 

O primeiro é o da experimentação com embriões excedentários que sejam fruto de métodos de fecundação in vitro.

Com frequência é realizada com considerações de tipo pseudo-humanitário, alegando-se que é preferível «utilizar» o embrião desta forma do que suprimi-lo ou congelá-lo.

 

O segundo caso é o da experimentação realizada em mulheres grávidas que tenham pedido a interrupção da gravidez.

 

Também neste caso se poderia, assim, «utilizar» o feto que, de qualquer forma está destinado a morrer.

 

Na realidade, estas considerações, por muito útil que a investigação se torne para outros seres humanos, fazem com que se instrumentalize a pessoa humana, mesmo que seja para uma boa causa, visto que já não um fim, mas um simples meio.(15)

É diferente, pelo contrário, o caso de uma terapia experimental, mesmo com todos os riscos que comporta, levada a cabo para um possível benefício do feto no qual se faz a experimentação.

É evidente que este benefício deverá ser potencialmente maior do que o facto de não realizar a mesma experimentação, ou do que a utilização de outra terapia.

 

5.2.4.4.  Comissões de Investigação clínica e Comissões de Ética

 

81.  Com o fim de promover a investigação, os hospitais organizam Comissões de Investigação Clínica, como órgãos que promovem os diferentes campos da investigação clínica e farmacológica.

Estas Comissões são também uma instância formativa que inspira e promove momentos

·      de reflexão,

·      de informação,

·      de inovação

·      e de sensibilização nas áreas assistencial, científica, didáctica e administrativa.

 

Por outro lado, as Comissões de Ética, que é oportuno constituir e promover em todas as Províncias da nossa Ordem, apresentam-se nos dias de hoje como órgãos para a defesa da autonomia do doente e do respeito dos seus direitos.

 

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(15)  Cfr. EV. 63

 

Tais Comissões deverão ter uma estrutura adequadamente representativa e sobretudo deverão ser integradas por pessoas competentes no campo da ética.

 

Nem todos os países têm legislação sobre este tema e, frequentemente, a fisionomia das Comissões é diferente.

 

Nalguns países existem Comissões «nacionais», enquanto noutros são apenas hospitalares. Algumas ocupam-se só de investigação e outras apenas de problemas clínicos. Algumas são totalmente independentes, ao passo que outras estão vinculados a uma instituição, etc.

 

Como quer que seja, pode-se dizer que, em geral, as funções que as Comissões de Ética realizam são três.

 

A primeira é a função de autorizar.

 

Compete-lhes, de facto, o exame dos ensaios experimentais, tanto de carácter médico como cirúrgico. Neste âmbito, as Comissões deverão exprimir um parecer ponderado que tenha em conta todas as condições de licitude que permitam a própria experimentação (razão do estudo, proporção entre riscos e vantagens, tutela do doente, consentimento esclarecido, etc.)

 

Em segundo lugar, as Comissões têm uma função consultiva, no caso de serem expressamente consultadas por terceiros (pessoal de saúde, doentes, instituições externas) para exprimir um parecer sobre questões de grande significado ético ou para esclarecer situações de conflito para as consciências dos agentes de saúde.

Finalmente, as Comissões desempenham uma função cultural, pois podem traçar directrizes sobre comportamentos éticos ou promover com diversas iniciativas (congressos, publicações, etc.) um alargamento da competência ética do pessoal e das instituições de saúde.

 

Além disso, as Comissões podem ser consideradas como verdadeiros instrumentos de formação para promover a sensibilidade ética dos religiosos e dos colaboradores.

 

5.2.5.   Problemas éticos relacionados com a medicina preditiva

 

5.2.5.1. A comunicação do diagnóstico

 

82.  As modernas possibilidades proporcionadas pela medicina preditiva, realizada e muitas das nossas Obras Apostólicas, levanta problemas éticos que até agora não existiam.

O primeiro destes problemas é o da comunicação do diagnóstico.

A quem se deve comunicar:

·      ao interessado,

·      aos familiares,

·      aos dois?

O critério ético geral quanto ao facto de comunicar a verdade ao doente diz-nos que o titular prioritário, ou até mesmo exclusivo, deste direito, é o próprio doente, independentemente da gravidade da doença.

É precisamente nos casos de prognóstico mais grave que o problema se apresenta com mais urgência.

 

A situação das doenças genéticas não deveria representar uma excepção a esta regra.

Não há dúvida de que a particularidade de muitas destas doenças, cuja expressão clínica poderia envolver os membros da família, faz com que se apresentem as perguntas acima referidas.

 

Neste documento é impossível aprofundar o problema: aconselhamos simplesmente um exame atento das diferentes situações, que tenha em conta os «direitos» de todas as pessoas implicadas, dando prioridade absoluta ao doente (que não deverá ser defraudado de uma realidade que tão profundamente lhe diz respeito), mas tendo também em conta, se for caso disso, as justas exigências dos familiares.

 

5.2.5.2. Património genético e tutela do segredo

 

83.  No futuro desenvolvimento das ciências médicas está-se a esboçar no horizonte um conhecimento total do património genético do homem, não só no que diz respeito à sua estrutura fisiológica, mas também – e é isso o que mais conta – para identificar as suas possíveis patologias.

Por um lado, esta realidade é uma premissa indispensável para a sua futura correcção (engenharia genética); por outro, esta possibilidade levanta novos problemas de carácter ético.

 

O primeiro diz respeito ao segredo destes dados que, ao serem guardados em «bancos genéticos», poderiam representar um perigoso elemento de distorção ou de simples invasão na vida do indivíduo.

Na realidade, o problema não é diferente do que poderia derivar da violação de um arquivo clínico ou informático.

Apresenta-se simplesmente um velho problema em termos diferentes, que é o do carácter secreto dos dados pessoais.

Talvez o que mais chame a atenção neste caso seja a profundidade e a «intimidade» deste tipo de possível violação, que penetra nas fibras mais secretas da estrutura humana.

Mas os critérios que se aplicam em outras situações deveriam aplicar-se também a esta.

 

Com este problema está intimamente relacionado o problema de uma espécie de «carta de identidade genética» do indivíduo, a última meta da tão desejada medicina preditiva de que tanto se fala.

 

·      Quais são os problemas que este instrumento causará?

·      De que forma vai afectar a psique do indivíduo o facto de se saber que ele é portador de várias doenças genéticas que, embora não se manifestem clinicamente, permanecem como potenciais?

·      Que consequências terá no momento de escolher o cônjuge?

 

Afinal, até agora sempre se disse que devemos prevenir as doenças genéticas com exames pré-matrimoniais.

Este poderia ser o último e insuperável instrumento.

Poderá condicionar as escolhas afectivas do indivíduo?

Trata-se, sem dúvida alguma, de uma visão ainda distante, mas para a qual nos devemos começar a preparar.

 

Há ainda outro aspecto, o último, mais pragmático, embora não menos importante, diz respeito às implicações de tipo profissional e dos seguros.

 

Não se exclui que, no futuro, quem quiser contratar uma pessoa possa pedir (como acontece nos dias de hoje com o certificado médico) a sua «carta de identidade genética», podendo mesmo chegar a não contratar as pessoas classificadas como não idóneas – no momento, ou no futuro.

Estaríamos perante uma grave forma de discriminação laboral e, face a esta possibilidade, a filosofia das nossas Obras Apostólicas deveria prever medidas que tutelem estes trabalhadores, que poderão vir a representar uma das «novas formas de pobreza» do futuro.

 

5.2.6. Problemas éticos nas situações de marginalização

 

5.2.6.1. Toxicodependentes

 

84.  Não obstante em todos os povos e em todos os tempos terem existido formas de dependência física e/ou psíquica de diversas substâncias, frequentemente com um fundo mágico-religioso, só nos nossos dias é que este problema adquiriu dimensões ético-sociais de grande envergadura.

 

Os principais motivos são a vastidão do problema, a sua presença junto das camadas mais novas da população, e os danos individuais e sociais implicados no consumo de tais substâncias.

O problema, que é muito complexo, interpela a intervenção da Ordem Hospitaleira a vários níveis.

Antes de mais, nos níveis tipicamente de saúde que o facto comporta:

·      primeiros socorros,

·      procedimentos clínicos da desabituação,

·      tratamento médico das complicações.

 

Além disso, há os tratamentos psicológicos e educativos para a superação definitiva da dependência psíquica.

Se é relativamente fácil ultrapassar a dependência física, o mesmo não se pode dizer da dependência psíquica.

Efectivamente, se não se apresentar uma proposta audaz, capaz de colmatar o vazio de valores que arrasta a juventude para o consumo de drogas, o sujeito nunca conseguirá vencer a sua batalha contra o uso de estupefacientes.

Este é o motivo que faz com que a Igreja esteja presente no mundo da droga com diversas estruturas (Centros de acolhimento, comunidades terapêuticas) tendo em vista a reabilitação e a reinserção social dos toxicodependentes.

 

Além disso, não podemos menosprezar a dimensão social deste compromisso da Ordem Hospitaleira que está plenamente em sintonia com o seu carisma.

Sem dúvida alguma, a toxicodependência faz parte das «novas» formas de pobreza de que tanto se fala e  com as quais a Ordem se deve sentir comprometida.(16)

 

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(16) Cfr. MARCHESI, Pierluigi, A Hospitalidade dos Irmãos de S. João de Deus rumo ao ano 2000, Roma, 1986, Apênce III

Como é óbvio, as referidas actividades não se deverão realizar como oposição aos serviços e intervenções das instituições públicas, mas sim de forma complementar.

Isto não significa que devam necessariamente partilhar as medidas legislativas e sociais que não se harmonizem com a missão carismática das nossas Obras.

 

Nalguns aspectos, as diversas formas de toxicodependência podem-se comparar com outras, como por exemplo o alcoolismo.

 

De facto, o problema do alcoolismo, em diversos países do mundo, atinge dimensões muito superiores às da droga. E, além disso, as camadas sociais afectadas são muito diferentes, o que representa mais um estímulo para que a Ordem se empenhe de forma eficaz neste sector de actividade.

 

5.2.6.2. Doentes de SIDA

 

85.  A difusão actual desta patologia e as peculiaridades sociais que ela comporta, exigem uma resposta válida por parte da nossa Ordem, que podemos assumir em diversas formas de actuação.

 

A primeira deverá ser de ordem cultural, evitando atitudes interiores e, por conseguinte, os comportamentos discriminatórios, especialmente naquelas situações de carácter sanitário, em que o sujeito seropositivo, ou com SIDA declarada, se encontra em hospitais gerais por diversos motivos (urgências, necessidade de operação cirúrgica, etc.), partilhando com outros doentes e visitantes a sua hospitalização.

 

A atitude de acolhimento deverá manifestar-se de forma mais apropriada e como uma forma de actuação do carisma, em estruturas predispostas para estes doentes ou de acompanhamento dos doentes que estejam na fase terminal da sua doença.

Além disso, no plano da nossa herança histórica, não nos devemos esquecer de que é precisamente na assistência às pessoas afectadas por várias doenças infecciosas que se distinguiram no passado, inclusivamente de forma heróica, muitos dos nossos religiosos hospitaleiros.

 

Além do facto de tomar a cargo estes doentes, a Ordem deverá também colaborar na prevenção da patologia, que deverá ser feita sobretudo a partir de um apropriado ensino dos valores.

 

No caso de estas estratégias se revelarem ineficazes ou insuficientes, qualquer possível diminuição do dano se deverá realizar com uma consciência real de que estas medidas, por serem falíveis, não representam uma garantia absoluta da prevenção do contágio.

 

Além disso, na medida que nos for possível, seria oportuno que a Ordem colaborasse também nas actividades de pesquisa levadas a cabo por outros organismos ou instituições médicas, tendo em vista encontrar novos remédios ao nível da terapia ou da prevenção para acabar definitivamente com este flagelo.

 

Finalmente, devemos ter cuidado para que a profunda compreensão humana, o acolhimento, a rejeição de todas as formas de marginalização e de qualquer suposta «condenação divina» expressa em relação a esta doença, não se traduza numa legitimação dos comportamentos que estão na sua origem.

5.2.6.3. Deficientes físicos e psíquicos

 

86.  Embora pareça que a sociedade contemporânea voltou a descobrir a atenção pelos deficientes, tanto em termos de aceitação da pessoa «diferente» como através da aplicação de medidas, como por exemplo a eliminação das «barreiras arquitectónicas», ao nível cultural continua a haver alguma rejeição desta realidade, cujas manifestações vão desde

§      a promoção de uma eugenesia pré-natal,

§      à supressão do embrião afectado por qualquer anomalia,

§      até à petição da eutanásia para eliminar um recém-nascido malformado ou um adulto incapacitado.

Mas não terá sentido criticarmos tudo isto se, ao mesmo tempo, não agirmos para enfatizar os valores do acolhimento e do amor que a sociedade deve manifestar em relação aos seus membros mais frágeis.

Uma sociedade realmente feita à medida do homem, não pode basear-se nos «fortes», mas sim nos «fracos».

Por isso, além de ter Obras específicas para os deficientes, a Ordem deveria desempenhar um papel de testemunho.

 

A frequente combinação da deficiência (handicap) física e psíquica reforça as considerações citadas no parágrafo anterior.

 

Por outro lado, se a deficiência for apenas física, com mais razão se deverá intervir para assegurar a reabilitação integral do deficiente.

Neste sentido, é a própria sociedade que precisa de uma reabilitação, dado que frequentemente se revela incapaz de ver no deficiente uma pessoa, embora com problemas particulares.

5.2.6.4.  Doentes mentais e deficientes psíquicos

 

87.  Constituem desde sempre uma categoria de doentes particularmente atendidos nas nossas Obras, dada a experiência biográfica do nosso Fundador.

Sobre eles adquirimos uma bagagem de experiências e competências muito importante que, amiúde, foi precursora de ideias e soluções que se aplicam nos dias de hoje nos sectores de saúde pública.

Não há dúvida de que continuam a existir alguns problemas éticos, além dos problemas específicos que derivam das medidas legislativas de diversos países.

 

O primeiro problema é, de alguma forma, o denominador comum de todos os outros e refere-se à capacidade de consentimento.

A superação do paternalismo do passado e a actual valorização da autonomia do doente, abrangem naturalmente também o doente mental.

E implica-o ainda mais devido às limitações de actuação da sua autonomia de decisão.

 

Poderia pois surgir a tentação de se voltar, embora apenas neste caso e com uma finalidade positiva, ao antigo paternalismo.

Isso não se deve verificar, excepto quando, devido a um estado de necessidade ou por falta de outras pessoas (familiares, tutores, Comisões de Ética), com as quais partilhar a escolha, não houver realmente outra alternativa possível.

 

Em todos os outros casos, o doente deverá participar nas decisões, na medida em que as suas condições o permitirem, ou deverão ser convidadas a intervir as pessoas antes mencionadas, as quais, pelas suas relações ou pelo papel que representam, deverão presumivelmente velar sempre pelo bem do doente.

 

Este problema apresenta-se nalguns casos de forma evidente:

§      na aplicação dos psicofármacos,

§      na terapia electroconvulsiva (TEC),

§      na contenção física

§      e na privação da liberdade.

Neste trabalho deverá ser considerado como suficiente o consentimento geral, frequentemente implícito, expresso por quem estiver autorizado, quando for necessária uma hospitalização.

 

Um problema particularmente delicado é o que se apresenta relativamente ao exercício da sexualidade.

 

A condição indispensável para esta prática é a de ela ser livremente desejada.

Tanto no doente mental como no deficiente psíquico, existem diversos graus de limitação desta liberdade de decisão, enquanto permanecem os estímulos sexuais.

 

Se, por um lado, parece pouco respeitosa da dignidade humana qualquer intervenção que mutile uma das suas funções (neste caso concreto, a reprodutora), por outro lado, além de o sujeito não estar em condições de exercer, livremente, esta faculdade, ao exercê-la poderia provocar uma gravidez, visto que se mantém inalterado o seu potencial biológico.

 

Precisamente por isso, procurando ter sempre o máximo e devido respeito pelo ser humano na sua plena identidade corporal, deverá ser evitado de forma responsável que o doente mental ou o deficiente psíquico, devido às condições particulares de existência em que se encontra, possa provocar dano a si mesmo ou a outrem.

 

De qualquer forma, e para além destes problemas particulares, as estruturas psiquiátricas ou sociais da Ordem deverão caracterizar-se sempre por um tratamento dos doentes mentais e dos deficientes psíquicos que se caracterize por um profundo humanismo.

 

Por um lado, isso reflecte uma permanente actuação carismática daquela particular sensibilidade manifestada por S. João de Deus; por outro lado, é uma profecia renovada num sector que necessita de uma humanização contínua.

Esta, na verdade, não deve limitar-se ao facto de garantir ao doente mental e ao deficiente psíquico

§      um espaço vital,

§      um ambiente higienicamente satisfatório,

§      uma boa qualidade de comida,

§      uma justa liberdade de movimento,

§      a possibilidade de manter relações afectivas com a família, etc.,

mas deve alargar-se em termos positivos à sua «realização pessoal».

 

Para isso deverão ser utilizadas todas as capacidades e todos os recursos. Trata-se de um processo que deve conduzir a uma valorização de uma personalidade que, apesar das suas carências, sempre revela o rosto da pessoa humana, feita à imagem e semelhança de Deus.

 

5.2.6.5. Idosos

 

88.  O número de idosos, que aumenta constantemente na sociedade actual, implica um aumento das doenças, com os consequentes encargos no sector da saúde, e comporta igualmente problemas específicos de carácter socio-assistencial.

 

As dificuldades objectivas de algumas famílias no momento de acolher um idoso ou a rejeição egoísta por parte de outras, obrigam frequentemente a pessoa idosa a viver num lar da terceira idade. A Ordem dispõe já de muitas estruturas deste tipo em várias partes do mundo.

 

Há muitos percursos existenciais que podem levar um idoso a uma residência de idosos.

Apesar de não termos direito nenhum de julgar as famílias que tomam esta decisão, a Ordem deverá fazer todo o possível para favorecer as relações afectivas entre a pessoa de idade avançada e  a sua família de origem, inclusivamente prestando a sua ajuda para eliminar dificuldades que possam surgir.

 

A permanência de uma pessoa idosa numa Obra Apostólica administrada pela Ordem não deve ser encarada apenas como a solução de um problema de habitação, mas deve caracterizar-se profundamente pelo sentido carismático.

Isto implicará a valorização da «terceira idade», que não deve estar camuflada pela ilusão de uma juventude eterna, mas que se deve viver como uma etapa da vida particular e diferente, com todas as riquezas e os problemas que ela comporta, do mesmo modo que as outras etapas da vida.

É evidente que esta idade se vive com um sentido de perda (da força física, do papel social, das pessoas queridas, do trabalho, da casa, etc.), devendo este sentimento assimilar-se e compensar-se com um sentimento de enriquecimento (da experiência, das recordações, do bem realizado, etc.).

 

Além disso, numa perspectiva de fé, esta etapa da vida pode adquirir o sentido de uma longa vigília de preparação para o encontro com a eternidade.

 

5.2.6.6. Problemas emergentes

 

89.  Com este termo indicam-se diversas formas de marginalização ou «novas pobrezas», algumas já presentes e com respostas da Ordem a nível assistencial; outras, só agora estão a surgir e desafiam a nossa imaginação e o nosso compromisso ético.

 

A primeira está representada pelos migrantes e pelos refugiados, fenómenos em forte expansão.

Se, por um lado, os problemas que apresentam são sobretudo de ordem social (integração cultural e religiosa, problemas de emprego, etc.), por outro, estes fenómenos constituem um âmbito no qual o carisma da hospitalidade se pode exprimir de forma concreta. As respostas neste sentido podem ser muito diferentes, propostas por uma criatividade que é capaz de escutar as sugestões do Espírito e suscitadas também pelas necessidades de cada país ou situação social.

Paralelamente ao acolhimento, poderá também ser exigida a atenção do sector da saúde para aquelas pessoas que não beneficiam de qualquer tipo de assistência pública. A Ordem deverá actuar também nestes casos de necessidade, criando novas estruturas ou encontrando as soluções mais adequadas noutras estruturas assistenciais.

 

Numa situação semelhante encontram-se outras pessoas que é costume designar por «pessoas sem-abrigo», vagabundos, ocupantes abusivos de propriedades alheias, etc.

Estas pessoas têm em comum uma pobreza tão absoluta que não possuem qualquer tipo de habitação estável e vêem-se obrigadas a viver nas ruas, nos vãos de entradas de prédios das cidades, nas salas de espera de estações ferroviárias.

Provavelmente, não obstante os séculos que passaram, o cenário de vida destas pessoas que sofrem é muito semelhante ao que se apresentava aos olhos de S. João de Deus ou de S. João Grande.

Por isso, qualquer tipo de intervenção assistencial em seu favor (material, alojamento, cuidados médicos, etc.) apresenta-se numa linha de continuidade carismática absoluta.

 

Juntamente com estas situações não se exclui que nos próximos anos a Ordem seja chamada a ter uma maior intervenção nos problemas e doenças que a sociedade actual produz: alterações na alimentação – anorexias e bulimias, alterações no comportamento, mulheres maltratadas, crianças que sofrem abusos, pessoas com tentativas de suicídio, solidão, etc.

Uma atenção adequada às necessidades da pessoa que sofre não pode esquecer-se dos «novos sofrimentos» que, com o tempo, podem aparecer e que devem encontrar a Ordem preparada para lhes dar resposta, com criatividade e amor.

 

 

5.3.     Gestão e direcção

 

5.3.1.   Gestão

 

5.3.1.1. Organização e aplicação de recursos

 

90.  O nosso Fundador soube antecipar-se ao modelo de assistência hospitalar que era praticada no tempo em que viveu, e fê-lo a partir de critérios de organização e aplicação de recursos. Como ele, também nós somos hoje chamados a dar um contributo pioneiro à nossa sociedade. Na nossa época, mais do que outrora, a organização e a gestão deverão ser espaços singulares deste contributo.

 

Este poderia ser um lema para os nossos Centros: sermos capazes de fazer uma correcta afectação dos recursos de que dispomos, sabendo aprimorar aqueles aspectos mais específicos da Instituição. Ao nível do Centro, para garantir a viabilidade do mesmo; ao nível dos serviços e sectores, com o objectivo de dar uma assistência integral ao doente e necessitado.

 

A retribuição e formação dos profissionais, a obtenção dos produtos necessários para o correcto funcionamento, a adequação tecnológica e a devida promoção da humanização deverão caminhar de maneira equilibrada; se alguma destas partes se desequilibrar estaremos a criar uma situação de divisão, de ruptura, de crise.

 

A busca da equidade, partindo de uma dimensão local, regional e, sem perder de vista a nossa vocação universal, deverá estar presente na tomada de decisões, ainda que nalguns momentos e circunstâncias isso possa ser difícil.

 

Uma tarefa primordial dos gestores é a obtenção destes recursos. Por isso, uma parte importante do seu tempo e do seu trabalho deverá ser dedicada a desempenhar esta função.

 

Deverão ser eles a descobrir onde e como estar presentes para defender o trabalho que o Centro desenvolve, ao mesmo tempo que procuram promover a obra e os seus projectos.

 

5.3.1.2. Profissionalismo

 

91.  Porque aspiramos a uma assistência integral e nos sentimos chamados a dar uma resposta vocacional nas nossas obras, é imprescindível que o nosso profissionalismo esteja fora de questão.

 

Partindo de uma resposta profissional, coerente com os princípios éticos da profissão e animada pela filosofia da Instituição, poderemos tornar possível a identidade que desejamos para as nossas obras. A capacidade técnica e humana são as bases imprescindíveis para tornar possível esta resposta profissional.

 

5.3.1.3. Competência técnica

 

92.  Do mesmo modo, o Centro deverá velar para que a sua dotação técnica e tecnológica seja adequada ao seu nível assistencial. Só com uma competência técnica adequada poderemos dar o contributo específico que pretendemos.

 

As contínuas mudanças tecnológicas exigem esforços adicionais para que não fiquemos desactualizados. Os profissionais terão o compromisso de adquirir uma formação técnica suficiente e hão-de trabalhar para a actualizar de acordo com os novos progressos científicos.

 

5.3.2.   Organização

 

5.3.2.1. Expressão correcta da missão da obra nos instrumentos organizativos

 

93.  A nossa missão em cada um dos Centros é muito rica e plural; por conseguinte, a nossa forma de organização deverá orientar-se para a pluralidade. Nem todos os campos da missão podem ser compatíveis com um único sistema de organização.

 

Na medida em que a nossa organização estiver impregnada pela filosofia da nossa missão, estaremos a facilitar que todos os Centros e todos os profissionais comunguem dela.

 

A fórmula já adoptada de separar as funções do superior das responsabilidades do gerente, demonstrou-se muito apropriada e eficaz e, nestes momentos, é imprescindível na gestão de muitas das nossas obras. O Superior da Comunidade e o gestor de uma Obra são chamados a trabalhar em equipa, juntamente com os outros membros do órgão de Direcção.

É uma função primordial desta equipa de direcção trabalhar de forma interdisciplinar e motivar para esta maneira de trabalhar as outras equipas que existirem no Centro.

 

5.3.2.2. Defesa da pluralidade

 

94.  A diversidade de opiniões e de culturas são um caminho adequado para reconhecer a humanidade plural que somos.

 

Devemos estabelecer espaços e elementos organizativos que permitam a expressão dessa pluralidade e promover atitudes pessoais que tornem possível a comum união nessa pluralidade.

 

Os nossos valores e a cultura de cada uma das Obras serão o espaço onde será possível articular esta dimensão de pluralidade.

 

5.3.2.3. Delegação. Participação. Assunção de funções

 

95.  Trabalhemos com o objectivo de que cada sector possa assumir todas as funções para as quais está habilitado, desde o mais inferior até ao de maior responsabilidade.

 

Deixemos espaços que permitam assumir as funções e introduzam-se elementos organizativos que facilitem isso.

 

Velemos para que esta delegação se consolide numa assunção de funções por parte de todos quantos tornam possível o Centro.

 

 

5.3.2.4. Descentralização ßà Centralização

 

96.  Procedamos de modo que a pessoa que exerce a autoridade tutele as iniciativas e as ansiedades dos Colaboradores.

 

Devemos pôr em funcionamento programas de trabalho que permitam que os colaboradores possam ir crescendo na assunção de funções, que com frequência reservamos apenas a instâncias superiores.

 

Que o profissional possa crescer nas suas competências, que a equipa de trabalho veja aumentado o seu espaço de actuação, que as funções intermédias da autoridade tenham mais capacidade de iniciativa, que o dirigente possa ir  crescendo em responsabilidade.

 

Que a subsidiaridade, um valor muito vinculado à tradição cristã, seja um elemento fundamental no assumir de funções nas nossas Obras.

 

A Ordem quer favorecer uma adequada descentralização, integrada com uma correcta centralização, segundo os princípios e valores que procuramos promover.

 

5.3.2.5. Novas fórmulas jurídicas

 

97.  O nosso ponto de referência foi sempre o Direito Canónico. Apesar disso, e juntamente com ele, é possível encontrar fórmulas que permitam novos modos de direcção, de delegação e de participação.

Tradicionalmente, as nossas obras enquadraram-se na fórmula jurídica de Centro como propriedade da Ordem Hospitaleira.

Os novos tempos em que vivemos, a dimensão que as obras vão assumindo, o dinamismo, a evolução constante que caracterizam o sector da Saúde e os Serviços Sociais tornam aconselhável que, sob este aspecto, não nos agarremos a fórmulas do passado.

 

A Fundação, a Associação, a Instituição sem fins lucrativos ou as Organizações Não-Governamentais são fórmulas jurídicas que podem tornar-se mais adequadas, conforme as realidades, e porventura revelar-se mais convenientes.

Algumas experiências concretas vividas por algumas Obras, assim o demonstram.

Será bom estarmos atentos para discernir quais as fórmulas mais apropriadas em cada tempo e lugar.

 

5.3.2.6. Trabalho em equipa

 

98.  Se quisermos atender a pessoa e as suas necessidades, só o poderemos conseguir de forma conjunta:

§      Na direcção. Quando os máximos responsáveis pelo Centro forem capazes de organizar uma equipe de trabalho estarão em condições de poder inspirar e animar as outras partes do Centro para que eles façam o mesmo. A tentação da eficácia personalista é muito grande e o mesmo se pode dizer quanto aos efeitos em cadeia desta tentação.

§      Ao nível dos funções intermédias de comando. Também estas se devem caracterizar por uma linha de trabalho conjunto, que lhes permita assumir os problemas dos subalternos, de modo a fazê-los chegar às instâncias superiores. Do mesmo modo, deverão fazer chegar aos subalternos os planos de trabalho da direcção.

§      Nos serviços assistenciais e não assistenciais. Quando todos os que atendemos um mesmo doente ou necessitado formos capazes de trabalhar de forma conjunta, nessa altura estaremos a dar-lhe uma resposta integral.

Nos Centros mais complexos não poderemos todos integrar uma mesma equipe, mas poderemos sem dúvida formar parte de uma equipe que se sente chamada a dar uma resposta integral às necessidades do doente, e que seja integradora para todos os que a tornam possível.

 

 

5.3.3. Política de pessoal

 

5.3.3.1. Critérios gerais

 

99.  A Ordem Hospitaleira de S. João de Deus como organização:

·      É essencialmente uma obra humana, na medida em que é fruto do esforço humano e se compõe de pessoas, as quais constituem o elemento fundamental da mesma.

·      Está consciente de que as suas obras são empresas com um carácter especial, pois que, sendo uma Instituição sem fins de lucro, tem de conjugar os seus objectivos empresariais com a sua responsabilidade social, económica e de instituição eclesial.

·      É receptiva às correntes actuais que provêm do mundo da empresa – sociologia, relações humanas, psicologia – tendo-se adaptado aos tempos actuais, introduzindo as necessárias alterações de ordem organizacional, devendo administrar as suas obras com critérios empresariais de eficácia e eficiência, mas sabendo manter uma filosofia, um estilo e uma cultura que lhe são próprios.

·      Tem em conta as pessoas que trabalham nas suas obras e, por isso, propõe-se conseguir uma relação entre organização e trabalhadores que satisfaça as necessidades e os direitos de ambas as partes, estabelecendo mecanismos que facilitem a acção conjunta de todos para alcançar os seus fins e aspirações.

Por tudo isto, torna-se necessário mostrar expressamente uma disposição sincera de esclarecer as relações com os trabalhadores, sempre à luz da legislação em vigor, da Doutrina Social da Igreja e salvaguardando os direitos do doente e do necessitado, que é o fim principal das suas obras.

 

5.3.3.2. Relações com os trabalhadores

 

100.     Tendo em conta que a pessoa é o elemento fundamental de qualquer organização, deve fazer-se de modo que a gestão dos recursos humanos esteja orientada para motivar, atrair, promover e integrar os trabalhadores de forma coerente com as suas necessidades e os fins da Ordem, sempre segundo critérios de justiça social.

 

A acção directiva pressupõe um trabalho de gestão de pessoal, pois que sem isso é impossível levar a cabo qualquer obra ou acção. Em razão disso, a gestão dos recursos humanos exige actualmente quadros directivos com um nível adequado de competência profissional, juntamente com uma capacidade equilibrada no campo das relações humanas.

 

Um aspecto que se deve reforçar em todas as Obras Apostólicas da Ordem são os canais de comunicação.

Deve estabelecer-se uma comunicação estruturada, desenvolvendo canais adequados para chegar a todos os níveis da organização e a todos os funcionários e trabalhadores.

Devemos pelo menos procurar que haja canais específicos de comunicação e facilitar uma informação verdadeira e inteligível.

 

Outro ponto importante na Ordem e nas suas Obras deve ser o acolhimento e a inserção de toda a pessoa que nelas começa a trabalhar, assim como o seu acompanhamento nas primeiras etapas do seu trabalho.

 

5.3.3.3. A acção sindical

 

101.     O sindicalismo é uma realidade social de âmbito mundial. A Doutrina Social da Igreja, desde há muito anos, tem vindo a reconhecer o direito do trabalhador a formar associações para a defesa dos seus direitos comuns ou profissionais.

Neste sentido a Ordem reconhece e respeita o exercício desse direito.

 

A Doutrina Social da Igreja assume e apoia esta realidade e considera-a um elemento indispensável na vida social contemporânea, como força construtiva de ordem social e de solidariedade, capaz de conseguir não só que o trabalhador tenha mais, mas seja mais, e que o papel dos sindicatos seja não apenas um instrumento de negociação, mas também um lugar onde se exprime a personalidade dos trabalhadores: os seus serviços constituem o desenvolvimento de uma autêntica cultura do trabalho e ajudam a participar de maneira plenamente humana na vida da empresa.

 

A aceitação desta realidade deve levar-nos a procurar canais de informação e comunicação entre a direcção e os sindicatos com uma atitude honesta e realista, salvaguardando sempre os direitos dos doentes e dos necessitados.

 

5.3.3.4. Selecção e contratação do pessoal

 

102.     As pessoas serão seleccionadas tendo em conta a sua qualificação técnica e humana, assegurando que as suas motivações, atitudes e comportamento respeitam os princípios da Ordem.

 

É conveniente que cada Centro tenha algumas normas de acção claras sobre a selecção do pessoal, sendo desejável que o modo como se desenvolve o processo de selecção seja do conhecimento público: posto de trabalho vago, datas, normas, etc.

 

Deve-se prestar uma atenção especial aos seguintes critérios de contratação:

·    Técnicos – Para que uma pessoa seja aceite para ocupar um determinado posto de trabalho ser-lhe-á exigido que possua uma qualificação profissional certificada nos termos das leis em vigor.

Independentemente do diploma será necessário verificar se o candidato possui uma adequada capacidade e competência profissional para exercer e realizar o trabalho pretendido.

·    Perfil humano  Devem valorizar-se as qualidades humanas, tais como as aptidões e atitudes para as relações humanas, o equilíbrio emocional, o sentido da responsabilidade e a capacidade para tomar decisões, bem como a vocação para os serviços de saúde ou sociais.

·    Perfil ético – É necessário que as pessoas que trabalham nas Obras da Ordem promovam os princípios deontológicos da sua profissão e respeitem e promovam os princípios da Instituição.

·    Dimensão religiosa – procurar-se-á fazer com que a atitude das pessoas contribua para que a atenção religiosa na Obra seja fortalecida.

 

5.3.3.5. Segurança no emprego

 

103.     Partimos do princípio de que todas as nossas actuações no campo do trabalho devem adaptar-se à legislação em vigor em cada país, sempre que esta não viole os princípios da Ordem.

 

Não obstante isso, embora o nosso comportamento específico neste campo seja influenciado primeiro e principalmente pelo bem da Instituição das pessoas assistidas, deverão evitar-se situações de instabilidade e desmotivação nas pessoas contratadas, oferecendo-lhes, pelo contrário, aquelas condições de segurança e estabilidade no emprego que são necessárias para um melhor desempenho do trabalho pessoal.

 

Também é certo que a dinâmica de funcionamento das Obras Apostólicas de saúde e sociais, com um horário de permanente abertura, obriga a uma complexa rede de suplências e substituições que torna difícil garantir uma estabilidade no emprego às pessoas que ocupam estes lugares de maneira transitória.

Não será exagerado pedir que, também neste campo, se estudem sistemas que possam pôr limites à instabilidade laboral.

 

5.3.3.6. Sistema salarial

 

104.     A justa remuneração do trabalho realizado é um problema fundamental de toda a ética social. O salário é a reivindicação mais insistência dos trabalhadores.

 

A Doutrina Social da Igreja considera o salário como a verificação concreta, embora não única, da justiça social.

 

Não é fácil quantificar o salário justo, pois que o mesmo é influenciado por factores como a situação económica dos países, as expectativas dos diferentes mercados de trabalho – incluindo o mundo da saúde e social –, a situação de cada Obra Apostólica, as expectativas e as necessidades de cada trabalhador, etc.

 

Tudo isto nos obriga a remunerar os trabalhadores com os salários possíveis, mesmo tendo consciência de que, por vezes, eles não correspondem à satisfação das suas expectativas.

No entanto, para além das remunerações existentes, devemos assumir uma atitude real de compromisso para melhorar tanto as condições económicas como as sociais dos trabalhadores, porque o seu conforto e bem-estar será sempre um factor positivo no bem-estar e no conforto do doente e do necessitado.

 

5.3.3.7. Motivação

 

105.     A motivação de uma pessoa que trabalha dependerá do grau de satisfação das suas necessidades básicas e da percepção dos atractivos que uma empresa ou organização oferecem para tornar possível o seu desenvolvimento humano e profissional.

 

A motivação das pessoas é um meio fundamental para alcançar um dos objectivos de qualquer organização – o desenvolvimento humano e profissional dos trabalhadores.

Têm uma incidência fundamental no grau de satisfação e motivação no trabalho os sistemas de retribuição (ordenados, incentivos, gratificações, etc.), as condições de trabalho (ambiente, segurança, clima, trabalho em equipa, etc.), e os estímulos individuais (segurança, estabilidade no emprego, consideração, realização, etc.). Devem ser realizados os esforços necessários para conseguir um nível adequado destes três aspectos fundamentais que abrangem as necessidades do trabalhador.

 

Como meio de motivação, a Ordem reserva um interesse especial à promoção pessoal. É este o campo específico de intervenção das equipas de direcção e de maneira especial da direcção dos recursos humanos. Devemos fazer com que as pessoas possam vislumbrar uma perspectiva de futuro a nível profissional e vocacional nos nossos Centros. Para isso deverão ser facilitados os meios necessários: para uns será a formação; noutros casos, será a investigação; noutros ainda, será a docência, etc.

 

5.3.3.8.  Convergência de valores de quantos trabalham numa Obra Apostólica

             

106.     Uma das características da nossa sociedade é a pluralidade; é caso para dizer que a época de imposição de uma cultura sobre outra chegou ao fim.

Desde há bastante tempo que em muitas das nossas Obras têm sido adoptadas formas de gestão, direcção e de trabalho assistencial que procuram agrupar e integrar esta realidade multicultural.

 

É urgente continuar a seguir nesta direcção e que todos nos comprometamos neste projecto de unir esforços e culturas; devemos ser capazes de integrar os elementos culturais conjuntos nos nossos Centros.

Todo o projecto de convergência implica unificação; os valores nunca se alcançam através de imposições. Provavelmente será necessário definir valores mínimos, irrenunciáveis; mas, a partir daí, devemos trabalhar para alcançar uma cultura com valores específicos, promovidos e assumidos por todos.

 

Na medida em que os colaboradores dispuserem de espaços para exprimir os seus critérios, os seus valores, estarão a comprometer-se na consecução de um projecto partilhado. Também é necessário que se possam sentir responsáveis por temas, áreas e espaços em que exercem a sua autoridade delegada.

5.3.3.9.   Promover uma cultura de pertença à Obra, à Província, à Ordem

 

107.     As actuais investigações nas ciências administrativas descobriram a importância que as instituições têm no desenvolvimento de uma “Cultura organizacional” que seja coerente com a sua missão e os seus valores. Como Instituição, a Ordem Hospitaleira tem vindo a aprofundar esta exigência desde a sua própria fundação.

 

Talvez no passado tenhamos mantido atitudes paternalistas ou protectoras para com os profissionais, como reflexo inconsciente de uma atitude defensiva daquilo que era nosso, da nossa cultura. Sem perder todos os valores que esta cultura possui, devemos ultrapassar as atitudes de defesa e, para isso, um meio adequado será a articulação de um departamento de recursos humanos profissionalizado, que saiba dirigir e orientar a consecução desta cultura comum.

 

Um elemento imprescindível deste processo é o respeito e a aplicação da legislação laboral vigente, de maneira especial relativamente à segurança no trabalho e à saúde no mundo do trabalho.

 

Como elemento dinamizador, temos a defesa dos direitos dos trabalhadores.

 

A satisfação pessoal, o prazer que deriva de uma tarefa bem realizada, a tranquilidade que se sente ao ver que os objectivos estão a ser alcançados – em suma, a serenidade, a paz interior que inunda a pessoa quando se sente integrada na sua profissão, na sua obra, e ainda a percepção que, dessas forma, está a contribuir para a construção do nosso mundo, para uma saúde de mais qualidade, para serviços sociais que funcionam melhor, são realidades que devem ser reforçados entre nós.

Devemos estar atentos para evitar que se verifiquem entre nós situações laborais que sejam um obstáculo à integração dos profissionais. É certo que, com o passar do tempo, as pessoas tendem a instalar-se e a perder a motivação inicial; por isso, a direcção tem a responsabilidade de acompanhar e animar as pessoas para que esta situação não se verifique; em casos extremos, pode ser necessário tomar medidas neste campo.

 

Pois bem: uma obra em que não houver algumas garantias de uma certa estabilidade nunca será um espaço adequado para convidar os Colaboradores a comprometerem-se num projecto conjunto.

 

A Ordem mantém o apoio e a defesa dos trabalhadores quando existir uma intervenção judicial, excepto nos casos de manifesta negligência profissional. Antes das queixas judiciárias, que infelizmente chegam aos nossos Centros, exige-se um princípio de honestidade sobre a prática institucional e um manifesto apoio às pessoas implicadas.

 

Do mesmo modo, se quisermos conseguir uma cultura própria nas nossas obras, será necessário ir criando formas específicas de actuação nos momentos difíceis e de tensão, que se podem verificar nas relações de trabalho; mesmo no conflito pode haver uma forma própria de encontrar a solução.

 

 

 

5.3.4.  A política económica e financeira

 

5.3.4.1. Entidade sem fins de lucro

 

108.     A instituição sempre se definiu como uma entidade sem fins de lucro, isto é, não tendo como objectivo a acumulação de riqueza.

 

Os recursos que se podem obter destinam-se ao próprio Centro para que, em qualquer momento, as sua instalações, os seus equipamentos e os seus métodos de trabalho sejam coerentes e adequados à sua situação territorial e à sua classificação.

 

5.3.4.2. Carácter de beneficência social

 

109.     A origem da Instituição está na beneficência, na generosa colaboração de muitas e variadas pessoas para que a obra cumpra a sua missão. Bom será que promovamos esta dimensão de caridade para darmos continuidade à inspiração original da Instituição.

 

Chegou o momento de conferir uma dimensão mais universal à nossa solidariedade.

No mundo actual as desigualdades vão-se acentuando e as diferenças são cada vez maiores.

A dimensão de beneficência social das nossas obras poderia encontrar um espaço actual na colaboração entre Obras Apostólicas, ou entre países, no campo da saúde ou das necessidades sociais.

 

5.3.4.3. Equilíbrio financeiro

 

110.     A arte da gestão é a arte de atribuir recursos a diferentes necessidades.

No caso das nossas Obras, é a atribuição de recursos aos diferentes sectores que torna possível o serviço.

Será necessário decidir sobre a atribuição de fundos a cada uma das partes, garantindo, no entanto, a viabilidade do Centro ou, o que é o mesmo, o seu equilíbrio financeiro.

 

Se, por incorrecta afectação de recursos, colocarmos a Obra Apostólica numa situação de inviabilidade económica, estaremos a pôr em perigo o futuro da mesma e de todas as pessoas que dela fazem parte.

 

5.3.4.4. Transparência na gestão

 

111.     Se o conjunto de valores que pretendemos promover nas nossas Obras, e que dão sentido à nossa missão, forem postos em prática, não haverá inconveniente em que os profissionais de cada Obra, os utentes, a sociedade e a Administração Pública possam conhecer a realidade das nossas Obras Apostólicas.

 

A razão disto encontra-se exactamente  na transparência da nossa gestão: se os princípios forem claros e se os pretendemos põr em prática, mais uma razão para os dar a conhecer.

 

A quantificação numérica da Obra – actividade, receitas, despesas, resultados, investimentos, disponibilidades financeiras – são apenas uma parte de toda a sua realidade e, por conseguinte, também podem ser conhecidos.

 

Um modo adequado para dar a conhecer a realidade das nossas Obras, favorecer a transparência e estimular a co-responsabilidade, pode ser a elaboração do Relatório anual de actividades de cada Obra.

 

5.3.5. Responsabilidade social

 

5.3.5.1. Serviço à sociedade como elemento justificativo das obras

 

112.     Qualquer Instituição e obra corre o risco de se fechar em si mesma e entrar numa dinâmica de justificação da sua existência à margem da realidade.

 

Não é raro encontrar instituições que, neste isolamento, acabam por projectar uma obra que já não é necessária ou que ninguém procura.

Não deverá acontecer assim connosco, porque a razão de ser das nossas obras está no serviço que prestam e, por conseguinte, elas hão-de estar abertas à mudança e à evolução, para estarem actualizadas no seu serviço.

 

Nesta linha, as Constituições especificam que nos devemos sentir administradores dos bens e não seus proprietários, com a missão específica de procurar uma correcta utilização dos recursos nas Obras.

5.3.5.2. Respeito e aplicação da legislação

 

113.     No nosso esforço para darmos um contributo específico à sociedade, é imprescindível que o respeito e a aplicação da legislação estejam garantidos.

 

Se entendermos a lei como o mínimo denominador comum que regula quantos formamos a sociedade, somos obrigados a cumpri-la escrupulosamente. Mais ainda, na medida das nossas possibilidades, temos de superar este mínimo denominador comum e procurar promover os nossos próprios critérios para além do que a lei propõe.

 

Uma situação especial pode verificar-se no caso de a lei poder ser contrária à identidade e aos valores que a Instituição promove; neste caso, amparando-nos no pluralismo que queremos promover na nossa sociedade, recorremos à nossa objecção de consciência quanto à aplicação da lei na nossa Obra.

 

5.3.5.3. Compromisso de justiça social na distribuição das riquezas

 

114.     Não é fácil na nova sociedade garantir uma distribuição equitativa dos recursos.

Os grupos de pressão, por um lado, e as grandes desigualdades, por outro, podem inclinar a balança de forma pouco equitativa.

 

Será necessário fazer um esforço de gestão e de educação segundo os valores para que nem sempre se imponha a lei do mais forte.

Há que considerar as particularidades e ter em conta as diferentes realidades, mas respeitando sempre o princípio de uma distribuição justa dos recursos.

 

De maneira especial devemos estar atentos à dimensão universal da nossa vida e das nossas Obras. Temos de admitir que há graves injustiças na distribuição mundial dos re- cursos; não nos tornemos também nós partícipes desta distribuição injusta. Procuremos trabalhar por uma acção solidária, partindo de uma missão que é universal e de uma visão global dos problemas.

 

Este deve ser um espaço para aplicar a Doutrina Social da Igreja e, na medida em que a pudermos desenvolver, a promovermos, estaremos a contribuir para que, de uma maneira prática, a Doutrina social se difunda como um compêndio de valores cristãos na nossa sociedade.

 

5.3.5.4. Função de denúncia nas situações que o exigirem

 

115.     Levemos a nossa reflexão e a nossa denúncia àquelas situações que virmos de forma clara que são deficientes.

 

Não nos limitemos à reclamação: além de assinalar a deficiência, apresentemos sugestões e orientações.

 

Se formos capazes de dar soluções concretas e, além disso, se conseguirmos levá-las à prática, a nossa função de denúncia terá alcançado a sua máxima expressão.

 

 

5.3.6. Presença da sociedade na Obra Apostólica

 

5.3.6.1. Os utentes. As Associações de utentes e de familiares

 

116.     Tradicionalmente, temos designado o utente dos serviços de saúde e de carácter social como doente, mas chegou o momento em que ele deseja desempenhar um papel activo e bom será que assuma este papel.

 

Dois tipos de associações de utentes se apresentam nos nossos dias:

§      As associações genéricas de utentes, com um conteúdo reivindicativo importante e frequentemente com uma certa predisposição para recorrer às autoridades judiciárias.

§      As associações específicas, que surgem ligadas a uma determinada doença, tanto manifestações crónicas, como processos muito graves.

 

Ambas devem ter lugar nas nossas Obras.

 

Quanto às primeiras, é muito provável que se revelem com a apresentação de alguma queixa ou reclamação; a nós compete garantir-lhes espaço de expressão no qual possam sentir-se interlocutores sociais válidos para que, de forma constante, possam colaborar com a nossa maneira de trabalhar e nós possamos torná-los partícipes do trabalho que estamos a realizar.

 

Relativamente às segundas, deverão encontrar nas nossas Obras um apoio privilegiado, de maneira especial no início da sua actividade.

 

Na nossa dinâmica social, somente através de agrupamentos de pessoas será possível alcançar determinadas metas e, por vezes, é difícil constituir esses grupos.

A Obra pode sempre funcionar como plataforma para superar essas dificuldades iniciais.

 

Em ambos os casos, o diálogo e uma postura aberta permitem que as partes – a Instituição e as Associações – sejam conhecedoras da situação que se vive, das possibilidades, das limitações e, inclusive, dos erros.

 

Infelizmente, não conseguiremos evitar a dinâmica da queixa e da reclamação judicial – em muitos casos com fins lucrativos.

Podemos, no entanto, desenvolver formas diferentes de relacionamento que tenham por base a confiança mútua.

 

A organização de serviços de atenção ao utente, através de diferentes formas, para que ele possa exprimir a sua opinião, é um meio muito adequado para orientar a presença do cidadão nas nossas Obras.

 

5.3.6.2. Os trabalhadores

 

117.     Os trabalhadores têm órgãos de representação que estão ao abrigo da lei e é a partir deles que se deverá articular a relação laboral colaboradores-Instituição.

Assim, na medida em que consideramos que a Instituição é uma realidade construída e comparticipada por todos, bom será que se articulem modos, formas e estilos de ligação à Ordem que, sem esquecer quanto acima foi referido, dêem lugar a este novo projecto que queremos levar a cabo em cada obra de S. João de Deus.

 

A vinculação estará para alguns no ponto de referência à relação laboral, de forma exclusiva.

Estes encontrarão o meio para essa vinculação, no quadro da referência legislativa.

 

Outros sentir-se-ão motivados por uma resposta vocacional, que ultrapassa a resposta profissional.

Será bom que se estabeleçam vias formais e informais para que possam fazer crescer o seu compromisso solidário com o doente e o necessitado.

 

Por último alguns verão a sua presença na Obra como expressão do seu compromisso de fé.

Também estes deverão dispor do seu espaço para poderem manifestar em grupo aquilo que os motiva na sua vida de serviço ao doente e ao necessitado e para estarem presentes numa obra de S. João de Deus.

 

Com excepção do primeiro caso, que será determinado pelas normas legais, as outras situações serão uma realidade a construir em cada Centro, pois será a forma mais apropriada para manifestar a ligação que torna possível as obras de S. João de Deus.

 

 

5.3.6.3. Os benfeitores

 

118.     Foram os benfeitores que tornaram possível ao nosso Fundador levar para a frente a sua obra.

Eles foram capazes de ser uma retaguarda de apoio para um sem número de compromissos que João de Deus ia assumindo no seu serviço aos doentes e aos necessitados.

 

Ao longo dos séculos, eles continuaram a apoiar as nossas obras, em alguns países mais do que noutros, mas até à articulação do Estado do Bem-estar, a maioria das nossas obras viveu de doações generosas de pessoas que depositaram a sua confiança na Ordem Hospitaleira e no serviço que ela prestava à pessoa que sofre.

 

Hoje a maioria das Obras não está dependente das ofertas dos benfeitores, como acontecia no passado.

No entanto, estas continuam a ser fundamentais no que se refere à solidariedade e à caridade.

O fundamento persiste e é o de um ser humano que decide ser solidário com outro ser humano e faz isso através da Ordem Hospitaleira.

 

A forma poderá mudar: de facto, já mudou e continuará a mudar; cabe a nós, porém, a responsabilidade de tornar efectiva esta solidariedade da maneira mais justa que pudermos e, se possível, aumentá-la.

 

Chegou o momento de, tendo em vista uma maior eficácia da solidariedade, lhe darmos um carácter mais colectivo, que nos permita ajudar mais onde for mais necessário.

Este é um tema aberto à reflexão, ao debate e à criatividade na busca de novas formas de obtenção de fundos e de novas formas de tornar mais eficaz a acção solidária.

 

Trata-se de um tema muito arreigado na cultura de muitas obras, e inclusive Províncias, e deverá ser um compromisso de todos fazer com se continue a promovê-lo.

 

Provavelmente, os novos meios de comunicação serão um instrumento a ter em consideração para este trabalho, sobretudo com o objectivo de fortalecer os elos de ligação destas pessoas à Obra.

 

5.3.6.4. Os voluntários

 

119.     A Ordem soube sempre mover-se no mundo da colaboração altruísta, nalguns casos como expressão de solidariedade e, noutros, como expressão de caridade cristã.

 

O nosso Fundador pôde levar por diante a sua obra, graças à generosa colaboração de muitas pessoas; umas, através do seu apoio económico (benfeitores); outras, mediante o seu trabalho gratuito e o seu esforço (voluntários).

 

A Ordem soube dar uma resposta aos novos movimentos do voluntariado; concretamente, nalguns países foi mesmo pioneira na incorporação de voluntários nas nossas Obras.

Apesar disso, deveremos continuamente fazer esforços para nos adaptarmos e actualizarmos, para não ficarmos parados em ideias e estruturas do passado.

 

Cada Obra é diferente e deveria promover a sua criatividade e originalidade no seu voluntariado. A diversidade, neste caso, seria uma manifestação de enriquecimento.

 

O processo de orientação e selecção dos candidatos, o perfil do voluntário, a sua missão na Obra, o tempo de dedicação, a formação de que necessita, etc., são temas a definir na Ordem e em cada Centro.

 

\De igual  modo, talvez tenha chegado o momento de as Associações de Voluntários e os seus membros terem a possibilidade de canalizar as suas percepções até aos órgãos de governo da Obra Apostólica.

Eles podem captar uma realidade diferente da que nós nos apercebemos em relação à Obra; bom seria que se pudesse conhecer a visão que eles têm, através de um meio apropriado.

 

5.3.6.5. A Igreja local

 

120.     Somos uma Instituição isenta do Ordinário do lugar; este é um ponto de partida que deveremos ter em conta, mas também é verdade que se a Ordem quiser dar um contributo significativo no próximo século, terá de o fazer no âmbito de um trabalho coordenado e conjunto com a Igreja.

 

Dado que a Igreja é o povo de Deus, e todos somos chamados a formar este povo, teremos que reflectir sobre a maneira como tornamos possível esta acção de povo de Deus. O lugar onde mais facilmente se pode fazer esta articulação será a partir da Diocese e da comunidade paroquial.

 

Talvez ainda falte muito para que possamos cooperar no mesmo projecto pastores, religiosos e leigos.

 

Não se trata de renunciar à própria identidade, nem a projectos pastorais; cada um, no seu lugar, deverá trabalhar para construir um projecto pastoral de conjunto; caso contrário, ou não será de conjunto, ou não será projecto.

 

5.3.6.6. A Administração Pública

 

121.     As nossas obras têm uma orientação pública na sua actividade e, em muitos lugares, conseguiu-se que elas ficassem integradas nas estruturas públicas de saúde ou de serviços sociais.

 

Esta situação implica que mantenhamos um nível de relações com a Administração Pública tão flexível que nos permita estar informados sobre a realidade do presente, os projectos e planos para o futuro, e podermos informar sobre a nossa situação e a nossa projecção.

 

É necessário continuar a desenvolver esta linha de relações e de ligação com a Administração Pública que, da nossa parte, se baseará na honestidade, clareza e transparência.

§         Honestidade como expressão de coerência com os princípios que defendemos;

§         clareza no nosso posicionamento e nas nossas pretensões;

§         por fim, transparência nos nossos critérios no momento de aplicar os recursos que recebemos.

 

Em tudo o que se refere às relações institucionais, a Ordem deve reflectir sobre o papel que lhe compete desempenhar.

 

Existem dois perigos extremos: por um lado, ficarmos apegados a estas relações e, pela sua dinâmica, deixar que, com o tempo, se dilua a essência da nossa identidade; por outro lado, afastarmo-nos delas e deixar que sejam a Obra Apostólica e o seu projecto assistencial que se vão diluindo na desconexão com a realidade.

 

Uma coisa é evidente: assumir esta função de relações institucionais exige uma formação profissional, humana e religiosa suficientemente ampla, pois, caso contrário, a nossa presença será contraproducente.

Uma vez mais se torna evidente que, se quisermos ter algo a dizer, devemos dizê-lo com uma linguagem adequada à da nossa sociedade.

 

 

5.3.7. A Avaliação

 

 

122.     Para sermos fiéis à missão, para que a mesma se vá actualizando e recriando, é imprescindível que, de forma periódica, vejamos em que medida estamos a pôr em prática os nossos planos de acção.

 

Devemos ver como estamos a aplicar na gestão, na direcção e na assistência, os princípios filosóficos da Ordem e os seus critérios gerais.

5.3.7.1. Atenção ao sinais dos tempos

 

123.A nossa sociedade é uma realidade muito dinâmica. A ciência está em constante evolução e todos os dias aparecem novos métodos de trabalho, novas técnicas profissionais e novos equipamentos técnicos.

 

Uma mensagem, um princípio filosófico são actuais na medida em que se transmitem através de meios, métodos e técnicas actualizadas; de outra forma, a nossa proposta pode reduzir-se a um discurso inútil.

 

Neste processo, será necessário avaliar a idoneidade dos meios que a sociedade nos proporciona, pois pode acontecer que, ao tentarmos alcançar uma maior eficácia, nos sirvamos de instrumentos contrários à filosofia da Instituição.

 

5.3.7.2. Resposta às necessidade do homem e da sociedade

 

124.     Nesta avaliação constante da sociedade, as pessoas também estão a mudar, e não somos capazes de distinguir se é a mudança da sociedade que arrasta as pessoas para a mudança, ou se é a mudança das pessoas que provoca a mudança na sociedade.

 

O certo é que nesta mudança conjunta da sociedade e do homem, vão surgindo:

·      novas doenças, que é necessário curar;

·      novas manifestações na maneira como as pessoas adoecem, que exigem de nós novos métodos de prestar assistência;

·      novos problemas familiares: temos de saber ajudar, apoiar, iluminar, acompanhar;

·      novos necessitados que exigem criatividade e solidariedade da nossa parte, se quisermos dar-lhes respostas coerentes;

·      novas formas de isolamento, que nos interpelam para encontrar novas formas de resposta solidária a nível institucional.

Responder às necessidades das pessoas, com meios e formas actuais, mantendo o estilo e os valores da Ordem, é ser fiéis à Nova Hospitalidade, como síntese do nosso projecto apostólico.

 

 

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Para a reflexão:

 

1)        Identifica os sucessos e as dificuldades «na aplicação a situações concretas», no confronto com a realidade das Obras Apostólicas e das nossas Comunidades, nos âmbitos seguintes:

§         Assistência integral e direitos do doente

§         Problemas específicos da nossa acção assistencial

§         Gestão e direcção.

 

2)        Define quais as prioridades para a Ordem, a partir do diagnóstico anterior, nos âmbitos seguintes:

§         Assistência integral e direitos do doente

§         Problemas específicos da nossa acção assistencial

§         Gestão e direcção.


 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 


 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

6

FORMAÇÃO,

DOCÊNCIA

E INVESTIGAÇÃO

 

 

 

 

 

 

 


 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

6.1. Formação

 

 

6.1.1. Formação técnica, humana e carismática

 

125.  Além de quanto se disse noutros capítulos do presente documento, queremos evidenciar aqui alguns aspectos específicos da responsabilidade na formação actualizada dos membros da Ordem e dos seus Colaboradores.

Não vamos insistir na necessidade da formação humana, no sentido de orientar para o estímulo do autoconhecimento e do aprofundamento de tudo quanto se relaciona com a pessoa e a sociedade, imprescindível para podermos ser agentes de humanização nas obras da Ordem.

 

Algumas características do nosso tempo são determinadas pela velocidade do progresso das ciências, em geral, e da biomedicina em particular:

§      a velocidade e facilidade das comunicações;

§      a globalização dos problemas: a mentalidade técnico-científica na focalização da realidade e concepção do homem – reduccionismo científico;

§      os fundamentalismos religiosos – reducionismo espiritualista;

§      a constatação de que o único critério ético que podemos considerar como globalmente partilhado, pelo menos no plano teórico, é o do respeito pela dignidade da pessoa, o que implica que ela não seja instrumentalizada como meio para um fim, por mais elevado que este seja, ou possa parecer.

 

Este facto, que não é novo, adquire uma faceta de importância particular nas relações dos profissionais da saúde com a pessoa doente.

 

De facto, temos vindo a assistir, desde os anos setenta, à mais profunda transformação da relação médico-doente que se produziu nos últimos séculos. O fulcro desta transformação foi a tomada de consciência de que o doente capaz deve ser reconhecido como agente moral autónomo nas decisões que afectam a saúde.

Informar correctamente o doente passa para primeiro plano. O papel do médico na assistência perdeu também, pelo menos no mundo ocidental, o seu papel único e preponderante.

Hoje temos de falar de relação entre

§         a equipa de assistência,

§         o doente

§         e o ambiente social que o rodeia.

No que respeita ao progresso humano, o carácter ambíguo de certas tecnologias, cuja aplicação mais correcta não impede a manifestação de tremendos conflitos entre valores vitais e valores espirituais.

A importância cada vez maior dos enfermeiros na prestação de cuidados, e dos técnicos de laboratório nos processos de diagnóstico, exigem uma formação mais rigorosa do que no passado.

 

O nível de assistência integral quer nos hospitais, quer nos serviços de cuidados primários ou nos Estabelecimentos socio-sanitários, depende notavelmente do grau de formação dos trabalhadores do mundo da saúde.

 

A formação técnica e profissional, por um lado e, por outro, a formação humanista e ética devem caminhar em paralelo ao longo da formação contínua que exigirá por vezes que o fiel da balança se incline para o primeiro aspecto e, outras vezes, terá que enfatizar o segundo, numa actualização de conhecimentos que tornem possível a correcta assistência sanitária integral, segundo os critérios actuais.

 

Cada Obra Apostólica deve empenhar-se em promover programas de formação a todos os níveis,  prevendo para os mesmos as adequadas dotações orçamentais.

 

Enquanto a actualização dos conhecimentos científicos não requererá, em geral, um esforço excessivo de motivação, já parece necessário um esforço suplementar de motivação para a formação na filosofia e nos critérios carismáticos da Ordem Hospitaleira.

Esta formação deve ser entendida como uma excelente ocasião para fomentar o sentido de pertença e como um instrumento para actualizar os valores que determinam a cultura e a identidade da Ordem, a qual deve ser promovida pela direcção das Obras Apostólicas e plenamente integrada no plano de formação da Obra.

 

É importante que, na medida do possível, alguém possa estar a par dos programas e das experiências realizadas numa ou outra região do globo, para ver a possibilidade de as adaptar ao próprio lugar e Obra.

Dado que são raros os formadores que conseguem compreender os problemas do mundo da saúde e, ao mesmo tempo, possuir um domínio pedagógico nos âmbitos do pensamento contemporâneo filosófico, teológico, pastoral e espiritual, deverão ser feitos esforços para constituir equipas e reforçar as qualidades de várias pessoas que trabalham num programa comum.

Esse programa deverá ser realista, eficaz e eficiente.

 

As Comissão de Ética hospitaleiras podem perfeitamente desempenhar esta função.

 

Neste tempo em que a Igreja vive com particular intensidade a necessidade do «diálogo inter-religioso», para que, na sequência do Concílio Vaticano II, se «reconheçam, conservem e promovam os valores espirituais e morais existentes noutras religiões, assim como os valores socio-culturais em ordem a colaborar na busca de um mundo de paz, liberdade, justiça e dos valores morais»,(1) torna-se imprescindível que, além da pertinente formação profissional e técnica, se procure a mais sólida formação no âmbito do carisma da Ordem, na filosofia e na teologia, especialmente centrada na pessoa e no mistério de Cristo Jesus.

 

As grandes correntes do pensamento filosófico(2) e teológico deverão constituir os pilares fundamentais da formação, na qual o carisma da Ordem e o seu conhecimento profundo deverão inspirar as atitudes e os comportamentos a favor dos pobres e dos necessitados.

 

 

________________________________

 

(1)   CONCÍLIO VATICANO II, Declaração Nostra  Ætate, 2 ss.

 

(2)   Cfr. JOÃO PAULO II, Encíclica Fé e Razão, 1999, Capítulo I.

 

Desta forma estaremos em condições de entabular em quatro frentes o diálogo necessário num mundo caracterizado pelo pluralismo religioso:(3)

·        Diálogo da vida, no qual as pessoas se esforçam por viver num espírito de abertura e de boa vizinhança, partilhando as suas alegrias e sofrimentos, os seus problemas e as preocupações humanas;

·        Diálogo da acção, no qual os cristãos e as outras pessoas colaboram tendo em vista o desenvolvimento integral e a liberdade das pessoas;

·        Diálogo da experiência religiosa, no qual as pessoas, enraizadas nas suas próprias tradições religiosas, partilham as suas riquezas espirituais, por exemplo, no que se refere à oração e à contemplação, à fé e aos caminhos da procura de Deus e do Absoluto;

·        Diálogo do intercâmbio teológico, no qual os peritos procuram compreender mais profundamente as suas respectivas heranças religiosas e apreciam os seus respectivos valores espirituais.

 

 

 

 

 

 

__________________________________

 

(3)   PONTIFÍCIO CONSELHO PARA O DIÁLOGO INTER-RELIGIOSO e CONGREGAÇÃO PARA A EVANGELIZAÇÃO DOS POVOS: Diálogo e Anúncio, BCDR (1991), 210-250.

 

 

 

6.1.2.     As Comissões de Ética como instrumento de formação

 

126.     Embora este tema já tenha sido abordado no Capítulo V deste documento, vamos retomá-lo aqui na perspectiva de investigação e formação próprias destas Comissões.

 

No campo da clínica, a palavra bioética esteve ligada ao conceito de diálogo interdisciplinar, como metodologia de trabalho e, desde 1978, ligou-se aos princípios comuns da bioética contemporânea:

·      autonomia,

·      benefício/não nocividade

·      e justiça.

 

Estes princípios, partindo do modelo antropológico do personalismo de inspiração cristã, são a tradução do princípio do respeito pela dignidade da pessoa, do serviço ao bem do doente integralmente considerado e da solidariedade.

 

A necessidade de assegurar a protecção dos sujeitos humanos que participam num ensaio ou investigação clínicos, e a relevância e correcção científica do protocolo de investigação, deram origem à institucionalização de comissões competentes para desempenhar tais tarefas.

São as Comissões de Ética de Investigação Clínica e as Comissões de Bioética.

Os nomes equivalentes na literatura anglo-saxónica são: Institutional Review Boards e Institutional Ethics Committees. Estes últimos também são designados por Clinical Ethics Committees.

 

As Comissões de Ética de Investigação Clínica apresentam estruturas, funcionamento e reconhecimento legal diferentes, segundo os países. No entanto, todos eles hão-de respeitar e velar pelo cumprimento das denominadas Normas de Boa Prática Clínica.

As decisões destas Comissões são legalmente vinculativas. Os membros da Comissão de Ética de Investigação Clínica devem estar qualificados para rever projectos de investigação, verificando em primeiro lugar se existem dados científicos suficientes, bem como ensaios farmacológicos e toxicológicos sobre animais que garantam que os riscos que poderão advir para as pessoas na pesquisa em questão sejam admissíveis, e ainda que as pessoas tenham sido devidamente informadas e participem livremente no ensaio.

 

Há ainda outros aspectos a considerar que são:

§      ponderar se o problema que se pretende investigar é importante ou banal;

§      se o plano experimental proposto é adequado aos objectivos previstos;

§      se existe um seguro que cubra os eventuais danos e prejuízos que, como consequência do ensaio clínico, possam advir à pessoa em que aquele  tiver de realizar-se.

 

Não há dúvida de que a participação nestas Comissões tem um valor pedagógico e enriquecedor.

De qualquer modo, onde o diálogo bioético nos hospitais adquire uma importante função pedagógica é na discussão de casos concretos nas Comissões de Ética assistencial.

Tais Comissões são em si mesmas formativas, pela sua composição interdisciplinar, pela metodologia de informação-formação, pelo respeito recíproco, pela importância dos casos a discutir, pela necessidade de encontrar soluções para os conflitos de valores que se apresentam, e pela necessidade de regulamentar, de alguma forma, a actuação em casos semelhantes.

 

A função docente é muito importante. Em primeiro lugar, é o «locus» de formação dos próprios membros da Comissão. Depois, mas sempre importante, é a programação da docência da bioética na Província, nas Obras Apostólicas e a sua implementação.

 

O diálogo interdisciplinar é necessário como metodologia de trabalho. Geralmente, a tomada de decisões deverá verificar-se mediante consenso ético e não meramente estratégico. Os consultores de casos concretos – médicos, enfermeiros, psicólogos... – deverão ser membros ad hoc nas deliberações da Comissão, para que as decisões tenham força vinculativa moral.

A composição dos membros da Comissão pode variar segundo o tipo de hospital ou Obra residencial ou sócio-sanitária.

 

Em última análise, as Comissões de Ética assistencial representam uma coisa tão antiga como a nova consulta colegial e algo tão relativamente recente como o reconhecimento da equipa de saúde e da medicina orientada para o doente, considerado como agente moral autónomo que não perde os seus direitos pelo facto de estar internado num hospital.

As Comissões que funcionam correctamente podem ser instrumentos eficazes para definir a «lex artis» do hospital, com as respectivas implicações jurídicas.

 

A Comissão deverá estabelecer qual é o sistema de valores de referência em caso de conflito:

§         inspiração cristã,

§         direitos humanos,

§         códigos deontológicos profissionais, de âmbito nacional ou internacional, etc.

 

A Comissão de Ética assistencial deverá passar no teste de coerência das suas decisões.

 

É imprescindível assegurar a funcionalidade da Comissão através das diversas medidas entre as quais assume um relevo particular a Comissão para a resolução de casos urgentes.

 

Chegados a este ponto, desejaríamos esclarecer alguns aspectos.

Julgamos ser importante, em primeiro lugar, analisar os pré-requisitos necessários para abordar correctamente a decisão ética:

a)      o relatório clínico correcto;

b)      a competência profissional para a discussão científica do caso clínico;

c)      o controlo de qualidade.

 

Depois de se ter definido o problema clínico e as alternativas possíveis de tratamento, passa-se a considerar as dimensões éticas referentes a problemas relacionados com a qualidade de vida, sob a perspectiva profissional e sob a perspectiva do doente e da sua família, cujos sistemas de valores deverão ser respeitados.

Os factores não clínicos, especialmente os económico-sociais, deverão merecer uma atenção especial numa Medicina que se preze de ser integral.

 

O consentimento por parte de terceiros, por incapacidade do doente, apresenta problemas muito difíceis de resolver em neo-natologia, psiquiatria, doentes em coma, deficientes mentais, etc.

Nestes casos, em que frequentemente se verificam situações-limite, revela-se em pleno a utilidade da existência da Comissão de Ética assistencial ao serviço de uma Medicina de qualidade científico-técnica e humana.

 

A formação para a resolução de conflitos na investigação e na clínica requer como elementos fundamentais:

1)        a capacidade e competência profissional para compreender o problema apresentado na perspectiva em que a pessoa trabalha;

2)        que se tenha reflectido sobre a própria atitude ética e um mínimo de fundamentação racional da mesma. Aqui é necessário distinguir o facto em si mesmo (atitude coerente na vida entre o ser e o agir), e a possibilidade de conceptualização. Esta deve basear-se num programa de formação antropológica e ética, filosófica e/ou teológica;

3)        a metodologia para a resolução de conflitos num clima de diálogo que não exclui a confrontação.

Referimo-nos aqui apenas a este último aspecto. Não há dúvida de que os chamados princípios bioéticos, antes enunciados, são instrumentos pedagógicos que se revelam úteis nos diálogos das Comissões de Ética assistencial.

 

A resolução de problemas pode focalizar-se partindo da discussão de princípios que entram em conflito entre si e a sua hierarquia num caso concreto (por exemplo, prioridade do princípio de autonomia ou do princípio de benefício/ajuda), ou então da análise casuística. Consideramos que este é o mais adequado na discussão de casos clínicos.

 

 

 

 

6.2.    A Docência

 

6.2.1. A docência, uma constante na Ordem

 

127.     A docência na Ordem começa com o próprio Fundador, S. João de Deus, que, antes de ensinar se deixou ensinar: aconteceu em Guadalupe, definida no ditado que se conhece desde finais do séc. XV, em toda a Espanha: «nem que tivesses andado toda a tua vida a praticar anatomia em Guadalupe...».

«Guadalupe dá-lhe uma visão ao mesmo tempo científica e caritativa; com o apoio da «Escola» de Medicina, cuja qualidade os mais recentes historiadores consideram digna de grande louvor... Viu equipamentos desconhecidos em qualquer outro hospital espanhol e participou nas aulas teóricas e práticas dadas aos principiantes».(4)

 

O primeiro seguidor de S. João de Deus, Antão Martim, teve uma sensibilidade especial para a docência. Na Madrid dos Áustrias, por volta de 1553, tem a ideia de criar uma «Escola de Cirurgiões menores» para o seu hospital do «Amor de Deus». Levá-la-ia à prática o seu sucessor, Pedro Delgado.(5)

 

«Esta Escola de Cirurgia obteve um grande êxito e cedo acorreram a ela, pedindo para fazer experiência nas suas clínicas e receber ensinamentos..., pessoas que desejavam preparar-se para serem examinadas perante o Tribunal de protomédicos, como cirurgiões românticos. O Hospital da Praça de Antão Martim foi portanto o primeiro em Madrid que teve condições de docência e onde foram implantadas especialidades médicas».(6)

 

À medida que a Ordem começa a expandir-se, primeiro pela Espanha e, logo depois, pela Europa e pela América Latina, até chegar aos cinco continentes, não abandonou a sua vocação para a pedagogia hospitaleira.

É verdade que o seu ensino foi predominantemente verbal, mais do que por escrito, com uma linguagem evidentemente prática, acessível a todos.

 

____________________________________

 (4)    JAVIERRE, José Maria, Juan de Dios, loco en Granada, Sigueme, Salamanca, 1996

(5)   PLUMED MORENO, Calixto, Jornadas Internacionales de Enfermeria de San Juan de Dios, 1999.

(6)   ALVAREZ SIERRA, José, Antón Martin y el Madrid de los Áustrias, 1961.

Elaborou, no entanto, importantes manuais para várias especialidades.

A Ordem plasmou esta preocupação docente em diversas Escolas com vários níveis de formação que continua a fomentar e a implantar.

 

6.2.2. A docência, um imperativo nos dias de hoje

 

128.     Em 1956 a Organização Mundial da Saúde (OMS) definiu o hospital, entre outras coisas, como um «centro de formação de pessoal médico sanitário e de investigação».

 

A partir dessa data, todos os países, na sua legislação para a saúde contemplam a docência como um imperativo: não existe um modelo assistencial que não lhe dedique um amplo espaço.

Ensinar o que se faz no dia-a-dia e transmiti-lo à comunidade – através de qualquer um dos mais diversos meios de que dispomos – é uma tarefa semelhante a curar, prevenir ou investigar.

 

A docência transforma-se todos os dias em garantia de qualidade na estrutura assistencial.

Vai-se até ao ponto de não existirmos com a vitalidade que os outros exigem, se não mostrarmos à sociedade o que fazemos sob a forma de ensino.

 

Daí decorre o compromisso de contemplar nos orçamentos anuais das Obras Apostólicas uma verba para a docência, e a vontade de fazer acordos com Entidades públicas e/ou particulares numa abertura a uma «vocação docente» que se mantém desde as origens da Instituição.

 

Numa dimensão de futuro, a docência é uma responsabilidade de toda a Obra Apostólica.

§      É uma credencial que justifica a nossa capacidade de estarmos presentes na sociedade.

§      É um elemento básico da qualidade assistencial que exige esforço.

§      É um compromisso de ensinar a todos a pensar e a fazer as coisas de uma maneira nova, para o bem da pessoa que sofre.

 

 

 

 

 

6.3 A Investigação

 

 

6.3.1. A Comunicação na perspectiva da Ordem

 

129.     A actividade assistencial, técnica e científica da Ordem Hospitaleira produziu ao longo destes cinco séculos variadas e preciosas contribuições em benefício da saúde e da vida.

 

O próprio S. João de Deus iniciou a sua «aventura hospitaleira» ao ir formar-se a Baeza e Guadalupe, aconselhado pelo Mestre João de Ávila.

Como alguns sustentam, o padre Mestre, de reconhecida curiosidade científica, conhecia muito bem a categoria dos hospitais dirigidos pelos frades Jerónimos, em Guadalupe, e mandou para lá João de Deus como peregrino e aprendiz hospitalar, para que visse como funcionava um hospital.(7)

 

Depois de regressar a Granada pôs em prática o seu projecto de serviço aos doentes.

 

Pelo contributo que deu à assistência, organizando dois hospitais, segundo métodos avançados para a época, a história reconhece-lhe o título de Fundador do hospital moderno.

 

Durante o processo de expansão da dinâmica herança de S. João de Deus através do tempo e do espaço, Irmãos e Colaboradores hospitaleiros foram aperfeiçoando os seus métodos, acumulando experiência e aumentando os seus conhecimentos.

 

«Pode dizer-se, em termos gerais, que a evolução da Ordem reflectiu a evolução da psiquiatria e da neurologia».(8)

 

Foram os Irmãos Hospitaleiros que fundaram o primeiro hospital para epilépticos em toda a Europa.(9)

 

 

 

_______________________________

 

(7)   JAVIERRE, Ibidem, p. 413

(8)   RUMBAUD, Ruben D., John  of God: his place in the history of Psychiatry and Medicine, 1978, edição bilingue (Inglês/Espanhol). p. 115

(9)   ALVAREZ SIERRA, José, Ifluencia de San Juan de Dios y de su Orden en el progreso de la Medicina y de la Cirugia, Talleres Arges, Madrid, 1950, p. 148.

 

Igualmente, partindo dos primeiros hospitais, completavam o seu trabalho de cura com actividades formativas: desde o séc. XVI que há notícia das primeiras escolas para cirurgiões fundadas em hospitais da Ordem.(10)

 

Tudo isto, para além de outras escolas, de química, de farmácia, de medicina e de enfermagem, algumas das quais foram criadas em épocas mais recentes e ainda continuam a funcionar.

 

Por outro lado, houve Irmãos muito conhecidos e outros menos que foram médicos, cirurgiões, dentistas, enfermeiros, alguns deles verdadeiros exemplos da relação entre Carisma da hospitalidade e espírito científico e investigador.(11)

 

 

__________________________________

(10)  RUSSOTTO, Gabriele OH., San Givanni di Dio e il suo Ordine Ospedaliero, Roma, 1969, volume segundo, p. 124.

(11)   Na obra citada de Gabriel Russotto há 73 páginas de nomes com uma ampla documentação. Entre as figuras mais conhecidas de Médicos e Cirurgiões destacam-se: Ir. Gabriel Ferrara (Itália), Ir. Alonso Pabón (Espanha), Ir. Bernardo Fyrtram (Áustria), Ir. José Lopez de la Madera (Espanha), Pe. Constantino Scholz (Silésia, Áustria), Ir. Ambrósio Guivebille (Áustria), Pe. Lázaro Nobel (Alemanha), Ir. Matias del Carmen Verdugo (Chile), Ir. Miguel Isla (Colômbia), Pe. Probo Martini (Alemanha, Rep. Checa, Silésia), Pe. Bertrando Schroeder (Áustria), Pe. Norberto Boccius (Hungria, Rep. Checa), Pe. Manuel Chaparro (Chile), Pe. Ludovico Perzima (Polónia), Ir. Eliseu Talochon (França), Pe. Odilone Wolf (Rep. Checa), Ir. Justo Sarmiento (América), Pe. Fausto Gradischeg (Áustria), Pe. Juan Luís Portalupi (Itália), Pe. Benedetto Nappi (Itália), Pe. Celestino Opitz (Rep. Checa), Pe. Prosdocimo Salerio (Itália), Pe. Celso Broglio (Itália), Pe. João de Deus Sobel (Silésia), Pe. Francisco de Sales Whitaker (Irlanda e Inglaterra). A lista termina com S. Ricardo Pampuri.

Entre os Farmacêuticos e Botânicos mais famosos da história da Ordem, recordamos o Pe. Agustin Stromayer (Rep. Checa), Pe. Inocêncio Monguzzi (Itália), Pe. Ottavio Ferrario (Itália), Pe. Gallicanio Bertazzi (Itália), Pe. Anastácio Peliccia (Itália) e Pe. António Matias dell’Orto (Itália).

Entre os Dentistas, os mais famosos são dois, ambos italianos: Ir. João de Deus Pelizzoni e Pe. Giovani Battista Orsenigo, que foi muito conhecido em Roma.

A Ordem Hospitaleira é uma instituição com vários séculos de presença no mundo da saúde e dos serviços sociais.

Por isso, pode e deve favorecer a busca contínua de melhorias na assistência através da promoção da investigação.

Sem renunciar a campo algum da investigação, talvez os mais específicos sejam:

§      a assistência integral,

§      a humanização,

§      a bioética nas suas vertentes clínicas, epidemiológicas, de gestão e docência, tanto em medicina como na enfermagem,

§      a pastoral,

·      o diálogo inter-religioso no encontro de serviços aos pobres e necessitados,

§      os valores da instituição em geral, etc.

 

O aprofundamento criativo deste documento, a qualidade dos recursos humanos disponíveis em cada situação e a motivação dos colaboradores em fortalecer a dimensão inovadora da Ordem Hospitaleira, que tem sido uma marca característica da mesma através da História, deverão marcar as linhas de trabalho de colaboração que pareçam mais oportunas.

 

____________________________________

 

Na Colômbia, o Ir. Miguel de Isla (séc. XVIII) foi médico, catedrático de Medicina e restaurador da Faculdade de Medicina da Universidade do Rosário. No Chile, o Ir. Manuel Chaparro introduziu o método de inoculação (vacina), que nunca tinha sido utilizado antes e ainda era ignorado na Europa – para controlar uma devastadora epidemia de varíola, que grassou entre 1765 e 1772.

Vale a pena destacar por fim que, em 1821, o Ir. Farmacêutico Ottavio Ferrario descobriu o iodoformo, embora a descoberta seja atribuída a um francês, que fez a mesma descoberta naquele ano. Em 1822 o Ir. Ferrario foi a primeira pessoa na Itália que extraiu a quinina, isolando os constituintes activos da quina.

 

6.3.2.  A promoção da investigação na perspectiva do Terceiro Milénio

 

130.     O progresso constante da ciência e o compromisso dos profissionais da saúde, não apenas na sua actividade de carácter assistencial, mas também nos seus esforços de carácter experimental, tornam hoje indispensável esta promoção adequada da investigação.

 

Não existe progresso da medicina que não tenha sido precedido por uma apropriada e notável actividade de investigação (teórica, de laboratório, em animais e no homem).

Por isso, a assistência integral ao doente e ao necessitado passa necessariamente por estas fases preliminares.

 

Embora tradicionalmente a actividade da Ordem se tenha desenvolvido predominantemente no cuidado directo dos doentes e necessitados, perante os novos factos sociais e sanitários, a investigação apresenta-se como uma premissa indispensável que não visa “outros” profissionais, mas que entra de pleno direito nas actividades que podem ser realizadas e promovidas nas nossas Obras Apostólicas.

 

Isto já se faz há alguns anos, com grande benefício para os doentes e gratificação de uma parte dos colaboradores, plenamente inseridos nos circuitos de investigação internacionais e, portanto, participantes daquele «progresso da saúde» no qual toda a comunidade científica está interessada.

 

Os principais meios para realizar tal actividade serão:

§      a experimentação clínica,

§      os protocolos com institutos de investigação,

§      a adesão a programas internacionais de investigação,

§      a qualificação específica e exclusiva de alguns colaboradores neste sector.

 

Para uma promoção mais proveitosa da investigação, poderão ser também criadas associações que tenham com o objectivo realizá-la de forma mais orgânica, coordenada e interdisciplinar, também com o contributo de peritos qualificados, «externos» à própria Obra Apostólica.

 

Um problema particular tem a ver com o destino dos meios financeiros.

Não se trata de recursos «subtraídos» ao doente mas, pelo contrário, utilizados para a sua melhor cura, inclusivamente quando não se vê imediatamente o «retorno», já que, às vezes, num primeiro momento, parece que os recursos empregues não deram os resultados esperados.

 

Precisamente por isso, a Ordem não só aprecia e favorece a investigação experimental nas suas Obras Apostólicas, mas também poderá mesmo tornar-se a sua promotora perante as entidades que legitimamente a perseguem como campo institucional próprio.

 

Isto também deverá ser tido em conta, se a tipologia de uma determinada Obra o permitir, no momento de estipular os respectivos protocolos com os Governos que destinam precisamente à investigação uma parte (ainda que modesta) dos seus próprios orçamentos.

 

 

Para a reflexão:

 

 

1.    Quais são os programas de formação, ensino e investigação que existem no seu Estabelecimento ou na sua Província?

Dê uma avaliação da prática e da sua eficácia.

 

 

2.    Quais deveriam ser as prioridades para a Ordem no campo

§      da formação,

§      do ensino,

§      da investigação?

 

 

 

 

 

 

 

 

 


 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 


 

7

A INTEGRIDADE PESSOAL

COMO BASE PARA A ACÇÃO

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 


 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

7.1.        A integridade como projecto de existência

 

7.1.1. Viver segundo os valores que configuram a pessoa

 

131.     Entendemos por integridade pessoal a qualidade moral de uma pessoa cuja acção concorda com os princípios e valores que ela professa: «operari sequitur esse» (o agir vem depois do ser).

Esta integridade exige um coração indiviso, rectidão na acção e fidelidade no meio das provações e das dificuldades.

Em última análise, devemos dizer que o homem íntegro é aquele que vive de acordo com o mandamento do amor que Jesus nos deixou: «Amai-vos uns aos outros como eu vos amei».

 

A unidade de mente e de coração, de coerência entre o sentir e o agir, requer um processo mais ou menos prolongado de amadurecimento humano, psicológico e espiritual, conforme as pessoas, o grau da sua vocação de serviço e a generosidade na resposta.

Integrar a acção na união com Deus, segundo o carisma de S. João de Deus, é uma tarefa de toda a vida.

 

Se no nosso agir tendemos apenas, ou predominantemente, para a utilidade social, para a eficácia, eliminando a dimensão de sermos testemunhas do amor de Cristo, segundo o carisma de S. João de Deus, atentamos contra a nossa integridade como projecto de existência e as nossas obras não terão a força evangelizadora que devem ter.

Se uma pessoa é íntegra, sê-lo-á por aquilo que é, que diz e que faz.

 

7.1.2. O homem, testemunha da Transcendência e do Amor

 

132.     O destino do homem é a vida eterna: «inquietum est cor nostrum donec requiescat in Te» («O nosso coração está inquieto enquanto não descansar em Vós»).

 

O seguimento de Jesus Cristo, plenitude da revelação de Deus, é o caminho do homem para a plenitude da sua realização. O seguimento de Jesus Cristo segundo o estilo de S. João de Deus, identificando-se com os pobres e os necessitados, é o modelo exemplar da Ordem Hospitaleira.

 

A entrega incondicional aos outros como sinal do amor de Deus exige um certo grau de maturidade humana e espiritual: a experiência íntima de Deus, o ter consciência de que se é amado por Deus e o conhecer-se a si mesmo, aceitando-se tal como se é, são condições para conseguir o grau de identidade, confiança e liberdade, necessários para o apostolado.

 

A oração é necessária para vitalizar, unificar e integrar a vida espiritual e a actividade.

A experiência da misericórdia de Deus para connosco e do seu amor incondicional, dá-nos a medida do amor e da relação que devemos ter com a pessoa necessitada, ajudando-a a construir a sua própria vida, a valorizar a sua dignidade e a revelar-lhe o seu poder de amar.

A experiência do amor incondicional ajuda as pessoas a descobrirem a sua vocação de filhos de Deus.

 

O Evangelho de Cristo ao revelar ao ser humano a sua qualidade de pessoa livre, chamada a entrar em comunhão com Deus, suscita a tomada de consciência das profundidades da liberdade humana:

·      libertação de toda a escravidão,

·      libertação do pecado,

·      libertação para proclamar o Evangelho,

·      libertação para crescer na liberdade, segundo o Espírito.

 

7.2. A consciência como motor da nossa acção

 

133.     No mais profundo da sua consciência o homem descobre a existência de uma lei que ele não dá a si mesmo, mas à qual deve obedecer e cuja voz ecoa, quando é necessário, aos ouvidos do seu coração, advertindo-o que deve amar e praticar o bem e que deve evitar o mal: «faz isto, evita isso»...

De facto, o homem tem uma lei inscrita por Deus no seu coração, em cuja obediência consiste a dignidade humana e pela qual será pessoalmente julgado.(1)

 

«A dignidade da pessoa humana implica e exige a rectidão da consciência moral.

 

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(1)    CONCÍLIO VATICANO II, Constituição Pastoral sobre a Igreja no Mundo Contemporâneo – Gaudium et Spes, 16.

A consciência moral compreende a percepção dos princípios da moralidade (sindérese), a sua aplicação às circunstâncias concretas mediante um discernimento prático das razões e dos bens e, em definitivo, o juízo formado sobre os actos concretos que vão ser ou já foram realizados. A verdade sobre o bem moral, declarada na lei da razão, é reconhecida como prática e concretamente pela voz prudente da consciência. Chama-se prudente ao homem que procede de acordo com os ditames, ou juízos, da sua consciência».(2)

 

O homem tem o direito de agir em consciência e em liberdade, a fim de tomar pessoalmente as decisões morais.

«Não deve ser obrigado a agir contra a sua consciência. Não se lhe deve impedir que actue segundo a sua consciência, sobretudo em matéria religiosa».(3)

 

Na formação da consciência, a Palavra de Deus é a luz do nosso caminhar; é preciso que a assimilemos através da fé e da oração, e a prolonguemos na prática. É preciso também que examinemos a nossa consciência à luz da cruz do Senhor. Estamos assistidos pelos dons do Espírito Santo, ajudados pelo testemunho ou pelos conselhos dos outros, e guiados pelo ensino certo da Igreja.

 

A reflexão pessoal e comunitária, da qual as Comissões de Ética são uma manifestação, podem esclarecer os problemas difíceis nos casos concretos que escapam à normativa ética dos pronunciamentos do Magistério.

 

_________________________________

 

(2)  Catecismo da Igreja Católica (CIC), Roma, 1992, § 1780.

(3)  Catecismo da Igreja Católica, § 1782.

Competência profissional; docilidade ao  Magistério e respeito por ele, e espírito de diálogo, são requisitos essenciais para discernir comportamentos concretos em casos particularmente conflituosos, onde é necessária uma hierarquização de valores que entram em conflito.

 

Dado que os problemas éticos mais importantes do direito natural não têm uma resposta explícita na Bíblia, devemos insistir mais numa fundamentação convincente e racional, que não se baseie no argumento de autoridade.

Sem esta condição, será talvez cada vez mais difícil que o homem de hoje, consciente da sua autonomia e responsabilidade, dê livremente o seu assentimento.

 

 

7.3. Consciência e rectidão moral

 

7.3.1. O serviço ao homem doente e necessitado, «conditio sine qua non»

 

134.     O termo «servo», da primeira comunidade eclesial, formaliza e define a condição do crente que, por amor, se coloca à disposição dos seus irmãos. Esta atitude evidencia-se ainda mais no cuidado que a comunidade eclesial tem para com os doentes e necessitados.

 

Na realidade, os testemunhos de maior autoridade do passado (Juramento de Asaph, oração de Maimónides, Juramento de Hipócrates, etc.), tinham sublinhado o compromisso ético do serviço do agente da saúde e a própria ideia de ministério socio-sanitário é comum a muitas outras doutrinas ideológico-culturais.

Mas é sem dúvida no Cristianismo que esta ideia assume uma importância muito particular, pela referência ao ministério de Cristo, «diácono» do Pai para os homens, o servo de Deus para ser servo dos irmãos.

Policarpo (em finais do séc. I), chamar-lhe-á «diácono, servo de todos».

 

Precisamente por isso, na Ordem religiosa que tomou a hospitalidade como seu carisma específico, a dimensão do serviço torna-se algo a que não se pode renunciar, e exprime a razão de ser das próprias obras, bem como a atitude interior dos colaboradores mais envolvidos.

 

Nesta perspectiva, a diferença de vocações converte a pluralidade em motivo de riqueza carismática. Deste modo, os factos existenciais, os estados de vida e o âmbito do trabalho, transformam-se em ocasiões e compromissos «ministeriais».

Nas situações em que o compromisso profissional e existencial implica uma participação directa nas necessidades existenciais do outro, como acontece no caso da Ordem Hospitaleira, o serviço transforma-se numa verdadeira linha-mestra do seu agir.

 

 

 

 

 

 

 

7.3.2. Graus de envolvimento pessoal na missão da Ordem

 

7.3.2.1. Os Irmãos

 

135.     Em virtude da sua profissão religiosa, os Irmãos são, como é óbvio, as pessoas mais radicalmente comprometidas com a Ordem.

     O termo «profissão» é idêntico ao que se emprega para designar uma actividade de trabalho.

Ambas as situações caracterizam-se por três dimensões:

·      crer, declarando-o de maneira aberta e formal, na realidade existencial que se assume;

·      pertencer a um grupo social particular que transforma esta realidade na sua razão de ser;

·      comprometer-se em manifestar na vida concreta a realidade professada.

 

A primeira dimensão – crer – diz respeito à esfera intelectual e realiza-se, se assim nos podemos exprimir, em «crer na hospitalidade».

 

Não se pode viver nem agir segundo o estilo de S. João de Deus, ou seja, encarnando concretamente o carisma da hospitalidade, se não se acreditar nesta hospitalidade.

Trata-se, pois, de renovar um testemunho que brote da profundeza da fonte vocacional, renovando-se quotidianamente e reformulando todos os dias o próprio «sim» à hospitalidade.

 

A segunda dimensão – pertencer – refere-se ao âmbito relacional, isto é, ao sentido de pertença e, mais concretamente, à dimensão comunitária da própria vida.

A vida é antes de mais o espelho de uma vocação que, sem eliminar a dimensão personalista de um Deus que «nos chama pelo nosso nome», se actualiza numa comunidade.

Além disso, na sua resposta está implicada uma pertença específica comunitária, que se realiza em dois âmbitos específicos: no que se refere ao seu ser, na estrutura orgânica da Ordem; no que se refere ao seu agir, na vida fraterna e no compromisso hospitaleiro comum.

 

Por fim, a dimensão da vontade – compromisso – exprime-se de forma selectiva na profissão dos votos.

A este respeito, é necessário sublinhar mais uma vez a sua dimensão oblativa, mais do que ascética, considerando os votos mais na sua realidade de «dom» do que de «renúncia».

Nesta óptica, o seu significado pode constituir um exemplo de imitação dos valores também por parte dos colaboradores, encontrando uma dimensão de comunhão que ultrapassa o âmbito do simples trabalho realizado juntos.

O Irmão poderá assim partilhar com o leigo

·      a obediência como adesão às circunstâncias existenciais, através de cuja trama se pode vislumbrar a vontade de Deus;

·      a pobreza como dom dos bens interiores, do tempo, da inteligência, do coração;

·      a castidade como dádiva do próprio corpo e dos recursos específicos do homem e da mulher;

·      e a hospitalidade como expressão de acolhimento e serviço à pessoa doente e necessitada.

7.3.2.2. Os Colaboradores

 

136.     Neste âmbito podemos incluir todos aqueles que, trabalhando nas Obras da Ordem, e participando, a partir da sua própria identidade, nas iniciativas e obras por ela promovidas, colaboram para um mesmo objectivo.

 

«Os níveis desta participação variam: haverá quem se sinta mais vinculado à Ordem atraído pela sua espiritualidade; outros, em contrapartida, pelo desempenho da missão. Mas o importante é que o dom da hospitalidade recebido por João de Deus crie laços de comunhão entre os Irmãos e os Colaboradores que os estimulem a desenvolver a sua vocação cristã e a ser para o pobre e o necessitado manifestação do amor misericordioso de Deus para com os homens».(4)

 

Independentemente da fé, os Colaboradores das nossas Obras contribuem para levar a cabo, de forma determinante a actividade da Obra Apostólica, participando assim da sua missão.

Eles ajustam com a Ordem uma relação essencialmente laboral, dado que na sua maioria são responsáveis por serviços que a Obra presta à colectividade.

 

Pelo seu número e pela objectiva promoção da estrutura que eles realizam, dão um contributo significativo às obras da Ordem, mesmo sem procurar partilhar profundamente o carisma, seguindo estilos e modalidades que, possivelmente, não consideram que corresponda à sua situação existencial.

 

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(4)   CÚRIA GERAL, Irmãos e Colaboradores unidos para servir e promover a vida, Roma, 1991.

Respeitando os seus valores e sem forçar as suas consciências, será oportuno, sem dúvida, proporcionar-lhes todos os instrumentos necessários para que possam seguir um caminho que, com o tempo, os possa levar a assumir livremente uma identificação mais directa com a missão da Ordem.

 

Os colaboradores mais sensíveis e comprometidos que desejam viver identificados com a missão da Ordem participam plenamente no carisma de S. João de Deus que neles vive e se difunde não menos do que nos Irmãos.

Precisamente por isso, no âmbito destes colaboradores, realizaram-se (e é desejável que continuem a realizar-se) formas associativas particulares que mais directamente exprimem, no estilo de vida secular, a missão da Ordem.

 

Nesta perspectiva, a colaboração entre Irmãos e Colaboradores deixa de ser um facto ocasional e espontâneo para pertencer essencialmente a vida da Ordem, a partir de uma plena integração.

 

Trata-se de uma perspectiva muito apreciada pela Igreja universal: «por imposição das novas situações, não poucos institutos chegaram à conclusão de que o seu carisma pode ser partilhado com os leigos. E assim estes são convidados a participar mais intensamente na espiritualidade e na missão do próprio Instituto. Pode-se dizer que, no rasto das experiências históricas como a das diversas Ordens seculares ou Ordens Terceiras, se iniciou um novo capítulo, rico de esperanças na história das relações entre as pessoas consagradas e o laicado».(5)

 

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(5)  JOÃO PAULO II, Exortação Apostólica  pós-sinodal ‘Vita Consecrata’, 1997, 54.

 

 

Para a reflexão:

 

 

1)    Que recursos se estão a empregar para promover a integridade pessoal de que se fala neste capítulo?

 

2)    Que outros recursos seria necessário utilizar?

 

 

 

 

 

 

 

 

 


 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 


 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

8

CRIAR O FUTURO

COM ESPERANÇA

 

 

 

 

 

 


 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

8.1. Desafios do presente

 

137.     Na reflexão sobre o futuro, mais propriamente sobre a relação entre criatividade e temporalidade, devemos notar e superar uma contradição: o tempo, sobre o qual queremos investigar, não é um espaço mental abstracto e longínquo, mas uma determinação do nosso presente.

 

É a época em que se vive prepara o futuro: os valores que são fundamento do nosso testemunho encerram a semente do futuro. Também porque o compromisso e o testemunho não se devem transferir continuamente para um futuro hipotético que nos impediria de assumir as nossas responsabilidades presentes.

 

É necessário entrar no terceiro milénio com a coragem vocacional e profética de papéis e testemunhos novos.(1)

No mundo da Hospitalidade, a esperança como anúncio de salvação apenas cria um futuro possível se gerar estruturas de saúde capazes de acolher o homem de hoje que sofre.

Criar quer dizer instituir e promover processos capazes de fecundar o tempo de maneira que se verifiquem iniciativas que estejam em sintonia com a vontade de Deus e com os sinais através dos quais a sua vontade se manifesta no tempo.

 

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(1)   Uma primeira pista encontra-se no documento Hospitalidade dos Irmãos de S. João e Deus rumo ao ano 2000, apresentado aos Irmãos em Abril de 1987.

 

Criar, em hospitalidade, significa gerar e testemunhar, constantemente, um amor vivo – que opera, que constrói – a favor do irmão que vive no sofrimento.

Deter-se constantemente a projectar – a pensar – o futuro sem criar e produzir a novidade pode colocar a Ordem fora da história.

 

A mudança de época que estamos a viver leva-nos à necessidade de avaliar e, por conseguinte, de escolher e dar concretização às respostas mais idóneas no contexto

§         do crescente pluralismo cultural,

§         do movimento dos direitos humanos,

§         do desafio da ecologia,

§         do envelhecimento da população,

§         do aumento das velhas e novas formas de pobreza,

§         do desejo de paz

§         e da diminuição dos recursos económicos para a defesa do estado social.

 

Como se diz noutros capítulos deste documento, a Bioética impõe-se como parâmetro do nosso agir religioso e profissional correcto, precisamente porque impõe um ponto de vista universal ao nosso comportamento e às nossas opções, que apontam sempre para a promoção da humanidade do ser humano.

 

Este, como nos ensina S. João de Deus, não é um objecto insignificante no panorama da natureza, mas um ponto de vista original sobre toda a criação.(2)

 

 

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 (2)  Cf. 2ª Carta de S. João de Deus à Duquesa de Sesa.

Para testemunhar o horizonte futuro da nossa hospitalidade, devemos considerar mais a fundo as exigências do homem necessitado, entrelaçando a ética e a espiritualidade com uma antropologia coerente.

 

Hoje, os Irmãos e os Colaboradores têm a tarefa de serem profetas

§      da esperança,

§      da dignidade da pessoa que sofre,

§      do amor, que por vezes fica ofuscado pela técnica e pelas leis de mercado, que invadiram o mundo da saúde e da assistência.

 

No passado, em muitas circunstâncias, substituímos ou antecipámos o espaço do Estado.

Hoje, devemos entrar neste espaço e nas organizações de mercado, com a cultura e o espírito de S. João de Deus em defesa dos doentes e necessitados.

A Ordem deve percorrer um caminho que traduza o ensinamento social da Igreja, servindo-se de técnicos competentes que deixem espaço à criatividade do amor e à espiritualidade da Ordem.

 

Tudo isto poderia levar também a repensar a presença da Ordem nalgumas obras concretas, mas permitirá, pelo menos, uma refundação ao iniciar o novo Milénio.

 

Criar o futuro quer dizer entrar como fermento na massa da humanidade, renunciando a deter-nos como observadores mudos, por detrás das nossas janelas limitadas que, por vezes, consideramos como a totalidade do mundo.

Enviados a evangelizar o mundo da saúde, anunciamos que a salvação está no meio de nós e se manifesta no acolhimento de Cristo na pessoa do irmão.

Toda a obra de hospitalidade é sinal de esperança para alcançar a verdadeira saúde.

 

 

 

8.2. Força profética da hospitalidade

 

138.     Para viver na nova hospitalidade, precisamos de voltar a repensar a nossa presença no mundo da saúde que muda, envolvendo-nos num movimento vertiginoso que ameaça destruir-nos, e de não definir os nossos projectos e as estratégias para os realizar.

Não se trata de «salvar as obras», mas de tornar possível o anúncio do Evangelho mediante a prática do Carisma da Hospitalidade, como serviço a Deus nos necessitados.

Depois de termos ouvido tantos apelos à mudança, somos hoje chamados a ultrapassar a mudança: devemos empreender um processo destinado a reinventar-nos e a reinventar a Hospitalidade.

 

Esperar ou querer ser «perfeitos» na mudança significa não ouvir a Deus que fala através da nossa história pessoal e não só por meio da história das nossas obras.

O tempo, o porvir, não jogam a nosso favor, se não vivermos com ousadia e plenitude o nosso hoje.

A força profética não se exprime simplesmente na capacidade de interpretar os sinais dos tempos, mas também, e sobretudo, em saber vencer o presente e «ler o futuro», segundo o olhar de Deus.

 

«Embora a renovação não tenha desaparecido do léxico da Ordem e dos seus projectos, e seja desejada e procurada por todos a vários níveis, apelamos vivamente para que se entenda a sua necessidade e se procurem os meios para a sua realização».(3)

 

Reflectir sobre a renovação com espírito profético faz-nos pensar em muitas coisas que necessitam de discernimento.

Renovar a hospitalidade significa

§      oferecer serviços de qualidade às necessidades humanas,

§      avaliar correctamente os recursos económicos,

§      considerar as exigências de justiça social,

§      cuidar da formação dos Irmãos e Colaboradores,

§      adequar as estruturas organizativas.

 

Impõe-se um verdadeiro esforço de «formação nova» para os Irmãos e para os Colaboradores, como opção prioritária.

Não nos podemos limitar a uma formação localista, restrita: é necessária uma abertura mundial.

Impõe-se, pois, uma avaliação das experiências das diversas Províncias da Ordem, com intercâmbios culturais e pastorais, para um novo impulso, um entusiasmo novo, capazes de inspirar uma nova evangelização e uma nova hospitalidade.

 

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(3)   LXIII CAPÍTULO GERAL, A Nova Evangelização e a Hospitalidade no limiar do Terceiro Milénio, Bogotá 1994, nº 3.3, § final.

 

Mas tudo isto pode não ser suficiente para produzir um verdadeiro movimento de inovações que perdurem.

Por conseguinte, inspirados num verdadeiro amor pelo nosso serviço carismático, não nos devemos limitar a fazer simples propostas correctivas de situações que verificámos terem sido insuficientes ou inadequadas.

 

Devemos ir à raiz dos problemas, questionar de novo aquilo que mais nos custa questionar, isto é, a nós mesmos como pessoas, como Irmãos ou como Colaboradores, a nossa mentalidade, a nossa maneira de encarar a comunidade hospitaleira e as Obras Apostólicas.

 

Os Irmãos devem construir um tecido comunitário novo, no qual o papel de «proprietários» das obras fique equilibrado com a função de «animadores», abrindo-se a uma partilha mais convicta e coerente com quantos querem unir-se a eles com laços mais estreitos.

 

A renovação exigida pela Nova Hospitalidade, a re-invenção da nossa existência no campo da saúde, consiste mais em voltar a repensar e a rever não apenas as estruturas visíveis, mas também as invisíveis e as culturais.

 

Devemos pensar numa transformação que permita manter no tempo os melhoramentos, independentemente das variações do contexto económico-sanitário externo.(4)

 

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(4)  Toda a carga propositiva destas palavras está encerrada na página final do documento A Nova Evangelização e a Hospitalidade..., op. cit., 5. 6.

 

O fim último dos membros da Ordem Hospitaleira, no seu apostolado de caridade, consiste em tornar presente a Cristo que os convida a comprometer a sua existência na evangelização dos pobres e dos doentes.(5)

 

A Igreja hoje, tendo em vista a nova Evangelização, convida-os a verificar:

§      Se o seu apostolado tem um autêntico perfil evangelizador em todas as suas expressões;

§      Em que medida as comunidades, na sua acção apostólica, têm consciência do seu papel evangelizador;

§      Até que ponto as pessoas assumem e valorizam a sua dimensão de testemunhas do Evangelho;

§      Em que medida sabem ser animadores motivados e enraizados no Evangelho e, ao mesmo tempo, sensíveis às ciências humanas e organizativas;

§       Até que ponto conseguiram harmonizar a dimensão apostólica com a dimensão contemplativa.

 

Por fim, é importante que redescubram o sentido de alegria que inunda o profeta quando se entusiasma por ter descoberto o sentido da sua vocação: «seduziste-me, Senhor, e eu me deixei seduzir» (Jr 20, 7).

 

 

 

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(5)  Cf. Constituições, 41

A participação partilhada da gestão, do testemunho, da missão ou da espiritualidade revela-se como passo obrigatório para realizar o ministério de saúde e salvação que anunciamos profeticamente à humanidade que sofre.

 

Devemos convencer-nos de que, na prática das coisas concretas, a solução de participação envolve as pessoas e impõe a revisão do sistema hierárquico que frequentemente condicionou as relações entre Colaboradores e Irmãos e entre os Irmãos entre si.

 

A participação deve traçar um itinerário próprio que abranja tanto os aspectos culturais e de comunicação, como os relativos à organização e aponte para o amadurecimento de relações mais modernas na empresa-hospital e na comunidade hospitaleira.

 

Isto significa que nos devemos submeter, todos, a um confronto constante sobre os problemas concretos, tais como

§      a produtividade,

§      o melhor uso das estruturas técnicas,

§      a qualidade do trabalho e do serviço,

§      o reconhecimento da centralidade do homem doente.

 

Há que procurar a satisfação do doente, de todos os modos, com a mesma inteligência e constância com que se procura a criação de um ambiente de trabalho satisfatório.

 

A participação pode aumentar a satisfação dos agentes e dos utentes se for corroborada pelo desenvolvimento profissional, por um sistema económico mais próximo das modalidades de participação, por uma cuidadosa atenção à formação espiritual de todos na fidelidade ao carisma da hospitalidade.

Mas, para além disso e a outro nível, a participação implica uma informação mais difundida e uma comunicação mais interactiva relativamente ao que se tem feito até agora.

 

 

 

8.3. Vitalidade humano-divina do carisma da hospitalidade

 

139.     Nada nos pode garantir o êxito perante os desafios futuros ou manter as eventuais conquistas, se não estivermos enraizados na confiança no Pai.

Na resposta convicta e integral ao chamamento de Deus comprometemos todo o nosso ser e todos os nossos recursos ao serviço da humanidade.

 

Nisto, o carisma da hospitalidade é graça derramada por nosso intermédio sobre os homens que sofrem e compromete-nos a tornarmo-nos guias morais para o mundo da saúde.

Ser guias morais impõe uma coerência de vida nos comportamentos quotidianos, no cumprimento dos nossos compromissos, na nossa obra de evangelizadores positivos e propositivos no mundo da saúde.

 

Enraizados na fidelidade a Cristo homem-Deus, salvador do homem, devemos construir as oportunidades para que se respeite a dignidade humana, se reconheça o sentido e o destino transcendente de todo o ser humano.

 

Emerge aqui a dimensão espiritual, mais propriamente teológica do carisma da hospitalidade.

A vitalidade humana do carisma, a parte visível do nosso estilo, tem de ser uma manifestação da parte invisível da nossa união com Deus.

A partir do modo como reconhecemos a figura de Deus e o «sentido» da sua função na história, na natureza, na existência dos homens, determinamos o seu papel na nossa vida pessoal.

 

O modelo de acção apostólica que devemos formular e actuar tem de encontrar o seu fundamento na teologia do serviço. De facto, se a nossa opção vocacional se orientar para o alívio do sofrimento, devemos definir qual é o nosso modo de conceber esta tarefa como um precioso serviço a Deus. Porque está escrito:

 

«Quando o Filho do Homem vier na sua glória, (...) o rei dirá então aos da sua direita: ‘Vinde, benditos de meu Pai! Recebei em herança o Reino que vos está preparado desde a criação do mundo. Porque tive fome e destes-me de comer, tive sede e destes-me de beber, era peregrino e reconhecestes-me, estava nu e destes-me que vestir, adoeci e visitastes-me, estive na prisão e fostes ter comigo». Então os justos vão responder-lhe: «Senhor, (...) quando te vimos doente ou na prisão e fomos visitar-te?» E o rei vai dizer-lhes, em resposta: «Em verdade vos digo: sempre que fizestes isto a um destes meus irmãos mais pequeninos, a mim mesmo o fizestes’» (Mt 25, 31-40).

Mas isto, que segundo o Evangelho estava tão intimamente ligado com a mentalidade da Igreja primitiva – o espírito de comunhão e o sentido vivo do testemunho – é mais difícil de realizar na era moderna.

Isto porque a nossa visão do mundo e a cultura moderna, levaram-nos a excluir da realidade do mundo a dependência divina e transcendente como vital das coisas desta terra.

Portanto, é necessário rever a nossa maneira de agir e de pensar, para podermos transformar a nossa existência de Irmãos ou de Colaboradores e sermos realmente «transparentes», testemunhas vivas do amor misericordioso.(6)

 

Sendo assim, a fundação de um modelo de teologia do serviço que seja nosso não pode esperar mais: a ideia de serviço está no âmago da tradição cristã.

 

Na enorme complexidade da sociedade contemporânea, a busca de um modelo de teologia do serviço deve fazer-se mediante um salto arriscado que nos conduza à invenção de algo novo.

Somos chamados a pensar de maneira nova a relação, fundamental e fundante, sempre particular, entre a fé cristã e as formas de serviço religioso, político ou intelectual, prestadas ao mundo pela práxis social cristã.

 

É necessária uma ousadia nova para arriscar-se a uma abertura que abranja num único movimento a Deus, o totalmente outro, e o homem totalmente semelhante a nós.

 

_______________________________

 

(6)  Constituições, n. 41

Uma teologia, por conseguinte, centrada na hospitalidade de Deus no homem e do homem no homem. Somente nesta arriscada abertura, como esplêndida aventura, poderá basear-se o nosso serviço.

 

Assim, o doente, a pessoa que sofre e o ser em necessidade, transformam-se pela fé em Deus, em fonte de vida. Exercer o carisma da hospitalidade significará, portanto, de certo modo, ceder espaço ao outro e fazê-lo viver – connosco e em nós.

 

Traduzir em acção estes princípios ou estes riscos de aventura mudaria e revolucionaria o nosso ser, daríamos um testemunho capaz de encantar os jovens da nossa época, e daria às nossas Obras Apostólicas uma característica própria, que o nosso Fundador quis para o seu hospital.

 

Será a atitude de simples disponibilidade, mas também de luta por encontrar um lugar «para os outros»:

§      na nossa oração,

§      nas nossas palavras,

§      no exercício concreto das nossas profissões,

§      no acolhimento,

§      na assistência

§      e no acompanhamento dos doentes e necessitados.

 

Desta forma, a hospitalidade torna-se o lugar teológico em que Deus, que desde sempre nos acolheu, inspira gestos de hospitalidade que o fazem sentir acolhido entre os homens e o tornam presente no mundo.

 

 

 

 

 

 

 

Para a reflexão:

 

1)      Que sinais actuais nos fazem olhar para o futuro com receio?

 

2)      Que sinais actuais nos fazem olhar para o futuro com esperança?

 

 

 


 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 


 

ÍNDICE

 

 

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APRESENTAÇÃO    .    .    .    .    .    .    .    .    .    .    .    .    .

 

1.   PRINCÍPIOS, CARISMA E MISSÃO DA ORDEM

HOSPITALEIRA DE S. JOÃO DE DEUS .    .    .    .    .

 

1.1.   Projectar o futuro com base nos nossos princípios     .

1.2.   O Carisma da Ordem   .    .    .    .    .    .    .    .    .

1.3.   A Missão da Ordem .    .    .    .    .    .    .    .    .    .

 

Reflexão sobre este capítulo     .    .    .    .    .    .    .    .

 

2.  OS FUNDAMENTOS BÍBLICO-TEOLÓGICOS DA

     HOSPITALIDADE .    .    .    .    .    .    .    .    .    .    .   

 

2.1  A aproximação filosófica e religiosa ao sofrimento     .

 

       2.1.1. O homem perante a dor        .    .    .    .    .    .    .

       2.1.2. O sofrimento e os sofredores no Cristianismo .

       2.1.3. A mensagem evangélica da libertação  .    .    .

 

2.2. A Hospitalidade no Antigo Testamento    .    .    .    .

 

2.2.1. O Deus hospitaliadde .    .    .    .    .    .    .    .   

2.2.2. O conceito de hospitalidade   .    .    .    .    .    .

2.2.3. As razões da hospitalidade    .    .    .    .    .    .    .

2.2.4. As referências maios importantes    .    .    .    .    .

2.2.5. A hospitalidade institucional   .    .    .    .    .    .

 

2.3. A Hospitalidade no Novo Testamento .    .    .    .    .

 

2.3.1. A perspectiva evangélica .    .    .    .    .    .    .    .

2.3.2. A filoxenia  .    .    .    .    .    .    .    .    .    .    .    .

2.3.3. Hospitalidade e evangelização         .    .    .    .    .    .

     2.3.4. O Bom Samaritano .    .    .    .    .    .    .    .    .    .

 

Reflexão sobre este capítulo      .    .    .    .    .    .    .

 

3.  O CARISMA DA HOSPITALIDADE EM S. JOÃO DE

DEUS E NA ORDEM HOSPITALEIRA      .    .    .    .    .    .

 

3.1. O carisma da hospitalidade em S. João de Deus    .    .

 

3.1.1. A Hospitalidade misericordiosa          .    .    .    .    .    .

3.1.2. A Hospitalidade solidária    .    .    .    .    .    .    .    .

3.1.3. A Hospitalidade de comunhão  .    .    .    .    .    .    .

3.1.4. A Hospitalidade criativa .    .    .    .    .    .    .    .    .

3.1.5. A Hospitalidade integral (holística)   .    .    .    .    .    .

3.1.6. A Hospitalidade reconciliante   .    .    .    .    .    .    .

3.1.7. A Hospitalidade geradora de voluntários e de Co-

laboradores  .    .    .    .    .    .    .    .    .    .    .    .

3.1.8. A Hospitalidade profética   .    .    .    .    .    .    .    .

 

3.2. A hospitalidade ao longo da história da Ordem  .    .

 

3.2.1. A hospitalidade joandeína desde os primeiros compa-

nheiros e através dos séculos     .    .    .    .    .    .    .

3.2.2. A presença actual     .    .    .    .    .    .    .    .    .    .    .

3.2.3. As novas formas de presença       .    .    .    .    .    .    .

 

Reflexão sobre este capítulo    .    .    .    .    .    .    .

 

4. PRINCÍPIOS QUE ILUMINAM A NOSSA HOSPITALIDADE

 

 

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4.1. A dignidade da Pessoa humana     .    .    .    .    .    .    .    .    .

 

4.1.1.    O respeito pela dignidade da pessoa humana como

característica essencial da atitude verdadeiramente

cristã.     .    .    .    .    .    .    .    .    .    .    .    .    .    .    .

4.1.2.    O respeito tem de ser universal  .    .    .    .    .    .    .

4.1.3.    Atitude profunda e conduta eficaz de acolhimento para

com os doentes e os necessitados   .    .    .    .    .    .    .

    

4.2. O respeito pela vida humana        .    .    .    .    .    .    .    .    .

 

4.2.1.    A vida como bem fundamental da pessoa

e condição prévia para o desfrutar de todos os bens .    .

4.2.2.    Protecção e promoção das pessoas com deficiências

físicas, mentais e psicológicas    .    .    .    .    .    .    .    .

4.2.3.    Promover a vida, criando ou colaborando na criação de

instâncias que ajudem a superar a miséria, a fome e a

doença    .    .    .    .    .    .    .    .    .    .    .    .    .    .

4.2.4.    A obrigação e limites na conservação da própria vida        .

4.2.5.    A obrigação de não atentar contra a vida dos outros     .    .

4.2.6.    A obrigação em ordem aos recursos da biosfera .    .    .

 

4.3. A promoção da saúde e a luta contra a dor e o sofrimento

 

4.3.1. O dever de velar pela promoção da saúde da população

4.3.2. O dever ético de velar pelos melhores interesses dos

doentes   .    .    .    .    .    .    .    .    .    .    .    .    .

4.3.3.    Colocar-se ao lado dos pobres, marginalizados e sofre-

dores como imperativo evangélico de justiça  .    .    .

4.3.4.    O tratamento correcto do doente perante o encarniça-

mento terapêutico  .    .    .    .    .    .    .    .    .    .    .

4.3.5.    Os cuidados paliativos .    .    .    .    .    .    .    .    .    .

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

4.4. A eficácia e a boa gestão .    .    .    .    .    .    .    .    .    .

 

4.4.1.    Dever de consciencializar a população de que os re-

cursos da saúde não podem ser considerados como

um mero consumo  .    .    .    .    .    .    .    .    .    .

4.4.2.    Administração e gestão eficaz e eficiente dos

recursos  .    .    .    .    .    .    .    .    .    .    .    .    .

4.4.3. A instituição hospitaleira empresarial deve orientar-se

para a recuperação da pessoa integralmente conside-

rada   .    .    .    .    .    .    .    .    .    .    .    .    .    .

4.4.4. O investimento para criar um clima humano e humaniza-

dor como ajuda à rendibilidade dos recursos     .     .     .

4.4.5.    Direitos e deveres dos trabalhadores    .    .    .    .    .

 

4.5. A Nova hospitalidade e as novas exigências:

III e IV Mundos  .    .    .    .    .    .    .    .    .    .    .    .

 

4.5.1. Solidariedade e cooperação .    .    .    .    .    .    .    .

4.5.2. Cooperação e Colaboradores: direitos e deveres    .    .

4.5.3. O voluntariado. Gratuitidade e identificação .    .    .

 

4.6. A evangelização, a inculturação e a missão     .    .    .    .

 

4.6.1. Visão de conjunto .    .    .    .    .    .    .    .    .    .    .

4.6.2. A evangelização, a inculturação e a missão

da Ordem  .    .    .    .    .    .    .    .    .    .    .    .    .

 

Reflexão sobre este capítulo .    .    .    .    .    .    .    .

 

5. A APLICAÇÃO A SITUAÇÕES CONCRETAS     .    .    .    .

 

5.1. A assistência integral e Direitos do doente  .    .    .    .    .

 

5.1.1. O encontro com o doente, o necessitado e o seu am-

biente familiar .    .    .    .    .    .    .    .    .    .    .

 

5.1.1.1. Abertura   .    .    .    .    .    .    .    .    .    .    .

5.1.1.2. Acolhimento  .    .    .    .    .    .    .    .    .    .

5.1.1.3. Capacidade de escuta e de diálogo    .    .    .    .

5.1.1.4. Atitude de serviço        .    .    .    .    .    .    .    .

5.1.1.5. Simplicidade .    .    .    .    .    .    .    .    .    .

 

5.1.2  Os Direitos do doente  .    .    .    .    .    .    .    .    .    .

 

5.1.2.1. Confidencialidade       .    .    .    .    .    .    .    .

5.1.2.2. Veracidade    .    .    .    .    .    .    .    .    .    .    .

5.1.2.3. Autonomia     .    .    .    .    .    .    .    .    .    .    .

5.1.2.4. Liberdade de consciência          .    .    .    .    .    .

 

5.1.3. Os programas de humanização e de pastoral    .    .

 

5.1.3.1. Programa de humanização .    .    .    .    .    .

5.1.3.2. Pastoral da saúde e social       .    .    .    .    .    .

 

5.2. Os problemas específicos da nossa acção assistencial  .    .

 

5.2.1. A sexualidade e a procriação .    .    .    .    .    .    .

 

5.2.1.1. A procriação responsável        .    .    .    .    .    .

5.2.1.2. A interrupção da gravidez   .    .    .    .    .    .

5.2.1.3. A reprodução assistida   .    .    .    .    .    .    .

 

5.2.2. A doação de órgãos e os transplantes .    .    .    .    .

 

 

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5.2.2.1. Tipos de transplante  .    .    .    .    .    .    .    .

5.2.2.2. A morte cerebral .    .    .    .    .    .    .    .    .

 

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5.2.2.3. Utilização dos tecidos embrio-fetais   .    .    .

 

5.2.3. Os doentes crónicos e terminais    .    .    .    .    .    .    .

 

5.3.2.1. A Eutanásia         .    .    .    .    .    .    .    .    .    .

5.2.3.2. O Testamento vital   .    .    .    .    .    .    .    .

5.2.3.3. A proporcionalidade dos cuidados e o encarni-

çamento terapêutico        .    .    .    .    .    .    .

5.2.3.4. Os cuidados paliativos   .    .    .    .    .    .    .

 

5.2.4. Os problemas relacionados com a pesquisa científi-

ca em seres humanos .    .    .    .    .    .    .    .    .

 

5.2.4.1. A Experimentação clínica   .    .    .    .    .    .

5.2.4.2. A Investigação com pessoas deficientes e gru-.

pos vulneráveis  .    .    .    .    .    .    .    .    .

5.2.4.3. Os fetos e os embriões  .    .    .    .    .    .    .

5.2.4.4. As Comissões de Investigação Clínica e as Co-

missões de Ética    .    .    .    .    .    .    .    .    .

 

5.2.5. Problemas éticos relacionados com a medicina preditiva      .

 

5.2.5.1.  A comunicação do diagnóstico         .    .    .    .

5.2.5.2.  O património e a tutela do segredo   .    .    .    .

 

5.2.6. Problemas éticos nas situações de marginalização     .     .     .

 

5.2.6.1. Toxicodependentes   .    .    .    .    .    .    .    .

5.2.6.2. Doentes de SIDA    .    .    .    .    .    .    .    .    .

5.2.6.3. Deficientes físicos e psíquicos .    .    .    .    .

5.2.6.4. Doentes mentais e deficientes psíquicos .    .

5.2.6.5. Idosos  .    .    .    .    .    .    .    .    .    .    .    .

5.2.6.6. Problemas emergentes  .    .    .    .    .    .    .

 

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5.3.    A Gestão e a direcção       .    .    .    .    .    .    .    .    .    .   

5.3.1.   A gestão          .    .    .    .    .    .    .    .    .    .    .    .

 

5.3.1.1. Organização e aplicação de recursos .    .

5.3.1.2. Profissionalismo   .    .    .    .    .    .    .    .

5.3.1.3. Competência técnica     .    .    .    .    .    .    .

 

5.3.2.  A organização   .    .    .    .    .    .    .    .    .    .    .

 

5.3.2.1.   A expressão correcta da missão da obra   nos

instrumentos organizativos     .    .    .    .    .

5.3.2.2.   A defesa da pluralidade         .    .    .    .    .    .

5.3.2.3.   Delegação. Participação. O assumir funções

5.3.2.4.   A descentralização / centralização   .    .    .

5.3.2.5.   As novas fórmulas jurídicas   .    .    .    .    .

5.3.2.6.   O trabalho em equipe  .    .    .    .    .    .    .

 

5.3.3.  A política de pessoal      .    .    .    .    .    .    .    .    .

 

5.3.3.1.   Critérios gerais  .    .    .    .    .    .    .    .    .

5.3.3.2.   Relações com os trabalhadores  .    .    .    .    .

5.3.3.3.   A acção sindical     .    .    .    .    .    .    .    .    .

5.3.3.4.   A selecção e contratação do pessoal    .    .    .

5.3.3.5.   A segurança no emprego      .    .    .    .    .    .

5.3.3.6.   O sistema salarial   .    .    .    .    .    .    .    .    .

5.3.3.7.   A motivação .    .    .    .    .    .    .    .    .    .

5.3.3.8. A convergência de valores de quantos trabalham

numa Obra Apostólica .    .    .    .    .    .    .

5.3.3.9.   Promover uma cultura de pertença à Obra A-

postólica, à Província, à Ordem       .    .    .

 

5.3.4.   A Política Económica e Financeira       .    .    .    .

 

5.3.4.1. A Entidade sem fins lucrativos .    .    .    .    .   

5.3.4.2. O carácter de beneficência social .    .    .    .   

5.3.4.3. O equilíbrio financeiro   .    .    .    .    .    .    .   

5.3.4.4. A transparência na gestão  .    .    .    .    .    .

 

5.3.5. A responsabilidade Social    .    .    .    .    .    .    .    .

 

5.3.5.1. Serviço à sociedade como elemento justifica-  

tivo das Obras Apostólicas    .    .    .    .    .    .

5.3.5.2. O respeito e aplicação da legislação       .    .    .

5.3.5.3. O compromisso de justiça social na angariação

de recursos  .    .    .    .    .    .    .    .    .    .

5.3.5.4. A função de denúncia nas situações que o exi-

girem      .    .    .    .    .    .    .    .    .    .    .

 

5.3.6. A presença da sociedade no Centro  .    .    .    .    .

 

5.3.6.1. Os utentes. Associações de utentes e familiares .

5.3.6.2. Os trabalhadores .    .    .    .    .    .    .    .    .

5.3.6.3. Os benfeitores     .    .    .    .    .    .    .    .    .    .

5.3.6.4. Os voluntários          .    .    .    .    .    .    .    .    .   

5.3.6.5. A Igreja local  .    .    .    .    .    .    .    .    .    .

5.3.6.6. A Administração Pública         .    .    .    .    .    .

 

5.3.7. Avaliação          .    .    .    .    .    .    .    .    .    .    .    .

 

5.3.7.1. A atenção ao sinais dos tempos    .    .    .    .    .

5.3.7.2. A resposta às necessidade do homem e da  so-

ciedade   .    .    .    .    .    .    .    .    .    .    .

 

6. A FORMAÇÃO, A DOCÊNCIA E A INVESTIGAÇÃO 

6.1. A formação    .    .    .    .    .    .    .    .    .    .    .    .    .   

6.1.1. A formação técnica, humana e carismática    .

6.1.2. As Comissões de Ética como instrumento de

informação       .     .     .     .     .     .     .     .     .     .

 

6.2.  A docência        .    .    .    .    .    .    .    .    .    .    .    .    .   

6.2.1. A docência, uma constante na Ordem  .    .

6.2.2. A docência, um imperativo nos dias de hoje  

6.3.  A investigação  .    .    .    .    .    .    .    .    .    .    .    .   

6.3.1. A comunicação na perspectiva da Ordem .

6.3.2.1.  A promoção da investigação em direcção

ao Terceiro Mundo  .    .    .    .    .    .    .   

6.         A INTEGRIDADE PESSOAL COMO BASE PARA    

A ACÇÃO  .     .     .     .     .     .     .     .     .     .     .     .     .     .     .

 

7.1. A integridade como projecto de existência .    .    .    .   

7.1.1.Viver segundo os  valores que configuram a

pessoa

 

7.2.  A consciência como motor da nossa acção    .    .    .    .   

7.3.  A consciência e a rectidão moral  .    .    .    .    .    .    .   

7.3.1. O serviço ao homem doente e necessitado, «con-

ditio sine qua non»    .    .    .    .    .    .    .

 

7.3.2. Os graus de envolvimento pessoal na missão da Ordem  .    .    .    .    .    .    .    .    .    .    .    .

7.3.2.1. Os Irmãos .    .    .    .    .    .    .    .    .    .    .

7.3.2.2. Os Colaboradores    .    .    .    .    .    .    .    .    .   

8.  CRIAR O FUTURO COM ESPERANÇA        .    .    .    .    .   

8.1.  Os desafios do presente     .    .    .    .    .    .    .    .    .    .    .

 

8.2.  A força profética da hospitalidade     .    .    .    .    .    .    .   

 

8.3.  A vitalidade humano-divina do carisma da Hospitalidade

 

 

 

 
 

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